Amigos e Camaradas,
Este é o 5º Poste da série História do B CAÇ 4612/72, da Autoria do então Alferes Ferreira, da CCS, escrita sob alguma "supervisão" do então Capitão Vicente (Operações).
Ao falar do saudoso Capitão Vicente (que na sua carreira militar chegou ao posto de Coronel), não posso deixar de mencionar que, enquanto foi vivo, sempre participou entusiástica e alegremente nos almoços das várias companhias do Batalhão.
Alguns textos da História do BCAÇ foram extraídos da História da Guiné.
Um abraço para todos,
(Jorge Canhão)
(4) Aspecto político
Os grupos étnicos de maior representação numérica no Sector:
- Balantas, Mansoancas e Oincas - são dos que mais se ligaram à subversão, muitas vezes coercivamente, no inicio do terrorismo; houve então milhares de indivíduos que fugiram para o “mato”ou para o SENEGAL - por vezes até tabancas inteiras - e se subtraíram ao controle das nossas autoridades. Dos que estão no "mato" e passaram à clandestinidade, nem todos pegaram em armas contra a nossa soberania.
É evidente que as populações sob controle das nossas autoridades o que constituem a grande maioria não se alheiam da situação e da sorte dos que estão no “mato” aos quais estão ligados por laços familiares, de amizade ou simplesmente étnicos e a quem ajudam, em maior ou em menor grau, em caso de necessidade.
Consequentemente o IN obtém algum apoio das populações sob o nosso controlo, nomeadamente na contribuição com alimentos, na recolha de informações e na colecta de fundos; há conhecimento que elementos IN, OU de populações fugidas, contactam com relativa frequência com elementos da população sob O controlo das nossas autoridades por vezes até nas próprias Tabancas.
Neste campo, destacam-se as populações das povoações de BRAIA e INFANDRE de quem o IN das áreas do QUERE e do CUBONGE obtém fácil apoio e da povoação do BINDORO, com ligação com o IN da área de CHANGALANA.
É curioso verificar que a esmagadora maioria das populações sob nosso controlo, (bem como a quase totalidade das populações que vivem na clandestinidade e até mesmo muitos elementos do IN armados, desconhecem o que seja o PAIGC, quem são os seus dirigentes e qual o seu ideal político ou os objectivos que se propõe alcançar.
A luta que se trava tinha, para eles, uma feição essencialmente racial, conceito este que vai sendo desfeito com o crescente número de soldados e milícias nativos que servem nas nossas fileiras.
Aparentemente as populações sob controlo das nossas autoridades mostram-se submissas e colaborantes quando lhes é pedido um esforço físico remunerado (trabalho de desmatação, capinagem, etc.); contudo repete-se - há entre elas vários elementos - e até mesmo em MANSOA – que são colaborantes em maior ou menor escala com o IN. Embora haja alguns elementos suspeitos, torna-se difícil a detecção e neutralização de possíveis redes subversivas, devido fundamentalmente à índole reservada e pouco expansiva das populações do Sector.
São frequentes, principalmente em épocas de crise alimentar, apresentações às nossas autoridades de elementos Balantas da população fugida do mato, provenientes das áreas do CUBONGE; na sua maior parte são velhos, mulheres e crianças, alegando como razão da sua apresentação, terem no mato uma vida de privações e de insegurança. Contudo, desde que a área de MANSABÁ passou para o Sector 04, ainda não se apresentou qualquer elemento Oinca que estivesse sob controlo do IN, o que se enquadra na sua maneira de ser e rebeldia tradicionais.
(5) Aspecto administrativo
O Sector 04 abrange:
- No concelho de MANSOA: a quase totalidade do Posto Sede, no qual se localizam os Regulados de MANSOA,CUBONJE, JUGUDUL e SANSANTO. Grande parte da área do Posto Administrativo de PORTO GOLE, onde se localiza o regulado de ENXALÉ.
- No Concelho de FARIM: Parte da área do Posto Administrativo de MANSABÁ, onde apenas existe o regulado de OIO. As relações com as autoridades Administrativas têm sido normais.
Conclusões
- Predominam no Sector os grupos étnicos Balantas, Mansoancas e Oincas que no início do terrorismo foram dos que mais aderiram à subversão; consequentemente, as populações sob nosso controlo não merecem confiança absoluta, pois embora se mostrem colaborantes com as nossas autoridades, têm também elementos que colaboram com o IN, ao qual estão ligados por laços de parentesco e étnicos Salientam-se neste aspecto, as povoações de BRAIA, INFANDRE e BINDORO.
- A população nativa aprecia e aceita de bom grado as realizações materiais que lhes ocasionam benefícios no campo socioeconómico (construções do tipo reordenamento, escolas, poços, etc.) e à Assistência Sanitária prestada pelas NT. Os Fulas e Mandingas de MANSOA, pedem, com frequência, às autoridades, apoio e auxílio de toda a espécie; em contrapartida os Balantas, mais sóbrios e independentes, raramente pedem seja o que for.
- A economia nativa da região assenta na agricultura, com grande destaque para a cultura do arroz; consequentemente a sua riqueza e poder de compra subordinam-se às colheitas que, por sua vez, dependem em larga escala das condições climatológicas. Se chove bem na época própria, há um ano de abastança; se chove pouco o ano é de escassez.
- A influência no campo de desenvolvimento económico, da escassa população europeia do Sector pouco se faz sentir; são comerciantes e funcionários que se dedicam ao modo de vida que escolheram sem se manifestarem muito quanto à luta que se desenrola.
3. ACTIVIDADES DO INIMIGO
a. Resumo das actividades
- Até ao momento da tomada de responsabilidade do Sector pelo BCAÇ 4612/72, a actividade do IN tem sido a seguinte:
- Flagelações às povoações e aquartelamentos das NT, especialmente aos de MANSOA e MANSABÁ.
- Intimidação e acções de rapto e roubo, contra as populações sob o controlo das NT.
- Emboscadas e implantação de engenhos explosivos nos itinerários utilizados pelas NT, nomeadamente nas estradas MANSOA–MANSABÁ e MANSOA-BISSORÃ.
- Reacção à penetração nas suas áreas de refúgio, especialmente nas regiões de MORÉS, CUBONGE e CHANGALANA.
b) Organização civil e militar
(1) Generalidades
No quadro da organização IN, o Sector 04 integrado, na INTER-REGIÃO NORTE, compreendendo a parte dos "SECTORES" de MORÉS, SARA e CANJABARI, da organização político-administrativa do IN, e parte dos “SECTORES” de MORÉS e NHACRA, da FRENTE DA LUTA–MORÉS–NHACRA, parte do sector do BIAMBE da FRENTE DE LUTA CANCHUNGO–BIAMBE e ainda parte do SECTOR de SAMBUIÁ, da FRENTE DE LUTA S.DOMINGOS–SAMBUIÁ, da actual organização militar do IN.
(2) Organização Civil
Dentro da ZA do Batalhão, incluem-se os seguintes Sectores da organização político-administrativa do IN:
- MORÉS, com as secções de CUBONJE, NANJA, MORÉS, MANSODÉ, MADINA e parte das secções de GANSAMBO, IRACUNDA e DANDO.
- CANJABARI, com as secções de CAMBAJU, UÁLIA, e BRICAMA e parte das secções de CANJABARI (TAMBICÓ) e IONFARIM.
- SARA, com as secções de LAMOI, DAR-ES-SALAM, BESSUNHA ou CORBA, BANTANJÃ E MANHAU e parte das secções de CUBDJAL e BANIR.
(3) Organização Militar
Na área de interesse do Batalhão, o IN tem o seguinte dispositivo e potencial:
(a) FRENTE MORÉS/NHACRA
1. SECTOR DO MORÉS
CANJAJA
- 01 bi-grupo, comandado por JOSÉ INDEQUE.
MORÉS
- 01 bi-grupo, comandado por BRAIMA SEIDI.
- 01 bi-grupo, comandado por IMBEMBA SEIDI.
- 01 bi-grupo não identificado.
- 01 Bateria comandada por TURÉ MANTCHA.
- 01 GR de Sapadores, comandado por ALBINO NANCASSA.
- 01 GR de Foguetões 122, comandado por ALFA DJALÓ, destacado do CE 199/A/70.
- 02 Grupos FAL, referenciados em MORÉS e MANSODÉ.
SANTAMBATO
- 01 Grupo, comandado por MAMADU SEIDI.
- 01 Grupo FAL, na região de SANTAMBATO.
CAMBAJO
- 01 Grupo, comandado por MADA.
CUBONGE
- 01 Bi-grupo, comandado por NHAGA NHAME.
- 01 Grupo, não identificado.
- 04 Grupos FAL, referenciados em CUBONGE, TALICÓ, MADANE e SINRE.
BIRIBÃO
- 01 Bi-grupo, comandado por SEIDICÓ TURÉ.
2. SECTOR DE NHACRA
- CE 199/C/70, comandado por ANDRÉ PEDRO GOMES, responsável da FRENTE DE LUTA MORÉS/NHACRA, com as seguintes unidades:
SARA/MANTEM
- Sede do CE 199/C/70 e do Comando da FRENTE.
- 01 Bi-grupo, comandado por FERNANDO NANCASSA.
- 01 Bateria, comandado por BRAIMA PADRE.
- 01 GR de Foguetões 122, comandado por SAMBÁ LAMINE MANÉ (ROBALDE).
- 03 GR FAL, referenciados nas zonas de SUARECUNDA, SARAOUL e BUMAL.
CHANGALANA (POLIBAQUE)
- 01 Bi-grupo comandado por INFANDA NABENA.
MADINA/ENXALÉ
- 01 Bi-grupo (-) comandado por ALFOCENE SEIDI.
- 01 GR de Sapadores, não identificado.
MALFO
- 01 Grupo do bi-grupo de ALFOCENE SEIDI.
PORTO GOLE/BESSUNHA
- 01 Bi-grupo comandado por CAMBRA.
b) Capacidade de Combate
- O IN dispõe de armamento eficiente e em quantidade.
- Os elementos combatentes, a par do seu conhecimento profundo do terreno em que actuam, estão já dotados de uma mais apurada técnica de guerra de guerrilha, resultante, além do mais, de vários anos de ex¬periência.
c) População sob o seu controlo
O estudo da situação do IN e a análise dos binários IN/população e IN/terreno, mostram-nos a existência de duas áreas distintas na ZA.
(1) Uma vasta área a OESTE do itinerário MANSOA-MANSABÁ-SALIQUINHEDIM, onde o IN controla totalmente as populações, perfeitamente integradas na sua organização político-administrativa, e mantém um dispositivo militar solidamente implantado e ainda FAL para defesa e controle da população. Constitui área de esforço em ordem a manter os itinerários do reabastecimento e a consolidar as estruturas sociopolíticas.
(2) Na área a LESTE do itinerário MANSOA-MANSABÁ-SALIQUINHEDIM, podem considerar-se ainda duas zonas distintas, a primeira, a região de CANJABARI-BANJARA, a NORTE da estrada MANSABÁ-BANJARA, dispondo de FAL e situando-se em estado de evolução semelhante ao MORÉS, e a segunda, a SUL da mesma estrada, dispondo de forças do Exército Popular e das FAL, que dela irradiam para acções de guerrilha contra as NT e para acções de roubo e rapto das populações sob seu controlo, e exercendo sobre elas esforço de mobilização psicológica, aliciamento e intimidação.
d) Movimentos, Linhas de infiltração e comunicação.
São as seguintes as linhas de infiltração e comunicação do IN com incidência sobre a ZA do Batalhão:
(1) Continuação do "corredor" de SAMBUIÁ que a partir da zona do MORÉS se bifurca segundo os eixos:
MABONCÓ-SUARECUNDA
MORÉS< >SARA
SAMTAMBATO-MANDINGARÁ
(2) Continuação do corredor de LAMEL, que de BRICAMA, se bifurca segundo os eixos:
BIRIBÃO-IONFARIM-BIRONQUE-CÃ QUEBO-MORÉS
BRICANA <
FARANDITO-TENTO-UÁLIA-GUSSARÁ- MANTIDA-SARA
2.1) Formas de actuação. Táctica.
De um modo geral o IN só tem actuado no Sector:
- Em flagelações às povoações e aquartelamentos das NT.
- Intimidação e acções de rapto e roubo, contra as populações sob o controlo das NT.
- Por emboscadas e implantações de engenhos explosivos nos itinerários mais utilizados pelas NT.
- Reagindo à penetração das NT nas suas áreas de refúgio. Para a execução da sua actividade, o IN tem modos de actuação característicos. Assim, relativamente ao Sector 04 e de um modo muito genérico:
- O IN quando executa uma flagelação:
- Monta normalmente as suas bases de fogos durante o dia, quando pretende flagelar uma povoação e respectivo aquartelamento a partir do cair da tarde, o que tem feito por sistema.
- Monta normalmente mais do que uma base de fogos.
- Tem procurado abordar o arame farpado durante a flagelação, sobretudo quando tem actuado contra os destacamentos de INFANDRE, BRAIA e JUGUDUL e sobre a tabanca em auto-defesa do CUSSANÁ
- Deixa-se ficar, durante algum tempo, perto das suas bases de fogos, enquanto a Artilharia normalmente procura bater os possíveis itinerários de retirada.
- Tem deixado ultimamente as suas bases de fogos, depois da retirada, armadilhas.
- Procura flagelar mais de que um destacamento a fim de evitar o apoio de fogos e o socorro em tempo oportuno.
2.2) Redes de informações e de colectas de fundos
E do conhecimento do Batalhão que existem no Sector, redes de informações que até à data não foram detectadas, muito embora se encontrem vários elementos em observação, por haver desconfiança de possíveis ligações com o IN.
No que respeita a colectas de fundos, o Batalhão tem notícias de que continuam a ser feitas, através dos comités de tabancas no que respeita às populações controladas pelo IN e através de elementos que recruta para o efeito, nas tabancas das populações reordenadas e controladas pelas NT.
Neste aspecto predomina o apoio fornecido pelas populações de BINDORO, BRAIA e INFANDRE. Nos restantes reordenamentos populacionais há conhecimento de que se colectam, mas em menor escala.
e) Situação em abastecimentos. Locais de apoio.
O IN leve a efeito regularmente colunas de abastecimentos, através dos "corredores" tradicionais utilizados para o lado da fronteira do SENEGAL, socorrendo-se ainda por vezes de ligações e cambanças para o SUL, quando pretende abastecer-se através dos "corredores" tradicionais de penetração da REPUBLICA DA GUINE.
Para estas colunas de reabastecimentos o IN serve-se normalmente das populações sob seu controlo e só raramente se serve das que se encontram controladas pelas NT.
Neste último caso procura as referidas populações quando se encontram a trabalhar nas suas bolanhas ou embosca trilhos por elas utilizadas nos seus deslocamentos e em ambos os casos rapta-as para Utilização posterior nas referidas colunas.
Dentro do Sector podem-se considerar como locais de apoio o MORÉS e o SARA. É a partir destas duas regiões que o IN faz irradiar os reabastecimentos. No que respeita a alimentação, o IN recorre:
- A colecta de alimentos junto das populações sob controlo das NT.
- Aos produtos cultivados pelas populações sob seu controlo.
- A produtos por ele próprio cultivados, embora em menor escala.
f) Aspectos característicos e pontos fracos.
- O IN continua a ter necessidade de se apoiar nas suas populações que controla a fim de se alimentar.
- Utiliza as populações normalmente na periferia das suas bases e acampamentos, servindo-lhe de escudo e alarme à aproximação das NT.
- Nos últimos contactos havidos na região do CUBONGE e no SARA, tem sido com FAL que as NT têm tido inicialmente contactos, evitando deste modo que as NF cheguem, por terra às suas bases.
- Tanto o IN como as suas populações controladas, continuam a ter necessidade de fazerem as suas trocas comerciais nas povoações por nós controladas, visto que dificilmente terão outro processo de terem dinheiro, alimentos que lhes faltem e vestuário.
- Continua a ter necessidade de realizar colunas de reabastecimento de trajectos longos e difíceis servindo de carregadores, normalmente, os elementos que recruta de entre as populações que controla. Estes elementos já de há tempo que vêm manifestando o seu descontentamento, porquanto:
-Já há anos que o vem fazendo, e é fácil de imaginar o seu cansaço.
- Não recebem qualquer pagamento e muitas das vezes nem alimentação lhes é fornecido,
- Prometem-lhes ofertas, sobretudo de vestuários, que não chegam a cumprir.
(Jorge Canhão – Ex-Fur. Milº da 3ª Cia)
Fotos: © Augusto Borges & Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados
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Nota de MR:
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