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quinta-feira, 18 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22015: FAP (123): Em louvor do ex-fur mil pil av António Galinha Dias e da tenente enfermeira paraquedista Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) que fizeram a evacuação Ypsilon do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, na sequência da Op Jove (Jorge Narciso / Maria Arminda)


O ex-fur mil pil António Galinha Dias 
e a tenente enfermeira paraquedista Maria Zulmira (1930-2010)


1. Comentário, ao poste P22014,  do Jorge Narciso, ex-1.º cabo esp, MMA, BA 12, Bissalanca, 1969/71, membro da nossa Tabanca Grande, desde 2009:

Abraço para o editor de serviço

Há algum tempo que não passava pelo Blogue, o que por mero acaso resolvi fazer hoje e, surpresa, vejo uma foto minha neste 1.º Post, visível,

Li e percebi a associação dos dois eventos relatados.

Sem aparentemente nada a recordar, notei no entanto a dúvida quanto a quem seria o Piloto da evacuação e lembrei-me que num almoço de convívio de pessoal da BA12 tal assunto veio à baila e, através do próprio, soube (apesar de ter participado, jamais me relembraria) que o Piloto foi o António Galinha e a enfermeira a Maria Zulmira

Mais um Abraço
Jorge Narciso

18 de março de 2021 às 01:15

2. Comentário do editor LG:

Em informação complementar,por email, o Jorge Narciso precisou que se trata do António Galinha Dias, ex-fur mil pil av. É de Torres Novas, vive hoje em Évora e tem página no Facebook (embora inativa desde 1 de julho de 2019), e donde com a devida vénia fomos buscar a foto que publicamos acima. 

Sem querer fazer concorrência ao excelente blogue dos Especialistas da Base 12, Guiné 1965/74, e muito menos melindrar o seu fundador e editor principal nosso querido amigo, camarada e nosso grã-tabanqueiro, Victor Barata, convidamos o António Galinha para se juntar à Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas, onde, de resto, o pessoal da FAP, que andou pelos céus da Guiné daquele tempo, está também muito bem representada.

Por sua vez. a Maria Zulmira [André Pereira] [1931-2010] tem 8 referências no nosso blogue.


3. Reprodução, com a devida vénia de um testemunho da Maria Arminda [Santos],  ex-ten enf pqdt, publicado no blogue dos Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, em  17 de outubro de 2010 (**):


(...) Como sempre refiro: A vida São os Dias que nos Lembramos. Quando o contrário acontece, em que já não estamos cá fisicamente ou a nossa memória partiu para outros universos de pensamentos, a vida deixa de ser real.

São essas as razões porque a memória dos Homens, anda por vezes distraída mas enquanto a minha não se ausentar totalmente,  quero, não só recordar mas ainda para que fique para a história, pelo menos como registo neste blogue, quem foi a Enfermeira Paraquedista que assistiu e tratou o Capitão do Exército Cubano ao serviço do PAIGC, Pedro Rodriguez Peralta, ferido e evacuado da zona do Guileje.

Sempre que se fala da captura do Capitão Peralta, fico muito triste e decepcionada. Na recente publicação pelo jornal Correio da Manhã, intitulada “As grandes Operações Militares da Guerra Colonial “, e até noutras publicações anteriores por outros órgãos de comunicação social, são referidos os nomes dos oficiais que planearam e executaram a “Operação Jove”, realizada em 18 de Novembro de 1969 pelas Tropas Paraquedistas na zona do Guileje. Foi nessa operação que foi ferido e capturado o referido oficial cubano e mais não dizem, ficando a narrativa incompleta.

Quando foi solicitada, pelo Sr. Capitão Paraquedista Bessa uma evacuação urgente, foi enviada de helicóptero uma enfermeira paraquedista a quem foram dadas ordens expressas,para fazer tudo, mesmo tudo o que estava ao seu alcance,  para salvar aquele ferido que se encontrava em péssimas condições físicas e em estado de choque, não podendo falhar nada para que o doente chegasse vivo ao hospital e em condições gerais estáveis para ali ser intervencionado de imediato.

A enfermeira iria fazer o que sempre fez aos feridos em situações semelhantes, mas a carga emocional foi grande pelo tom imperativo que envolveu a recomendação.

Logo que o ferido lhe foi entregue procedeu de forma adequada,  estabilizando o seu estado geral, terminando com a colocação do seu casaco de camuflado para o aquecer até chegar ao hospital.

No fundo não fez mais do que fazia habitualmente; a carga emocional é que foi muito maior, porque ela sentiu o peso da importância daquela vida para os militares envolvidos na operação, a importância para a própria organização militar e logicamente para o país, dadas as características do prisioneiro ferido. Só começou a aliviar o seu stress depois de o entregar no Hospital Militar de Bissau, vivo e em condições para novas intervenções só feitas a nível hospitalar.

Parece que a enfermeira não teve importância nenhuma, muito menos mérito nenhum em toda esta história.

Nós éramos tão poucas, não seria difícil aos investigadores e autores dos artigos informarem-se dos nomes da enfermeira, do piloto e eventualmente do mecânico, que tal como a enfermeira passaram por níveis acrescidos de stress na missão deste acontecimento muito especial e que foi sem dúvida com grande mérito para as nossas tropas, tendo ficado por esse facto, na história da guerra da Guiné.

Para que conste, e para que pelo menos fique registado no blogue dos Especialistas da Base Aérea 12 o nome da citada enfermeira: Maria Zulmira Pereira André, tenente graduada enfermeira Paraquedista, foi a enfermeira que foi buscar nas matas do Guileje o Cubano, senhor capitão Peralta.

Tenho pena de não referir os nomes do piloto e do mecânico porque na questão de evacuações, éramos um todo, cabendo a cada um a sua tarefa específica, complementávamo-nos para que a missão fosse bem sucedida. Mas também eu desconheço quem foram eles.
Sempre que falava com a Zulmira sobre este acontecimento e que ia dizer aos distraídos que tinha sido ela a tal enfermeira, respondia-me com esse seu modo conciliador: "Deixa lá, Maria Arminda, não te aborreças, não tem importância nenhuma não falarem de mim, isso hoje não interessa, já passou".

Não é bem assim, minha amiga, e agora que já não estás entre nós, tomo esta atitude para honrar a tua memória, pela pessoa boa que sempre foste, pelos amigos que fizeste, pelo extraordinário desempenho profissional e com espírito de missão que sempre puseste ao serviço de todos.

Grata pela oportunidade de dar a conhecer este pormenor da Operação Jove e da importância que a enfermeira Zulmira André teve na vida do Capitão Peralta e na projecção do êxito da mesma captura pelas tropas paraquedistas.

Com os meus Cumprimentos

Maria Arminda
ex-tenente enfermeira paraquedista
 

(**) Vd. poste:

Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 >  domingo, 17 de outubro de 2010 > Voo 1956 Que fique para a História

terça-feira, 16 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22011: Recortes de imprensa (114): O Capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta, "preso político antes do 25 de Abril", "prisioneiro de guerra" depois... libertado em 15 de setembro de 1974 (Diário de Lisboa, 16 de setembro de 1974)


Citação:
(1974), "Diário de Lisboa", n.º 18563, Ano 54, Segunda, 16 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4810 (2021-3-15) (*)



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Recorte do Diário de Lisboa, edição de 16 de setembro de 1974, pp. 1 e 10 (com a devida vénia...) (*)


Guiné > Bissau > HM 241 > 14 de setembro de 1974 > Os últimos prisioneiros portugueses. Entre eles, o nosso camarada, membro da Tabanca Grande, António da Silva Batista (1950-2016), o último do lado direito. O Fortunato Dias é o terceiro, também a contar da direita.


Os sete camaradas nossos que foram trocados por 35 militantes ou simpatizantes do PAIGC, presos pelas NT, não eram, segundo as autoridades militares portugueses da época, "prisioneiros de guerra"...

Essa figura jurídica não existia... Não podia haver "prisioneiros de guerra" pela simples razão de que, para o regime de Salazar (e de Caetano), Portugal não estava em guerra contra nenhum país estrangeiro. Tinha uma "guerra de subversão", nas suas províncias ultramarinas, apoiada por algumas potências estrangeiras, mas limitava-se a responder, para manter a paz e a ordem, contra os que, internamente, alimentavam essa guerra...

Nessa medida, a Convenção de Genebra não se aplicava (ou não tinha que se aplicar, do ponto de vista legal) no TO da Guiné (e noutros teatros de operações, Angola e Moçambique)... Militar português capturado pelos "nossos inimigos" era classificado como "retido pelo IN"... Elemento subversivo ("terrorista") capturado pelas NT devia ser tratado como um vulgar "preso de delito comum" (e entregue depois à PIDE/DGS, para obtenção de informações relevantes pata a "segurança interna")... Era, grosso modo, essa a "doutrina vigente"...

Mas honra seja feita ao gen Spínola que era um dos que, dentro da Junta de Salvação Nacional, se opunham à libertação do Peralta enquanto não fosse garantida a entrega dos 7 prisioneiros portugueses pelo PAIGC. O que veio a acontecer no dia 14 de setembro de 1974, em Aldeia Formosa (Quebo).

Foto de Duarte Dias Fortunato (2016). Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (**)


2. Comentário do editor LG:

As declarações do Peralta ao "Diário de Lisboa", em 15 de setembro de 1974, momentos antes de embarcar no avião para Madrid que o levaria de regresso a Havana, quase cinco anos depois da sua captura no corredor de Guileje, na Guiné, em 18 de novembro de 1969 por forças do BCP 12, comandadas pelo cap pára João de Bessa, têm de ser entendidas no contexto da época: era um tipo educado, e, mais do que isso, amável e até sedutor; estava naturalmente agradecido aos seus captores (e aos serviços de saúde militares) que lhe salvaram a vida, e às autoridades que o libertaram, depois de cinco anos de "estadia forçada, não prevista" em Portugal, e a maior parte do tempo sob a "custódia" da polícia política do antigo regime... (que ele alega que o terá torturado, física e moralmente, e é de todo provável.) Acabou por ser condenado em 2 anos e 2 meses, pelo tribunal militar, por posse ilegal... de arma de fogo!

Tinha havido em 25 de Abril de 1974 uma mudança de regime em Portugal. Peralta foi "politicamente correto", como lhe convinha.  E não se esqueceu de agradecer aos profssionais de saúde portugueses que fizeram tudo para o salvar e tratar, quer em Bissau quer depois em Lisboa (Hospital-prisão de Caxias, Hospital Militar Principal, Hospital da Cruz Vermelha).

"Tratamento VIP" em Bissau e em Lisboa, apesar de ter passado pela Trafaria e por Caxias... Por exemplo, o Hospital da Cruz Vermelha (onde foi internado em maio de 1973) não era para todos (e muito menos para os combatentes portugueses feridos na guerra de África)... Por lá passou Salazar (cujo internamento em 1968 custou ao Estado Português o equivalemte a 1,5 milhões de euros)... E por lá passava o escol médico-cirúrgico  da época. Simples curiosidade: quem pagou a conta do Peralta? O advogado, sabemo-lo, que foi contratado pela embaixada de  Cuba... (Os dois países mantêm relações diplomáticas  há mais de 100 anos, ou seja, desde 1919, independentemente dos regimes políticos que se sucederam, num e no outro lado.)

Teve igualmente tratamento VIP por parte de alguns movimentos e partidos da chamada extrema esquerda revolucionária de então. Nas declarações que faz ao "Diário de Lisboa", acima reproduzidas, há referências às manifestações em prol da sua libertação, que se sucederam frente ao Hospital da Estrela, e que ele consideram excessivas... “O povo português libertará o capitão Peralta”, escrevia o MRPP num comunicado em que pedia “Todos à Estrela”, a 26 de maio de 1974.

Terá havido também pressões norte-americanas, e igualmente do Vaticano e da Bélgica, para o Peralta ser trocado  por um alegado agente da CIA, preso e condenado em Havana, Lawrence Kirby Lunt (e não Hunt), casado com uma belga... Ao que parece acabou por ser também usado como moeda de troca com o PAIGC que tinha, nas suas prisões, 7 militares portugueses ainda por entregar. (**).

Quanto ao seu "estatuto" nas fileiras do PAIGC, não sabemos o que é que as autoridades portuguesas, antes e depois do 25 de Abril, apuraram... Ele não foi, como pretende dar a entender um simples observador com "livre trânsito" nas "áreas libertadas"... Não, ele devia ter tido outra missão, quer como "consultor militar", quer como "instrutor militar"...  

Muito provavelmente o seu advogado, com larga experiência na defesa de presos potlíticos nos tribunais plenários do Portugal de então, deve tê-lo aconselhado a nunca admitir que era um combatente integrado nas fileiras do PAIGC, estatuto, de resto,  que o próprio Amílcar Cabral não gostava de atribuir aos cubanos, até porque isso significava "menorizar" os seus combatentes, os seus militantes, nacionalistas guineenses... 

Mas a verdade é que o Peralta estava, ao que parece, armado quando foi ferido e, depois, capturado. Se terá percorrrido ou não os 1800 metros na mata, a sangrar (com 4 balázios, de 7,92 mm, da temível metralhadora MG 42 do então 1.º cabo pára Regageles), não  o sabemos... Nem sabemos  se os seus captores confirmaram esta versão no Tribunal Militar de Santa Clara onde o Peralta foi condenado a 2 anos e 2 meses de prisão... 

E a propósito, o Bessa e o Ragageles encontraram-se com o Peralta, 40 anos depois, em Lisboa, em Belém, num gesto de grande nobreza, pouco vulgar, e  que merece ser aplaudido [, foto à esquerda]. 

Aliás, o Peralta já tinha estado em Portugal e na Guiné-Bissau, vinte anos depois da sua captura, tendo reonstituído a sua odisseia, a convite do Expresso ("Cubano prisioneiro de guerra" | Texto de José Manuel Saraiva | "Expresso", 16 de março de 1996).

[Foto acima: da direita para a esquerda, Ragageles, Peralta e Bessa,  junto ao monumento dos combatentes do Ultramar. Foto: cortesia da página do Facebook Paraquedistas não são arremachos, 16 de novembro de 2018.]

Poutro lado, foi recebido por Fidel Castro, em Havana, com um herói, passando de resto a figurar, no discurso de propagando do regime castrista, com o mais célebre célebre dos 437 combatentes (sic) (***)  que terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, entre 1966 e 1974, e dos quais oficialmemte morreram  nove. (Achamos que o número, 437,  pode estar inflacionado; mas admitindo que está correto, a taxa de letalidade terá sido de 2%; desconhecemos o número de feridos.)

Por fim, subscrevemos o que se escreveu na supracita página do Facebook a propósito do sucesso da Op Jove: 

(...) "Uma das mais brilhantes missões executadas durante a Guerra Colonial coube aos militares do BCP 12 (Companhias 121 e 122). Brilhante não pela quantidade de baixas produzidas ao inimigo, ou ao volume de material capturado, mas pela primeira vez, no território da Guiné, era capturado um militar estrangeiro, que sob o rótulo de "conselheiro militar" participava na luta armada ao lado dos guerrilheiros do PAIGC.

"Este êxito sem paralelo, caso obtido por outras tropas, seria mencionado até à exaustão. Mas os Paraquedistas, perfeitos na humildade e na modéstia, sóbrios e decentes quanto decorosos e convenientes, cumpriram a missão, sem grande exibicionismo ou ostentação." (...). 

 _____________

(**) Vd. poste de 29 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15911: (Ex)citações (306): A propósito da última troca de prisioneiros, em Aldeia Formosa, no dia 14 de setembro de 1974....Prisioneiros, não, "retidos pelo IN"...

(***) Dora Pérez Sáez - Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau: Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR". Juventud Rebelde. ,martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)


Citação:
(1974), "Diário de Lisboa", nº 18563, Ano 54, Segunda, 16 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4810 (2021-3-15)


Capa do livro

FERREIRA, José Pardete - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.

1. No romance (ou melhor, livro de memórias, ficcionado) "O Paparratos", J. Pardete Ferreira (*),  há  um capítulo, o XXI (pp. 141-146) dedicado a "O Cubano", o capitão Pedro Rodriguez Peralta, a quem o autor chama Rui Angel:

(...) Era pequeno de estatura, não ultrapassando o metro e sessenta e cinco, magro e seco, com a pele muito branca e polvilhada de microscópicas sardas, ruivo de barba completa, rala e ausente nalguns locais" (p. 141)-

Não sabemos se a descrição fisionómica está inteiramente correta, mas é feita por um dos cirurgiões que o operou no HM 241, o autor (*), sendo o cirurgião principal o dr. Carlos Ferreira Ribeiro, já falecido (no livro, o dr. Celso Rosa, ortopedista,  p. 143)

Recorde-se o que acontecera antes:   capitão do Exército Cubano, Pedro Rodriguez Peralta, de 32 anos (nascido por volta de 1937), instrutor militar ao serviço do PAIGC, é gravemente ferido a 18 de Novembro de 1969, no corredor de Guileje, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, no decurso da Op Jove, conduzida por forças paraquedistas do BCP 12 e destinada a capturar o próprio 'Nino' Vieira.


2. Demos aqui a palavra ao(s) autor(es) da página do Facebook, Paraquedistas não são arremachos, 18 de novembro de 2018:

(...) A "Operação Jove" tinha sido cuidadosamente planeada. Dias antes da partida para a operação, um avião da FAP levando a bordo o cmdt do BCP , tenente coronel Fausto Marques e o cmdt da Companhia [CCP 122,] João de Bessa, observam a zona e o melhor local para a emboscada à coluna militar do PAIGC.

De forma a cumprir as ordens do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, às primeiras horas de 16 de novembro de 1969, 40 militares da Companhia 122 , reforçados com 9 voluntários da 121, embarcam em 10 Alouette para o Corredor de Guileje, com a informação que a coluna inimiga traria 'Nino' Vieira, ao tempo, o mítico Comandante da Frente-Sul.

Os 50 paraquedistas levam rações de combate para três dias. Caminham a pé um dia e uma noite, evitando os trilhos para não serem detectados, e progridem debaixo de chuva por entre mata densa. Cerca das 10 horas da manhã de 18 de novembro, os praquedistas chegam ao ponto da emboscada.

Ainda não completamente posicionados, apercebem-se de vozes ao longe. Um pequeno grupo composto pelo capitão Bessa, sargentos Neves Pereira, Mota e Valentim Gomes, 1ºs cabos Ragageles, Carvalho e Rodrigues e soldado Doce, aproximam-se da picada.

De repente foram ouvidas vozes de dois individuos, um negro e um branco que seguiam em direção à fronteira. O capitão Bessa dá sinal de fogo ao apontador da MG-42, 1º cabo Ragageles. A primeira rajada abateu o guerrilheiro negro e feriu o branco. Iniciada a perseguição, com meia dúzia de páraquedistas, e tendo por base o rasto de sangue, é consumada a captura.

Encontram-no caído numa poça de sangue. Tem um braço quase arrancado, perdeu muito sangue, está entre a vida e a morte; o sargento Vítor Francisco rapidamente trata-lhe dos ferimentos. Veio a saber-se que se chamava Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano. (...)

Enviado para o HM 241 (Bissau) e depois para Lisboa, foi devidamente tratado pelas autoridades portuguesas. Foi julgado em Tribunal Militar e condenado em 2 anos e 2 meses de prisão. 

Depois do 25 de Abril de 1974, o capitão Peralta foi libertado. Aliás, houve manifestações (do MRPP e outras organizações da chamada extrema revolucionária) a favor da sua libertação incondicional. Os americanos queriam trocá-lo por um alegado espião preso em Cuba...

Peralta, que fez amigos em Portugal, pode ser visto aqui numa reportagem da RTP, no aeroporto de Lisboa, em 15 de setembro de 1974, sempre sorridente e amável na presença entre outros do seu advogado, Manuel João da Palma Carlos (1915-2001), momentos antes de embarcar para Havana onde foi recebido como herói... 

Antes do 25 de Abril, era considerado um "preso político", o governo de então recusava-se a tratá-lo ocmo "prisioneiro de guerra", negando haver uma guerra na Guiné. Depois do 25 de Abril, mudou o seu estatuto: passaria a ser "prisioneiro de guerra", não ficando abrangido pela amnistia aos presos políticos... E só foi libertado, em 15 de setembro de 1974,  após a entrega, pelo PAIGC, dos "prisioneiros de guerra" portugueses, entre os quais o nosso saudoso António Batista, o "morto-vivo".

Sabe-se que, em 2008, com o posto de coronel reformado, pertencia ao Comité Central do Partido Comunista Cubano. Era seguramente o mais célebre dos 437 combatentes que, segundo o regime de Havana, terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, entre 1966 e 1974 (Dos quais terão morrido 9 ou 17, conforme  as duas fontes cubanas oficiosas, já aqui citadas no nosso blogue).

3. Na recriação desta cena da captura do cap Peralta, o autor de "O Paparratos" diz que o "Rui Angel" [leia-se Pedro Peralta] estava com uma crise de paludismo (p. 142)  quando os homens da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº 1221 [CCP 121 e 122], comandada  pelo cap pára "Braga"[leia-se: Bessa].

Não foi uma rajada de G3, mas de M42, "quase à queima-roupa, ia desfazendo o cotovelo direitodo branco, provocando-lhe também uma ferida no dorso, junto à omoplata"...

Terá sido o cap Braga [Bessa] que lhe salvou o braço, em risco de ser amputado, gritando: "Se for para cortar, os médicos lá em Bissau que o façam. Liguem mas é para a Base e peçam uma Y", isto é uma helievacuação Ypsilon (p. 142). 

Assim aconteceu, a enfermeira parquedista que o assistiu até Bissau não foi a Margarida ( nome fictício) mas Zulmira André. Quando chegou ao hospital, a sua situação clínica era grave: (...) "sangrara muito, a tensão arterial não conseguia ultrapassar os cinco milímetros de mercúrio, timha uma ferida no tórax e o antebraço direito estava quase amputado", segundo o relato do alf mil médico adjunto de cirurgião Domingos Lebre [leia-se, Diamantino Lopes] (p. 143).

Entrado de imediato no Bloco operatório, o alferes mil médico João Pekoff "explorou a ferida torácica, constatando que, felizmente era superficial e apenas interessava as partes moles"... Uma vez que não havia necessidade de intervenção na cavidade, a atenção da equipa voltou-se para o membro esfacelado, "tendo o dr. Celso Rosa [Carlos Ribeiro] tomado o comando das operações, na sua condição de ortopedista" (p. 143)

O Carlos Ribeiro era um cirurgião experiente, em feridas com armas de fogo, tendo feito uma anterior comissão de serviço em Angola: "ortopedista conceituado, depressa equacionou o problema [do Peralta]. Entre a amputação, que se afigurava como natural, e a artrodese do cotovelo, originando para sempre  um ângulo de cerca de noventa graus, a decisão parecia não ser evidente. Sempre valia mais um braço aleijado mas efectivo funcionalmente, do que um coto que, muitas vezes, só serviria para atrapalhar. Os nervos, assim como a artéria e as veias principais sido tinham milagrosamente poupados.O capitão cubano ficaria com uma deficiência, era verdade,  mas manteria o uso do membro... com a condição de a ferida não infetar, possibilidade sempre imprevisível" (p. 144).

E tudo correu bem, com um tirada humorística final do ortopedista:

"Vamos lá ver se este gajo, ao menos, vai fcar com o cotovelo... quanto mais não seja  para poder fazer um manguito para o cirurgião que o operou". (p. 144).

A crer no testemunho do nosso J. Pardete Ferreira (1941-2021), "ao recobrar da anestesia, o Rui Angel [o Peralta.virou de imediato o olhar para o seu lado direito e, naquele misto de medo e de reconhecimento que certamente sentiu,  uma pequena lágrima fugiu lentamente pelo canto dum dos olhos, aliviando-lhe a ansiedade e o receio" (p. 144). Para quem, como ele, que tinha optado pela carreira militar, e que estava na força da vida, era reconfortante saber que lhe tinham salvo o braço...

4. Ainda mais dois ou três apontamentos deliciosos do nosso escritor (**), sobre a estadia do cap Peralta no HM 241:

(i) Por razões de segurança, o enfermo (e prisioneiro) mudou de cama e de enfermaria, mas quem não gostou nada da troca foi um pobre de um alferes miliciano,  com uma perna amputada por um mina A/P, que ficou no lugar do cubano... Lamentava-se ele, e com razão: "Se os gajos [ do PAIGC] cá vierem, quem lerpa sou eu"... (p. 145)

(ii) O hospital, por causa do prisioneiro famoso, passou a ser assediado pelo pessoal da "inteligência" militar, e simples curiosos que queriam espreitar a "avis rara"... Cabia ao dr. João Pekoff [Pardete Ferrera ]correr com os instrusos e mirones, fazendo cumprir ordens superiores...

(iii)  "Um dia, na conversa usual durante o penso, o João Pekoff perguntou ao Rui Angel como era o Che [Guevara. de resto morto na Bolívia em 1967, tendo sido ambos combatentes na Sierra Maestra]. A resposta não se fez esperar:  "Che, non era médico, era un hombre" (p. 145).

(iii) Entretanto, são recebidas ordens de Lisboa para transferir o Peralta para o HMP... Assim, pela manhã, num daqueles dois dias em que havia avião da TAP, "uma ambulância militar.  com um envergonhado Wolkswagen preto abrindo caminho, saiu do Hospital. O Carocha transportava o director do Hospital Militar [que era o dr. Moreira de Figueiro,  no livro, o tenente milciano Mário Falcão], com o alferes do Conselho Administrativo a  a desempenhar as funções de condutor!...

Na ambulância, além do condutor e de dois maqueiros, o Peralta levava como "ama seca"  um primeiro sargento enfermeiro [no livro, João Augusto]. Chegados ao aeroporto, "este pequeno comboio militar foi esconder-se no descampado que constituía o extremo poente do aeroporto de Bissalanca".

Esta cena é hilariante: 

"Após a aterragem do avião, chegados os passageiros VIP ao hall da aerograre, de imediato disseram aos amigos e familiares aí presentes que, na Ilha do Sal,  tinham recebido a indicação de que deveriam integrar a classe turística":... Justificação dada : "Em Bissau todos os lugares de primeira classe iriam ser ocupados por um  capitão cubano, ferido e feito prisioneiro na Guiné"...

E, subitamente, ouve-se, através dos altifalanres,  uma voz feminina, a chamar pelo passageiro VIP: "Atenção, atenção, Pede-se ao passageiro Rui Angel [Pedro Peralta] que se dirija aos Serviços de Saúde"... 

O diretor do HM 241, alarmado, apercebe-se do caricato da situação: toda a gente passava a saber que o avião viajava para Lisboa com um famoso e perigoso capitão cubano... 

À chegada à Lisboa, com a sua "ama seca", foi levado discreta e prontamente para o Hospital Militar da Estrela [ HMP] , sem que ninguém se tenha lembrado de "meter um batedor com girofaro e sirene, a abrir caminho, pelas avenidas e ruas de Lisnoa, da Portela até à Estrela" (p. 145.)

Na realidade, foi escoltado por um pelotão da Polícia Mlitar, comandada pelo alf mil cav Armando  Cerqueira, até à Trafaria (e mais tarde, para o hospital-prisão de Caxias).

Voltaria a Portugal,  creio que em 2009, tendo-se encontrado com os seus antigos "captores", em Lisboa,  em Belém, no Monumento aos Combatentes do Ultramar:  o sargento paraquedista Ragageles (ao tempo 1º cabo), e o tenente coronel SG / PQ João de Bessa (ao tempo capitão). 

E ainda se juntaram, na Guiné-Bissau, o João Bessa, o 'Nino' Vieira e o Peralta para reconstituir, "in loco", a emboscada em que o cubano foi ferido e capturado pela tropa portuguesa e que tinha sido preparada ao milímetro para apanhar à unha o 'Nino'...


(Continua) (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8481: Os nossos médicos (27): Com o Dr. Carlos Ferreira Ribeiro,fui um dos que operou o Cap Cubano Peralta; e com o Dr. João Carlos Azevedo Franco, fui um dos últimos a ver o corpo do malogrado Major Passos Ramos (J. Pardete Ferreira)

(...) Fui para Teixeira Pinto [para o CAOP] , de DO 27, numa manhã dos primeiros dias de Fevereiro de 1969!

Fui requisitado para Bissau no final de Junho do mesmo ano... (...) O meu cartão [emitido pelo QG Bissau, com data de 24 de Junho de 1969, ] está assinado pelo Director do HM241, major médico Felino de Almeida (falecido em Janeiro do corrente ano).

Com o dr. Carlos Ferreira Ribeiro, ortopedista, fui efetivamente eu que operou a ferida da parede torácica do cap Peralta. (...)

(**) Vd. notas de leitura anteriores:


domingo, 28 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21956: Facebook...ando (60): o gen Bettencourt Rodrigues, em 16 de novembro de 1973, em Madina do Boé, com dois jornalistas alemães, para verem "in loco" o sítio onde o PAIGC teria alegadamente proclamado a independência unilateral


Foto nº 1

Guiné >Região do Gabu > Boé > Madina do Boé > 16 de novembro de 1973 > O jornalista alemão, da Reuters,  Joachim  Raffelberg, e o gen Bettencourt Rodrigues, governador-geral e com-chefe que, a partir de 21/9/1973, substituiu o carismático gen António Spínola.


Foto nº 2

Guiné >Região de Gabu >  Boé > Madina do Boé > 16 de novembro de 1973 > Os dois  jornalistas alemães, à esquerda (Joachim  Raffelberg, da agência Reuter, e Guenter Krabbe,  do Frankfurter Allgemeine Zeitung; e à direita  o gen Bettencourt Rodrigues. Ao centro, um oficial superior não identificado e um oficial paraquedista, da força do BCP 12 que montou a segurança no local (Op Leopardo, Madina do Boé, de 15 a 17 de  novembro de 1973,  em que participaram as CCP 121 e CCP 122, tendo a CCP 121 ficado de reserva em Dulombi, segundo informação do nosso camarada Manuel Dâmaso). 

Recorte do Diário de Notícias, 23/11/1973



Foto nº 3

Recorte do Diário de Lisboa, 23/11/1973


Foto nº 4

Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > c. 13-20 de novembro de 1973 > O jornalista alemão da agência Reuters,  Joachim Raffelberg a bordo do NRP LFG Cassiopeia, de 300 toneladas, e 27 tripulantes, a caminho da fronteira com o Senegal, depois da visita a Madina do Boé (no dia 16).

1. Na página do Facebook do antigo jornalista da  agência Reuters, Joachim Raffelberg, chamada Raffelnews, Serviço comunitário, encontrámos esta "preciosidade", um álbum sobre Madina do Boé, com fotos (legendadas  em inglês), inseridas em 29 de janeiro de 2018, incluindo recortes de jornais portugueses (Diário de Notícias e Diário de Lisboa) que reproduziram a notícia da agência noticiosa portuguesa, ANI, dando conta de uma visita de jornalistas estrangeiras, de helicóptero, à antiga Madina do Boé, acompanhados do gen Bettencourt Rodrigues, o então novo comandante-chefe do CTIG.  

A visita terá ocorrido no dia 16 de novembro de 1973, quase dois meses depois da proclamação unilateral da independência que o PAIGC reclamava ter sido feita na antiga Madina do Boé, evacuada em 6 de fevereiro de 1969. (*)

Com a devida vénia, reproduzimos alguns desses documentos, que são importantes para informação e conhecimento dos nossos leitores, antigos combatentes  (**),  com tradução nossa, livre,  para português, das legendas (, no todo ou em parte), que se reproduzem, a seguir, em itálico:

Foto nº 1

(....) Os cerca de 500 anos de domínio colonial português estavam a chegar  ao fim. (...)  Apesar das minhas reportagens críticas, em 1971,  sobre o uso de napalm no teatro de operações de Angola, o Governo português convidou-me,  mais uma vez,  para visitar uma das suas colónias africanas, desta vez, a Gyuiné, um pequeno ponto na costa da África Ocidental

[O antigo jornalista também tem um pequeno álbum sobre o alegado uso de napalm em Angola, vd. aqui: Napalm in  Angola 25 jan 2018]

(...)  Aqui, na Guiné,  o PAIGC de Amílcar Cabral, um dos principais líderes anticoloniais africanos (assassinado em janeiro de 1973), esforçava-se por derrubar  as forças armadas portuguesas,  primeiro sob o comando do general do monóculo,  António de Spínola, e agora, em 1973, sob a liderança pelo general José Manuel de Bettencourt Rodrigues, ex-ministro da Defesa.

Lisboa sempre rejeitou, como falsa,  a reivindicação do PAIGC de extensas áreas libertadas no  interior do território, mas quando o PAIGC em 1973 declarou que tinha proclamado a independência da Guiné-Bissau num  local chamado Madina do Boé em 24 de setembro, as autoridades militares portuguesas levaram, até lá,  jornalistas estrangeiros,  sete semanas depois,  para provar que os rebeldes estavam errados.

Hoje já sabemos qual foi o desfecho: o próprio General de Spínola abriu caminho aos libertadores,  com o seu livro “Portugal e o Futuro”,   que pôs em marcha a revolução dos cravos de 1974: ao som da canção “Grândola, vila morena”,  tocada pela Rádio Renascença a partir da meia-noite de 25 de abril, em menos de 24 horas, seria derrubada a ditadura mais antiga da Europa.(...)


Fotos nº 2:

Guenter Krabbe (...) e eu  fomos acompanhados pelo governador Bettencourt Rodrigues (...) no nosso passeio de helicóptero ao local, situado a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacri. Depois de Bafatá, o piloto vestiu o seu colete à prova de bala para não correr nenhum risco. 

Verificamos o percurso no mapa do comandante. Em Madina do Boé, o nosso grupo foi saudado por Forças Especiais Portuguesas [. tropas paraquedistas, CCP 122 /  BCP 12,] que tinham enviadas previamente para limpar a área, em caso de necessidade. (***)

O general  deu-nos 'uma pausa para o cigarro' , o tempo suficiente para dar uma olhadela no terreno à volta,  antes de regressarmos. Tudo o que encontramos no terreno de savana  foram os restos de um edifício que parecia um barraco e as fundações de várias palhotas. Não tínhamos permissão para inspecioná-los porque o local havia sido minado, conforme aviso que nos fora feito. 

Se o PAIGC tivesse ter declarado aqui a independência, eles bem poderiam  ter atravessado a fronteira próxima e regressado a correr,  após uma possível breve cerimónia.

Embora o Krabbe tenha escrito que não havia nenhuma povoação em Madina do Boé, muito menos com aspeto de estar inserida numa zona libertada, os jornais portugueses citaram extensivamente a minha história com um enfoque no colete anti-balas do piloto.

Foto nº 3

(...) Sem mo dizer, o QG da Reuter tinha enviado, ao mesmo tempo que eu,  um colega a Conakry para confirmar, do “outro lado”, a declaração de independência alegadamente feita em Madina do Boé,  e a Reuters atrasou a transmissão da minha reportagem aos nossos nossos subscritores, até que eles validassem comigo as coordenadas do lugar que nos disseram ser Madina do Boé, uma vez que tinham detectado um erro  no grau de latitude no meu fax. Acontece que o grau correto se perdeu na transmissão (...)

J. Raffelberg, na altura  correspondente da Reuter em Bona,  tinha recebido instruções para  explorar a oportunidade de obter informação em primeira mão  sobre um assunto controverso (a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau), o mesmo é dizer, conseguir um "furo jornalístico", mas o relato do repórter deveria passar primeiro pela sede da Reuter em Londres, com vista a garantir que os padrões da agência, de objectividade,  imparcialidade e triangulação de fontes,  estavam assegurados.

Foto nº 4

 "Os marinheiros nos disseram ter [, a Cassiopeia.]  participado da invasão marítima de Portugal à Guiné-Conacri em [22 de novembro] de 1970 para capturar ou matar Amílcar Cabral, mas a missão falhou. Quando naveguei com eles no rio Cacheu em 1973, o seu comandante  era o 1.º tenente António Silva Miguel".

O gesto do novo comandante-chefe e governador-geral,  gen Bettencourt Rodrigues, parece ter chegado demasiado tarde. E não terá tido grande repercussão na imprensa internacional: os dois jornalistas alemães terão estado menos de 15 minutos em Madina do Boé, e com forte protecção militar. Acrescente-se ainda o facto de a Op Leopardo não ter ficado barata, dada a mobilização de meios que implicou (parte do BCP 12 e parte da frota de Helis AL III).
 
Cerca de 8 dezena de países, sobretudo do bloco soviético, China e países não-alinhados africanos, árabes e asiáticos,  foram reconhecendo o novo país. Portugal, como é sabido, só   um ano depois, em 10 de setembro de 1974, é que reconhece "de jure" a independência da Guiné-Bissau. E também só nessa altura, a 17 de setembro de 1974, é que a Guiné-Bissau é  reconhecido como novo membro da Assembleia Geral da ONU. Guiné-Bissau que é agora um país lusófono, integrado na CPLP.   

(...) Assunto - P3909: Perguntas, por que é que a FAP não bombardeou Madina de Boé em 24/9/73 ?

Não tenho qualquer dado para responder a isso, mas posso contar o que aconteceu em 69

(...) Como sabes, Madina foi abandonada mas ficou "minada". Passados uns dias (?) desta retirada, Spínola foi com um fotógrafo, o Maj Bruno e cinco páras, fazer umas fotos pois o Paris Match tinha publicado imagens de Amílcar Cabral como sendo em Madina, com a legenda "A tomada de Madina".

Eram dois Helis, eu seguia num, com os Páras (picadores na especialidade). As ordens eram as seguintes: Eu largava um Pára que picaria o terreno para os Helis aterrarem. Assim foi executado.

Para que o IN pensasse que havia muita tropa, foi feita uma manobra de diversão. Enquanto o Gen Spínola estava em terra, os dois helis aterravam e levantavam fazendo voltas de pista, para sugerirem muitos efectivos.

As movimentações em terra eram feitas com muito cuidado. No único local onde há montes na Guiné [, as famosas Colinas do Boé,], os Helis apareciam e desapareciam para dar a ideia de muito aparato.

Recuperado o Chefe, Maj Durão, fotógrafo, e julgo mais um graduado, e os quatro Páras, que seguiram comigo, nunca mais voltei a aterrar em Madina do Boé.

Com estas fotos, Spínola queria mostrar que Madina ainda era controlada por nós, mesmo abandonada.

Porquê toda esta tosca explicação?

Acho que seria inapropriado o PAIGC ir com o seu Povo fazer uma cerimónia de independência num local que eles sabiam estar minado. Não saberia a FAP que eles nunca iriam a Madina ?

A cerimónia terá sido mesmo em Madina do Boé, dentro da Guiné? A Guiné-Conacri fica ali a dois passos.

Gostaria de saber se, em 1973, o Gen Bettencourt Rodrigues aterrou em Madina ou só fez umas passagens para ver se havia alguém.

Afinal não estou a esclarecer nada, estou a aumentar as dúvidas!!! (...)

(**)  Último poste da série > 5 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21736: Facebook...ando (59): Sobre a CCAV 678 a que pertenceu o fur mil Jorge Nicociano Ferreira, já falecido: (i) esteve menos de 3 meses na ilha do Sal, Cabo Verde; (ii) foi render a CCE 342 (?); (iii) em Bissau, e antes de partirem para a Zona Leste (Bambadinca), fizeram escoltas a barcos de reabastecimento às NT em Catió (Rui Ferreira / Eduardo dos Santos Roque Ablú)



Guiné > Região de Bafatá > Dulombi > Op ÇLeopardo (15-17 de nevembro de 1973) > Heli Al III estacionados em Dulombi. 

Cortesia de António Dâmaso / Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 61/74

(***) Segundo informação prestada pelo Manuel Dâmaso, membro da nossa Tabanca Grande, no Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 61/74 >1 de setembro de 2011 > Voo 2465: Um comandante de ideias fixas (2)

António Dâmaso, Srgt-Mor Paraquedista.
Azeitão

(...) Gozei as minhas merecidas férias, regressei mais renovado e continuei a comandar o 2.º
Pelotão, nestas funções tomei ainda parte na Guarda de Honra que a CCP 121 fez à recepção da chegada do novo Governador da Província, General Bettencourt Rodrigues em 21 de Setembro de
1973. (...)

A actividade operacional tinha abrandado muito, enquanto estive de férias a Companhia só fez uma operação conjuntamente com a CCP 123.

Comandei o Pelotão até 01Nov73, data em chegou um Alferes para o comandar, participei na Operação “Leopardo” de 15 a 17 de Nov73, em Madina do Boé em que participaram as CCP 121 e CCP 122, consistiu em levar uma equipa de fotógrafos ao local onde diziam que tinha sido declarada a Independência, mas quem lá foi disse que não havia lá nada, nem indícios,  não há dúvidas que filmaram foi noutro local e não em Madina do Boé. (...)

Desta vez não fui como operacional, fui como responsável pela logística da Companhia, no dia 15 fomos jantar e dormir a Bafatá, pela manhã arrancámos até Dulombi em viaturas auto, a minha Companhia  [, CCP 121,] ficou de reserva em Dulombi, já lá tinha estado 4 anos antes em 1969 (...).

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21939: Notas de leitura (1343): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte II: os "mentideros' de Bissau (Biafra, 5ª Rep) e ainda e sempre a retirada de Madina do Boé (Luís Graça)


Guiné > Região do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 > Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO 27, c. 1967. As tão faladas colinas do Boé... "O resto era deserto", diz o fotógrafo..

Foto (e legenda): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro

FERREIRA, José Pardete - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.


1. Continuação da nota de leitura (*):

Este livro, "O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971", publicada sob a chancela editorial da Prefácio,  surge numa coleção , "História Militar" que tem quatro séries: "Batalhas e campanhas"; "Armas de Portugal"; "Memórias de guerra"; e "Estudos e documentos".

A coleção, que se reclama de um "conceito inovador". pretende conciliar a investigação historiográfica com a produção literária e memorialística, como é o caso deste livro do nosso saudoso camarada José Pardete Ferreira, que foi alf médico. no CAOP. Teixeira Pinto (1969) e no HM 241 (1969/71).

O alferes miliciano médico João Pekoff (heterónimo criado pelo José Pardete Ferreira, ou se não mesmo o seu "alter ego") chega a Teixeira Pinto, ao CAOP,  em meados de fevereiro de 1969 (pág. 30). Em Bissau, onde o seu batalhão de origem (, que apostamos ter sido o BCAÇ 2861,) desembarcou em 11/2/1969,  deve ter estado alguns escassos dias, em trânsito, antes de apanhar uma DO-27 que o levou até à capital do chão manjaco , de qualquer modo o tempo suficiente para começar a conhecer alguns dos pontos obrigatórios do roteiro dos cafés e restaurantes da tropa...

Alguns eram obrigatórios como o café Bento, mais conhecido por 5ª Rep, junto à fortaleza da Amura onde estava  instalado o  QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné], com as suas 4 Rep[artições]. 

Era o grande "mentidero" de Bissau, onde os "apanhados do clima", vindos do mato, "desenfiados" ou em trânsito, partilhavam notícias e histórias com a malta do "ar condicionado"... Chegados a Bissau, os "periquitos" apanhavam logo ali os "primeiros cagaços", histórias tenebrosas de Madina do Boé, de Gandembel, de Guileje, etc., aquartelamentos no mato, felizmente, longe, muito longe de Bissau e do seu "bem-bom"...

Pardete Ferreira, de cultura francófona,  descreve assim a 5ª Rep, com inegável bom humor, para não dizer sarcasmo, comparanda-a com a situação de um aquartelamento do mato, Tite, na região de Quínara, perto de Bissau em linha recta, pelo que, quando era atacado ou flagelado, toda a gente ficava a saber e até a ver (pp. 54/55):

"(...)  Toda a Guiné Portuguesa tinha esta classificação de zona cem por cento de risco. Naquele território, era indiferente passar calmamente uma soirée [sic] na 5ª Rep ou no aquartelamento de Tite. 

"Na 5º Rep, a arma era  um copo de  uma beberagem qualquer, que ia aquecendo na mão e  que ia sendo municiada periodicamente. O único risco era constituído pelos perdigotos, por vezes sólidos estilhaços de mancarra, que o companheiro de conversa lançava, aproveitando o estar longe do interface do corpo a corpo.

"Em Tite, que se situa mesmo em frente da 5ª Rep, do outro lado do Geba [, na margem esquerda], apenas a alguns quilómetrps à vol d'oiseau [sic], a arma que se tinha na mão era das verdadeiras, daquelas que matam.

"Aquela cómoda sala do QG [Quartel General], no teatro operacional, dava lugar a um abrigo onde o combate mordia. No QG, pelo barulho podia adivinhar-se que Tite estava seguramente a embrulhar, podendo ver-se  as cores das balas tracejantes e ter uma ideia  da intensidade do assalto,pela quantidade e duração do fogo de artifício.

"Na 5ª Rep, assistindo-se ao espetáculo, beberricando um whisky ou despejando rapidamente uma mulher grande [, basuca ?], quase sem tempo para descascar a mancarra acompanhante, estava-se exactamente dentro  dos limites do mesmo Teatro Operacional da Guerra. Todo o pedaço daquela terra era território de guerra. O risco tinha uma graduação muito  relativa, embora fosse sempre uma probabilidade.

"Não se fizeram operações de black out [sic] como treino para a remotíssima hipótese de um ataque dos MiGs da Guiné-Conacry ? Houve quem  dissesse que afirmar isto era um verdadeiro disparate, na medida em que  os MiGs de Conacry eram de um modelo tão antigo que. se atacassem Bissau,  teriam que pedir o favor de ser reabastecidos em combustível no aeroporto de Bissalanca, a fim de poderem regressar à sua base de partida" (...).


2. Na 5ª Rep ou no "Biafra", a messe de oficiais dos Adidos,  o nosso médico terá ouvido logo, ao chegar,  os ecos,  ainda muito frescos,  da tragédia ocorrida no dia 6 desse mês de fevereiro de 1969, no rio Corubal, em Cheche, na sequência da retirada do quartel de Madina do Boé (e que ele vai reconstituir, de maneira superficial e algo fantasiosa, no capítulo XVII, pp. 117-121 de "O Paparratos").

A comoção que "o desastre do Cheche" provocou nas NT prolongou-se por todo esse 1º semestre de 1969, pelo menos, ao ponto de eu ouvir diferentes relatos dos trágicos acontecimentos quando cheguei a Contuboel, em princípios de junho,  para dar instrução aos futuros soldados guineenses da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, e depois, já em na segunda metade de julho de 1969, quando fomos colocados em Bambadinca, às ordens do BCAC 2852 (1968/70). 

A ideia com que os "periquitos", de olhos e ouvidos bem abertos,  ficavam, das conversas até às tantas da noite, regadas com cerveja ou uísque, era que Madina do Boé bem poderia ter sido o Dien Bien Phu português, o que, sabemo-lo hoje, era manifestamente exagerado. 

De qualquer o quartel fora evacuado com o (falso) argumento de que o sítio não tinha qualquer interesse estratégico para as NT. A "inteligência" spinolista não conseguir prever os efeitos perversos desta decisão: a retirada de Madina do Boé veio fragilizar o flanco sul e sudeste do "chão fula" e sobretudo será bem explorada pela propaganda e diplomacia de Amílcar Cabral.(**)

Pardete Ferreira não viveu, diretamente, esse desastre, não participou da Op Mabecos Bravios, mas ouviu também relatos, alguns apocalípticos ou fantasiosos, como eu,  mas ter-se-á documentado minimamente para escrever o "Paparratos". O mito e a realidade andam, muitas vezes,  de mãos dadas, o que numa obra de ficção é perfeitamente aceitável; como o próprio o diz, este não é um  trabalho historiográfico, é um "romance"... 

Podiam, entretanto,  apontar-se alguns exemplos de "factos" criados pelo narrador, que passamos a destacar em subtítulo.


(i) A 1221º Companhia de Paraquedistas foi  "a última a evacuar Madina do Boé" (pág. 117) [, referência à 121ª CCP / BCP 12, comandada pelo cap prqd Terras Marques, que no livro é o tenente paraquedista  Teixeira Martins]

Os paraquedistas não participaram na Op Mabecos Bravios, pelo que não fazia sentido a presença ali do [José Manuel] Terras Marques. Creio que o autor quis fazer uma homenagem a um militar que ele admirava, com quem acamaradou e inclusive fez amizade, no CAOP, e depois em Bissau, enquanto esteve, ano e meio, no HM 241.  E inclusive terá mantido essas relações de amizade na vida civil.  

Sabe-se que o Teixeira Martins [, ou melhor, o Terras Marques] fez duas comissões no TO da Guiné.  E pelo que corre nas redes socais, dos testemunhos de paraquedistas que foram por ele comandados, era um oficial com grande carisma, conhecido pelo "Tigre". E o próprio criador do Paparratos e do João Pekoff não o desmente, ao traçar o seu perfil;

(...) "O Pára Teixeira Martins tinha uma pontaria de exceção. Treinava sempre os seus homens com bala real".  (...). Ah!, e muito importante: dava sempre o exemplo!.

"Como capitão, tinha como guarda-costas o 118. (...) Na sua segunda comissão consecutiva, era um militar experiente, Muito calmo, parecendo dormir, saltava repentinamente e iniciava o tiro, sem que os mais novos tivessem dado por isso. Malditos periquitos. (...)  (pág. 120).

Ora este 118, o guarda-costas do capitão pára  seria nada mais nada menos do que o Cabo 80, que tem, no nosso blogue, alguns referências como sendo outra figura mítica do BCP 12. Foram-lhe atribuídas duas cruzes de guerra por feitos valorosos no CTIG.  Na vida civil, o seu nome completo era o  Jaime Manuel Duarte de Almeida, "Dois senhores da guerra", chamou-lhes o nosso Jorge Félix (***).

Há aqui um outro tenente, cuja identifidade não conseguimos decifrar. No livro "O Paparratos" e no capítulo respeitante a Madina do Boé, surge como o tenente pára Lemos Neves.. Quem seria este oficial  L...N... ? 

Escreve o autor:

(...) "Fez questão de ser o último homem a sair  dessa terra, que mais tarde vai ser a primeira Capital da República da Guiné-Bissau, dita Independente". (...) Nascido na Guiné (...), não vira ele  seus pais e sua irmã serem chacinados pelos turras ? Iniciando o serviço militar como miliciano, acabou por fazer em seguida a Academia Militar e logo após, em Tancos,  obteve o Brevet de Paraquedista ao qual juntou a Boina Verde, pouco tempo depois" (...).

Assim, de repente, só nos lembramos de um paraquedista guineense, pertencente ao BCP 12, o hoje cor ref  e empresário, Chauki Danif, nascido em Bafatá há mais e setenta anos,  e que eu conheci pessoalmente no lançamento do livro do cor prqd ref Moura Calheiros, "A Últma Missão", na Academia Militar, em 29 de novembro de 2010. Tanto quanto sei, ninguém da sua família   morreu, na Guiné, no início da guerra, por acções terroristas.


(ii) "Havia pelo mnos um Batalhão para evacuar" (pág. 118)

A unidade de quadrícula de Madina do Boé era a CCAÇ 1790, comandada pelo cap inf José Aparício. Béli já fora  retirada, em 15 de julho de 1968, em plena época das chuvas. Era um destacamento onde havia um pelotão da CCAÇ 1790.  

Como é largamente sabido, as vítimas do desastre do Cheche foram forças da CCAÇ 2790 e da CCAÇ 2405 (, esta pertencente ao BCAÇ 2852, sediado em Bambadinca),  que atrevessavam o rio, de jangada,  na última viagem. 


(iii) Havia "alguns abrigos reforçados" (...), "construídos à pressa" e que, segundo se dizia, eram "à prova de morteiro 120" (pág. 118)


Não nos é possível confirmar ou infirmar esta afirmação. Não sabemos se o BENG 447 teve tempo ou condições para construir alguns "bunkers" em Madina do Boé.  De resto, havia questões logísticas complexas a resolver (, transporte de materiais de contrução, etc.) e já em junho de 1968 parecia estar tomada a decisão de evacuar Madina do Boé, tal como Beli. 

Como escreveu Hélio Felgas, a companhia de Madina estava ali apenas a defender-se a si própria, quando era precisa noutros pontos do território.


(iv) "Aquela de meter um aquartelamento no vale aconchegado entre os únicos terrenos elevados [colinas] de todo o território guineense parecia não lembrar a minguém" (pág. 118)

Também não sabemos. ao certo, desde quando passou a haver tropa na antiga tabanca de Madina do Boé. O subsector de Madina do Boé (tal como o Buruntuma) foi criado ao tempo do BCAÇ 512, em 23 de maio de  1965.

Segundo o nosso colaborador permanente, José Martins, a primeira unidade a instalar-se em Madina do Boé, foi a CCAV 702 / BCAV 705. Permanceu lá de maio de 1965 a abril de 1966, quando terminou a sua comissão de serviço. A última, como se sabe, foi a CCAÇ 1790, que retira do local em 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios).

É possível que o PAIGC tenha utilizado, do outro lado da fronteira, o novo e temível morteiro 120, que se estreou no TO da Guiné, em setembro de 1968, contra Gandembel (****).

Em suma, sobre a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche, o autor não traz (em 2004), nada de novo. E resume a narrativa do acidente a um ou dois parágrafos,  E comenta do seguinte modo: apesar do "bom planeamento" (pouco habitual mum país que gosta de "magníficos improvisos",os quais , de um modo geral, até "costumam correr bem"), tudo vai correr mal no fim, como sabemos (pág. 119).  

O tema vai ser depois debatido no nosso blogue quase até à exaustão, levando ao confronto de diferentes versões. 

(Continua)

__________



(**) Vd. poste de 10  de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21531: Casos: a verdade sobre... (14): as razões da retirada de Madina do Boé em 6 de fevereiro de 1969... Já oito meses antes, em 8 de junho de 1968, havia saído uma Directiva do Comando-Chefe da Guiné para a transferência da unidade ali estacionada, a CCAÇ 1790, comandada pelo cap inf José Aparício

(***) Vd. poste de 28 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5552: FAP (42): Dois senhores da guerra: O Cabo 80 e o Cap Pára Terras Marques (Jorge Félix)

sábado, 23 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21798: (Ex)citações (384): A evacuação do capitão paraquedista Valente dos Santos, no decurso da Op Grande Empresa (Manuel Peredo, ex-fur pqdt, CCP 122, 1972/74 / Moura Calheiros, ex-maj pqdt, 2º cdmt, BCP 12, 1972/74)

 
Guiné > Bissau > Bissalanca> BCP 12 (1972/74)

Foto (e legenda): © Manuel Peredo (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários ao poste P21779 (*)


(i) Manuel Peredo 

[ ex-fur mil paraquedista, na foto acima é o primeiro do lado direito, armado de RPG-2, seguido do sagento Carmo Vicente e do Fernandes, caboverdiano, fur mil, todos do 4º Gr Comb da CCP 122 / BCP 12, Bissalanca, 1972/74; vive em França, ou vivia até há uns anos; tem 7 referências no nosso blogue: integra o nosso blogue desde 2008](**)


Tendo eu participado na "reconquista do Cantanhez” [Op Grande Empresa], queria fazer uma observação. Eu estava presente quando o capitão Valente dos Santos [,comandante do CCP 122,]foi ferido com uma bala que lhe atravessou um braço.

Ele estava incluído no quarto pelotão, que era o meu e nessa emboscada tivemos quatro feridos,ou talvez cinco: o capitão Valente dos Santos,o radiotelegrafista Ribeiro,o enfermeiro Azenha e o soldado Severino que transportei às minhas costas.

Todos foram evacuados ao mesmo tempo, incluindo o capitão Valente dos Santos que, vendo em que estava o seu braço, não podia continuar a operação.

Eu li o livro do major Moura Calheiros (um excelente livro) (***) e a passagem sobre a evacuação do capitão Valente dos Santos deixou-me surpreendido ao afirmar que o capitão recusou ser evacuado querendo continuar a operação, o que não corresponde à verdade.

Em Maio de 2012 estive com o major Moura Calheiros em Tancos no dia da Unidade, onde se juntam várias gerações de paraquedistas. Dei-lhe os meus parabéns pela obra, mas disse-lhe que não estava de acordo com ele quando diz que o capitão Valente dos Santos recusou-se a ser evacuado. Disse-lhe que eu estava presente e que o capitão foi evacuado quando os restantes feridos, mas ele disse-me que eu estava errado e que o que escreveu estava certo pois andava a sobrevoar a zona na Dornier.

Nesse dia da Unidade encontrei-me com vários elementos do meu pelotão [4º  da CCP 122] que fizeram parte dessa operação e todos estavam de acordo com a minha versão.

Depois de os feridos terem sido evacuados, veio outro pelotão da CCP 122 reforçar o meu grupo e voltámos ao local onde tínhamos sofrido a emboscada, sendo a minha secção a ir na frente do bigrupo. 

Encontrámos várias granadas e munições e quando nos preparávamos para sair daquela zono, fomos atacados novamente e o furriel Aníbal Martins foi ferido gravemente. Esteve alguns dias no Hospital Militar, vindo a falecer dos ferimentos. A morte dele deixou-me abalado, pois éramos amigos e no BCP 12 dormíamos no mesmo quarto.

Também participei na operação Muralha Quimérica, onde o meu pelotão encontrou uma grande quantidade de bandeiras do PAIGC e ainda hoje tenho uma.


Capa do livro de José Moura Calheiros, "A Última Missão" 
(Porto, Caminhos Romanos,
2ª edição, 2011). A 1ª edição de 2010.

 (ii) Moura Calheiros

[tem 22 referências no nosso blogue, coronel paraquedista reformado, gestor e escritor; das três comissões de serviço no ultramar, destaque para a da Guiné (1971-1973) como 2º Comandante e Oficial de Operações do BCP12, COP4 e COP5 e ainda como Comandante do COP3]

"Sou" o Major Moura Calheiros, referido pelo Amigo e camarada paraquedista Manuel Penedo, no seu comentário ao meu livro "A Última Missão ", cujo elogio agradeço. 

Mas apresento-me hoje, e aqui, com mais 48 anos — meio século!!! — de vida do que aqueles que então exibia nos tempos que ele recorda, os da "invasão" do Cantanhez, na Guiné...

Tudo aquilo que ele refere se passou numa clara e muito quente manhã, tipicamente guineense, no dia 12 de Dezembro de 1972. E foi relatado, no livro, em 2010; logo, 38 anos depois..., passível, pois, de algumas pequenas imprecisões por efeito da falta de memória e de relatórios escritos sem muito detalhe e precisão, pois que aquele período não permitiu tempo para "burocracias", cuja falta hoje se fazem sentir... e que lamentamos existirem..

Mão amiga fez chegar ao meu conhecimento o comentário do Amigo e camarada Paraquedista Manuel Penedo a uma imprecisão existente no livro de minha autoria atras referido. E existe na verdade uma imprecisão: contrariamente ao que eu lhe tinha afirmado em Tancos, num Dia da Unidade...

Só que agora pude recorrer ao Comandante da Companhia, então Cap Paraq Valente dos Santos, muito mais jovem que eu, logo, com melhor memória. Ele confirmou-me que eu lhe propus a sua evacuação e de todos os outros feridos, mas que ele se recusara a ser evacuado sem que tivesse atingido o quartel inimigo; e, diferentemente do que eu afirmo no livro, os restantes feridos não foram logo evacuados por decisão sua, pois que não eram graves, mas sim, conjuntamente com ele, logo após a ocupação do objectivo.

Em resumo: o Amigo Manuel Penedo tem toda a razão no que afirma no seu Post, mas penso que a inexatidão não é relevante, pois em pouco ou nada o momento da evacuação é importante na narrativa; excepto, claro está, para os feridos... E felizmente tudo correu bem com eles... E com tudo o resto nesse dia, com excepção do raio do desembarque em Cadique...

As minhas desculpas aos leitores do meu livro por esta minha — quanto a mim, ligeira — imprecisão; e também ao Amigo e camarada Manuel Penedo, com o meu pedido de desculpas pelas minhas afirmações em Tancos, no Dia da Unidade. Como compensação, vai daqui um forte abraço para ele.

E, para terminar, saúdo os seguidores deste magnífico Blog, que em tempos idos eu visitava com muita frequência. Mas a idade não perdoa... (****)

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(**) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

(***) Vd.postes de;

 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7805: Notas de leitura (204) A Última Missão, de José de Moura Calheiros (1) (Mário Beja Santos)

18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7815: Notas de leitura (205): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (2) (Mário Beja Santos)

27 de fevereiro de  2011 > Guiné 63/74 - P7872: Notas de leitura (210): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (3) (Mário Beja Santos)


2 de dezembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7371: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (2): Excerto de Discurso do autor

3 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7375: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (3): Sítio promocional

(****) Último poste da série > 6  de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21741: (Ex)citações (383): Jaime Frederico Mariz Alves Martins, Major Graduado Infantaria, vítima mortal por derrube de aeronave em 6 de Abril de 1973, na Região de Sambuiá (António Carlos Morais Silva, Cor Art Ref)