1. Em mensagem do dia 29 de Maio de 2017, o nosso
camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART
1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá,
1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos uma história, no mínimo, estranha. Não é que nós até conhecemos os intervenientes?
Caros amigos,
Esta história pode, até, parecer verdadeira. É que há nela muitas coincidências com nomes de pessoas e com moradas que nos podem levar a essa conclusão. No entanto, quero desde já declarar que tudo é pura ficção.
Um abraço do
JF Silva
Memórias boas da minha guerra
43 - O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos
Nasceu nos arredores de Penafiel, mais precisamente na zona descendente ao Rio Tâmega, ali à esquerda de quem vai para Entre-os-Rios. Desde miúdo, ajudou os pais no amanho das terras e no pastorício do gado. Gostava muito de animais e, se possível, de os domesticar. Para além das vacas e ovelhas, ele perdia-se com cães, gatos, pegas, melros etc., etc. Mas o que ele mais gostava era de “dominar” os cabritos. Mais as cabras, porque se afeiçoavam a ele facilmente. De tal forma se dedicava a eles que os seus amigos de infância o baptizaram por Zé Manel dos Cabritos.
Pouco se sabe dele nessa época de juventude. Deve ter decorrido normalmente, para um jovem do campo, de aspecto feliz e brincalhão. Apenas se lhe destaca essa paixão desmedida pelos cabritos. A tal ponto que sua mãe, ao contrário de seu pai que o que mais queria era o rendimento que o rapaz lhe proporcionava com essa dedicação, enquanto ela, preocupada, ia dizendo:
- Ó home, bê se tiras o teu filho de trás das cabras, porque o pobo inté lhe arranja alguma fama feia.
Ele ria-se, ria-se, sem se preocupar de nada. Até que a mãe, D. Ana, tomou a decisão de arranjar uma ocupação para o rapaz numa fábrica de trabalhar a pedra. Porém, ele não assentava, com as saudades da vida do campo e foi despedido mais que uma vez, por estragar o granito tentando esculpir imagens dos animais da sua estimação. O pai até achou piada quando o empresário Antero lhe disse:
- Ó Manel, olha que o teu filho pode vir a ser um grande artista. Manda-o para as Belas Artes, antes que se perca por aqui a fazer estragos. Eu, é que já não o posso aguentar mais porque dá me muito prejuízo. Ainda lhe expliquei que se fizesse crucifixos, alminhas, pias para água-benta ou pias para porcos, talvez se safasse, mas ele é teimoso e só pensa em figuras de animais.
Curioso que, quando veio da Guiné, voltou a ir trabalhar para o Antero e, desta vez, foi ele que se despediu. Foi para a Bélgica. A mãe foi ter com o Antero culpabilizando-o de o filho ter emigrado. O Antero meio desanimado, justificou-se junto da amiga Ana e disse-lhe:
- Eu gostava dele. Era trabalhador mas fazia muitas maluqueiras. Parece que ainda veio pior da Guiné. O último prejuízo que me deu foi quando, armado em escultor, fodeu-me uma estátua, já pronta, que valia um dinheirão. Ó rapariga deixa-o ir que só lhe vai fazer bem. E vai safar-se a fazer qualquer coisa, ainda que seja a encher pneus.
Tudo estaria bem e tudo seria esquecido se não fossem os “amigos” que ele arranjou na tropa. Com a alcunha que já trazia da terra e mais as histórias que se foram contando lá pela Guiné, ele ficou marcado para sempre. E tudo por causa dos cabritos. O que lhe vale é a excelente mulher (muito linda, por sinal) que teve a sorte de arranjar e que o compreende e o acarinha como ninguém.
Eu, que o conheci em convívios de ex-combatentes, chego a ter pena dele, só pelas supostas infâmias que ouço, acerca dele. Coitado, ri-se muito (dizem que sai ao pai) e, também, tem muita dificuldade em defender-se do veneno de alguns desses “amigos”. Não imaginam o que eles dizem a seu respeito.
O Neca da Régua, nunca mais lhe perdoou as privações que passou na Guiné por causa dele. Quantas vezes ele percorreu as tabancas de Mampatá e arredores, à procura de cabritos, e sempre lá ouvia:
- Cabrito cá tem. Zé Manel fodéo-o todos.
Segundo este conceituado poeta duriense, o Zé Manel organizou uma pequena mafia que açambarcava os cabritos, provocava a sua procura e especulava os preços de venda. Tinha o esquema tão bem montado, que ninguém o poderia atacar. Diz que veio a descobrir que o Zé Manel se infiltrara nas tabancas, negociando com cipaios, gilas, lavadeiras e, até, com feiticeiros. Por outro lado, tinha o Capitão, o seu Alferes, o Primeiro Sargento, o Enfermeiro, o Vagomestre e o grupinho da sueca, caladinhos como ratos, porque também “mamavam” à grande.
Conta também que, um dia, tentou sensibilizá-lo, explorando o facto de serem ambos do norte, quase vizinhos e que, se calhar, até seriam do mesmo clube.-
“Quando eu lhe disse que era do Benfica, então é que fodi tudo. Nunca mais nos entendemos”.
Ainda hoje, quando estamos por perto (nos convívios), vemos que vai um para cada lado, por forma a não estragarem o ambiente com tanta provocação.
Outro que também lhe guarda rancor é o Augusto Carvalho, o ilustre Mayor de Meladas City, que foi veterinário no tratamento de carne para canhão, e se especializou também em tratar de gazelas e cabritos para o tacho, peixinhos da bolanha em escabeche e nhecas com piri-piri. Também era conhecido por alguns excessos como aquele de aconselhar a utilização de preservativos usados, desde que virados do avesso. Dizem que em campanha eleitoral, lá na terra, chegou a referir o mau exemplo da oposição, açambarcadora e insaciável, que lhe
“fazia lembrar uma certa pessoa de Penafiel que conhecera na Guiné e que roubava os cabritos aos pretinhos, para se banquetear apenas com os seus capangas mais chegados”.
Todos sabemos que os Enfermeiros (também chamados de Veterinários) gozavam de um estatuto especial; partilhavam mezinhas e recebiam chorudas compensações. Pois o Carvalho viu-se fracassado no exercício das suas nobres funções. E como os indígenas já não lhe podiam trazer galinhas ou cabritos, talvez por vingança, passou a cortar-lhes nos medicamentos. O Zé Manel diz que ele chegou ao ponto de colar os comprimidos na testa dos doentes para que não os gastassem. Também o acusa de comilão insaciável, que apanhou a bicha-solitária lá na Guiné e que nunca mais a largou. E ainda acrescenta:
- Agora até lhe dá muito jeito porque anda sempre em comezainas, a mamar à custa do povo e dos amigos. Cuidado, porque com ele só interessam contas à moda do Porto. Vá comer ao caralho!!!
O Carlos Rocha, sabia de tudo. Como era vizinho do Zé Manel, este bonacheirão também era amante de cabritos… no forno (e não só), cedo se comprometeu numa relação de franca amizade, selada pelo apadrinhamento de um descendente e pela sua união em festas tradicionais e patuscadas intermináveis, ou periódicas, como se fossem telenovelas brasileiras.
Porém, já o ouvi lamentar-se que um dia ficou envergonhado. Foi pelas festas de Rio de Moinhos, quando passeava na companhia do Zé Manel, e se viu observado por um grupo de alunos seus que estavam a cochichar e lhe perguntaram:
- Ó Sô Pro’ssor, veio ver se consegue algum cabritinho? Olhe que a Festa do Cordeirinho já passou. Vai ver que desta vez não leva nada.
A festa do Cordeirinho realiza-se na véspera da Quinta-feira do Corpo de Deus. De acordo com a tradição lá na terra, os miúdos das escolas desfilam com oferendas ao seu professor. Todos levam o cordeiro ainda vivo, acompanhado de salpicão, chouriço, queijos, batatas, cebolas etc., etc.
Conta o Rocha que um dia teve que chumbar um aluno pela terceira vez consecutiva. Dizia:
- É que ele não aprendia mesmo nada!
Quando chegou ao dia da festa do cordeirinho verificou que o cordeiro melhor era o do rapaz que chumbara. Ficou meio encaralhado, sem saber como reagir. E quando se ia a esquivar da tribuna dos professores e das outras entidades, apareceu-lhe o pai do rapaz que o quis abraçar:
- Obrigado, Sôr Pro’ssor, não imagina o favor que me fez. A minha, mulher que é ainda mais burra que o filho, passava-me o tempo a teimar que o rapaz tinha esperteza para chegar a presidente. E eu, o inteligente, que me fodesse a amanhar as terras, sozinho.
Quando o Zé Manel emigrou para a Bélgica, ganhou umas coroas e reformou-se cedo e bem. Juntou ainda a reforma de escultor e a de militar. Mexeu os cordelinhos de tal maneira que nem o Presidente Cavaco ganha tanto como ele. Ora, isto dá azo a que os seus “amigos”, invejosos, passem grande parte do tempo comum, acusando-o de se andar a aproveitar da bagunça que tem reinado em Portugal.
E o que é mais flagrante é que o Zé Manel, que não consegue gastar o que ganha, vive à grande e à francesa, consolado de gargalhadas contínuas, contagiando o ambiente que o rodeia.
Ainda muito recentemente, vimos fotos dele, parecendo assediar cabritos em Mampatá, numa das várias viagens que tem feito à Guiné. O Neca da Régua sabe que aquilo é uma provocação. Sempre afirmou que devido àquela revoltante razia, estes cabritos, que agora são tratados como animais sagrados, tipo vacas na Índia, são descendentes de uma cabrita prenha que conseguiu escapar ao bando do famoso Zé Manel dos Cabritos.
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Nota do editor
Último poste da série de 10 de maio de 2017 >
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