O lançamento do livro já está agendado para o dia 10 de dezembro de 2019, em Beja, na Biblioteca Municipal, às 21h30. E no dia 8 de fevereiro de 2020 será apresentado, com pompa, circunstância e... "cante alentejano", na Casa do Alentejo, em Lisboa, com apresentação a cargo do nosso editor Luís Graça.
Prefácio
A guerra colonial (1961/75) terá sido possivelmente o acontecimento mais marcante da sociedade portuguesa do Séc. XX. Foi-o, pelo menos, para a nossa geração, a minha e a do José Saúde. Estamos a falar de mais de um milhão de combatentes, portugueses, mas também guineenses, angolanos e moçambicanos (que estiveram de um lado e do outro da “barricada”…). O seu desfecho levou não só à restauração da democracia em Portugal, com o 25 de Abril de 1974, mas também ao desmantelamento dum império colonial que verdadeiramente nunca chegou a sê-lo, e ao nascimento de novos estados lusófonos, a começar pela Guiné-Bissau, mais de cento e cinquenta anos depois da independência do Brasil (em 1822).
Em contrapartida, não creio que Portugal, meio século depois, tenha feito ainda o balanço (global) de uma guerra que, contrariamente a outras (por ex., invasões napoleónicas e guerras civis no Séc. XIX) se passou a muitos milhares de quilómetros de distância da Pátria, na África tropical.
A guerra colonial (1961/75) terá sido possivelmente o acontecimento mais marcante da sociedade portuguesa do Séc. XX. Foi-o, pelo menos, para a nossa geração, a minha e a do José Saúde. Estamos a falar de mais de um milhão de combatentes, portugueses, mas também guineenses, angolanos e moçambicanos (que estiveram de um lado e do outro da “barricada”…). O seu desfecho levou não só à restauração da democracia em Portugal, com o 25 de Abril de 1974, mas também ao desmantelamento dum império colonial que verdadeiramente nunca chegou a sê-lo, e ao nascimento de novos estados lusófonos, a começar pela Guiné-Bissau, mais de cento e cinquenta anos depois da independência do Brasil (em 1822).
Em contrapartida, não creio que Portugal, meio século depois, tenha feito ainda o balanço (global) de uma guerra que, contrariamente a outras (por ex., invasões napoleónicas e guerras civis no Séc. XIX) se passou a muitos milhares de quilómetros de distância da Pátria, na África tropical.
Portugal nunca fez o luto da guerra colonial (ou está agora a fazê-lo, lenta, tardia e patologicamente). E, no entanto, tem vindo, sobretudo depois da descolonização, a aumentar o interesse por esta guerra (que alguns preferem continuar a chamar “guerra do ultramar” ou “guerra de África”): veja-se a literatura de memórias, a produção ficcional e poética, a animação nas redes sociais de que o nosso blogue foi pioneiro, a investigação historiográfica e científica, a comunicação social, escrita e falada, etc.
É neste contexto que podemos situar este livro de memórias do José Saúde, o testemunho privilegiado de um português e militar que soube fazer tanto a guerra como a paz… Foi Furriel Miliciano de Operações Especiais (Ranger) na Companhia de Comandos e Serviços (CCS) do Batalhão de Artilharia (BART) n.º 6523 (Guiné, Região de Gabu, Nova Lamego, agosto de 1973/setembro de 1974)…
É neste contexto que podemos situar este livro de memórias do José Saúde, o testemunho privilegiado de um português e militar que soube fazer tanto a guerra como a paz… Foi Furriel Miliciano de Operações Especiais (Ranger) na Companhia de Comandos e Serviços (CCS) do Batalhão de Artilharia (BART) n.º 6523 (Guiné, Região de Gabu, Nova Lamego, agosto de 1973/setembro de 1974)…
Na realidade não chegou a cumprir os esperados 21 meses de comissão de serviço, porquanto nove meses depois sua chegada começou a desenhar-se, a partir de abril de 1974, a tão ansiada solução política para aquele interminável conflito armado que opunha as autoridades portugueses ao PAIGC, mas que também tinha muitos outros “stakeholders”, dada o seu contexto geoestratégico (estava-se em plena "guerra fria") e os interesses em jogo (a nível local, regional, nacional e internacional).
Não é de jogos de guerra de que aqui se fala, nem sequer de grandes batalhas, mas de simples memórias vividas e contadas na primeira pessoa do singular e do plural… Não é História com H grande, mas “petite histoire” sem a qual não se poderá perceber o que foi aquele conflito…
Não é de jogos de guerra de que aqui se fala, nem sequer de grandes batalhas, mas de simples memórias vividas e contadas na primeira pessoa do singular e do plural… Não é História com H grande, mas “petite histoire” sem a qual não se poderá perceber o que foi aquele conflito…
De que é que trata, afinal, este livro de mais de 200 páginas ? O autor não poderia fazer melhor síntese ao dizer que são “histórias que nos conduzem a uma viagem onde a Guerra se cruzou com a Paz”. E justamente numa região da Guiné, o leste, o Gabu, o “chão fula”, onde se tinha verificado uma escalada da guerra, desde pelo menos o meu tempo (Bambadinca, 1969/71), mas onde o PAIGC estava longe de ter conseguido conquistar o “coração” das gentes… e muito menos o seu território.
O presente volume reúne uma seleção de pequenas crónicas de um lote de cerca de 90, que o autor foi publicando, desde 2011, no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Tudo poderia começar pela clássica frase “Menino e moço, abalei da casa dos meus pais"... Aldeia Nova de S. Bento, Beja, Tavira, Lamego, Bissau, Nova Lamego (Gabu)…
O presente volume reúne uma seleção de pequenas crónicas de um lote de cerca de 90, que o autor foi publicando, desde 2011, no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Tudo poderia começar pela clássica frase “Menino e moço, abalei da casa dos meus pais"... Aldeia Nova de S. Bento, Beja, Tavira, Lamego, Bissau, Nova Lamego (Gabu)…
São memórias de pessoas e de lugares, que correm o risco de desaparecer no limbo do esquecimento: a evocação da incontornável viagem de LDG (Lancha de Desembarque Grande), Rio Geba acima, de Bissau ao Xime, com o fantasma do inimigo em Ponta Varela, antes da chegada ao destino; a bela e acolhedora cidadezinha colonial, que dava pelo nome de Bafatá, a capital do leste, conhecida no meu tempo como a “Princesa do Geba”; os “piras” e os seus rituais de iniciação e adaptação (ao clima, à guerra, às duras condições de vida nos quartéis e destacamentos lá no fim do mundo onde, de repente, se podia imaginar uma 5ª Avenida; a perda da inocência (o mesmo é dizer, da juventude) com a primeira morte de uma camarada; as colunas de reabastecimentos até a Bafatá, onde se ia buscar o pão para a boca e as "bazucas" (garrafas de 0,6 l de cerveja) do nosso contentamento… mas também a necessário provisão de caixões para os mortos; o privilégio de se ter um rádio que nos traz notícias do outro lado do mundo; o “batismo de fogo”, mesmo que atabalhoado; os dias de folga da guerra, em que o camuflado se trocava pela roupa civil, as tardes passadas nas tabancas com os seus frondosos e sagrados poilões, aprendendo com a sabedoria dos mais velhos, e deliciando-se com a alegria e a inocência dos mais novos, as encantadoras mas desprotegidas crianças da Guiné; o conhecimento, mesmo que superficial, de usos e costumes ancestrais como o batuque, o "fanado", o trabalho no campo, a família, o patriarcado, a condição da mulher, entre os fulas ; e sobretudo a ternura para com a “menina do Gabu”, loira e de olhos negros, “filha do vento”, de amores em tempo de guerra.…
É um impressionante desfiar de memórias, fragmentadas, que não segue uma sequência rigorosamente lógica nem cronológica. Enfim, há outros tópicos “incontornáveis” como o comércio do sexo, num país em guerra e num chão que era dos fulas, “nossos aliados”; as nossas afáveis e alegres lavadeiras e a fonte do Alecrim ou a “aldeia da roupa branca” (neste caso, verde e castanha); a “mascote”, o Alberto, o benjamim da Companhia, como o havia em quase todas as companhias, o “djubi” que era protegido e acarinhado pelos “tugas”; o primeiro e único Natal passado no mato, em 1973; figuras locais como Jau, o guia, o milícia Jaló, o Seidi, o magarefe, ou o Mário, antigo guerrilheiro e depois impedido do comandante…
Mas onde se fala ainda de notícias de deserção (o amigo desde Tavira e Lamego, “ranger”, cabo-verdiano que se pira para o PAIGC); a rotina da atividade operacional (incluindo a segurança à pista de aviação de Nova Lamego); a terrível experiência da sede e a importância vital da água; as alegrias da mesa e do convívio, à volta de um cabrito assado no forno; a continuação da “militarização” dos fulas, com a formação de novas companhias de milícias; as alegrias, as expectativas eas perplexidades do 25 de Abril de 1974 (vividas em plenas férias, no Alentejo, ainda só com nove meses de Guiné); o regresso ao Gabu em maio de 1974, os primeiros contactos com o inimigo de ontem, a apreensão da população fula face aos seus “libertadores”…
Amante do futebol, o autor não podia deixar de evocar as tardes de domingo, as futeboladas, a alegria de ir visitar, desarmado, os camaradas de Madina Mandinga em tempo de paz ainda precária (mas já sem o temor das minas e das emboscadas)… E, “last but not the least”, a transferência de soberania (na noite de 3 para 4 de Setembro de 1974, “um momento inesquecível”), a despedida, o regresso a casa, o segundo regresso ao Gabu, 25 anos depois, através de fotos de 1999, a catarse vivida com “lágrimas (…) de saudade e de ternura”…
O José Saúde, desportista e jornalista, é também o exemplo de um "coraçºão grande", de um grande lutador, de um grande sobrevivente e de um grande comunicador. Bastaria ler a sua história de vida e os seus livros “AVC – Acidente Vascular Cerebral na Primeira Pessoa” (Estarreja: Mel Editores, 2009, 162 pp.), ou AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade (Chiado Editora, 2017, 179 pp). Com o seu nono livro, agora dado à estampa e complementado com novas narrativas, ele não vem (nem precisa de) provar nada a si próprio nem aos outros: vem apenas confessar que viveu, que viveu momentos difíceis mas também bonitos e solidários no seu Gabu, na sua Guiné, naquela terra verde e vermelha, por cuja sorte o seu bom coração, de alentejano e português, ainda continua a bater.
Luís Graça, fundador e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (desde 2004) (**)
(*) Colecção: Memórias de Guerra e Revolução Direcção: Carlos de Almada Contreiras:
1 – O 25 de Abril e o Conselho de Estado. A Questão das Actas Maria José Tíscar
2 – A Viagem da Corveta. Uma Década de Episódios Navais Manuel Begonha
3 – Diplomacia Peninsular e Operações Secretas na Guerra Colonial, 2.ª edição Maria José Tíscar
4 – Terra-Mar-e-Guerra. Cogitações de um Marinheiro Alentejano José Faustino Ferreira Júnior
5 – Revolução de Abril. As Praças da Armada José Boto, Cabo C; José Brinquete, Marinheiro L; José Bruno, Cabo C, Vítor Lambert, Cabo L (coordenadores)
6 – A Contra-Revolução do 25 de Abril. Os “Relatórios António Graça” sobre o ELP e AGINTER PRESSE Maria José Tíscar
7 – 5.ª Divisão – MFA – Revolução e Cultura Manuel Begonha
8 – A Última História de Goa 2.ª edição revista e aumentada do livro N.R.P. Sirius – Índia 18 de Dezembro de 1961 – Três Casos de Marinha Manuel José Marques da Silva
9 – Retalhos de Vidas de Marinheiros Geraldo S. Lourenço
10 – A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães, 2.ª edição Jorge Sales Golias
11 – A Guerra nos Balcãs. Jihadismo, Geopolítica e Desinformação. Vivências de um Oficial do Exército Português no Serviço da ONU Carlos Branco
12 – Operação Viragem Histórica – 25 de Abril de 1974, 2.ª edição Organização de Carlos de Almada Contreiras
13 – A PIDE no Xadrez Africano. Conversas com o Inspetor Fragoso Allas, 2.ª edição María José Tíscar
14 – A Guerra na Antiga Jugoslávia Vivida na Primeira Pessoa. Testemunhos de Militares Portugueses ao Serviço das Nações Unidas Coordenação de Carlos Branco, Henrique Santos e Luís Eduardo Saraiva
15 – A Noite que Mudou a Revolução de Abril – A Assembleia Militar de 11 de Março de 1975 Coordenação de Carlos de Almada Contreiras
16 – Todos ou Nenhum. A libertação dos presos de Caxias João Menino Vargas
17 – O MFA em Moçambique – Do 25 de Abril à Independência Aniceto Afonso
18 – A Verdade Escondida – O 25 de Novembro e as Praças da Armada José Boto, José Brinquete, Fernando Marques, Florindo Paliotes (Coordenação)
19 – Kosovo – A Incoerência de uma Independência Raul Cunha
20 – Um Ranger na Guerra Colonial – Guiné-Bissau (1973-74) José Saúde
Mas onde se fala ainda de notícias de deserção (o amigo desde Tavira e Lamego, “ranger”, cabo-verdiano que se pira para o PAIGC); a rotina da atividade operacional (incluindo a segurança à pista de aviação de Nova Lamego); a terrível experiência da sede e a importância vital da água; as alegrias da mesa e do convívio, à volta de um cabrito assado no forno; a continuação da “militarização” dos fulas, com a formação de novas companhias de milícias; as alegrias, as expectativas eas perplexidades do 25 de Abril de 1974 (vividas em plenas férias, no Alentejo, ainda só com nove meses de Guiné); o regresso ao Gabu em maio de 1974, os primeiros contactos com o inimigo de ontem, a apreensão da população fula face aos seus “libertadores”…
Amante do futebol, o autor não podia deixar de evocar as tardes de domingo, as futeboladas, a alegria de ir visitar, desarmado, os camaradas de Madina Mandinga em tempo de paz ainda precária (mas já sem o temor das minas e das emboscadas)… E, “last but not the least”, a transferência de soberania (na noite de 3 para 4 de Setembro de 1974, “um momento inesquecível”), a despedida, o regresso a casa, o segundo regresso ao Gabu, 25 anos depois, através de fotos de 1999, a catarse vivida com “lágrimas (…) de saudade e de ternura”…
O José Saúde, desportista e jornalista, é também o exemplo de um "coraçºão grande", de um grande lutador, de um grande sobrevivente e de um grande comunicador. Bastaria ler a sua história de vida e os seus livros “AVC – Acidente Vascular Cerebral na Primeira Pessoa” (Estarreja: Mel Editores, 2009, 162 pp.), ou AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade (Chiado Editora, 2017, 179 pp). Com o seu nono livro, agora dado à estampa e complementado com novas narrativas, ele não vem (nem precisa de) provar nada a si próprio nem aos outros: vem apenas confessar que viveu, que viveu momentos difíceis mas também bonitos e solidários no seu Gabu, na sua Guiné, naquela terra verde e vermelha, por cuja sorte o seu bom coração, de alentejano e português, ainda continua a bater.
Luís Graça, fundador e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (desde 2004) (**)
_________________
Notas do editor:
Notas do editor:
(*) Colecção: Memórias de Guerra e Revolução Direcção: Carlos de Almada Contreiras:
1 – O 25 de Abril e o Conselho de Estado. A Questão das Actas Maria José Tíscar
2 – A Viagem da Corveta. Uma Década de Episódios Navais Manuel Begonha
3 – Diplomacia Peninsular e Operações Secretas na Guerra Colonial, 2.ª edição Maria José Tíscar
4 – Terra-Mar-e-Guerra. Cogitações de um Marinheiro Alentejano José Faustino Ferreira Júnior
5 – Revolução de Abril. As Praças da Armada José Boto, Cabo C; José Brinquete, Marinheiro L; José Bruno, Cabo C, Vítor Lambert, Cabo L (coordenadores)
6 – A Contra-Revolução do 25 de Abril. Os “Relatórios António Graça” sobre o ELP e AGINTER PRESSE Maria José Tíscar
7 – 5.ª Divisão – MFA – Revolução e Cultura Manuel Begonha
8 – A Última História de Goa 2.ª edição revista e aumentada do livro N.R.P. Sirius – Índia 18 de Dezembro de 1961 – Três Casos de Marinha Manuel José Marques da Silva
9 – Retalhos de Vidas de Marinheiros Geraldo S. Lourenço
10 – A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães, 2.ª edição Jorge Sales Golias
11 – A Guerra nos Balcãs. Jihadismo, Geopolítica e Desinformação. Vivências de um Oficial do Exército Português no Serviço da ONU Carlos Branco
12 – Operação Viragem Histórica – 25 de Abril de 1974, 2.ª edição Organização de Carlos de Almada Contreiras
13 – A PIDE no Xadrez Africano. Conversas com o Inspetor Fragoso Allas, 2.ª edição María José Tíscar
14 – A Guerra na Antiga Jugoslávia Vivida na Primeira Pessoa. Testemunhos de Militares Portugueses ao Serviço das Nações Unidas Coordenação de Carlos Branco, Henrique Santos e Luís Eduardo Saraiva
15 – A Noite que Mudou a Revolução de Abril – A Assembleia Militar de 11 de Março de 1975 Coordenação de Carlos de Almada Contreiras
16 – Todos ou Nenhum. A libertação dos presos de Caxias João Menino Vargas
17 – O MFA em Moçambique – Do 25 de Abril à Independência Aniceto Afonso
18 – A Verdade Escondida – O 25 de Novembro e as Praças da Armada José Boto, José Brinquete, Fernando Marques, Florindo Paliotes (Coordenação)
19 – Kosovo – A Incoerência de uma Independência Raul Cunha
20 – Um Ranger na Guerra Colonial – Guiné-Bissau (1973-74) José Saúde
(**) Último poste da série > 22 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20371: Notas de leitura (1238): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (33) (Mário Beja Santos)