sexta-feira, 12 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21999: Agenda cultural (769): "Judeus portugueses na América: uma outra diáspora", de Carla Vieira (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2021, 344 pp.)


 Carla Vieira: "Judeus portugueses na América: uma outra diáspora" (2021). 


Título: Judeus Portugueses na América: Uma outra diáspora
Autora: Carla Vieira
ISBN: 9789896269036
Ano de edição ou reimpressão: 03-2021
Editor: A Esfera dos Livros
Idioma: Português
Dimensões: 165 x 235 x 20 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 344
Tipo de Produto: Livro 
Classificação Temática: Livros > Livros em Português > História > História de Portugal

Preço de capa: c. 18,5 €

Fonte: Bertrand Livreiros

Sinopse:

A Liberdade, que desde 1886 recebe de chama na mão quem se aproxima de Manhattan, guarda aos seus pés a memória de uma diáspora com origens no outro lado do Atlântico.
Emma Lazarus, a autora do poema gravado no pedestal da estátua, conseguia recuar a sua ancestralidade até um judeu de Lisboa que, em 1738, chegara naquela mesma cidade de Nova Iorque. Mas a história dos judeus portugueses na América do Norte havia começado bem antes, quando, em meados do século XVII, o navio St. Catrina aportou em Nova Amesterdão, trazendo a bordo 23 refugiados do Recife.

A gesta continuou ao longo das décadas e séculos seguintes, repleta de personagens inolvidáveis. Do rabino patriota ao príncipe mercador, do herói revolucionário ao daguerreotipista do Faroeste, da matriarca que escrevia poemas ao médico que catalogava as maleitas da Virgínia, este livro revisita estas e outras histórias de judeus portugueses que marcaram os primórdios dos Estados Unidos da América.

O presente livro resgata do esquecimento as histórias destes indivíduos cujas vidas espelham a extraordinária epopeia dos judeus portugueses, uma outra «Expansão» da língua e cultura ibéricas pelo mundo, perpetuada por um grupo marginal, perseguido, alvo de ostracismo, mas, ainda assim, capaz de se reinventar, de reconstruir vidas e fortunas, e de manter aceso o sentimento de pertença a uma entidade grupal que atravessava impérios e culturas. 

Lá fora, apelidavam-nos de «a nação portuguesa».Apesar de dignas de nota, estas e outras histórias da diáspora judaico-portuguesa na América do Norte têm sido praticamente votadas ao silêncio pela historiografia portuguesa. Um silêncio ainda mais ensurdecedor quando comparado com a proficuidade com que a literatura norte-americana trata o tema, mote de numerosos livros e artigos publicados em periódicos de referência.

Suprimir uma lacuna? Só em certo ponto. Afinal, esta não é uma obra historiográfica. É um livro de divulgação científica, destinado ao leitor comum, que não abrirá este volume à procura de material e referências para o seu trabalho académico. O rigor nos dados transmitidos e a metodologia aplicada na busca de informação são comuns a um estudo historiográfico, mas não a forma nem os objectivos. 

A intenção é que o leitor se envolva na trama partindo de casos particulares, em registo biográfico, que abrem janelas para um retrato do tempo e das comunidades em que se inserem e dos episódios históricos dos quais participam. 

O aparato crítico inerente a um estudo historiográfico, como as notas referenciais ao longo do texto, foi sacrificado em prol de maior fluidez do texto. Para minorar essa ausência, no final do livro poderá encontrar uma breve nota sobre as fontes e bibliografia consultadas na composição de cada um dos capítulos. E ainda há muito mais por saber.


Autor: Carla Vieira

Carla Vieira é investigadora de pós-doutoramento no CHAM – Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e membro da Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste. 

Nos últimos anos, tem centrado a sua pesquisa em torno da diáspora sefardita e das relações luso-britânicas no século xviii. É autora de vários artigos científicos publicados em revistas da especialidade portuguesas e internacionais, bem como dos livros 

(i) Uma amarra ao mar e outra à terra. Cristãos-novos no Algarve (1558-1650) (2018), baseado na sua tese de doutoramento, 

(ii) Mendes Benveniste. Uma família nos alvores da Modernidade (2016), em co-autoria com Susana Bastos Mateus, 

e (iii) Olhão, Junho de 1808. O levantamento contra as tropas fracesas através da imprensa e literatura da época (2009), que recebeu o Prémio Nacional de Ensaio Histórico Francisco Fernandes Lopes.

Para mais informações ou contato com a autor:

Victoria Gallardo > victoria.gallardo@esferalibros.com

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21998: Agenda cultural (768): a propósito do livro "Ataque a Conacry: História de um Golpe Falhado", José Matos deu uma entrevista à RTP - África, no passado dia 9



Capa do livro, montagem do editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 
com a devida vénia. O  livro é publicado sob a chancela da  Fronteira do Caos Editores
Lisboa, 2021.


1. Mensagem do José Matos, historiador militar e membro da nossa Tabanca Grande, ainda a propósito do seu livro (em coautoria com Mário Matos e Lemos), "Ataque a Conacry: História de um Golpe Falhado" (Lisboa, Fronteira do Caos, 2021, 170 pp., il.) (*):

Date: quarta, 10/03/2021 à(s) 10:43
Subject: Re: Mar Verde

Olá, Luís

A respeito do livro sobre a Mar Verde enviava-te mais alguma informação sobre o seu conteúdo, que podes publicar no blogue.

O livro está dividido em 4 capítulos de forma a enquadrar a operação no período em que Spínola esteve na Guiné. Vejamos então o que é abordado.

Capítulo 1- Spínola na Guiné - Começa com a nomeação do general Spínola para a Guiné e faz uma análise do seu desempenho até à Mar Verde.

Capítulo 2 - Os antecedentes da Mar Verde - Neste capítulo são analisados os contactos entre as autoridades portuguesas e os movimentos dissidentes guineanos com especial de destaque para a FLNG [, Frente de Libertação Nacional da Guiné-Conacry].

Capítulo 3 - A invasão de Conakry - Aqui é analisada a preparação da invasão e a sua execução.

Capítulo 4 - A impossibilidade de uma solução militar - Uma análise sobre o período seguinte com as tentativas de Spínola para negociar uma solução para resolver o conflito na Guiné.


Ver, entretanto, a  partir do minuto 24:56, a entrevista que dei para a RTP África sobre o livro,

Guiné 61/74 - P21997: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (43): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Março de 2021:

Queridos amigos,
O homem põe e Deus dispõe, vai estar mau tempo nas férias da Páscoa, ir para as praias do Mar do Norte com aquela borrasca não é boa sina, o melhor será ficarem-se pelos passeios da proximidade, e Annette dá sugestões, conhecedora dos gostos e preferências do seu amado português. Não lhe disse, mas está a preparar um Domingo de Páscoa muito especial, virão os filhos e respetivas companhias, uma irmã, filha de sangue dos seus pais adotivos, Angelique Roubaix, está ansiosa por conhecer Paulo. Annette sofre com o que está a escrever na comissão da Guiné, muito estremeceu com toda aquela história no dia 15 de outubro de 1969, que culminou numa pequena desgraça, houve negligência e a fatura é muito pesada. Os problemas de visão são preocupantes, o médico e querido amigo David Payne manda-o ao hospital militar, em Bissau. Ainda ninguém sabe, mas vai nascer uma grande amizade com esse oftalmologista micaelense, José Luís Bettencourt Botelho de Melo, recentemente falecido.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (43): A funda que arremessa para o fundo da memória


Mário Beja Santos

Mon inoubliable Paulo, escrevo-te para te dar conta de que temos as férias na zona costeira e na ilha dos Países Baixos altamente comprometidas. Segundo a meteorologia, teremos borrasca, neblina, pesados aguaceiros quinta e sexta-feira. Sábado e domingo o tempo estará um pouco cinzento, temperatura amena, a chuva regressará domingo à noite e não dará descanso à Bélgica até tu partires. Na circunstância, acho que podíamos aproveitar a quinta-feira para visitarmos duas exposições, tu disseste que gostarias muito de haver os simbolistas belgas e franceses no Museu de Ixelles, podíamos aproveitar para ir ao Museu da Banda-Desenhada, está lá igualmente uma exposição que tem a ver com a banda-desenhada belga no período que precedeu a II Guerra Mundial. Como sempre faço, preparo um dossiê, e tu defines a ementa…

Para sábado, em que há uma certa movimentação cultural e nem todos os museus fecham, tudo depende da tua vontade de espreitarmos o mercado da Praça do Jeu de Balle, e haverá uma visita-guiada ao circuito da Muralha Medieval de Bruxelas, é evidente que tu conheces de vista os principais vestígios mas lembrei-me de que apreciarias os comentários de um perito, aquelas torres que restam, até mesmo as construções da 2ª muralha do século XIV temos vestígios, poucos, em Bruxelas, no sábado também se pode visitar a Porte de Hal. O circuito começa na Torre Anneessens, percorre várias muralhas, há depois a Torre Negra e esta pequena viagem termina na Torre do Palácio das Belas-Artes. Ou seja, podíamos começar de manhã cedo por ir ao Petit Sablon e fazer depois o circuito da muralha medieval. Descobri na Rue Montagne aux Herbes Potagères um pequeno restaurante que serve aos sábados a sopa tradicional flamenga, galinhola e tem uma receita especial de mexilhões, com estragão. Achas bem? Na edição do Mad (suplemento do Le Soir, que tu conheces bem) refere que sábado à tarde há uma digressão a Ixelles, também com guia para visitar os edifícios Arte-Nova, que tu tanto aprecias. Esqueci-me de te dizer que no Parque do Cinquentenário decorre uma exposição intitulada “Arte-Nova e Design 1830-1958”, é outra possibilidade. Tu conheces muito bem o Museu Horta, estará aberto no sábado, mas eu lembrei-me de certas casas como a Maison Cauchie ou o Hôtel Hannon. Não te rias, disseste-me que aprecias imenso os cemitérios ingleses pela sua envolvência serena, tens um cemitério cheio de Arte-Nova, o da comuna de Uccle, o cemitério do Dieweg, vê se te interessa. Se fossemos ao Parque do Cinquentenário, podíamos voltar ao Pavilhão das Paixões Humanas e ver a escultura de Jeff Lambeaux, pessoalmente gosto muito, aprecio aquela sensualidade sobre o pretexto da felicidade e dos pecados humanos. Tu escolhes.

Li todos os documentos que me mandaste. Já estamos em outubro de 1969. Ainda não te refizeste da dor que foi a perda do teu colaborador Luís Casanova, o médico de Bambadinca avisou-me de que será uma recuperação lenta. É admirável o aerograma que te enviou o comandante Teixeira da Mota, de Bissau, tudo a propósito de uma brochura que te ofereceu quando lá estiveste e tu me enviaste com a dedicatória dele, a obra intitula-se A Primeira Visita de um Governador das Ilhas de Cabo Verde à Guiné, António Velho Tinoco, 1575. Que bonito texto que ele te enviou:
“António Velho Tinoco foi o corregedor que condenou à morte o piloto açoriano trânsfuga Bartolomeu Baião, o qual lhe foi levado preso para a Ilha de Santiago por um lançado da Guiné. Sobre o Baião tenho reunidas dezenas de documentos em Lisboa, Madrid e Londres e que permitem reconstituir uma vida aventurosa, tipo capa e espada, de um piloto português – um entre muitos – que se valeu da sua arte náutica para roubar navios e intrujar ingleses e espanhóis (fugiu de uma prisão de Sevilha pelo telhado e depois andou a ludibriar em Londres o embaixador de Espanha). Um colaborador em Sevilha acaba de me enviar mais uma boa dose de documentos sobre o mesmo, catados no Arquivo das Índias, e onde se explica como, quando comandava uma frota de corsários ingleses que andava à caça de navios ingleses, foi apanhado pelo rei da ilha de Jeta, que depois o entregou ao lançado que levou à justiça de António Velho Tinoco”.
Obviamente que li esta viagem de Tinoco, é um texto belíssimo.

Arrumei já o episódio da destruição das embarcações do rio Geba e achei inacreditável aquele depoimento do teu amigo Queta Baldé sobre as cumplicidades familiares entre gente que estava no PAIGC e gente que se pôs do lado dos Portugueses. Apercebi-me que este período chamado da época das chuvas provoca imensa doença, tu falas de um soldado milícia, de nome Samba Embaló, vitimado pela malária, reduzido a pele e osso, houve que pedir uma evacuação de helicóptero, tal o depauperamento em que se encontrava. Falas numa folha à parte dos preparativos da presumível partida para Bambadinca, afinal tudo me parece complicado, com conferências de material, as limpezas, os chamados abates de coisas deterioradas, pacientemente tudo se foi arranjando para o ato da transferência.

E brutalmente segue-se a descrição da mina anticarro num sítio chamado Canturé, tu alegas que nesse período o cansaço era imenso, tinhas baixado as guardas, que sofrias muito pela falta de efetivos subtraídos para outras missões, foi um dia azafamado, foste buscar arroz a uma população qualquer, atrasaste-te, o próprio condutor pediu para ficar em Finete, que não, que tinhas no dia seguinte imenso que fazer. Não sei como consegues fazer este documento que tanto me arrepiou, o teu amigo Cherno Suane vai no guincho da viatura, a caixa desse Unimog 404 vai carregada de bidons e sacos de arroz, lá no alto o bazuqueiro Mamadu Djau. E tu explicas-me como viveste esse anoitecer, o fragor da explosão, os fios elétricos a morrerem, os urros do condutor, a tua saída em voo, felizmente com a espingarda na mão, uma emboscada que durou pouco, tu explicas que a noite não é boa companheira para ninguém, todo aquele fogo iria provocar matança entre companheiros. E como é possível que tu te sentisses agradecido só porque julgavas ter perdido o olho direito enquanto vais até Finete pedir auxílio, além de um moribundo há vários feridos, Paulo, Paulo adorado, lacrimejei enquanto via a fotografia e a interpretação que tu fizeste. Foste escrever tudo sobre a tua ida a Bambadinca e os apoios que tiveste, as dores físicas e as dores morais. Como os dias seguintes não foram fáceis, o olho a arder, a face queimada, o joelho direito inchadíssimo. Paro aqui, foi um dia exaustivo, e quanto me custa reproduzir-te o que escrevi e como me rendo ao teu argumento de que a misericórdia de Deus te enlaçou para a vida naquele que até à altura foi o momento mais dramático por que passaras. O que me alivia é que tu chegas amanhã à noite, haja trovoadas, céus plúmbeos, repentinas neblinas, chega a luz que me dá força, um amor chamado presente e futuro, impante pela confiança que me traz, por todos os prazeres que uma mulher sonha de ter a seu lado o perfeito e fiel companheiro. Bien à toi, Annette
A Torre Anneessens, restos da muralha medieval de Bruxelas
A Torre Negra, Bruxelas
Maison Ciamberlani Hankar, Rue Defacqz, Bruxelles
Hotel Hannon, Saint-Gilles, Bruxelles
Em pleno sofrimento, escultura no Cemitério de Dieweg, Uccle, Bruxelas
Pavilhão das Paixões Humanas, de Victor Horta, Parque do Cinquentenário
Emboscada de Canturé, Humberto Reis olha surpreso para os destroços: “Como é que ele saiu vivo disto?”
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21972: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (42): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21996: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IV: O embarque, as 'hospedeiras'… e África Minha


Guiné > Região de Tombali > CCV 8351 (1972/74) > Zona deintervenção (, círuclo a azul) dos Tigeres de Cumbijã. Guileje e Gadamael são referidos apenas pelos efeitos colaterais.

Infografia: Joaquim Costa (2021)



Guiné > Região de Quínara > Buba > Chegaa em LDG... Foto do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné., com a devida vénia...


Guiné > Região de Quínara > Buba > O magnífico pôr de sol em Buba > Foto António Murta / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Com a devida vénia



Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) >  A nossa primeira casa no teatro de operações. Foto do António Murta / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné., com a devida vénia..



Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondamar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IV (*)


O embarque, as 'hospedeiras'….e África Minha!

 
Por estranho que pareça tenho muita pouca memória do dia do embarque (como eu compreendo o Zeinal Baba !). 

Lembro-me de alguns familiares a despedirem-se dos filhos, maridos e namorados, todos chorosos e tristes, mas longe das cenas que conhecia pela televisão, do cais de Lisboa (Gare Marítima da Rocha Conde de Óbidos), com desmaios, gritos, muito “ranho” no nariz e muitos lenços acenar.

Nunca tinha andado de avião pelo que a expectativa era grande. Ouvia falar das hospedeiras... e do tratamento VIP que todos recebiam nas viagens de avião...

As hospedeiras eram... soldados!... E na aparelhagem sonora do avião eram difundidas as instruções de segurança, com uma linguagem ao nível da do amigo Gil em França e em Veneza (o vernáculo puro e duro do Norte). 

Junto de cada banco um panfleto com as mesmas instruções mais ou menos assim: quem fumar dentro do avião está F...; Não se esqueçam de apertar a M… dos cintos…; e por aí fora.

 Tratamento VIP! Era obviamente um avião dos TAM - Transportes Aéreos Militares...

Chegados a Bissau (depois de uma escala em Cabo Verde para reabastecer), retirado o cinto de segurança e abertas as portas, logo nos entra no avião...  a ÁFRICA TODA (!), com toda a sua força: o calor, a humidade, os cheiros os sons...

A viagem de Berliet até ao Cumeré, não obstante os receios e muita ansiedade, consolidou e confirmou toda a informação colhida através de filmes e revistas sobre África, mas agora (com todos os meus sentidos em alvoroço) com o calor, a humidade, os cheiros, os grupos de mulheres com os seus filhos às costas e seios desnudados na beira da estrada e os sons característicos de África (que nenhum filme ou revista nos proporciona), várias vezes me belisquei à espera de acordar. 

Em meia dúzia de horas, passamos do centro de Lisboa com 13 graus, para o interior da Guiné, na África profunda, com 40º.

A passagem pelo Cumeré onde fizemos a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), local de adaptação (fundamentalmente aos mosquitos e à rede mosquiteira) e preparação para as tarefas que nos estavam reservadas no teatro de operações, decorreu de forma tranquila.

Contudo, sentia-me anestesiado, como que vivendo um sonho e que logo pela manhãzinha acordaria na minha cama, no verde Minho, como sempre ouvindo os cães, os galos e os pardais.

Não era propriamente um pesadelo, de onde queria muito sair, acordando. Por estranho que pareça tudo fazia para prolongar o sono, pois que me sentia inebriado pelo calor, que me agradava, pelos cheiros que inalava com sofreguidão, com os sons que me soavam a música melancólica e doce.

E que dizer das gentes? Diferentes, mas desconcertantes na sua calma, como suspensos na atmosfera sem gravidade e muito, muito gentis. Ainda hoje me vem à memória as crianças, que quase habitavam o quartel, rodeando-nos entusiasmadas com a chegada dos novos inquilinos.

Parecia a peça que faltava para o quadro ser perfeito, infelizmente logo contrariado pela sofreguidão com que comiam as bolachas que lhe davamos,  denunciando tudo o que não queríamos ver e confirmado pela fila que faziam, cada um com a sua lata na mão, à espera das sobras da cozinha...

Ainda hoje não encontro explicação para o facto de toda aquela miudagem, com 2 dias de Cumeré nos tratarem pelo nosso próprio nome!!!

Passados os 15 dias de adaptação e após o discurso de boas vindas de Spínola (menos dramático do que o do Sargento Redondeiro em Portalegre), lá chegou a hora da verdade com o embarque, numa LDG (Lancha de Desembarque Grande), rio acima (grande Fausto, uma obra prima este LP - Esta viagem está ao nível das muitas descritas por Fernão Mendes (M)Pinto na Peregrinação)...

E lá fomos até Buba, com a companhia de alguns elementos da população local que se faziam acompanhar com toda a “família”, nomeadamente: cabras, galinhas, porcos, etc.,

Em Buba (local deslumbrante. ideal para umas boas férias) lá subimos para as Bierliets que nos conduziram, em coluna, até ao nosso destino:  Aldeia Formosa (hoje Quebo). Esta coluna, que se realizava, creio que semanalmente, tinha como função principal o transito de militares e o abastecimento de todos os produtos, alimentícios, e outros, para toda a região de Aldeia Formosa.

Era uma picada difícil de vencer, em particular na época das chuvas, onde religiosamente avariava sempre uma ou duas viaturas, mas que nunca ficavam para trás (homens e máquinas o mesmo lema!), implicando uma viagem de um dia para vencer umas dezenas de quilómetros.

À frente da coluna seguia a “arrastadeira”, viatura carregada com sacos de areia, onde só lá ia o condutor, geralmente alguém já “cacimbado” que se oferecia para tão arriscada tarefa de limpar o caminho de minas para o resto da coluna. Situação que acontecia com alguma frequência.

Geralmente dois grupos de combate faziam a proteção da coluna e vários grupos eram colocados na mata, ao longo da picada, por forma a reduzir ao mínimo a possibilidade de contacto com o IN.

Não obstante todos estes cuidados era recorrente o rebentamento de minas ou contactos com o IN.

Com o desembarque em Buba deu para constatar que já estávamos na considerada zona vermelha (não confundir com red light district!). Eram evidentes os contrastes:

  • os nossos camaradas que nos recebiam com uma cara de felicidade por nos ver chegar e as nossas de susto e medo;
  • as suas fardas já sem cor de tantas lavagens e rotas, e as nossas ainda com cheiro a goma;
  • os seus corpos tisnados pelo sol e a nossa brancura de lençol a corar ao sol.

Com um sorriso na cara e nas almas iam-nos mimando com a canção mil vezes cantada na Guiné: "Piriquito vai no mato, Olélélé velhice vai no Bissau olélélélé!".... Sacanas!

Ao chegarmos a Aldeia Formosa por todo o lado se ouvia: "Piriquito vai no mato, olélélé velhice vai no Bissau olélélélé".

Fomos recebidos, calorosamente, com direito a banho e rancho melhorado. Depois do banho fomos conduzidos ao bar para limpar as goelas do pó da viagem.

Alguns colegas “velhinhos” pediam ao soldado que servia no bar cervejas para ele e para os novos companheiros: para ele o soldado servia uma cerveja fresca para o periquito uma quente. Reclamamos, ao que o soldado nos diz que fresca só para os “velhinhos”, com o encolher de ombros do dito “velho”.

Como estávamos intimidados e assustados com todo aquele ambiente,  ninguém mais reclamou.

Convidados para o jantar, aos “velhinhos” era servido, com deferência pelos soldados, uma sopa com aspeto agradável, aos periquitos era servida uma água turva, com grandes pedaços de capim e com gestos bruscos do soldado,  entornando a mesma nas nossas calças. 

Aqui a coisa “piou mais fino” e alguns de nós reagiram com alguma violência. Antes que a coisa descambasse, os soldados que serviam no bar,  identificaram-se como colegas furriéis, e que tal não passava de uma praxe habitual aplicada aos periquitos. 

Com tudo esclarecido ... a farra foi até às tantas com direito a cerveja fresca.

Dormimos como justos no chão em colchões insufláveis... ainda vazios…

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Nota do editor:

(*) Postes anteriores  da série:


(...) Foi aqui que me tornei um exímio jogador de lerpa (jogo de cartas a dinheiro) graças aos mestres do ofício - os velhinhos sargentos do quartel. No dia em que fazia serviço aos telheiros (instalações fora do quartel onde dormiam os soldados da companhia) era sempre uma noite sem ir à cama já que o casino se montava no final do jantar e fechava as portas já com os soldados formados em parada para regressarem ao quartel para mais um dia de instrução. Sempre que fazia serviço aos telheiros no dia seguinte seguia carta para casa a pedir mais uma mesada adiantada…

Aqueles sargentos eram tramados. (...)

13 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21893: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte II: A minha passagem pela maravilhosa cidade de Chaves depois do martírio de Tavira

(...) De manhã cedinho, depois de um bom pequeno almoço com pão sempre quentinho e muita manteiga a derreter-se no mesmo, formado o grupo, lá fomos nós, todos catitas, a marchar até ao forte de S. Francisco.

Chegados à porta de armas, um soldado aparece ao portão, com um leve sorriso nos olhos brilhantes, e, baixinho diz-me ao ouvido:

– O seu colega Ferreira pede para aguardar só uns segundos.

Achei estranho, geralmente nestes casos já todo e pessoal costumava estar à porta “mortinho” por se ir embora depois de 24 horas passadas naquele buraco. Aproximo-me mais um pouco do portão e vejo o Ferreira ainda a vestir as calças e uma loira a esgueirar-se, escondendo-se por trás dos soldados. Logo a seguir aparece o Ferreira, com um sorriso de felicidade, com um malmequer bravio, colhido no forte, colocado na orelha e a cantarolar a celebre canção, hino do movimento hippie e do amor livre: “Se vais a San Francisco, leva flores no teu cabelo…”(...) 

3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21844: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 3851, 1972/74) - Parte I: Caldas da Rainha (A chegada às portas da tropa: um fardo pesado); Tavira (Amor, ódio e... trampa)

(...) Já na altura, a tropa estava muito à frente! – eram distribuídas as especialidades de uma forma cientificamente infalível, através de testes ditos psicotécnicos que na altura, creio eu, só o exército utilizava.

Era recorrente ouvirmos que escriturários iam para mecânicos, mecânicos para escriturários, enfermeiros para transmissões e técnicos de rádio para enfermeiros... Dado este rigor científico, tinha a expectativa, dada a frequência do 3.º ano em engenharia eletromecânica (Curso de Eletrotecnia e máquinas), que me sairia em sortes, no mínimo, a especialidade de transmissões!

Enfim: Armas Pesadas!... e "ala" para Tavira. (...)

Guiné 61/74 - P21995: Parabéns a você (1942): Sarg. Ajud. Ref da GNR Manuel Luís R. Sousa, ex-Soldado At Inf da 2.ª Comp/BCAÇ 4512/72 (Jumbembém, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Março se 2021 > Guiné 61/74 - P21988: Parabéns a você (1941): Joaquim Cruz, ex-Soldado CAR da CCS/BCAÇ 4512/72 e BENG 447 (Farim e Bissau, 1972/74)

quinta-feira, 11 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21994: Manuscrito(s) (Luis Graça) (200): "A minha esperança mora / No vento e nas sereias / É o azul fantástico da aurora / E o lírio das areias" (Sophia)


Foto nº 1 > Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-Te Ao Mar > 6 de março de 2021 > O lírio-das-areias

 
Foto nº 2 > Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-Te Ao Mar >  6 de março de 2021 > 
 
Foto nº 3 > Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-Te Ao Mar >  O lírio-das-areias em flor
 

Foto nº 4 > Lourinhã > Praia da Areia Branca  > Dunas >  11 de março de 2021 > 


 Foto nº 5 > Lourinhã > Praia da Areia Branca  > Dunas >  11 de março de 2021 >
 

Foto nº 6 > Lourinhã > Praia da Areia Branca  > Dunas >  11 de março de 2021 > O lírio-das-
areias cercado pelo chorão-das-praias (Carpobrotus edulis), 

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Que planta é esta, que cresce à beira-mar ?  Tem muitos nomes populares: lírio-das-areias, narciso-das-areias, lírio-das-praias, lírio-das-dunas, pancrácio marítimo... Nome científico Pancratium Maritimum...

É uma planta autóctone de Portugal continental ( , não existe por exemplo na Madeira), vive nas dunas e areais costeiros, geralmente na duna primária e nos vales entredunares, ao longo de toda a nossa costa, do Minho ao Algarve...

Cantada por poetas como Sophia de Mello Breyner Andresen: "A minha esperança mora / No vento e nas sereias / É o azul fantástico da aurora / E o lírio das areias." (in: Dia do Mar). 

2. Diz a Wikipedia

(i) Descrição:

(...) É uma espécie herbácea, as folhas erguidas sobressaem do solo formando um denso ramalhete; têm entre 5 e 20 mm de largura e são de cor verde azuladas. Têm um bolbo largo, esbranquiçado, com várias capas membranosas. A ingestão provoca uma grade toxicidade, visto conter heterósidos cardiotónicos. As raízes estão situadas a uma profundidade de até 0,8 m abaixo da superfície.

As flores são pediceladas, grandes, de cor branca, com semelhança aos narcisos, muito aromáticas e com um tamanho de até 15 cm de comprimento. A for apresenta 6 tépalas lanceaoladas abertas na periferia e com uma nervura esverdeada dorsal que nasce na base da umbela. A corola com forma de trompete, também branca, contém 12 dentes de forma triangular. Os 6 estames são de cor esbranquiçada, com anteras de cor amarela em forma de rim.

O ovário é trilocular e sobressai sobre o cálice. O fruto é uma cápsula grande e ovóide, em cujo interior se encontram as sementes, negras e de forma triangular, com picos. (...)

(ii) Etimologia:

Pancrácio provem do grego παν (pan, "tudo") e κρατυς (cratys, "potente") em alusão a supostas virtudes medicinais da planta. Maritimum vem do latim "mar", devido ao seu habitat costeiro.

3. Floração:

Já quanto à floração, há divergências nos registos: estas  imagens (Fotos nºs 1, 2 e 3) que fizemos, no Porto das Barcas, na "saída de emergência" da nossa "secreta" Tabanca do Atíra-Te ao Mar (, de que é régulo o nosso camarada Joaquim Pinto Carvalho),  têm a data de 6 de março de 2021... Estes lírios-das-areias aparecem no alto na arriba do Porto das Barcas e já estão a florir... 

Nas dunas da Praia da Areia Branca / Praia do Areal, costumamos vê-las florir mais tarde, a partir de fins de maio e princípios de junho... 

As dunas são ecossistemas muito sensíveis e correm o risco de desaparecer...  Infelizmente este passeio pedonal, ligando a foz do rio Grande à praia do Areal,  está muito degradado... É uma pena!... Mas quando for recuperado,  por favor, senhores autarcas, mandem arrancar os chorões que esmagam as nossas lindas plantas autóctones dunares!... Ofereço um dia ou meio-dia de trabalho voluntário, conforme o estado de saúde das minhas pernas,  para ajudar a arrancar os malditos chorões!

O chorão-das-praias é espécie invasora, proveniente da África do Sul, e como tal está listada no Decreto-Lei nº 92/2019, de 10 julho.(Assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) n.º 1143/2014, estabelecendo o regime jurídico aplicável ao controlo, à detenção, à introdução na natureza e ao repovoamento de espécies exóticas da flora e da fauna.)
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21918: Manuscrito(s) (Luís Graça) (199): Elegia para Isabel Mateus (Soure, 1950 - Lourinhã, 2021)

Guiné 61/74 - P21993: A Operação Vaca, em 10 de março de 1965, em que forças da CCAÇ 675, com a ajuda da Marinha, "resgataram" 85 vacas "turras", no Oio, "ronco" que gerou depois um contencioso entre "infantes" e "marinheiros" (Belmiro Tavares, ex-alf mil, Binta, 1964/66)

Guiné  Região de Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1964/66) > c. 1965 >  A ganadaria da "companhia do quadrado"...

Guiné  > Região de Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1964/66) > C. 1965 > Secretaria da Companhia, que funcionava como sala de visitas: da esqerda para a direita, 1.º Ten Batista Lopes, cmdt da LFG Lira (que na época fiscalizava o rio Cacheu),  Ten Cor Fernando Cavaleiro, CMDT do BCav 490  (Farim, 1963/65), Cap Tomé Pinto, CMDT da CCAÇ 675, e Cap Cav Manuel Correia Arrabaça, CMDT da CCS / BCav 490

Fotos (e legendas): © Belmiro Tavares (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do livro "A nossa luta: dois anos de muita luta: Guiné 1964/66, CCAÇ 675)", de Belimiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autor, il.. Lisboa, 2017, 606 pp. [Um exemplar autografado foi oferecido ao nosso editor. com a seguinte dedicatória; "Ao caro amigo Luís Graça, com enorme amizade e carinho. Lisboa, 1/2/2021, Belimiro Tavares".]




1. O Belmiro Tavares (ex-Alf Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), Prémio Governador da Guiné (1966), membro nº 390, da nossa Tabanca Grande, desde 1/11/2009,  empresário hoteleiro, é autor da série "Histórias e Memórias de Belmiro Tavares", de que se publicaram 47 postes ao longo de mais de 4 anos, entre novembro de 2009 e maio de 2014  (*). 

Grande parte dessas histórias e memórias foram recompiladas no livro cuja capa se reproduz acima. Com a devida vénia, vamos reproduzir a segunda parte do poste P9646 (**),  que corresonde no essencial, no livro supracitado, à narrativa "10 de março de 1965: um dia agitado: operação "Vaca" (pp. 255/257). É uma história bem humorada, e contada com talento.


Belmiro Tavares, alf mil, CCAÇ 675
(Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66)
Também a famosa "companhia do quadrado" tinha de lidar, como todas as outras, ao longo da guerra,   com o candente problema da "falta de carne", alegadamente pelos mesmos motivos: "os nativos não manifestavam vontade de vender os seus animais", devido à importância que o "gado vacum", em especial,  representava para as famílias e as comunidades... Esse problema tem sido aqui abordado, de um lado e do outro (***).


A operação Vaca

por Belmiro Tavares


Hoje, vou transmitir uma actuação muito esquisita, muito especial, diferente (digo eu) e também com surpresa total, à qual não atribuímos qualquer 
nome – nem houve tempo para tal!  

Posteriormente um oficial da Marinha, o comdt do navio Lira [, Lancha de Fiscalização Grande,]  que patrulhava o Cacheu naquela data, chamou-lhe “Operação Vaca”, nome que aceitámos... 
à posteriori.

Tratou-se duma operação... improvisada (ponham improviso nisso) mas muito lucrativa, materialmente. Não recordo a data; creio apenas que ocorreu em março de 1965 [, dia 10, p. 255 do supracitado livro].

Na madrugada daquele dia (e sem imaginar o que iria acontecer) o meu Grupo de Combate saiu para o mato; regressámos, missão cumprida, cerca das 3h00 da tarde; à entrada do quartel cruzei com os outros dois Gr Comb.: um seguiu para Farim e outro para Guidage.

 O cap Tomé Pinto aguardou que eu chegasse e, depois dum belo banho, almoçamos juntos. A meio do repasto, ouvimos alguém chamar insistentemente:

–  Sr. Capitão! Sr. Capitão!

Depreendemos que se tratava de pessoal da Marinha e fomos averiguar o que pretendiam.

– O nosso Comandante manda dizer que, na bolanha em frente, anda uma grande manada a pastar; se decidirem ir lá apanhá-la, nós temos ali uma LDM que facilita a travessia do rio.

A proposta partia do comdt Baptista Lopes, um grande amigo da CCaç 675. Entre “aquela Marinha” (pessoal do navio Lira) e a nossa unidade... tudo corria sobre esferas: eles faziam ali aguada [, abastecimento de água potável], por vezes almoçávamos juntos (no navio ou nas nossas pobres instalações), emprestavam-nos um motor para regar a nossa horta com água do poço e forneceram-nos corrente eléctrica para podermos ver dois filmes com a Madalena Iglésias e o António Calvário – vimos aqueles filmes todas as noites, mais de uma dezena de vezes!

Uma das nossas preocupações, no tocante à alimentação, era a falta de carne, porque os nativos não manifestavam vontade de vender os seus animais. Recebiam o “patacão”, é certo, mas perdiam evidentes sinais exteriores de abastança. Entre eles não era rico quem tinha dinheiro no canto do baú; a riqueza manifestava-se pela quantidade de vacas que cada um possuía. Sabia-se logo quem era rico... o resto é conversa. As vacas serviam até como “moeda de troca” na “aquisição” de noiva.

O cap Tomé Pinto, o nosso sábio timoneiro, sempre atento a tudo o que nos rodeava, perguntou se eu estava disposto... a ir ao Oio apanhar umas vacas... vivas ou mortas.

– Por vaca... eu vou até ao inferno!

Reuni logo os meus soldados e, acompanhados por militares e milícias nativos, utilizámos a LDM (Lancha de Desembarque Médio) para cruzar o rio... na ponta da unha.

Os indígenas tinham a missão de se aproximar e lidar com os quadrúpedes. Eu sabia que as vacas fugiam dos brancos como se de inimigos se tratasse... e não é que elas até tinham razão?!

Desembarcámos cautelosamente na margem esquerda do Cacheu e à distância, cercámos os ruminantes; era quase uma centena de lindas cabeças. Os nativos abeiraram-se delas e iniciaram a tarefa de as “empurrar”, cautelosamente, para junto do rio onde a LDM nos aguardava.

Pareceu-me estranho que tantas vacas pastassem tão perto de nós... sem vigilância de pessoal armado... nem parecia que estávamos no Oio! Não vimos viv’alma! Soubemos mais tarde que quatro guerrilheiros armados protegiam a manada. Quando se aperceberam que a tropa de Binta atravessara o rio e já montava o cerco ao gado... esconderam-se no tarrafe; houveram por bem que era preferível perder apenas os ruminantes... que deixar escapar também as próprias vidas.

Os nossos negros iam cumprindo a sua missão, conduzindo a manada para o local escolhido. A certa altura, porém, as vacas deixaram de caminhar; nem o diabo as fazia locomover-se: estavam atoladas em mais de meio metro de lama peganhosa.

Reconhecida a impossibilidade de obrigar o gado a aproximar-se da margem, ordenei aos marinheiros que nos trouxessem cordas do quartel. Utilizávamos estas cordas quando saíamos para o mato em noites de puro breu para que ninguém se descarrilasse – éramos os “voluntários” da corda!

Recebidas as cordas, logo quinze vacas foram atreladas à lancha que as rebocou para a outra margem. Houve azar! Esqueceram-se de levantar o “taipal” da barca e as desditosas vacas foram coagidas a atravessar o rio com as narinas debaixo de água; os quinze animais morreram por asfixia! Foi um ar (falta dele) que lhes deu! 

Com as restantes... tal não aconteceu e eram setenta belos animais. Acabou-se a falta de carne! A CCaç 675 passou a ter uma razoável e lustrosa ganadaria que causava inveja – salvo seja – ao chefe da tabanca de Binta, Malan Sanhá.

Foi então que um valente bezerro, o animal mais corpulento da manada, iludiu (ou forçou) a vigilância; subiu ao caminho que ali cruzava a bolanha para sul e só parou a uns bons 300 m. Apontei a G3 mas não disparei porque o animal iria morrer longe; perdíamos a bala e eles ficavam com a carne! Mas... eis que o animal (parado) voltou a cabeça, talvez para afugentar uma incómoda mosca; fiz pontaria e disparei; as pernas dobraram-se imediatamente e o animal caiu inanimado; àquela distância acertei-lhe mesmo no ouvido! Belo tiro! O touro foi logo ali sangrado, “desmontado” e trouxemo-lo “em peças”.

As vacas que morreram por asfixia foram amanhadas e distribuidas: pela CCaç 675, pelo pessoal da Marinha, pelos civis de Binta e pela CCav. 487 de Farim – foi um bodo aos pobres!

Como bons ganadeiros, logo no domingo seguinte, procedemos à ferra dos (já) nossos animais para prevenir confusões com os da vizinhança.

Um serralheiro improvisado elaborou uma letra “C” em ferro que, soldada na extremidade duma haste metálica, serviu lindamente para “marcar” o nosso gado. Convidámos o Comdt do BCav  490 [, ten cor Fernando Cavaleiro],  a equipa de futebol da CCav 487 e seus apoiantes bem como o pessoal do navio Lira que partrulhava o Cacheu.

A festança iniciou-se com um jogo de hábeis pontapés na bola entre as equipas da CCaç 675 e da CCav 487; os infantes triunfaram por concludentes 3 x  0 – sem margem para dúvidas! É certo (invento eu) que os de Farim foram pré-avisados que, se nós não ganhássemos eles perdiam o direito de almoçar à borla e poderiam até sofrer eventualmente, uma emboscada no regresso a Farim. Mas, claro, não foi por isso que vencemos; é brincadeira!

Seguiu-se a ferra, o ponto alto (e o mais hilariante) da festa! A rua 4 de Julho serviu de arena; entre dois grandes armazéns de zinco, encerrámos a rua com viaturas, formando o redondel... que era quadrangular. Um a um, os animais foram apanhados e conduzidos até junto da forja; com a tal letra “C” bem aquecida queimava-se o pelo (por vezes também a pele) de cada vaca ou similar. Alguns não gostavam e escoiceavam duramente tentando escapar, a qualquer preço,  e a cena repetiu-se sessenta e nove vezes!

Houve várias tentativas de toureiro mas só apareceram artistas inábeis e medrosos; houve também tentativas de pegar... desajeitadas... de quebrar o côco... Tínhamos na CCaç 675 um sobrinho do afamado pegador de touros, Salvação Barreto, o tal que “dobrou” o artista no extraordinário filme “Quo Vadis”; este sobrinho, porém, não queria entender-se com cornúptos ao vivo, para ele, vaca só no prato; mas “cantava” embora desafinado: “una lágrima entre os ojos”!

Para encerro da festa ficou uma perigosa vaca que marrava desalmadamente! Como diz o ditado: o rabo é pior de esfolar! Houve várias tentativas de lide mas a vaca era mais manhosa e enganosa que os turras (estes nunca nos obrigaram a fugir); alguns mais afoitos, mal a vaca investia, saltavam logo para a “trincheira” (para cima das viaturas).

Eis que surge na praça um soldado que, aparentemente, nada teria a ver com touradas. Era natural de Figueira de Castelo Rodrigo, de seu nome completo Silvestre Fernando Verges Flor; não sei o motivo por que o alcunharam de “Aguardente” (era percetível) !. 

Este jovem beirão tentou arremedar qualquer aprendiz de toureiro mas nada lhe saiu bem... nem mal. Distraiu-se a conversar com alguém que, de cima duma viatura, tentava, prudentemente, aconselhá-lo; pôs-se a jeito, involuntariamante, para levar uma valente marrada; gritaram-lhe; ele voltou-se e, não tendo já tempo para fugir, curvou-se “corajosamente” para a frente (para amortecer o impacto),  embarbelou-se com altivez e arrojo e dominou a besta astuciosa e má: uma valente e aparatosa pega... de emergência! 

O pior, porém, foi sair de entre os cornos aguçados da bicha... mas com algumas ajudas conseguiu libertar-se daquela melindrosa situação... sem qualquer mazela. Pediu-se, insistentemente, “bis”... mas ele não foi na conversa; desconfiou que a sorte podia não estar de novo do seu lado e comentou: “de repetição é o relógio da torre da igreja lá da santa terrinha”!

Ao fim de um mês a patrulhar o Cacheu, o comdt do NRP Lira rumou a Bissau não sem antes ter recebido mais duas vacas; além disso foi-lhe prometido que, regressando de novo àquelas águas, poderia contar com carne das vacas que havíamos surripiado aos turras assustados; afinal eles detetaram os animais e forneceram a (parte da) logística!

A caminho de Bissau, ao passar na povoação de Cacheu, na foz do rio com o mesmo nome, um oficial de Marinha, de alta patente, subiu ao navio para seguir viagem para a capital da província. Durante o percurso, o comdt do navio Lira informou garbosamente – em off - o seu superior hierárquico, pormenorizadamente, sobre a tal “Operação Vaca”.

Já em Bissau, os comandantes de todos os navios que haviam patrulhado outros rios reuniram, como habitualmente, com o comando naval para informar, de viva voz, tudo o que de importante havia ocorrido. O comdt B. Lopes não referiu a tal caçada de vacas mas o oficial que havia sido informado – em off – lembrou-lhe que devia referi-la e... assim teve de ser.

Uns dias mais tarde a CCaç 675 recebeu um ofício da Marinha a exigir metade das vacas capturadas. Não descontavam sequer as que haviam sido distribuidas a outras entidades,  exigiam apenas 42,5 vacas!

O cap Tomé Pinto não brincava em serviço; elaborou cálculos rigorosos tendo em devida conta os meios humanos envolvidos naquela tarefa (damos como certo que a carne de vaca não fazia parte da dieta alimentar da LDM); referiu ainda que a parte de leão (maior risco) tinha pertencido aos “infantes”. 

Feitas as contas e apresentadas com rigor e clareza, concluiu que a Marinha tinha direito a duas vacas e meia, e como haviam já recebido três, os marinheiros deveriam devolver-nos meia vaca. O cap Tomé Pinto rogou penhoradamente que essa meia vaca nos fosse enviada pelo primeiro navio que viesse patrulhar o rio Cacheu.

A Marinha não respondeu!... mas não desarmou!

O próximo comandante, R.V.V. e Sá Vaz, a patrulhar o Cacheu,  trazia a incumbência de reabrir as negociações. Parecia que ia travar-se uma batalha “fratricida” entre a Marinha e a Infantaria... mas teria lugar fora da água barrenta do rio cor de cinza.

O cap Tomé Pinto, um perseverante e zeloso defensor dos superiores interesses dos seus comandados, manteve intransigentemente a sua posição sumamente documentada e justificada: inadvertidamente, receberam meia vaca em excesso... devolvam-na!

Por fim o comdt Sá Vaz argumentou (em tom de evidente ameaça velada): 

–  A CCaç. 675 ficará mal vista perante a Marinha se não entregar parte das vacas (já não quantificava).

O cap Tomé Pinto, “homem d’antes quebrar que torcer”, não cedeu, garantindo a veraciadade dos números que havia transmitido.

Assim terminou uma das “batalhas” (aliás duas: a captura e divisão das vacas) mais divertidas e lucrativas que levámos a bom porto. Não nos faltou carne até ao fim da comissão... e ao pessoal do navio Lira – sempre que vieram patrulhar o Cacheu – também não.

A ganadaria da CCaç 675 era excelente e..., apesar de tudo, foi barata.

Fez-nos um jeitão do caraças!

Belmiro Tavares

[Com a devida vénia ao autor... Seleção, revisão e fixação de texto para efeitos de publicação neste blogue: LG]
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Notas do editor:

(*) Vd. primeiro (1) e último (47) poste:




quarta-feira, 10 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21992: (Ex)citações (393): por que razão é que os fulas não gostavam de vender as suas vacas à tropa (Cherno Baldé, Bissau)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor  L1 (Bambadinca) > BART  2917 (1970/72) > CCAÇ 12 > Crianças de tabanca fula em autodefesa, no sul do Regulado de Badora, talvez Sansacuta.

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor de Bambadinca > Detalhe > Tabancas fulas em autodefesa, Samba Juli, Sinchã Mamajã e Sansacuta, situadas entre os rio Querol e Timinco, a leste da estrada Bambadinca-Mansambo > Carta do Xime (1955) (Escala 1/50 mil)... Lugares que continuam no nosso imaginário...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)


1. Comentário do Cherno Baldé [,
 o "Chico de Fajonquito", quadro superior na área da gestão de projectos, com formação em Kiev e Lisboa, colaborador permanente  na área da etnolinguística da Guiné-Bissau, com 225 referências no nosso blogue) (*)

Caro amigo António [Carvalho]:

É verdade que os camponeses fulas não gostavam de vender o seu gado e a razão é muito simples, era e continua a ser a única riqueza que têm e com a qual podem contar para se socorrer em casos de necessidade da família e da comunidade ou ainda em casos de calamidades naturais ligadas as suas actividades de sobrevivência. 

Só quem (sobre)vive da terra, da agricultura,  percebe as dificuldades e incertezas com que se deparam e num pais onde não existem nem subsídios, nem financiamentos ao agricultor.

Para nós, na tabanca, tirar uma galinha já representa um grande sacrifício. E de mais a mais, as manadas representam uma propriedade colectiva onde crianças, mulheres e homens adultos, cada um tem a sua vaquinha para seu sustento (ordenha do leite) e a sua poupança para o futuro a titulo individual e colectivo. 

Vocês, vivendo no meio dos guineenses, nunca estranharam o facto de nunca terem encontrado instituições de fomento e/ou de apoio aquelas famílias,  muitas vezes escorraçadas das suas terras e condicionadas pela situação da guerra onde eram mais vítimas do que propriamente actores ?

Para nós,  que estávamos habituados a escassez e a miséria do dia a sua, parecia-nos um exagero quanto as "queixinhas" dos metropolitanos sobre a comida. No caso concreto de Fajonquito, todas as semanas (segundas feiras?) abatia-se uma vaca que compravam (?) com a ajuda das autoridades locais,  quando não eram vacas trazidas do mato, e habitualmente, preparava-se um guisado de carne com batatas ou então com massas (esparguete) e ainda assim acontecia, esporadicamente, na aldeia o desaparecimento de cabritos e galinhas que iam parar no forno do padeiro.

Para a tropa a comida nunca estava boa, mas ainda assim nós os djubis do quartel debatiamos sempre com insuficiência de sobras, aliás não raras vezes as segundas feiras (dia do abate) eram o dia em que não queriam ninguém no quartel, corriam com todos, isto falando dos outros, porque os faxinas estes ficavam na caserna à espera que um dos amigos lembrasse de trazer um pouco da sua comida ou da segunda dose quando restava alguma coisa na mesa. 

O que me valia a mim era ter o amigo Teixeira (Cabo Mecânico), hoje um empresário de sucesso em Lisboa, que nunca se esquecia do seu amigo Chiquinho. Alguns eram bons comilões e por cima mandões, porque traziam a marmita vazia para eu lavar e guardar.

Continua que estamos a gostar, embora me pareça mais do género politicamente correcto, como se costuma dizer e um pouco à esquerda. Não sei se vais ter muitos leitores nos tempos que vivemos.

Um grande abraço,
Cherno Baldé
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21905: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (4): A vaca

Guiné 61/74 - P21991: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (22): minas, terríveis minas...


Guiné > Região de Quínara > São João > CCAÇ 423 (1963/65) > Os efeitos devastadores das primeiras minas e fornilhos A/C no CTIG, na estrada Nova Sintra-Fulacunda.


Foto (e legenda): © Gonçalo Inocentes (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; 

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem cerca de 3 dezenas referênciasmo nosso blogue.


Minas, terríveis minas...


O soldado Sousa, da 2ª CART / Bart 6520, de Nova Sintra  –Ramiro de Silva Sousa, natural de Quiaios, Figueira da Foz
 – estava no destacamento à espera do correio que vinha numa avioneta, DO-27,  e, nesse dia, não tinha recebido correspondência, o que o entristeceu, um sentimento semelhante ao de todos nós, quando não recebíamos correio.

Estava junto à sua caserna e um seu amigo encontrava-se a ler um jornal da sua região onde noticiava que tinha havido um acidente na zona Quiaios, terra do Sousa,  e, por infelicidade, esse acidente foi grave e trágico...  Tratava-se de  familiares do soldado Sousa que, compreensivelmente,  ficou num estado psicológico desesperado.

Pela tardinha, furtivamente, o Sousa desertou do destacamento de Nova Sintra e foi ao aquartelamento de S. João, onde se encontrava o seu amigo Alferes Garcia, do qual esperava um apoio para a sua situação .

O Alferes Garcia (já falecido) era um grande amigo dos militares, homem simples, colaborador, alegre, simpático e com um elevado sentido de humor e quando se juntava ao alferes Figueira, e aos furriéis Elias e Mendonça, era um ambiente de alegria transbordante e grandes “palhaçadas” no bom sentido do termo.

O soldado Sousa seguiu pelo caminho ou trilho em direção a S. João e pisou uma mina anti-pessoal e deu-se a tragédia! Essa mina tinha sido colocada pelos sapadores de S. João, como “armadilha” de defesa do destacamento.

Um milícia, chamado Atilo, que andava à caça, ouviu essa explosão e aproximou-se do local onde tinha deflagrado a mina e encontrou o Sousa, o “Meio Quilo”, estendido no solo poeirento e com ferimentos extremamente graves.

O milícia Atilo foi, de imediato, avisar o alferes Garcia,  comandante do destacamento que mandou uma Berliet buscar o ferido, sendo, posteriormente, evacuado de helicóptero, pela tardinha, de S. João para o Hospital Militar de Bissau.

O Sousa recuperou, regressou à Metrópole, casou e constituiu família e foi a todos os Encontros – Convívios Anuais organizados pelos “Os Mais de Nova Sintra”. Como um dos organizadores, desses convívios, eu posso afirmar e justificar que o Sousa esteve presente com a sua esposa, pelo menos, nos últimos 41 anos consecutivos.

Infelizmente, há 4 anos faleceu, deixando-nos imensas saudades.

Fisicamente perdemos o Sousa mas, espiritualmente, está sempre presente entre nós.

Testemunho do ex-furriel Barros, 2ª Cart / BART 6520, sendo apoiado neste testemunho, pelo amigo Joaquim Manuel Rodrigues Cunha (que estava em São João).

Carlos Manuel de Lima Barros,