quarta-feira, 2 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (11): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)

Com o pedido de publicação, recebemos do Coronel M. Amaro Bernardo (1) o seguinte texto:

Resposta a um Combatente

(…) Foram centenas os fuzilados que este conjunto de papéis sob a forma de livro nada refere. Não se exalta o esforço dos “Comandos” esquecendo os outros. (…)
Mário Beja Santos, in site de Luís Graça, em Março de 2008 (2)

Este combatente que cumpriu uma comissão na Guiné em 1968-70, veio a público manifestar a sua opinião sobre o meu livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros. Guiné, 1970-1980, lançado em Novembro passado, na Sociedade Histórica para a Independência de Portugal, onde foi apresentado pelo General Ricardo Durão (que já o prefaciara), oficial de operações do Comando-Chefe da Guiné e pelo Sargento guineense José Monteiro, Presidente da Associação dos Antigos Combatentes da Guiné.


A reportagem desta apresentação encontra-se num vídeo, que pode ser consultado num site independente de dois comandos, o “Passa-palavra”.
Como a crítica feita é a única excepção em relação aos comentários elogiosos que me chegaram dos mais diversos sectores, poderei deduzir tratar-se de um texto encomendado face a alguma possível solidariedade cívica, já que é do conhecimento geral que um dos oficiais posto em xeque neste livro pelo seu comportamento na Guiné, em 1970, pertence à maçonaria.

Assim, e dada a consideração que me merecem os leitores deste site de Luís Graça, venho esclarecer uma série de apreciações equívocas e falaciosas produzidas no seu texto. Parece-me que Beja Santos fez apenas uma leitura apressada e enviesada da obra em causa, pois surgiram afirmações que são completamente incompreensíveis.

1. É mentira que não me tenha referido às centenas de indivíduos fuzilados ao longo do consulado de Luís Cabral, e apenas aos 53 oficiais, sargentos e praças dos “Comandos” africanos. No anexo I ao Cap. VIII, que tem o título “Fuzilamentos Clandestinos na Matas da Guiné” (pp 135 a 138) são referidas nominalmente as 99 pessoas que o PAIGC de Nino Vieira, afirmou (no seu jornal oficial Nô Pintcha), terem sido fuzilados e enterrados em valas comuns em Cumeré, Portogole, Mansabá e Farim.


Nessa lista Beja Santos talvez possa encontrar algum dos homens que com ele serviram nas milícias. Aquele jornal declara terem sido referenciados 500 mortos em valas comuns de 35 a 38 pessoas, mas nas suas edições apenas indicou aqueles.

A seguir, no Anexo II, do mesmo capítulo (pp 139 a 141) são referidos também nominalmente 97 indivíduos, assim descriminados: um ex-deputado; 11 régulos; 6 sargentos, um 1.º cabo e 27 soldados da guarnição normal, 7 sargentos e 6 marinheiros fuzileiros especiais; 18 milícias (incluindo comandantes de Jabadá, Mansabá, Empada, Gampará, Jolmete e Bissorá); três cipaios; e mais 17 sem indicação das funções que desempenhavam. Também nesta lista poderá Beja Santos verificar se foram fuzilados os homens que serviram sob as suas ordens.
Não se consegue bem definir se apenas foram aquelas cinco centenas os fuzilados pelo PAIGC. Segundo o Marechal António de Spínola terão sido milhares (pp. 130) e de acordo com o Sargento Julde Jaquité Semedo, que se exilou no Senegal, foram mais de mil pessoas, entre “comandos”, fuzileiros, milícias, caçadores nativos, régulos e chefes de tabancas, incluindo os que foram obrigados a regressar daquele país (ao abrigo de acordo existente) e foram mortos em Cuntima e Cumeré. (pp. 350/351).

2. Quanto ao restante conteúdo do livro que este combatente considera mal estruturado, sem lógica sequencial e ”afundado num mar de equívocos e contradições”, aconselho a atentar na cronologia feita desde Abril de 1969 a Janeiro de 1981 (pp. 363 a 377) e na sequência temporal dos textos, desde o cap. II, com a operação da invasão de Conakry (1970) até ao capitulo VII intitulado a “Transição da Guiné-Bissau para a Independência” (1974).

Beja Santos não queria que eu investigasse apenas o período de 1970 a 1980. Não sei porquê, pois foi esse decénio que me propus fazê-lo. Devo chamar a atenção dos leitores para o facto de não me considerar historiador, mas apenas um investigador de História Contemporânea.
Repare-se que, no final da Introdução, afirmo: “Espero que as pistas deixadas neste livro, em relação a década tão conturbada da vida da Guiné-Bissau, possam ter alguma utilidade para a análise histórica posterior”.


Também se nota que não lhe agrada a figura de António de Spínola, que poderá ter sido um fraco político no pós-25 de Abril, mas que foi considerado um grande cabo de guerra, a par de Costa Gomes (Moçambique e Angola), Bettencourt Rodrigues (Angola e Guiné) e, para alguns, Kaúlza de Arriaga (Moçambique).

Claro que, segundo alguns analistas, também terá praticado alguns erros na Guiné, como terá sido a retirada de Madina do Boé, “permitindo assim que o corredor de Guilege fosse uma grande ameaça para nós” (Salifo Djau, pp. 353/354).

Quando diz que “em 1972 o PAIGC já tinha conseguido acantonar as forças armadas portuguesas nos quartéis” e que “a partir de 1973 a “guerra estava irremediavelmente perdida”, na minha opinião, tal não corresponde à verdade. Não foi isso que afirmaram os vários oficiais que prestaram depoimento, como Almeida Bruno, Alpoim Calvão, Marcelino da Mata, Raul Folques e Manuel Ferreira da Silva (pp. 213 a 309).

Também a versão do PAIGC através de um dos seus principais dirigentes (Aristides Pereira) era de que “por altura do 25 de Abril, este partido não teria maior capacidade militar que as tropas coloniais, na medida que estas estavam bem apetrechadas, tinham uma logística mais bem montada e um número superior em efectivos” (pp. 248/249).

3. Também não é verdade que Marcello Caetano tenha mandado fazer propostas em negociações secretas em 1973. Elas apenas foram iniciadas em Londres, um mês antes do golpe militar de Abril de 1974: 25/26 de Março. O encontro de 5 de Maio que se seguiria, já não ocorreu, por o regime ter sido derrubado.

Quando as FA ainda se encontravam em posição de maior força militar, na Guiné, decorreu em Maio de 1972, um encontro entre o Presidente Senghor do Senegal e o então General Spínola, com vista ao cessar-fogo. Tal não teve seguimento, devido à proibição de Marcello Caetano, que temia o “efeito dominó” em Angola e Moçambique. Essas diligências frustradas foram salientadas no capitulo III, “1972 – A Última Oportunidade Perdida” (pp 45 a 54).

A certa altura Beja Santos afirma que o General Spínola não sensibilizou Lisboa para haver um reforço das companhias de quadrícula, alimentando mais a “panaceia das forças especiais”.
Tal também não corresponde à verdade. Se for consultado o tomo II do 7.º. volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), referente às fichas da Unidades, na Guiné, verifica-se que o Batalhão de Comandos da Guiné apenas foi constituído em Novembro de 1972, depois da criação da 3.ª companhia de Comandos Africanos, em Abril desse ano. Entretanto foram criadas três Companhias de Caçadores: a n.º 19, em Dezembro de 1971, com quadros metropolitanos e as n.ºs 20 e 21, em Junho de 1973, já com quadros guineenses, e cujos oficiais seriam oriundos dos comandos africanos (Amadu Bailo Djaló, pp 343/ 346). Tudo isto ocorreu enquanto o General Spínola era Governador e Comandante-Chefe da Guiné, pois o seu sucessor, General Bettencourt Rodrigues apenas tomou posse em 21 de Setembro de 1973.

4. Posso aceitar que este meu trabalho tem falhas e que não tenha agradado a determinadas pessoas. Agora não aceito críticas deturpadas e baseadas em dados falsos, quando Beja Santos faz perguntas como esta: “Só foram perseguidos os comandos, não foram perseguidos militares provenientes da infantaria ou da marinha?"

Julgo que o atrás salientado nos três anexos, com os nomes dos militares do Exército e da Marinha, e dos civis (milícias, cipaios, régulos, etc) fuzilados clandestinamente, responde cabalmente a esta questão. Também basta ver a quem é dedicado o livro:


A todos os Militares Combatentes na Guiné, destacando os que lá perderam a vida pela Pátria Portuguesa.
Para os Militares guineenses e especialmente aos graduados do Batalhão de Comandos da Guiné, que se empenharam esforçada e valorosamente em combate e que, depois, na grande maioria, seriam clandestinamente fuzilados.

Para o Coronel José Pais (*), o grande Militar e Combatente, que sempre se empenhou nas causas nobres de defesa dos desprotegidos e das vítimas das injustiças praticadas em Portugal e nos territórios ultramarinos, com a nossa eterna saudade.

O MNE e de Estado, Luís Amado, no lançamento do livro do General Loureiro dos Santos sobre o Iraque, em Lisboa, afirmou ontem que “a ambiguidade é utilizada pelos políticos em situações mais complicadas, enquanto os estrategas/militares usam mais a frontalidade” (ou algo semelhante). De facto, devido à minha formação militar, costumo ser frontal e directo na resposta a algumas críticas infundadas…

2 de Abril de 2008

Coronel Manuel Amaro Bernardo


(*) Foi comandante da CCAÇ 14, na Guiné, tendo ficado muito ferido na detonação de uma mina anti-pessoal.
__________

Notas de vb: edição da responsabilidade do co-editor Virgínio Briote
(1) O Coronel, na situação de refoma, Manuel Amaro Bernardo cumpriu quatro comissões em Angola e Moçambique. Em 25 de Abril de 1974 encontrava-se colocado na Academia Militar. Na altura do 25 de Novembro de 1975, então no Regimento de Comandos, fez parte do Posto de Comando que coordenou as acções militares.

Diplomado com o Curso de Ciências da Informação pela Universidade Católica, tem publicadas numerosas obras que versam na quase totalidade questões de natureza militar nos tempos antes e pós 25 de Abril.

(2) Artigos relacionados com estes tópicos:
2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (6): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)

19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

Guiné 63/74 - P2712: O Nosso Livro de Visitas (9): Picada Mansambo-Xitole: a emboscada do PAIGC, em 15 de Maio de 1974 (Renato Adrião, Austrália)

1. Merece o devido destaque o comentário de Renato Adrião, Ex-Alf Mil Op Esp, ao poste P2565, de 20 de Fevereiro de 2008 (1). O Renato Adrião vive hoje na Austrália, tendo sido camarada do José Zeferino, ex-Alf Mil At Inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616 (Xitole1973/74), membro recente da nossa Tabanca Grande:

Peço desculpa mas é preciso algumas correcções ao sr. Abreu dos Santos que parece ter uma boa fonte de informação (a que eu gostaria de ter accesso) (2):


Entretanto no centro-sudeste da Guiné uma patrulha motorizada do BCAÇ 4616, desde há cerca de 4 meses estacionado em Bambadinca sob comando do tenente-coronel do MFA Luís Ataíde Banazol, procura contactos com o PAIGC para conversações sobre o cessar-fogo (...) .


Se isso é verdade, não era essa a razão da missão do Xitole, talvez fosse um dos objectivos da 1ª/BCAÇ, possivelmente só o comandante da 1ª/BCAÇ nos poderia dizer...

(...) Em deslocação para sul, a coluna é alvejada (quando as duas forças se encontraram no limite das suas zonas) na picada Mansambo-Xitole por disparos (de armas ligeiras e de RPG) longínquos (longínquos? ... Concerteza suficientemente perto para atingir o soldado oom um RPG no peito).

Os militares saltam apressadamente (apressadamente? ... Queria que ficassem à espera que fizessem tiro ao alvo?!) das viaturas, provocando a deflagração de minas que causam 2 mortos, 4 feridos graves e 14 feridos ligeiros. (Note-se que esta área tinha sido armadilhada e minada recentemente).

Foram mortes em combate, por muito estúpido que tenha sido. Não interessa negar, esquecer ou responssabilizar quem quer que seja.

Um grande abraço da AUSTRÁLIA para ti, Zeferino, e todos os camaradas que me leiam.

__________

Notas dos editores:

(1) 20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2565: Tabanca Grande (57): José Zeferino, Alf Mil At Inf , 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616 (Xitole, 1973/74)

(2) Vd. postes de:


21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2568: Historiografia de uma guerra (2): Maio de 1974, Sector L1 (Bambadinca): Os nossos quatro últimos mortos (Abreu dos Santos)


27 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2588: Historiografia de uma guerra (3): a última emboscada do PAIGC, na ponte do Rio Jagarajá, em 15 de Maio de 1974 (José Zeferino)

Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (11): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)

Mensagem do Mário Fitas, comentando a nota do Mário Beja Santos sobre o livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, Guiné, 1970/1980, de Manuel Amaro Bernardo

Aos editores da Tabanca Grande, com o pedido de publicação no Blogue
__________

P2706 do Mário Beja Santos

A ignomínia dos Comandos Guineenses Fuzilados

Sobre o livro do Coronel Manuel Amaro Bernardo, fundamentou o nosso camarada Tertuliano Mário Beja Santos determinadas opiniões com as quais estou em desacordo, tendo a sensação até, que determinadas afirmações serão fracturantes e desprestigiantes para o Blogue, bem como desvirtuam a História em vez de a enriquecerem.

Passemos então aos pontos que me causaram dúvidas:

Será o Blogue o local certo, para se produzirem guerrilhas sobre um documento com o qual não há ligação directa? Ou não existirão outros locais próprios, para os escritores debaterem os seus diferenciados pontos de vista "político-militares”?

Desconexão sobre o lançamento de Spínola na ribalta, solução político-militar sem descrever a sua herança, ascensão e consolidação do PAIGC, referenciando sub-repticiamente a fraca prestação das Forças Armadas Portuguesas? Será que estas só cumpriram após 1968? Fracturante e contraditório!

O desastre foi de facto não encontrar uma saída política. As Forças Armadas Portuguesas estavam no terreno após Spínola. Só depois do livro Portugal e o Futuro, e após o Povo e o MFA deporem o regime político vigente, em 25 de Abril de 1974, as Forças Armadas Portuguesas, foram substituídas pelas forças do PAIGC. Estarei errado?

Voltando a 1963/1968: Spínola não pode ser dissociado desse anterior! Como é? Ou estava ou não estava!... Contraditório!... Porquê não voltar a António Teixeira Pinto? Os Fulas, Futa-Fulas, Balantas, Papéis e Grumetes do Cacheu? Assim, a geografia étnica, teria de ir ao Chão Felupe: São Domingos, Varela etc, etc…. a verdade é que nunca houve um lado só! Vale a pena ouvir o Cor. Gertrudes.

Comandos Africanos: é absolutamente verdade, não foram só eles. Se estou a escrever neste momento, agradeço a homens a quem foram cortadas as mãos e outros que fugiram da sua terra, como o pessoal do João Bacar Djaló e os exemplos do Carlos Quêba, Gibi Balde e o Braima que encontrou no bondoso Hugo Ferreira mais que um irmão, um amigo.

Confrontemos datas e depoimentos do Cor. Florindo Morais e ver:

P2313……(Virgínio Briote)
P2308……(Jorge Santos)
P886……..(João Parreira)
DCCCXXII(João Parreira)
DCCCVI….(João Parreira)
DCCCIV….(João Parreira)
DCIX…….. (José Martins)


Como simples Fur. Mil. de Op Especiais fiz a Guerra e a Paz nas margens do mítico Cumbijã em 1965/1966 como um dos elementos da CCAÇ 763, portanto antes de 1968, assim seremos todos responsáveis da situação-contradição, recebida por Spínola.


Mas, com toda a franqueza, conhecendo como conheci todos os elementos da CCAÇ 763, que em 26/11/66 desembarcaram do N/M “NIASSA”, com 7 mortos e 53 feridos em combate, agiriam de idêntica forma em 1968/1969 na terra dos Soncó, ou acompanhariam em 1973 o Coronel Costa Campos a caminho de Guidage.

Recusando a fracturação! Meu caro Mário, se o receber…

O velho Abraço do tamanho do Cumbijã.

Mário Fitas

__________

Nota de vb: edição da responsabilidade do co-editos.

artigos relacionados em

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)

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6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

terça-feira, 1 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2710: Os filhos dos que lutaram ao nosso lado (José Teixeira)

Uma Guerra que ainda não terminou, a dos filhos e netos dos que combateram do nosso lado

Não falei com o José Teixeira nem conheço a história do Candé. Através destas mensagens que transcrevo abaixo, presumo (o José Teixeira que me corrija, se alguma imprecisão houver) que conheceu a Candi Candé na romagem que acaba de fazer a Guiledge, Gandembel, Iemberém, ao Quebo, a Mampatá...

Para além de todas as ideologias e das guerras que as suportaram (que, permitam-me hoje esta imposição, neste artigo não têm tempo nem lugar de as aqui defender), o que não deixa de nos tocar é o saldo líquido, o que ficou desta tremenda Guerra que, ainda hoje é considerada como a mais violenta luta que se travou pelas Independências das Áfricas.
vb
__________

1.Mensagem do José Teixeira para a Cadi Candé, a filha de um antigo Camarada de armas, que com muitos de nós andou pelos mesmos caminhos à procura do então IN:

Cadi,

Sou para ti um branco estranho e estrangeiro que em Guiledje descobriu a filha do Candé - guerrilheiro terrível que assustava o Inimigo e dava confiança a todos os que a seu lado caminhavam nas picadas do Tombali.

Pelo Mudé Embaló (que também já faleceu, segundo soube pela sua família na Chamarra), soube há muitos anos, que morreu de forma inglória e injusta.
Ele era como todos os que para aí foram combater, uma vítima do sistema político existente em Portugal continental. Merecia melhor sorte.

Agora tive a feliz sorte de conhecer a sua linda filha.

Foi muito bom para mim, conhecer-te. E foi muito bom para mim voltar a Quebo, a Manpatá, a Chamarra e sobretudo ver Gandembel, Guiledje e Imberém, num programa montado com a tua participação activa.


Gostei imenso de te conhecer. Bonita como todas as Mandingas? Ou fulas ? Creio que Mandinga. Activa, empenhada, alegre. Muito obrigado Cadi.

Em breve voltarei a escrever, pois quero continuar a alimentar a parte do meu coração que ficou na Guiné.

Um beijinho fraterno

2.Mensagem da Cadi Candé, de 28 de Março de 2008

Oi José!

Fiquei muita satisfeita por ter recebido a tua mensagem e por outro lado sinto-me muito feliz de encontrar um tio como senhor. Gostaria que o senhor me ajudasse a encontrar os documentos do meu pai para que eu possa fazer a papelada para a reforma.


Também gostaria que o senhor me arranjasse o número de telefone do Matos (Cor Matos Gomes). Gostei muito de te conhecer e espero que nos vamos continuar a corresponder, meu tio querido.

Receba um forte abraço da tua sobrinha,
Cadi

3.Mensagem do José Teixeira enviada ao Luís Graça, em 31/03/08:

Para poder ajudar a Cadi Candé, será possível arranjar-me o nº de Telefone do coronel Matos Gomes?


Quanto às outras questões que a Cadi me põe, creio que vai ser muito difícil senão impossível ajudá-la.

O Pai em 1968 era o Comandante (alferes de 2º linha) de um pelotão de nativos especial (uma espécie de comandos), sediado em Quebo. Soube agora que depois foi Sargento na CCAÇ18.
Vou tentar saber por onde andou depois que passou para a CCAÇ 18 para tentar, pelo menos, ordenar no tempo a sua história até à morte violenta com uma cavilha na cabeça, como confirmei na Chamarra, junto da família Embaló, ainda aparentada.

Um abraço fraternal.
J.Teixeira

Guiné 63/74 - P2709: Convívios (46): CART 2339, 24 de Maio em Penafiel (Carlos Marques Santos)


CART 2339
Guiné/Fá/Mansambo
1968/69


ANA MAFALDA
14 / Janeiro/1968 / Partida de ÉVORA - 40 anos


Contactos:
Carlos Marques dos Santos – Telm 91 921 21 13
Rua Gago Coutinho, 17A-6.º A 3030 – 326 Coimbra

Cardoso Pinto – Telm – 96 901 06 36

Zeferino – Telm – 96 649 57 67

17.º CONVÍVIO
Coimbra/ Março de 2008

Companheiros:
Com um grande abraço, lembramos que se aproxima o dia do Convívio e Almoço anuais.
Conforme combinado no ano anterior no Porto, o nosso Encontro e Almoço, realizar-se-á em Penafiel, na Casa d’ Outeiro, Outeiro – Duas Igrejas, com o telefone 255 712 337.

Informamos ainda que:

O Almoço/Convívio realizar-se-á a 24 de Maio, pelas 13.00 horas.

Antes e pelas 10,30 horas todos devem concentrar-se no Santuário a Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos (Sameiro) em Penafiel, onde será rezada Missa às 11 horas.

Este local é amplo e fica perto do lugar onde se realizará o Almoço.

A ementa terá o preço final de 25,00 €. Crianças até 10 anos 12,50 €

Constará de:
Entradas – rissóis, moelas, bolinhos de bacalhau, camarão e pataniscas.
Canja.
Anho assado em forno de lenha
Lombo assado com ananás natural.
Vitela à moda da casa.
Sobremesas – bolos variados, sopas secas.
Frutas laminadas.
Vinhos da região, águas e sumos.
Café e digestivos.

NOTA:
É importante, urgente e necessário saber quem e quantos somos, incluindo os acompanhantes.

A resposta (via postal, telefónica ou e-mail: carlosmarkes@hotmail.com) deve ser transmitida para Carlos Marques dos Santos, sem falta até ao dia 15 de Maio, pois o Restaurante precisa de programar compras.

Portanto não esqueças. INSCREVE-TE COM TEMPO e passa palavra para que ninguém falte.
Um grande abraço,
Cardoso Pinto
Zeferino Ribeiro
Marques dos Santos

Local de Encontro e Missa 10,30 horas


Santuário a Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos (Sameiro)

Proeminente sobre a cidade e o Vale do Sousa, foi construído nos finais do séc. XIX, início do séc. XX, aquando da construção do Santuário a Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos, o Parque Zeferino de Oliveira, mais conhecido por Jardim do Sameiro.

Como chegar a partir do Porto/ Maia (zona do aeroporto):
Coordenadas GPS – Lat N 41º 12’ 31.3’’ e Long W 8º 16’ 31.1’’

A41/A42 - Felgueiras (sem portagens) – saída Lousada Oeste (EN106) - Penafiel
ou
Pela A4 - (portagens) até saída Penafiel.

Guíné 63/74 - P2708: Construtores de Gandembel / Balana (5): Ponte Balana não era dos piores sítios do Tombali... (Idálio Reis)

Guiné > Região de Tombali > Pontão de Balanazinha > 1968 O Alf Mil Idálio Reis, da CCAÇ 2317, junto ao março onde se podia ler o ano da construção da obra: 1946

Foto: © Idálio Reis (2008). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Destacamento de Ponte Balana > A praia fluvial...

Foto: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem, com data de 30 de Março, enviada pelo Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Gandembel / Balana, Abril de 1968 / Janeiro de 1969):


Luís, com o teu profundo sentimento de conciliar emoções, por vezes, tão difíceis de superar, fizeste bem em publicar o poste da responsabilidade do Hugo Guerra. De todo, também a mim, tenho interesse apagar esta acha, apesar de considerar que, por vezes, há fogueiras que é melhor deixá-las manter acesas.

Como reconheces, tenho uma imensa dificuldade em escrever o que quer que seja sobre o Hugo Guerra, que muito jovem, em terras da Guiné, esteve às portas da morte quando se feriu gravemente, pois quanto sei, perdeu num dos lados a visão e audição. Só vim a saber deste desenlace, muito anos depois, num comboio Lisboa-Coimbra, onde vinha a visitar os seus filhos.

De todo o modo, a bem da verdade, sobre o que ele narra, direi:

(i) O destacamento de Ponte Balana tinha um efectivo a nível de grupo de combate. Como constataste, situava-se a poucas centenas de metros de Gandembel;

(ii) Todos os grupos de combate da minha Companhia [, a CCAÇ 2317, ]estiveram em Ponte Balana. E estar aqui 'abivacado', não era motivo para se lastimar, pois a vida aqui era mais facilitada; o nosso elo de ligação quotidiano era ir buscar o pão, que geralmente se fazia junto ao pontão do Balanazinha.

(iii) Fazes-me uma pergunta quanto às datas de construção das pontes; pois em anexo, envio-te uma fotografia com a minha pessoa junto aos restos deste pontão, onde se pode verificar a data de 1946).

(iv) As flagelações a Ponte Balana foram muito poucas, dado que os rios eram naturais elementos de valia na sua protecção e as armas de defesa de maior calibre localizados em Gandembel eram sinal de grande perigo.

(v) Ainda hoje recorri ao meu homem que continua a relembrar os factos por que passámos (como o grande Rodrigues me costuma dizer, lembra-se de tudo o que passou em Gandembel como os nomes dos seus 6 filhos), onde nada se sumiu, que aquando da retirada era o seu grupo que estava em Ponte Balana.

(vi) O Pel Caç Nat 55 sempre esteve connosco. O Hugo Guerra chega a Gandembel em fins de Agosto, e o seu grupo ia tendo a particularidade de reforçar os pelotões da Companhia que minguavam. E daí, surge o nome do alferes Barge, que chegou em rendição individual, já quase no fim de Gandembel, e que também estaria integrado com o seu grupo na data da retirada.

(vii) As afirmações que se têm feito para o Blogue, são da responsabilidade de quem as faz, ficma com quem as profere. Mas, quem não esteve por lá, há-de pensar que 120 dias em Ponte Balana foi um degredo....Não foi verdade. A fotografia que te enviei do pessoal a banhar-se no Balana, estava nesse sítio, e há ali estampada uma enorme alegria.

(viii) Já li o poste do Nuno Rubim (2), que amavelmente já me enviara as fotografias, exceptuando a do Google Earth. É esta a grande ferramenta que me falta, e que um dia haverá de surgir para actualizar estes meus antiquados equipamentos informáticos...
A imagem do Google é excepcional, e lá se distingue ainda o caminho de ligação Gandembel-Ponte Balana, notoriamente a parte a norte do rio.

Um caloroso abraço
do Idálio Reis

___________

Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2700: Construtores de Gandembel / Balana (4): Estive lá 120 dias, com o meu Pel Caç Nat 55, até ao fim (Hugo Guerra)

(2) Vd. poste de 30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2703: Memórias dos lugares (8): Destacamento de Ponte Balana (Nuno Rubim)

segunda-feira, 31 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2707: Convívios (45): CCS/BART 2917, dia 26 de Abril de 2008 em Mangualde (Benjamim Durães)

ACESSOS A VISEU


ACESSOS A VISEU

AMIGO, COMPANHEIRO E EX-CAMARADA DE ARMAS,

VAMOS REALIZAR O 2º ENCONTRO-CONVÍVO DA CCS/BART 2917 E DAS UNIDADES SUAS AGREGADAS, PARA COMEMORAR O 36º ANO DA PARTIDA PARA A GUINÉ (17 DE MAIO DE 1970) E O 34º ANO DO REGRESSO (27 DE MARÇO DE 1972).

ESTE ANO A CONCENTRAÇÃO DO 2º ENCONTRO-CONVÍVIO SERÁ PELAS 10 HORAS EM MANGUALDE NO DIA 26 DE ABRIL PRÓXIMO, TENDO COMO LOCAL O HOTEL ONIX, SITUADO NA VIA CAÇADOR - EN 16 - VISEU.

QUEM QUISER PERNOITAR EM VISEU, PODE RESERVAR O ALOJAMENTO NO HOTEL ÓNIX PELO

TELEFONE 232 479 243,
FAX 232 478 744 ou por
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OU AINDA PELA INTERNET NO SITIO http://www.hotelonix.pt/reservas.html.

A EMENTA CONSISTE DE ALMOÇO E LANCHE AJANTARADO E IMPORTA 35 €UROS POR PESSOA, SENDO QUE AS CRIANÇAS ATÉ AOS 6 ANOS NÃO PAGAM E DOS 6 AOS 12 ANOS PAGAM METADE.

NO VERSO, DAMOS OS GRÁFICOS PARA CHEGARES AO HOTEL.

PARA QUEM VEM PELA A1 A MELHOR OPÇÃO É SAIR EM TROUXEMIL, VISEU, IP3 COIMBRA NORTE E VIR ATÉ VISEU PELA IP3 E ENTRAR NA A25 EM DIRECÇÃO GUARDA, ESPANHA E SAIR NA SAÍDA VISEU ESTE, HOSPITAL, SAÍDA Nº20 E SEGUIR CENTRO DA CIDADE ESTAMOS A 1KM DA SAÍDA.

ASSIM, AGRADEÇO QUE EFECTUEM A VOSSA MARCAÇÃO ATÉ AO PRÓXIMO DIA 15 DE ABRIL, A FIM DE SE PODER INFORMAR O HOTEL PARA A MARCAÇÃO DA SALA CONSOANTE AS PRESENÇAS.

CONTACTOS:
BENJAMIM DURÃES
TELEMÓVEL - 939393315 OU 939393939
E-MAIL’S - benjamimdurães@hotmail.com ou

AINDA bart2917.ccs@hotmail.com, e
MORADA: - RUA FLORBELA ESPANCA, Nº 10 - CP 2950 - 296 PALMELA,

OU PARA:

ÁLVARO GOMES SANTOS - CASAL DIZ 3500 - MANGUALDE,
TELEMÓVEL - 968635665
TELEFONE - 232641470

DAQUI VAI A NOSSA HOMENAGEM AOS QUE JÁ SÓ PODEM ESTAR PRESENTES EM ESPÍRITO E VOTOS DE SAÚDE PARA OS QUE NÃO PUDEREM COMPARECER.

UM ABRAÇO
DURÃES

Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (10): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)


Artigo que o Mário Beja Santos nos enviou há quase quatro meses (já refilou e com toda a razão...), depois de ter lido o livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, Guiné, 1970/1980, de Manuel Amaro Bernardo. (vb).


Capa do livro. Editorial Prefácio, Lisboa, 2007.

A Ignomínia dos Comandos guineenses fuzilados
por Beja Santos

(i) Um relato descosido que não serve a História de dois países.

O coronel Manuel Amaro Bernardo, autor de vários livros onde se versam as nossas Forças Armadas, a descolonização, a guerra colonial e o período revolucionário que vivemos entre 1974 e 1975, afoitou-se agora a contar num trabalho que classifica “de natureza histórica”, a guerra da Guiné, o papel do marechal Spínola na evolução desses acontecimentos e o fuzilamento de Comandos guineenses que tinham servido nas tropas portuguesas (“Guerra, paz e fuzilamento dos guerreiros, Guiné, 1970-1980”, Prefácio, Lisboa 2007).
É raro encontrar um livro tão descosido, tão mal estruturado, ainda por cima contando com um acervo de depoimentos que podiam ter contribuído para iluminar e estabelecer um juízo fundamentado sobre um dos períodos mais conturbados da guerra que vivemos em África e as sequelas da transição para a independência. Importa exemplificar.
Ao encetar o relato com António de Spínola em 1968, na Guiné, colocando-o como o promotor de um projecto que parecia levar a prazo aquela terra martirizada a uma autonomia gradual e à reconciliação de todos os guineenses, referindo seguidamente, sem lógica sequencial para explicar o papel dos Comandos, a inviabilidade da solução militar, a invasão de Conakry, o assassinato de Amílcar Cabral e o esforço de guerra desenvolvido em 1973, tudo se afunda num mar de equívocos e contradições.
Como é que é possível lançar na ribalta Spínola, fazendo dele a grande esperança numa solução político-militar, sem descrever, pelo menos em termos gerais o que ele herdou, a ascensão e a consolidação do PAIGC dentro e fora do território da Guiné, e dar a conhecer a resposta das forças armadas portuguesas em 5 anos de sublevação?
Sim, que Guiné encontrou Spínola em 1968? Qual o sucesso de Cabral e os seus companheiros para mobilizar as populações? Porque é que se discute a contabilidade das populações dentro e fora de controlo quando hoje se sabe que uma grande parte das populações, por razões familiares, não podia radicalizar e viver num quadro de ruptura?
Há uma clara vontade do autor em transformar Spínola no protagonista maior, clarividente e imaculado, fazendo recair sobre Marcello Caetano a responsabilidade do desastre, por não ter encontrado uma decisão política adequada e oportuna.
Em termos de investigação histórica, compulsados os elementos disponíveis e sem perder de vista que se desconhecem ainda as propostas que Marcello Caetano terá mandado apresentar nas conversações secretas com o PAIGC que decorreram de 1973 para 1974, temos aqui um mar de equívocos e falácias, incompatíveis com quem se diz à procura do rigor e da objectividade.
Spínola, que não pode aparecer dissociado do que foi anteriormente a luta entre 1963 e 1968, procurou uma solução militar e uma reorganização das populações que levassem a um claríssimo apoio ao seu projecto Por uma Guiné melhor. É escusado especular se trabalhou com o rasgo necessário e teve do seu lado a sorte indispensável. Até se pode contraditar: abandonou posições militares que provocaram um vácuo catastrófico; promoveu operações dispendiosas e inúteis, como a Lança Afiada, que acabaram por motivar a capacidade de guerrilha; não sensibilizou Lisboa para a constituição precoce de forças armadas regionais, isto quando na Guiné já havia forças de milícias e de caçadores nativos e depois companhias de caçadores, que deviam ter sido naturalmente organizações de quadrícula a sofrer um largo impulso, gerando confiança aos naturais na sua própria defesa, dando a imagem que as forças especiais era a panaceia da guerra. Estas são algumas acusações que poderiam impender sobre a obra de Spínola, argumentação igualmente de valor discutível.
A reunião de Spínola com Senghor, em 1972, em que o governador da Guiné propõe uma autonomia a dez anos, tem que ser encarada como uma proposta que seria liminarmente rejeitada, isto quando o PAIGC já tinha conseguido acantonar as forças armadas portuguesas nos quartéis, reduzindo-lhes drasticamente o espaço de manobra. Acresce que o autor refere os acontecimentos de 1973 e 1974, quando a força aérea perdeu capacidade de actuação com a chegada dos mísseis terra-ar e o PAIGC passou a ter a total iniciativa entre o Norte e o Leste, em todo o espaço fronteiriço com a Guiné-Conakry. Ou seja, o PAIGC ganhara uma capacidade ofensiva indiscutível, as nossas forças podiam ir esporadicamente às suas bases e acampamentos, havia mortes e feridos, mas logo tudo ficava na mesma. A partir de 1973, a solução militar estava irremediavelmente perdida.
Depois, o autor descreve o nascimento do movimento dos capitães, temos a seguir a transição para a independência e chegamos mais tarde aos fuzilamentos dos Comandos africanos. Será que o rigor histórico não exigiria que se explicasse o aparecimento destas forças que surgem neste livro imprevistamente?
O autor recheia o seu relato de anexos com os fuzilados, refere a lei de justiça militar do PAIGC de 1973, os militares exilados no Senegal, somos obrigados a apanhar uma polémica entre o autor e o Dr. Almeida Santos, depois vem a laude a vários amigos do autor e até se fala do distúrbio pós-traumático do stress, e temos em metade do livro relatos de vários protagonistas, alguns deles retirados de livros, outros entrevistados pelo autor.
É raro fechar-se uma obra com o sentimento de decepção e de frustração, como se passou comigo.

(ii) Uma história da Guiné ainda por esclarecer


Posso admitir que o autor tenha pretendido chamar a atenção para um punhado de militares, alguns deles altamente condecorados, barbaramente fuzilados e muitos deles a aguardar justiça e o direito à memória. Se era essa a homenagem que pretendia, falhou redondamente. Não se tira da indignidade do esquecimento estes fuzilados sem um relato histórico apropriado, clarificador, sem cedências à emoção.

Como é que apareceram estes Comandos guineenses que começaram a ser formados a partir de Fevereiro de 1970? Quais as queixas demonstradas que sobre eles recaíram, dos tão propalados crimes que lhes foram atribuídos pelo PAIGC?
Durante a fase de transição para a independência, os representantes das forças armadas portuguesas tudo fizeram, ou não, para os dissuadir a partir, quando se sabia que seriam inevitáveis os confrontos, os ajustes e vinganças, as explosões de ódio? Mas, indo mais a atrás, agiu-se bem na formação das tropas africanas, e se não o que é que falhou para garantir confiança às populações autóctones, de 1963 a 1970? Só foram perseguidos Comandos, não foram perseguidos militares provenientes da infantaria ou da marinha?
Está hoje demonstrada alguma relação causa-efeito entre o golpe de Malam Sanhá e os Comandos africanos refugiados no Senegal com os fuzilamentos realizados em Novembro de 1978?
Os relatos históricos não se fazem juntando uns papéis atabalhoadamente, mesmo que o pretexto seja o descerramento de duas placas com os 53 Comandos fuzilados na Guiné. Afinal, foram centenas os fuzilados que este conjunto de papéis sob a forma de livro nada refere. Não se exalta o esforço dos Comandos esquecendo os outros.
Vamos confiar que um dia se escreverá um verdadeiro relato histórico sobre quem combateu, foi ludibriado e injustamente tratado. Os combatentes da Guiné merecem-no. Os militares que comigo combateram e morreram no pelotão de fuzilamento, viveram o cárcere ou exílio nessa Guiné têm direito à clara certidão da verdade.
__________

Notas de Vb: Arranjo do texto da responsabilidade do co-editor.

(1) Com a devida vénia ao Cor Amaro Bernardo, transcrevo abaixo uma parte do depoimento do Cor Florindo Morais:

Uma oferta demasiado tentadora
(......) Eis senão quando, em meados de Agosto, a notícia surge como uma bomba: o Comandante-Chefe oferece a pronto e desde já, quatro meses de vencimento, mais o subsídio de Natal a quem quiser passar à disponibilidade. Assim lá se foi a lista dos interessados em vir para a Metrópole, continuando no serviço militar (refere-se aqui à grande maioria dos Cmds Africanos, que antes desta oferta se tinham inscrito para virem para Portugal) ...Esgotaram-se em Bissau os frigoríficos, as ventoinhas e demais electrodomésticos, a par das motorizadas. Ainda tentei que percebessem o que estava em causa, mas em vão. Os oficiais declaravam querer permanecer na Guiné, que era a sua Terra, e ser seu dever continuar a lutar pelo seu Povo. (...)
O então Maj Cmd Florindo Morais foi nomeado para a Guiné, já depois de Abril de 1974, para render o também então Maj Raul Folques no comando do Bat Cmds Africano.
(2) Sobre este assunto, ver artigos de
30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)
28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)
19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)
27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)
23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

Guiné 63/74 - P2705: As memórias e os arquivos oficiais (Carlos Marques Santos)



Carlos Marques Santos
ex-Fur Mil
CART 2339
Fá Mandinga e Mansambo
1968/69




Foto 1> Guiné> Sare Gana, 1968> Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339

Foto 2> Minas A/P levantadas durante a Operação Nada Consta


Foto 3> Mina A/C levantada na mesma Operação

Fotos: © Carlos Marques Santos (2008). Direitos reservados.

1. No passado dia 26 de Março recebemos do nosso camarada Carlos Marques Santos esta mensagem

Em Anexo nota sobre o Post do Felício de hoje.
Um Abraço
CMS

2. Ao lêr o Post do Felício (P2683) (1) de hoje, rememorei uma série de situações:
- Estadia em Galomaro e Dulombi em reforço.
- As notícias por vestígios no terreno que davam conta da passagem do IN, quer nessa zona quer na de Mansambo.
- O Malan Mané, os Páras, O Mamadu Indjai, etc. .

Estas lembranças levaram-me a reler a História e as minhas notas pessoais, confrontando-as com a “História da Companhia 2339”

Todos sabemos que aquilo que está nas histórias das companhias e nos arquivos oficiais não é suficiente:

Assim:
Malan Mané, Mamadu Indjai, Nada Consta, Rio Biessa, etc.
São memórias de vivências por nós no terreno.

Em relação ao prisioneiro Malan Mané já o Torcato deu achegas e agora o Felício, recordando o Jorge Félix.

Operações Gancho I, II e III

“História da Companhia”
Entre 06 e 17 de Agosto de 1969 realizaram-se estas Operações com a finalidade de montar emboscadas e detectar vestígios IN na região de Samaro–Cuntim e imediações de Candamã.

As minhas notas referem emboscadas sucessivas e de 24 horas.

- A 10 de Agosto 1969 detectámos trilho IN de 3/4 dias. O 4.º Pelotão detectou uma mina na estrada de Candamã.

- Dia 11 foi-se rebentar a mina e Candamã foi flagelada pelo IN cerca das 20,00 horas.

- A 15 regressou a Candamã o meu Pelotão (3.º) vindo de reforço a Galomaro.
No mesmo dia, quando GC da 2339 saíam para Bambadinca, cerca das 05,00 horas, ouvem-se rebentamentos para os lados de Afia, onde está uma nossa Secção.
Ataque IN com 3 mortos civis e 2 evacuados da população.

O 2.º Pelotão regressa a Candamã para efectuar uma Operação na zona.
A ponte de passagem para Mansambo cai e voltamos para trás para Candamã onde dormimos totalmente encharcados.

- Dia 16 conseguimos ir para Mansambo pela estrada do Xitole.

- Dia 17 fomos à ponte levar géneros à nossa malta que estava do outro lado do rio.
Sem contacto, mas detectado um acampamento IN na região do Rio Biessa.
A nossa Companhia detectou, na zona, o IN. Cerca de 150 segundo análise dos vestígios
Parece que vai haver Operação em grande.

- Dia 18 de Agosto de 1969 / História da CART 2339


Operação Nada Consta

Operação de 1 dia para destruir acampamento IN do rio Biessa.
Forças envolvidas:
COP 7 (Zona Leste, Bafatá) - CCP 123 a 2 GC e CCP 122 a 1 GC
Sector L1 (Bambadinca) - CART 2339 a 4 GC, CCAÇ 2590 a 3 GC e PEL CAÇ NAT 53

Enquanto as forças helitransportadas actuavam sobre o acampamento IN detectado, as forças da CART 2339 mantinham-se emboscadas na bolanha do Biessa e outras estavam na estrada Mansambo-Xitole, sobre o trilho detectado na Operação Belo Dia.
Neste percurso foram detectadas minas A/C e pessoais.

Pelas 15,45 horas, surgiu um grupo IN não estimado, vindo de Leste e que concerteza fugia da zona de acção dos Páras. Aberto fogo, causaram-se 2 baixas ao IN e confirmaram-se feridos graves e ligeiros.
Notícias posteriores refere que um dos feridos graves é Mamadu Indjai, Comandante do Sector 2.
Os GC da CART 2339 retiraram para Mansambo e Candamã. Na retirada foram detectadas mais 12 minas junto à ponte do Jacarajá.

Nas minhas notas escrevi:

Saímos de manhã para uma emboscada na zona do Jagarajá. Cerca das 15,40 horas dois elementos IN aproximaram-se do meio da emboscada. Tiroteio.
Eu estava atento atrás de um baga-baga e vejo, para grande espanto, dois batedores IN a cerca de 20m.
Eu comandava a Seccão de Bazzooca e dada ordem de fogo, o Moreira, exímio atirador desta arma, disparou para um suposto percurso da coluna IN.
Foi ferido o Mamadu Indjai.
Grande ronco.

O Malan Mané foi capturado do outro lado da guerra.
Foi transportado quase de certeza pelo Félix, para Mansambo para ser ouvido e servir de guia, episódios já contados pelo Torcato.
Estávamos já nessa altura à espera de ser rendidos para descansar e regressar à Metrópole.

Mas afinal houve mais meses.
CMS

3. Saudações especiais para o nosso camarada Carlos, que nos veio contar mais um pouco das suas memórias.
Vamos ter a esperança de que este regresso dê continuidade a uma participação regular, interrompida há já algum tempo.
_____________

Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 26 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2683: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (9): O Jorge Félix e o Prisioneiro

Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau



Guiné-Bissau > Bissau > Simpósio Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008) > Capa e contracapa do álbum Guiné-Bissau, terra de história e de cultura. Bissau, TV Klele Produções, 2008.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.









Video clip de Anastacio de Djens - N'cansa tchora guine - Produção: TVKlele. Um dos temas, o 4º, inseridos no álbum musical, não comercial, com video clipes da TV Klele, distribuídos juntamente com a pasta do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, Guiné-Bissau, 1 a 7 de Março de 2008). O álbum tem por título Guiné-Bissau, Terra de História e Cultura. A televisão comunitária TV Klele, do Bairro Quelélé, de Bissau, tem o apoio da AD - Acção para o Desenvolvimento.



Vídeo (5' 25''): You Tube > TVKlele (2007) (com a devida vénia...)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Grafito com o desenho nalú do irã protector da tabanca, o Nhinte-Camatchol, e que foi o logótipo do Simpósio, orgnaizado pela AD -Acção para o Desenvolvimento, o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesqusias, e UCB - Universidade Colinas do Boé

O Nhinhe Camatchol é uma escultura dos nalus do Cantanhez usado na festa do fanado. Representa uma cebeça de pássaro com rosto humano, sendo a mensagem aos participantes deste ritual de iniciação à vida adulta a seguinte: que todos eles passam a considerar-se como verdadeiros irmãos, mais verdadeiros que os próprios irmãos biológcios. O que deve ser entendido como a afirmação do interessse colectivo, comunitário, acima do interesse dos indivíduos e das famílias. Orginalmente esta máscara não poderia ser vista pelos não iniciados, sob pena de morte (Campredon, Pierre – Cantanhez, forêts sacrées de Guinée-Bissau. Bissau,Tiguena. 1997, pp. 32-33). (LG)

T-Shirt com o logótipo do Simpósio Internacional de Guileje, inspirado numa das mais famosas esculturas nalús Animais do Cantanhez... Desenhados nas paredes das instalações da AD em Iemberém

Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Que o Nhinte-Camatchol te proteja,
Guiné, Tabanca Grande


por Luís Graça (1)


Quem disse que a Guiné-Bissau não tem futuro ?
Não fui eu, que pouco valho.
Não foi o dari,
que não tem seguro
de acidentes de trabalho.
Nem de saúde.
Quem disse que o futuro não passa por aqui,
amiúde ?
Não, não foi o macaco fantango,
que trabalha sem rede,
e não tem protecção no desemprego.
Nem o desgraçado do macaco-cão
que vai à mesa do pobre
como se fora leitão da Bairrada.
Nem o mandinga, bom negro,
tocador de Kora,
que se foi embora,
em busca de outro chão,
livre do som da Kalash.

Quem disse que Deus, Alá e os bons irãs
não montaram morança nesta terra ?
Não foi o muntu.
Não foi o tucurtacar pangolim.
Não foi a rapaziada
do Bairro do Quelélé.
Não foi o fula nem o nalu.
Não foram as aves do Cantanhez.
Não foram os homens grandes do Gabu.
Não foi o tuga, nem foste tu nem fui eu.

Ah!, como está ainda bem longe, Cabral,
o ideal
por que lutaste e morreste,
uma vez,
tu e tantos outros combatentes da liberdade da pátria.
Nada que tu não saibas,
lá no Olimpo dos deuses e dos heróis,
ou não soubesses já,
cá na terra dos homens,
que a História é fértil em exemplos de efeitos perversos,
de Revoluções que devoram os seus filhos...
Tudo isto, para te dizer
que eu ouvi os jovens do teu país cantar o teu hino,
no antigo Acampamento Osvaldo Vieira,
nas matas do Cantanhez,
com o mesmo fervor do que quaisquer outros jovens
noutras partes do mundo,
em Portugal, em Cuba, na China,
na América, no Brasil ou em Angola ...
Pelo menos os teus sabiam a letra,
a tua letra,
e até a música que foi composta pelo Sr. Xiao He,
um obscuro chinês,
do tempo do maoísmo.

Quem disse, afinal, que a Guiné não tem futuro ?
Se não o foi macaco fidalgo,
foram os teus inimigos,
os de fora e os de dentro,
os teus filhos bastardos
e os filhos bastardos de outras nações.
Os que dizem mal de ti,
que te querem comprar
a preço de saldo,
e que te arrastam pela lama do tarrafo.
E que dizem que és um narco-Estado.
E que vives da caridade internacional.
E que já não tens fé,
nem caridade,
nem esperança,
nem voz,
nem lágrimas para chorar.
Que já não tens alma
nem salvação
nem pudor.
E que Cabral morreu e está enterrado,
na antiga fortaleza colonial
da Amura.

Os teus jovens,
os teus músicos,
o Furkuntunda,
o Anastácio di Djens,
grande senhor,
os teus poetas,
os teus artistas,
os teus artesãos,
as tuas televisões comunitárias,
as tuas rádios locais,
o teu novo Lamparam,
o teu Bombolom digital,
e até os centros de saúde no mato,
são a prova da tua grande vitalidade,
engenho,
imaginação,
talento,
alegria,
nobreza,
criatividade,
espontaneidade,
afabilidade,
hospitalidade,
vontade de vencer o círculo vicioso
da pobreza.
Do teu povo, Guiné,
de Norte a sul,
dos Bijagós às Colinas do Boé,
de Iemberém ao Quelélé.

Eu acredito em ti,
país-irmão.
Eu quero acreditar em ti,
Guiné,
eu quero remar contra a maré do cinismo
inimigo tão mortal
como o mosquito do paludismo.

Eu acredito nas tuas mulheres,
empreendedoras e corajosas,
que montam fabriquetas de descasque de arroz,
ou que, em casa, fazem o seu óleo de palma
e o seu chabéu.
E o seu sabão.
E ainda têm tempo para ir à pesca e ao mercado
E para cuidar dos teus meninos.

Eu acredito,
no talento dos teus jovens, criativos,
Como o Grupo de Teatro Os Fidalgos.
Eu acredito ainda na força telúrica
e na generosidade dos homens (e mulheres)
que lutaram, por ti,
no Como,
Em Cassaca,
em Cadique,
em Madina do Boé,
no Morés,
em Gandembel,
em Guileje,
em Guidaje,
no Fiofioli,
na Ponta do Inglês,
no Choquemone,
em Sinchã Jobel.
Com as armas na mão
e com as ideias e os valores na cabeça.
Para que tu fosses livre
e independente,
e fosses justa
e fraterna.
Uma Tabanca Grande,
grande como a bolanha de Bambadinca,
outrora verde e prenhe de arroz,
e aonde iam apascentar os búfalos.
Uma Tabanca Grande
onde cabe o Muntu e o Nalu,
os homens grandes
e as mulheres grandes
e as meninas
que um dia não precisarão da faca da fanateca.
Onde cabem os teus frondosos poilões
e as vaidosas cabaceiras.
Para que os teus filhos, Guiné,
tenham a merecida paz,
todos os dias do ano,
a liberdade,
a justiça,
o milho, o arroz e a mandioca,
o mafé e o chabéu
com que se mata a fome e se sonha e se dança.
Enfim, a dignidade
a que os teus filhos têm direito
no seio da Mãe África
e do resto do mundo globalizado.

Ah!, a paz, a tão frágil paz
que leva tanto tempo a consolidar,
e o tão suspirado progresso que não chega,
ou que é tão lento, desesperadamente lento,
ou só chega para uma meia dúzia de privilegiados,
a nomenclatura do poder e do dinheiro...

Mas para isso, terás que fazer a ponte
com o passado.
Mas para isso não poderás ignorar
nem escamotear os marcos
(de sinal mais e de sinal menos)
do passado,
bem como as raízes das lianas
e dos poilões da tua guineidade.

Como te imploram os teus filhos,
não queiras chorar mais, Guiné!
N ka misti tchora mas!
Faz das tuas lágrimas
a força do macaréu
da tua revolta
e do teu ânmimo
que te ajudarão a abrir a Picada do Futuro,
a construir o Novo Corredor do Povo,
a Nova Estrada da Liberdade.
Que eu só desejo que seja
tão grande, larga e fecunda
como os teus rios míticos,
do Cacheu ao Cumbijã,
do Geba ao Cacine.
Ou tão límpidos e belos e selvagens
Como o Corubal.

E que o Nhinte-Camatchol,
o grande irã, te proteja,
Guiné, Tabanca Grande.


Simpósio Internacional de Guileje
Iemberém, 1-2 de Março de 2008
Bissau, 2-7 de Março de 2008
Lisboa, 30 de Março e 2008

Luís Graça
_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste anterior: 29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel (I)

domingo, 30 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2703: Memória dos lugares (6): Destacamento de Ponte Balana (Nuno Rubim)

Foto 1 > Destacamento de Ponte Balana: em 1968 e... em 2008 (vestígios)

Foto 2 > Vestígios actuais do antigo destacamento de Ponte Balana

Foto 3 > Coordenadas GPS do antigo destacamento de Ponte Balana, de acordo com fotografia de satélite do Google.
Fotos : © Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.

1. Texto do Nuno Rubim (Cor Art Ref, com 2 comissões na Guiné, e especialista em história da artilharia) (1):

Caro Luís

Mais uma informação com possível interesse para os camaradas do blogue.

Na ida ao Sul, durante o Simpósio de Guiledje, aproveitei para tirar coordenadas GPS de vários locais.

Também andei a procurar vestígios das construções que existiram no destacamento da Ponte Balana, de acordo com uma fotografia que o nosso camarada Idálio Reis me forneceu ( ver foto 1). Coloquei-me mais ou menos na posição do fotógrafo de 1968 (?) e depois entrei no mato do lado esquerdo. E realmente encontrei alguns vestígios (foto 2 ). Só uma limpeza aturada permitiria descobrir algo mais.

Nesse local as coordenadas GPS são: 11º 25' 33" N - 14º 48' 05" W. ( atenção que constatei que a carta 1:50 000 contem erros de localização ... ) (Ver Google, Foto 3).

Quanto a Gadembel, as coordenadas do centro geométrico do aquartelamento são: 11º 24' 47" N - 14º 47' 53" W.

Um abraço

Nuno Rubim


PS - Como sabes estou a contactar alguns cmdts do PAIGC no sentido de tentar aclarar dúvidas que tenho no que concerne os aspectos organizativos e operacionais e ainda o armamento. Vamos lá ver se eles respondem ...

Talvez alguma coisa possa vir a interessar para publicação no blogue. Nada de especulações ( cada vez constato mais ... ), textos curtos, nada de complicado, imagens, etc... Depois te consultarei, artigo a artigo.

Tudo isto porque julgo que se não fôr o blogue, muita coisa ficará por dizer sobre a guerra na Guiné ... Temos tempo, não é ? ... até porque ando enfronhado com o livro [que ando a escrever].
___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste de Nuno Rubim: 26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2687: Cemitério militar de Bissau: homenageando os nossos 350 soldados, uma parte dos quais desconhecidos (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P2702: Estórias do Juvenal Amado (7): A Caminho de Buruntuma (Juvenal Amado)



Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro1972/74




1. Em 15 de Março de 2008, Juvenal Amado mandou-nos esta mensagem com mais uma das suas estórias.

Caro Carlos Vinhal e restante Tabanca Grande
Cá recebi o mail sobre as datas do próximo encontro da Tertúlia.
Ainda é cedo para garantir a minha presença, pelo menos na qualidade de observador, uma vez que sou piriquito nestas andanças bloguistas.
Qualquer das formas, é enorme a minha vontade de conhecer pessoalmente todos, em especial o Luís Graça e o Virgínio Briote que não consegui cumprimentar no lançamento do livro do Beja Santos. O Luis Graça por não estar presente.

Após esta introdução, aproveito para mandar mais uma estória vivida por mim em parte. A outra faz parte do que se ouviu na altura em relação aos acontecimentos.
Juvenal Amado


2. A caminho de Buruntuma
Por Juvenal Amado

A guerra, após a morte de Amílcar Cabral, tornou-se tecnicamente e estrategicamente mais defenida.
O ataque constante aos destacamentos com objectivo de ocupar posições, tornou-se mais que evidente. O tempo da guerrilha que emboscava, flagelava e retirava, embora não fosse menos perigosa, fazia já parte de um passado recente. Muito bem armada e enquadrada militarmente, a tropa do PAIGC estava a levar-nos para um beco sem saída e a nossa derrota, já não é uma miragem.

Na cantina tinham sido afixados cartazes com imagens de aviões MIG 17. O tempo de total domínio do ar pela nossa Força Aérea tinha findo há já algum tempo. Os guerrilheiros equipados com mísseis, tinham abatido já alguns dos nossos meios aéreos.

Assim os cartazes seriam para que nós identificássemos os aparelhos de fabrico soviético, caso fossemos atacados. Por outras palavras, serviam para que fugíssemos mais depressa, pois meios de defesa contra este tipo de ataque, não me consta que o Exército Português os tivesse, para disponibilizar aos combatentes.

As ordens para cavar uma vala em cruz no meio da parada, que por sua vez foi cheia com garrafas de gasóleo com torcidas, veio confirmar que ataques em grande escala, por parte do IN, eram já uma certeza só não sabíamos quando.

Incendiávamos as garrafas do lado que vinha o ataque, para que a nossa Força Aérea pudesse fazer bombardeamentos nocturnos.

À noite víamos os clarões e os rebentamentos, sentiam-se no peito e no chão.
A intenção que eles tinham de desalojar as NT das posições era tal, que os ataques eram repetidos noites a fio.

Notícias de forte movimento de viaturas e até blindados na fronteira entre a Guiné e a Guiné-Conakri, vinham agravar o já o nosso fraco ânimo.

Mais para Leste, Compá estava já cercado há dias. Grupos de Combate saíram para o mato para assim tentar aliviar a pressão. Esses valentes ficaram isolados e dispersos, complicando ainda mais, pois bombardeamentos massivos, que eventualmente fossem decretados por Bissau, poderiam atingir os nossos soldados no mato.

Os Operadores chegavam já a falar na rádio sem cifra, tal era a aflição daqueles nossos combatentes. Em resposta aos pedidos de ajuda destes nossos camaradas, os Altos Comandos dos seus gabinetes respondiam: - Tenham confiança nos vossos comandantes.

- Venham para cá vocês filhos da p...(*)
Era a resposta dos nossos camaradas em desespero.

Ainda desta vez os nossos camaradas, conseguiram aguentar as suas posições. Veio um período de acalmia felizmente.

Já passava da meia-noite quando o Furriel Claudino se aproximou do posto de sentinela e perguntou por mim. Estava a dormir, pois ia entrar de serviço às duas horas da manhã. Com ele vinha um Sapador que me ia substituir. Os condutores que fossem em coluna na manhã seguinte tinham que sair de serviço imediatamente.

Não gostei de o ver àquela hora, pois não augurava nada de bom. Disse-me: - Vai dormir que às seis da manhã tens que ter o teu carro preparado. Levanta ração de combate para três dias.
Perguntei-lhe o que se passava, mas ele disse-me que não sabia.

Às cinco e meia levantei-me, vim cá fora e bebi longamente água do cantil que tinha deixado a refrescar na rua. Vesti o camuflado, calcei as botas de couro, agarrei na arma, nas cartucheiras, no poncho e, dirigi-me ao depósito de géneros, onde levantei as caixas de ração. Era três, uma por cada dia, que ia ficar fora. Continuava sem saber para onde ia, mas na verdade também não interessava muito saber.

A coluna arrancou direito a Bambadinca, comigo iam com as suas Berliet, o Caetano e o Borges.

Chegados lá, ficámos à disposição do Comando de Bambadinca. Se a coisa não tinha cheirado bem até ali, cheirava cada vez pior.

Já era noite quando recebi ordem para carregar a viatura.
O resto da noite foi passada junto da mesma, com ordens expressas para que ninguém saísse do seu posto. Ia transportar minas e granadas várias para Buruntuma.

Esse destacamento em que o arame farpado fazia fronteira com a outra Guiné, era um alvo preferencial, por isso íamos tentar reforçar as suas defesas.

Arrancámos de madrugada ainda noite. A segurança é feita com tropas do Batalhão de Bambadinca e blindados de Bafatá. O Grupo Marcelino também ia na coluna.
Era pois uma Operação de reabastecimento de alto risco. Íamos rodar em zonas altamente perigosas, em que o IN dominava.

A coluna tinha sido rodeada de todo secretismo, mas com o andar das horas, os guerrilheiros poderiam já ter sido avisados.

Eram Berliet de vários destacamentos, não me lembro quantas. Lembro-me sim da ordem que proibia que levássemos qualquer passageiro junto de nós, condutores.
As viaturas tinham a carga tapada.

Ultrapassamos Nova Lamego direito a Piche. Nós não víamos, mas deveriam estar muitas centenas de camaradas nossos a fazer segurança, durante todo o percurso. A partir de Piche o grau de perigo aumenta consideravelmente.

O caminho é feito mais lentamente. Os Chaimites viravam as armas para a mata e vão com as escotilhas fechadas.

Os outros condutores devem sentir como eu, num extremo isolamento.
Se houver algum ataque à coluna, só nos resta fugir do pé da viatura e da sua perigosa carga.

Está um sol escaldante não se pode fumar. Por fim Buruntuma está à vista.
Parámos e ficámos bastante afastados uns dos outros.
Só entra um carro de cada vez para descarregar e saí logo de seguida. Temos de ser rápidos, se não queremos passar a noite na picada. Aproveito para comer, pois só tinha até essa altura bebido o leite da ração e água.

Correu tudo bem.

Os camaradas daquele destacamento estavam numa situação que ninguém no seu juízo perfeito invejava. Qualquer deles trocaria comigo sem olhar para trás.
Nessa noite ficamos a dormir em Nova Lamego, no dia seguinte vamos para Bafatá, onde encontramos a coluna da CCS que nos levará para Galomaro.

Os meus receios em relação a esta viagem, felizmente não se concretizaram.
O PAIGC não atacou Buruntuma, mas descarregou a sua fúria em Canquelifá passados poucos dias.

(*) Aos camaradas, que estiveram directamente envolvidos nestes acontecimentos, peço desculpa por alguma incorrecção, motivada pelos anos e por alguns deles não terem sido por mim, vividos pessoalmente.

Juvenal Amado
________________

Nota dos editores

(1) Vd. último poste da série de 13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2635: Estórias do Juvenal Amado (6): O Falé e o burro do mato (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr-do-sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves:

Caros Luis e camarigos editores:

Às vezes dá-me para isto!!! Acordei com isto na cabeça e foi só escrever! Envio para fazerdes o que quiseres com o escrito: publicação ou arquivo morto!




A PROPÓSITO DE UMA FOTOGRAFIA NO MATO CÃO (1)

Sentado na minha cadeira,
Cerveja na mão,
Fito os olhos no longe,
Tão longe
Que vai para além do horizonte.
O Sol começa a descer
Lá ao fundo
Para os lados do Enxalé,
E os seus raios de luz
Tocam a terra de sangue
E pintam o ambiente de vermelho.
O momento é mágico
Porque não há nada mais bonito
Que o Pôr do Sol na Guiné.
Na bolanha
Junto ao Geba,
(Que se ouve a murmurar),
Passa um pequeno tornado.
Quase que o podia agarrar!
Ao meu lado
O Furriel Bonito.
Deve estar a meditar
No que é que eu estarei...
A pensar!
Estou para aqui isolado
Vivendo como uma toupeira
Debaixo de terra,
Cercado de arame farpado.
A letargia da rotina diária
Toma conta de mim
E tanto me faz
Que o dia nasça
Como chegue ao fim.
Fecho os olhos por um momento.
Estou em Monte Real!
É fim de tarde
Hora de banho
E vestir a preceito
Que o meu pai não deixa
Que se jante no Hotel
Sem uma roupa de jeito.
Já lá vem o chefe de mesa
Que tem muito que contar
Fala-me da carne e do peixe
Tenho a boca a salivar.
Tocam-me no ombro!
Esfumou-se o meu sonho!
É o Mamadu que me diz,
Com o seu sorriso:
«Alfero,
O comer está pronto.»
O que lhe falta
Em smoking de profissão,
Excede em alegria
E dedicação.
Levanto-me,
Olho em redor.
Nas pequenas tabancas
A luz das fogueiras
Ilumina a escuridão
Da falta de luz.
Abano a cabeça
Para afastar o torpor
E grito bem alto
Com a minha voz forte,
A afastar o temor:
«Pessoal,
vamos morfar,
que nunca se sabe,
quando isto vai acabar!»


Monte Real, 29 de Março de 2008

PS - A fotografia em causa é a que anexo.


Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves






... e já agora também o poste 15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)