Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 14 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22718: Blogpoesia (759): "Ilusão da eternidade"; "Ideias embrulhadas"; "Insolência" e "Nem só as vacas mugem", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
Ilusão da eternidade
Caminhamos nesta vida na ilusão de que é eterna.
Temos a sensação que a criança tem na sua infância.
Nunca mais passam as aulas da primária e da catequese.
Pelo contrário, o recreio passa vertiginoso.
Quando se podia colher a melhor fruta na horta fechada da vizinhança sem problemas.
E que sabor!...
Toda a gente o fazia na sua infância.
Aquelas uvas gordas.
Que doçura a dos morangos e das cerejas.
As amoras bravias dos silvados.
Eram de toda a gente.
Cresciam livres ao sol aberto.
Nunca mais as coisas foram assim docinhas!...
Berlim, 2 de Novembro de 2021
11h15m
Jlmg
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Ideias embrulhadas
Embrulho minhas ideias em palavras.
As remeto depois pelo correio.
Registadas com aviso de recepção.
Quero que cheguem bem ao seu destino.
As mando para meus amigos com saudade.
Das horas mais alegres da nossa infância.
Na escola e na catequese dos dos velhos tempos.
As mais felizes que nós temos.
Fico à espera das respostas.
Oxalá boas como sempre.
Quero lê-las nas horas mais tristes
Que a todos surpreendem.
Berlim, 3 de Novembro de 2021.
17h10m
Jlmg
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Insolência
Não é preciso insolência para viver em paz.
A vida tece-se de boas acções.
Cada um dá as suas.
O meu contributo hoje é dar as boas vindas aos que hoje vieram ao mundo.
Saborear o privilégio de viver.
Viver tem seus problemas, mas se tudo calhasse bem, seria insípida.
Perderia todo o sentido.
Ela é breve. Aproveita-a bem...
Berlim, 9 de Novembro de 2021
11h53m
Jlmg
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Nem só as vacas mugem
Nem só as vacas mugem. Também os bois.
Quem teve a dita de ir a África e calcorrear as florestas
Ouviu rugidos de estontear e meter medo.
As aves gigantescas. Os leões da selva.
O matraquear dos tambores nas cubatas, para afugentar as feras,
na noite negra e transmitir mensagens.
Não havia celulares.
Perdurarão para sempre na minha memória de oficial militar
Que teve a dita de regressar à metrópole, vivo e em bom estado.
Que será feito dos soldados do meu pelotão?...
Berlim, 10 de Novembro de 2021
20h5m
Jlmg
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Notas do editor
Último poste de Joaquim Luís Mendes Gomes de 31 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22673: Blogpoesia (752): "A força da rotina"; "Piano dos sabores"; "De novo nos motocas" e "Janela da alma", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
Último poste da série de 13 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22716: Blogpoesia (758): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (6) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)
Guiné 61/74 - P22717: Parabéns a você (2004): César Dias, ex-Fur Mil Sapador Inf da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883 (Piche e Camajabá, 1972/74) e Maria Arminda Santos, Ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/1970)
Nota do editor
Último poste da série de 13 de Novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22714: Parabéns a você (2003): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)
sábado, 13 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22716: Blogpoesia (758): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (6) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)
Bom dia Carlos
Em primeiro lugar obrigado por me ires aturando.
Hoje, envio mais coisas minhas pois, lembrei-me das Operações e Missões e dos nomes que lhe davam.
Um Abraço para todos, em especial para os Chefes de Tabanca
Albino Silva
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22713: Blogpoesia (757): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (5) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)
Guiné 61/74 - P22715: Os nossos seres, saberes e lazeres (476): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (24): Museu Nacional do Traje: muita indumentária, chapéus e leques, adereços icónicos (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Gosto muito de palmilhar toda a estrada que atravessa o Paço do Lumiar, é uma ida e volta agradável, depois é uma questão de apanhar um metro e regressar a penates. O Parque do Monteiro-Mor é também visita frequente, não encontro razão por esta falta de comparência há uns bons anos não entrando neste belo museu, irrepreensivelmente mantido no seu interior e de uma museologia e museografia tão cativantes, imagino que qualquer professor gostará de trazer aqui os seus alunos para abrir horizontes ao estudo das mentalidades do século XVIII para cá. Vim atraído por uma exposição de chapéus e leques, este último adereço há muito que anda comigo e ocupa espaço nas minhas paredes domésticas. Mas aproveitei o ensejo para começar no século XVIII e confirmar que o interior do Palácio Angeja-Palmela continua a merecer desvelo e talento de quem dele se ocupa.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (24):
Museu Nacional do Traje: muita indumentária, chapéus e leques, adereços icónicos
Mário Beja Santos
Li a notícia de uma exposição sobre chapéus e leques no Museu Nacional do Traje, onde não entrava há um ror de tempo. Graças a uma tia, cedo despertei para o prazer de ver e de viver acompanhado de leques: japoneses ou chineses, românticos ou novecentistas. Esta minha tia tinha como um dos seus passatempos adquirir leques por vezes muito deteriorados e proceder a restauros, dando-me a satisfação de poder acompanhar o seu trabalho, a substituir tecidos, a reparar varetas, a colar as guardas, a reforçar os reversos, nessas tardes pude pasmar com a delicadeza do trabalho de ver peças deterioradas ganharem vida, ainda que, para gozo da sua contemplação, houvesse necessidade de os emoldurar, um processo de esconder mazelas e outros subtis artifícios do restauro, esta minha tia parecia praticar cirurgia com as varetas, substituindo-as, fossem de madrepérola ou madeira canforada. Enquanto as suas mãos se moviam numa prancheta, por vezes empunhando uma tesoura ou pegando em pinças, esta minha tia falavam-me sobre a história dos leques, muito provavelmente a sua origem oriental, o irrecusável papel que desempenhou nas civilizações, o seu apogeu no mundo ocidental, sobretudo graças aos franceses que usaram madeiras pintadas e lacadas, e fui tomando conta de que no século XIX era uma das grandes exportações chinesas, tivessem ou não varetas em bambu ou madeira lacada, panos pintados, tal como os franceses usavam leques com varetas em marfim, tecidos delicados, panos em papel pintado a guache, pano em cabritilha. Chega de comentários pessoais, embora confesse que gosto muito de falar dos meus leques a quem deles aprecia.
Para se saber um pouco deste Palácio Angeja-Palmela, vale a pena reproduzir um texto elucidativo que se dispõe à entrada:
"O Museu Nacional do Traje encontra-se instalado no Palácio Angeja-Palmela, assim denominado por ter sido propriedade destas duas famílias.
O Palácio foi mandado construir pelo 3.º Marquês de Angeja (século XVIII), após o terramoto de 1755. Tem traça pombalina, caraterizada pelo seu sistema estrutural antissísmico e pelas suas formas austeras, contudo desconhece-se o seu autor.
Adquirido em 1840 pelo 2.º Duque de Palmela, o Palácio continuou a servir como segunda residência e foi objeto de diversas campanhas de requalificação dos seus interiores, como a introdução de pinturas parietais ao gosto da época, as quais se juntaram aos estuques e aos azulejos já existentes.
Em 1975, o Estado Português adquiriu o Palácio, conjuntamente com o Parque Botânico do Monteiro-Mor que lhe está agregado, para instalação do Museu Nacional do Traje, que abriu as suas portas ao público em julho de 1977”.
Qual o seu acervo? Guarda uma coleção de indumentária de traje nacional e estrangeiro, desde o século XVIII à atualidade, a par de um conjunto relevante de acessórios destas diferentes épocas, como vamos ver.
O estilo império faz aqui obrigatoriamente presença, ali perto um quase adolescente comentava à mãe que já tinha visto tal vestuário numa série televisiva, julgava ser pura invenção, a mãe revelou-se esclarecedora, e pus-me de orelha à escuta, olha filho vê a cintura pronunciada, o vestido a cair pregueado, introduziu uma enorme simplicidade no traje feminino, nada de anquinhas ou excessos de saiotes, olha para a fatiota dos homens, irá dar origem àquele tipo de casaca a vestuário que os homens vão usar nas academias ou até na diplomacia, durante muito tempo. E, como verás adiante, devido talvez à industrialização e à prosperidade, irá sofisticar-se, vais ver. Aproveitei para andar ali atrás, a meter o bedelho onde não era chamado.
Leques e outros acessórios distintivos – para quê mais comentários? Aquele do meio, se não fizer falta ao museu, fica em minha casa em regime de comodato…
Do estilo império passou-se para o romantismo, a atração greco-romana diluiu-se, arredondaram-se as saias, se necessário recorria-se a enchumaços, há o tufado das mangas. A mãe do jovem falava nos tempos de Camilo Castelo Branco e lembrou-lhe o filme de Jane Eyre, ele disse prontamente que sim. Apeteceu-me tirar uma imagem para contrastar os dois estilos de moda, é capaz de surtir efeito.
Não me canso de louvar o estado de conservação desta casa, miro as paredes de alto a baixo, contemplo os estuques, não são motivo para ficar embasbacado, mas ao menos fica-se satisfeito de ver tudo bem mantido, os vidros da bandeira por cima desta porta dão sinal de velhice, bons tempos em que se usavam estes espelhados, é melhor deixá-los assim.
Importa não esquecer que este museu já foi palácio, vamos prosseguir a viagem indo até à capela, depois até ao século XX, então sim, saímos até ao pátio para ver uma interessante mostra do uso da cobertura na cabeça consoante o estatuto social e o papel ocupado pelos leques nos últimos séculos. Tudo feito sem alarde, mas com rigor e segurança dos comentários expostos.
Gostei e recomendo.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 6 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22694: Os nossos seres, saberes e lazeres (475): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (16) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P22714: Parabéns a você (2003): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)
Nota do editor
Último poste da série de 10 de Novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22703: Parabéns a você (2002): Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494/BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/74)
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22713: Blogpoesia (757): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (5) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)
Bom dia Carlos
Em primeiro lugar obrigado por me ires aturando.
Hoje, envio mais coisas minhas pois, lembrei-me das Operações e Missões e dos nomes que lhe davam.
Um Abraço para todos, em especial para os Chefes de Tabanca
Albino Silva
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Nota do editor
Último poste da série de 11 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22708: Blogpoesia (756): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (4) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)
Guiné 61/74 - P22712: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (78): A funda que arremessa para o fundo da memória
Queridos amigos,
É num ambiente de perplexidade, e num lapso de dias, que Paulo Guilherme é novamente confrontado com manifestações de racismo, em proporções violentas. Demorará muitos anos a perceber qual o fermento daquele ódio escondido, de que ninguém ali fala, na Guiné a ferro e fogo, ouve as mensagens veementes do governador e comandante-chefe que diz que a Guiné é para os guinéus, aqui e acolá apercebe-se que há hostilidades contidas, sabe Deus a que custo. São dois episódios inesperados que aqui se narram, o segundo ficará atamancado até ao jovem oficial partir. Espera-se que tenha sido uma decisão assisada, a História veio alertar, aí por novembro de 1980, que o azeite não se mistura com a água, que há ressentimentos seculares que não se apagam só porque se encontrou um slogan de conveniência para usar como bandeira a unidade Guiné-Cabo Verde. A guerra de Paulo Guilherme está prestes a findar, ele regressará com esta inquietação, e persistiu em estudar o que escondia a cortina de silêncio a tanto rancor camuflado, até lhe descobrir a essência de agruras que demoram muito tempo a sarar.
Um abraço do
Mário
Rua do Eclipse (78): A funda que arremessa para o fundo da memória
Mário Beja Santos
Paulo mon adoré, estou ansiosa que venhas, pairo num torvelinho de saudades, não me sai da mente a ideia de que tu vens trabalhar para Bruxelas, não sendo prejudicado no tempo de reforma e de modo algum lesado no montante dos teus rendimentos, compreendo perfeitamente a tua preocupação em ajudar os teus filhos, sobretudo aqueles dois que têm trabalho precário. Percebi ontem, na nossa longa conversação telefónica, que aguardas a marcação da entrevista com o dirigente da Confederação Europeia dos Sindicatos, muito surpreendida fiquei quando ele te anunciou que o acompanharás numa conferência internacional a realizar em Estocolmo sobre os desafios do sindicalismo na vida quotidiana no quadro do alargamento comunitário.
É neste ambiente de expetativa que ao contrário de Penélope vou rendilhando os últimos tempos da tua comissão. Estamos, pois, num dia de chuva diluviana, convidaste o engenheiro da TECNIL para um repasto na messe dos oficiais, o mesmo é dizer em Bambadinca. Até agora, já vão algumas semanas, são conversas rápidas, cumprimentos formais, hostilidade zero, são duas peças na construção de uma estrada que se vai revelar extremamente importante, será um piso alcatroado que unirá uma área significativa do Leste da Guiné, tu garantes a segurança e ele manifesta-se pela sua competência na persecução das obras, não há laivos de intimidade. Quando me enviaste os apontamentos rabiscados do teor da conversa havida enquanto comiam fora de horas um bife com ovo estrelado acompanhado por um bom Vinho do Dão, tudo parecia estar a correr bem, lá fora chovia que Deus dava, até comentaste que nos baixos de Bambadinca já devia estar tudo inundado, descobriram os dois que tinham frequentado os mesmos cineclubes, tertúlias afins e quando chegaram às leituras teceram comentários a diferentes livros que tinham lido, tudo numa atmosfera de aprazimento, o cenário da guerra ficara noutra latitude e longitude.
E pediste para os dois cafés e uísque, estavam ambos nitidamente estimulados por interesses comuns desde os escritores existencialistas, passando pelo teatro de Tennessee Williams, inevitavelmente o cinema de Louis Malle, Visconti, Fellini, David Lean. De supetão, o confrade engenheiro dá guinadas na conversa e pergunta-te com um total descaro se tu tens consciência de que a guerra ainda não foi ganha devido a um conjunto de interesses que lesam a Pátria. Ficaste aturdido, parecias ter recebido uma picada que te impedia o raciocínio, mas lá voltaste ao diálogo lembrando que por uso e costume os militares não apreciavam com os civis os temas da guerra, daí não poderes responder. Ele continua a espicaçar-te, que tivesses à vontade, não havia ali ninguém com o ouvido à escuta, o tom de voz dele acalorava-se, o olhar era penetrante e então, de modo perentório, deu-te a saber que existia uma solução militar para acabar rapidamente com o conflito, os guerrilheiros apercebiam-se da nossa indecisão e carregavam com mais força. Foi a tua vez de redigires, recordando àquele senhor que não medias meças com aqueles que procuravam combater, os teus soldados guineenses eram inequivocamente valorosos. O senhor engenheiro perdeu as estribeiras, os portugueses brancos e estes pretos incapazes da Guiné não tinham fibra, o terrorismo alimenta-se dessa incapacidade, essa falta de vontade para vencer. Procuraste pôr termo à conversa, ele continuou a perorar, e é nisto que te atirou com um argumento que parecia um ferro em brasa, bastavam seis companhias de cabo-verdianos e em escassos meses a peste seria erradicada.
Paulo, meu adorado amor, eu posso imaginar o que te custou escreveres este pedaço das tuas memórias, pedindo-me para pôr em letra de forma, sem tirar uma vírgula, o senhor engenheiro, quando lhe perguntaste como era possível um efetivo de seis companhias bater todo aquele território e afugentar para todo o sempre a guerrilha, ele parecia de cabeça perdida, gesticulava de pé que para todos aqueles guerrilheiros se tinha que adotar uma solução final, tudo morto, fosse qual fosse a idade, com lança-chamas, à granada, com faca de mato, regando com petróleo, ninguém ficaria para contar a história.
Tomei nota do que escreveste no fim do teu texto, estavas hirto, bailava-te no pensamento todos os outros momentos em que viras escancarado um racismo que te era incompreensível, demoraste muitos anos a perceber que a presença cabo-verdiana agudizara o relacionamento, quem chegava vinha para mandar, vigiar e punir, eram parte firme da classe dirigente local, mandantes dos colonos que, regra geral, não possuíam saúde e até cultura como aquela gente do arquipélago. E também só muitos anos mais tarde é que te foi dado perceber como aquela unidade Guiné-Cabo Verde, sempre matraqueada pelo pai fundador do PAIGC, era pouco mais do que uma bola de sabão embora um excelente argumento para atrair cabo-verdianos revolucionários numa guerrilha onde havia bons combatentes, mas falta de quadros. Mas como tu dizes, ainda faltava um último teste, que chegou dias depois, quando, regressado de mais uma coluna ao Xitole, alguém avançou para ti em alvoroço, dizendo-te que tinhas no teu quarto o substituto, pois bem, mais sentado que deitado numa cama estava um jovem cabo-verdiano que te recebeu com um sorriso jovial, por sorte não revelaste o teu estonteamento, conversaram amenamente, pediste licença para te banhar e mudar de roupa, e depois iriam dar uma volta para se conhecerem melhor. É neste entretanto que um dos teus soldados apareceu esbaforido a dizer que o pelotão exigia um encontro urgente com o nosso alfero, era assunto muito sério que não podia ser postergado, enquanto lavavas o corpo ias deitando contas à vida dos graúdos problemas que se avizinhavam.
Como aconteceu, mudaste de farda, lá foste ao encontro dos teus homens, por detrás da escola encontraste gente furibunda, ouviste das boas, tinhas muita prosápia quando falavas no amor àquela terra e àquelas gentes e fazias-te agora substituir por um cabo-verdiano, em toda a Bambadinca já se sabia que tinha chegado mais um encarregado dos colonos brancos para lhes dar porrada, vai falar com o comandante, nem te passe pela cabeça que vais para a tua terra e ficamos entregues a alguém que sempre nos tratou a chicote.
Enquanto eu escrevia estas notas que tu alinhavaste, procurava entender o pesadelo que representava a chegada do teu substituto, como seria possível descalçar a bota. São estes os apontamentos que nestas noites de vigília, enquanto aguardo a chegada do homem mais amado do mundo que muito provavelmente vem tomar conta da minha vida na Rua do Eclipse, vou redigindo, mas sempre com a perceção que esta comissão que tiveste na Guiné se prolongou como um fogo adormecido. Vamos ver adiante se tenho ou não tenho razão. Bisous milles enquanto aguardo o telefonema a anunciar a tua chegada, Annette.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 5 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22689: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (77): A funda que arremessa para o fundo da memória
Guiné 61/74 - P22711: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIX: As hortinhas... dos "durões"
Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > Da Esquerda para a direita os agricultores improváveis: Furriel Machado, 1.º Cabo José Carlos e Alferes Afonso.
Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > A hortinha do José Carlos, estrategicamente plantada junto aos nossos chuveiros aproveitando a rega automática.
Fartos de arroz com estilhaços e ração de combate, muitos procuravam por todos os meios encontrar suplementos alimentares para aguentar melhor a dureza da guerra.
Muitos recorriam aos familiares da metrópole que lhes enviavam vitaminas, chouriços, alheiras e até maranhos! Chegava já tudo (o que chegava!) estragado, mas não se desperdiçava nada!
Outros, mais à japonesa: Ensina a pescar, não ofereças o peixe... recebiam sementes de couve, tomate, alface, etc, construindo as suas próprias hortinhas.
Talvez devesse ocultar toda esta história que pode afetar, indelevelmente, a reputação destes três duros do Cumbijã, plantando hortinhas em pleno teatro de guerra!!!… A verdade sobre a guerra colonial assim o exige!
A Horta do Machado – Cientificamente perfeita (ou não fosse ele Engenheiro Técnico Agrário). Foram estudadas as correntes de ar, a exposição solar, a humidade da terra bem como o seu PH;
A Horta do Afonso – Toda ela construída tendo por base uma brochura, que lhe enviaram de Miranda do Douro (escrito em Mirandês para ninguém copiar), com o título: Hortofloricultura para principiantes.
A Horta do Zé Carlos – Construída com base no saber popular, passado de pais para filhos, bem como das informações do Borda d’água... em Crioulo.
Reconheço que só provei as alfaces do Afonso. Estas eram colhidas já lavadas, desinfetadas e temperadas, dado a rega diária feita pelos soldados que justificavam o gesto com a falta de latrinas (justificação que também aproveitei!).
Presumo, contudo, que as melhores, tendo em conta o método utilizado, seriam, obviamente, as do Zé Carlos, por ser as que mais se aproximavam do que hoje se designa de agricultura biológica.
Quem passava ao lado destas “picuinhices” (cheguei a escrever “mariquices” que logo apaguei já que hoje é proibido e, bem, utilizar este termo na tropa…) das hortinhas era o Albuquerque que muitas vezes me convidou para comer uma sopinha feita por ele, com muita hortaliça.
Recebia frequentemente sopas instantâneas “Maggi”, enviadas com muita ternura e amor pela sua Mãezinha.
Eu ficava maravilhado com aquilo. Aquecia-se a água, com o álcool e algodão do Caetano, deitava-se para dentro do tacho (creio que uma lata) a “mistela” do saco, e, quase por milagre, apareciam couves, cebolas, cenouras... Isto em 1973, nas matas da Guiné! Só de fidalgos!
Ao Albuquerque tenho-lhe uma gratidão enorme, pois que, para além dos convites para jantar e da grande cumplicidade no comando do 1º pelotão, foi quem mais agastado ficou com as pequenas, para ele grandes, injustiças que nestes contextos sempre acontecem, assumindo as dores... e a vergonha alheia. Este homem é grande. Sempre de coluna direita!
Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAV 8351 (1972/74 > Os três magníficos furriéis do 1.º pelotão (mais tarde, eu fui deslocado para o 2.º): Albuquerque (o condutor); Costa (primeiro da esquerda do banco de trás); Azambuja Martins (também no banco de trás) e o meu amigo que frequentou o Colégio Interno das Caldinhas (Santo Tirso) do 4.º pelotão. O jipe pertencia ao BENG 447.
(Continua)
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Guiné 61/74 - P22682: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVIII: A ração de combate
Guiné 61/74 - P22710: Manuscrito(s) (Luís Graça) (207): Parabéns, querida "abobrinha", ao km 2 da tua estrada da vida!
Lourinhã > Festival da Abóbora e Mostra Urbana de Dinossauros > Praça D. Lourenço Vicente > 31 de outubro de 2021 > Lourinhanosaurus > A Clarinha, de costas, e de "abobrinha" na cabeça, "medindo" o lagarto da Lourinhã, com cerca de 4,5 metros de comprimento. Era um dinossauro terópode carnívoro que viveu durante o Jurássico Superior (c. 150 milhões de anos). A Clarinha adora dinossauros e já foi visitar o DinoParque da Lourinhã. (Fotos tiradas em fim de tarde e em dia de chuva.)
POEMÁRIO DA CLARINHA
coletânea de textos poéticos
dedicados pelo autor à sua primeira neta
Clara Klut Graça,
mensalmente,
nos dois anos iniciais da sua vida,
comemorando o seu nascimento
e selando outros momentos
e eventos significantes
para a sua história
TÍTULO: POEMÁRIO DA CLARINHA | EDIÇÃO: AUTOR | ANO: 2021 | Nº DE PÁGINAS: 52 | TIRAGEM: 50 EXEMPLARES
POSFÁCIO
(nota
de fecho de um livro sempre aberto)
Poemário da Clarinha: dois anos de vida e uma pandemia (2019-2021)
Este livrinho é uma homenagem à Clara Klut Graça, aos seus pais,
aos seus avós e a todos aqueles que a amam. Viemos propositadamente ao Funchal,
seus pais, de Lisboa, e seus avós paternos, da Lourinhã, para festejar o seu 2º
aniversário.
A Clarinha tinha acabado de
nascer às 6 da manhã do dia 12 de novembro de 2019 e logo o avô Luís lhe fez,
duas horas depois, os primeiros versinhos a saudar a sua vida ao mundo. Que
leu, em voz alta, para ela, a mamã e o papá, no Hospital da Luz, nesse mesmo
dia.
Depois ficou a promessa de lhe continuar a fazer uns versinhos
todos os meses, celebrando o milagre da vida e do amor. E a promessa
manteve-se, até hoje.
Quando a Clarinha começou a conhecer mundo, veio a pandemia de
Covid-19 e os nossos contactos ficaram muito mais limitados. Os versinhos, em
cada dia 12 do mês, acabaram por se tornar num ritual. De início, matávamos as
saudades por videochamada ou visitas de carro, à distância. Logo em 19 de março
de 2019 veio, com os pais, à Lourinhã para dizer adeus aos avós. Da rua para a
varanda do 3º andar. Em abril, já passou uns dias em Candoz. Em junho e julho
fez as primeiras férias no Funchal e Porto Santo. Na Madeira, vivem os seus
avós maternos, os Câmara e os Klut, bem como tios e primos. Já lá foi várias
vezes e adora viajar de avião.
E depois foi o seu desenvolvimento normal como qualquer bebé. Com
oito meses já se sentava. Em outubro, a mamã voltou ao trabalho e a Clarinha
foi para o berçário (e depois infantário) … Começou a falar por volta dos 16
meses, em março de 2021. Em abril voltou a Candoz. Dormiu, pela primeira vez,
em casa dos avós, em Alfragide, em julho de 2021. Passou pelo Algarve em
setembro, e começou a andar aos catorze meses… Aos dezasseis já tinha o seu
léxico próprio…
Até aos quatro meses, o avô-poeta usou a quadra popular, de sete
sílabas métricas (ou poéticas). A partir de abril de 2020, ousou aventurar-se
pelo soneto (composto de 14 versos, divididos em quatro estrofes, subdividindo-se
por sua vez em dois quartetos e dois tercetos). Dá preferência ao verso com 10
(decassílabos ou heroicos) ou 12 sílabas poéticas (dodecassílabos ou
alexandrinos)…
Fica aqui o resultado destas gracinhas poético-sentimentais…
sobretudo para ela mais tarde recordar ou redescobrir. Quando a Clarinha souber ler e escrever,
talvez ache alguma graça a estes versinhos, que foram feitos com muito ternura
e amor (e, às vezes, em noites claras, quando o avô-poeta, sem sono, contava
carneirinhos). Para os seus pais, avós e demais família e amigos, é também uma
forma de refrescar as suas melhores memórias deste tempo que parece ter passado
tão depressa (apesar da pandemia), agora que a Clarinha entra no ANO III da sua
vida.
Funchal, 12 de novembro de 2021.
O autor e avô, Luís Graça
___________
Nota do editor:
Último poste da série > 2 de novembro de 2021Guiné 61/74 - P22681: Manuscrito(s) (Luís Graça) (206): A tradição do pão-por-deus, no tempo em que as criança não eram mimadas mas eram reizinhos por um dia...
quinta-feira, 11 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22709: Memória dos lugares (429): Formosa és tu, Cacela... (Poema e fotos do Eduardo Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)
Companheiro!
Mando-te um poema da minha lavra. Uma homenagem à terra onde vivo e tem sido cantada por tantos e grandes poetas.
Formosa és tu, Cacela!
e onde no espelho das suas águas
derramas tua beleza.
no azul do mar
e ouves as canções de amor
que ele te compõe.
adormeces nos braços ternos
da brisa do luar
e sonhas com a luz que o sol trará
num novo dia.
Eduardo Estrela
Guiné 61/74 - P22708: Blogpoesia (756): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (4) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)
Bom dia Carlos
Em primeiro lugar obrigado por me ires aturando.
Hoje, envio mais coisas minhas pois, lembrei-me das Operações e Missões e dos nomes que lhe davam.
Um Abraço para todos, em especial para os Chefes de Tabanca
Albino Silva
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Nota do editor
Último poste da série de 10 de Novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22704: Blogpoesia (755): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (3) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)