segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15268: Da Suécia com saudade (54): Relendo o livro do prof Patrick Chabal, "Amilcar Cabral: Revolucionary Leadership and People's War" (1983): o PAIGC e a saúde (José Belo)

1. Mensagem de José Belo:

 [ foto atual à direita: José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); atualmente é cap inf ref e vive na Suécia há quase 40 anos; no outono / inverno, costuma "emigrar" para Key West, Florida, EUA, onde a família tem negócios]:


Data: 17 de outubro de 2015 às 13h15

Assunto: Notas de leitura: Patrick Chabal, Professlor de "Lusophone African Studies" [Estudos africanos lusófonos], no King's College]. London, Cambridge University Press, 1983. Parte II: O PAIGC e a saúde (*)


Com o surgir da guerra a necessidade de cuidados médicos aumentou dramaticamente. O PAIGC não podia negligenciar o tratamento dos seus militares.

Cabral desde logo compreendeu que simples hospitais provisórios näo seriam suficientes para tal.
A política então seguida pelo partido procurou desenvolver um sistema sanitário que poderia vir a constituir a base de futuros servicos médicos nacionais no pós-independência. Procurava-se criar uma estrutura que viesse a beneficiar simultaneamente as populações rurais e os militares.

Tornou-se desde logo evidente serem os problemas surgidos com a implantação de um sistema de saúde, mesmo que limitado, muito superiores aos relacionados com os programas de educação. Por exemplo, o pessoal de enfermagem necessita de um treino profissional muito mais demorado e elaborado do que professores escolares ao níível de tabanca.

O equipamento, mesmo que rudimenter, é também essencial e caro.

Em 1964 a assistência sanitária foi criada em cada uma das estruturas locais do PAIGC. De facto, continuou a ser um serviço de características mínimas, com um dos cinco membros dos Comités de Aldeia encarregado desta assistência.

Mas, um tal sistema para ser efectivo tornava necessário uma centralização de meios. O objectivo principal do PAIGC era o de estabelecer locais de tratamento em todos os níveis administrativos do país (região,sector ou tabanca) desenvolvendo métodos efectivos de medicina preventiva nas tabancas.

A magnitude da tarefa é bem demonstrada pelo facto de em 1964 o PAIGC não dispor de um único médico (!). O irmão de Amilcar Cabral, Fernando, que então estudava medicina na Suécia, morreu num acidente de viação no Senegal.



Foto nº 19 > Posto de enfermagem no mato... É impossível identificar e garantir a localização desta foto... tanto podia ser junto à fronteira sul com a Guiné-Conacri como nas matas do Cantanhez... [Legenda original: "A nurse is leaving her staff accommondation on her way to the hospital in the woods in the liberated areas of Guinea Bissau."]

Guiné > PAIGC > s/l> Novembro de 1970 > Uma das fotos do fotógrafo norueguês Knut Andreasson, tiradas por ocasião de um visita de uma delegação sueca (, chefiada pela  deputada social-democrata e antiga presidente do parlamento sueco, Birgitta Dahl; a visita foi à Guiné-Conacri e aos núcleos populacionais controlados pelo PAIGC, as chamadas "áreas libertadas", no período de 6 de novembro a 7 de dezembro de 1970). Algumas destas fotos foram publicadas no livro Guinea-Bissau : rapport om ett land och en befrielserörelse / Knut Andreassen, Birgitta Dahl, Stockholm : Prisma, 1971, 216 pp. [Título traduzido para português: Guiné-Bissau: relatório sobre um país e um movimento de libertação]. (**)

Fonte: Nordic Documentation on the Liberation Struggle on Southern Africa [Com a devida vénia] [Seleção e edição: LG]


A partir de 1971 a situação melhorou consideravelmente com a criação de 9 hospitais (5 no sul, 2 no norte e 2 no leste), oito dos quais sob a contínua chefia de um médico. Estes hospitais dispunham de número suficiente de pessoal de enfermagem apesar de as disponibilidades em equipamentos serem muito limitadas.

Devido aos perigos de bombardeamentos o número de camas hospitalares era reduzido, sendo os pacientes de lá retirados o mais rapidamente possível. Os próprios hospitais mudavam frequentemente de local por razões de segurança.

A existência de 3 hospitais em segurança (!) (2 dentro da República da Guiné, Boké, o principal e junto á fronteira, o outro, Koundara;  e o terceiro em Ziguinchor no Senegal) tornou-se o factor determinante de um eficiente funcionamento hospitalar.

Eram unidades vastas e modernas, bem equipadas (por bem financiadas),dispondo de cirugiões e de outros médicos especialistas.

De acordo com o PAIGC o número de postos sanitários funcionais dentro das áreas libertadas passou de 28 em 1968 a 117 em 1971. Muitos destes postos sanitários eram pequenos e móveis,tratando unicamente os problemas de saúde mais simples. Outros, maiores, sob a direção de um médico, funcionavam como pequenos hospitais, estando mesmo alguns preparados para efectuar cirurgias.

A política de descentralização da assistência sanitária foi reforçada em 1969 com a criação de "Brigadas Móveis de Saúde". Eram formadas de, pelo menos, uma enfermeira e um enfermeiro, que trabalhavam normalmente num hospital ou dispensário do sector,e que tinham como responsabilidade a assistência sanitária a um determinado número de tabancas.

Tinham como objectivos principais a criação de medicina preventiva, melhorar as condições de higiene nas áreas rurais,e de tratar, ou enviar para os hospitais, os casos mais graves. Estavam também encarregados de ensinar o responsável pela saúde da tabanca no uso de medicações simples e de diferentes métodos de higiene.

Este sistema, que faz lembrar o usado então na China pelos chamados "médicos de pés descalços",só começou a ser formado no início dos anos setenta.

Desde logo, Amilcar Cabral compreendeu ser este um dos aspectos fundamentais na futura assistência médica de uma Guiné independente. Escreveu entäo :"Dadas as condições não podemos julgar ter possibilidades de criar hospitais em todos os centros urbanos e, ao mesmo tempo, no interior. É impossível!  Temos antes que criar um sistema de assistência médica móbil disponde de capacidades cirúrgicas".

O PAIGC era dependente de substancial número de médicos estrangeiros voluntários, sendo a maioria cubanos ou de países do leste europeu. A falta de médicos guineenses continua a fazer-se sentir nos nossos dias, tornando necessária a existência de largo número de médicos estrangeiros a trabalhar no país.

Apesar dos resultados obtidos pelo PAIGC no sector da saúde terem sido modestos, tanto em qualidade como em quantidade, foram muito importantes para uma população rural que até ao início da guerra (!) tnha tido poucos benefícios da medicina moderna sob o governo colonial.

Este aspecto mostrou-se desde o início um grande capital político para o PAIGC.

Um abraço. José Belo.

2. Nota do editor > In Memoriam: Patrick Chabal (1951-2014)


Patrick Chabal morreu há um ano e meio, em 16 de janeiro de 2014, de doença de evolução prolongada, com a idade de 62 anos. A sua obra mais conhecida é de facto a biografia (política) de Amílcar Cabral ("Amílcar Cabral: revolutionary leadership and people's war", Cambridge, 1983), mas deixa cerca de 180 obras (entre livros, capítulos de livros e artigos científicos) na área em que era especialista, os estudos africanos, e de que era o decano.

De origem francesa, com formação anglo-saxónica, era um académico reputado, prestigiado e com muitos amigos, entre colegas e alunos, incluindo investigadores de língua portuguesa.

 Esteve várias vezes em Portugal, a última das quais em junho de 2013, escassos meses antes de morrer. Era casado e tinha um filho. Conheci-o em 2008, no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de março de 2008). A notícia da sua morte no nosso país só foi conhecida no mundo académico mais ligado aos estudos internacionais (caso do CEI/ISCTE, por exemplo). Infelizmente, e contrariamente a França, Portugal nunca teve, infelizmente, á esquerda e á direita, uma verdadeira diplomacia cultural...

Em 13 de maio de 2011, Chabal participou em Lisboa no ciclo de conferências da Fundação Calouste Gulbenkian, "Próximo Futuro", com o tema "Racionalismo ocidental depois do pós-colonialismo".

Sinopse sobre a conferência e o autor (com a devida à página da FCG):

«Racionalismo ocidental depois do pós-colonialismo»

O futuro do Ocidente está estreitamente ligado ao do mundo não ocidental. As questões ambientais que o mundo enfrenta e o crescimento inexorável do poder económico da China e de outros países asiáticos fazem com que o Ocidente não possa olhar "para o que vem a seguir" da mesma forma que o fazia antes. Mas o desafio é bem mais profundo do que o actual debate sobre o "declínio do Ocidente" sugere. A minha intervenção centrar-se-á no modo como o desafio pós-colonial colocado à perspectiva que o Ocidente tem do mundo e a influência de cidadãos não ocidentais a viver no Ocidente se juntaram para evidenciar os limites daquilo a que posso chamar o racionalismo ocidental - com o que me refiro às teorias que utilizamos para entender e agir sobre o mundo. A incapacidade crescente do pensamento social ocidental para explicar de forma plausível e abordar com êxito algumas das suas questões sociais e económicas, e alguns dos desafios contemporâneos cruciais a nível da política internacional, deixaram a nu a inadequação das ciências sociais do Ocidente à medida que se foram desenvolvendo nos séculos subsequentes ao Iluminismo. Aquilo de que o Ocidente precisa, mas que ainda não aceitou, não é de mais e melhor teoria, mas de uma nova forma de pensar.

Patrick Chabal

Patrick Chabal é francês e estudou em França, nos EUA e na Grã-Bretanha. Fez investigação e deu aulas na Universidade de Cambridge (onde se doutorou em Ciências Políticas) e é actualmente professor no Departamento de História do King's College (Londres). Para além disso, foi professor visitante em Itália, em França, na Suíça, na Índia, em Portugal, na Venezuela e na África do Sul. Está envolvido num projecto a longo prazo em que se conjuga o estudo da cultura na política comparada e a pesquisa da teoria das ciências sociais. Entre as obras que deu à estampa, muitas delas traduzidas para diversas línguas, incluem-se: Amílcar Cabral (1983), Power in Africa (1992), Vozes Moçambicanas: Literatura e Nacionalidade (1994), The Postcolonial Literature of Lusophone Africa (1996), Africa Works: Disorder as Political Instrument (1999), A History of Postcolonial Lusophone Africa (2002), Culture Troubles: Politics and the Interpretation of Meaning (2006), Angola: The Weight of History (2008), Africa: The Politics of Suffering and Smiling (2009). Em 2012, deve sair The End of Conceit: Western Rationality after Postcolonialism.

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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 9 de novembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13865: Da Suécia com saudade (45): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte VI): Para além de meios de transporte automóvel (camiões e outras viaturas Volvo, Gaz, Unimog, Land Rover, Peugeot, etc.), até uma estação de rádio completa, móvel, foi fornecida ao movimento de Amílcar Cabral, sempre para fins "não-militares"... (José Belo)

Guiné 63/74 - P15267: Bibliografia de uma guerra (78): Do meu livro "Quatro Rios e um Destino", excerto para o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (1): Viagem de Abrantes a Lisboa (Fernando de Jesus Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa (ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71, DAF), com data de 9 de Outubro de 2015:

Boa noite Carlos Esteves Vinhal.
Junto um excerto do meu livro Quatro Rios e um Destino para publicar no Blogue se assim achar conveniente e possível.
Como tinha prometido que iria enviar de vez em quando uns textos, cá estou a fazê-lo a propósito de que vai fazer um ano do seu lançamento, estou a esgotar a edição.
Também para anunciar que dia 24 às 16 horas, vou proceder a mais uma apresentação1. Desta vez será no bairro onde morei muitos anos, em Santa Maria dos Olivais Lisboa, Na Casa da Cultura dos Olivais Junto ao coreto nos Olivais velhos Lisboa.
Se for possível dar conhecimento ao pessoal da Tabanca deste meu evento fico agradecido.

Abraço
Saudações de amizade para todos os tabanqueiros
Fernando Sousa

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Viagem de Abrantes a Lisboa

Rumei a Abrantes, para recolher meus pertences e guia de marcha com destino aos Adidos em Lisboa, para aguardar embarque. No caminho para a estação, tive oportunidade de contemplar toda a beleza daquele vale do rio Tejo, de águas cristalinas, que em correrias deslizavam suavemente rumo ao seu destino, cuja foz ficava já ali ao virar da última curva. Também suas margens, tão bonitas como nunca as tinha visto, cobertas de flores das mais variadas cores naquela altura da Primavera. Fiquei encantado com aquela paisagem, que me deslumbrou, apesar do momento melancólico, pouco convidativo a deslumbramentos.

Apanhei o comboio na estação do Rossio de Abrantes, bastante apreensivo, por ser mais uma despedida. Comboio esse que já vinha bastante cheio e ainda assim ali embarcaram muitos militares, que como eu, rumavam a vários destinos.

Depois de procurar um lugar vago onde pudesse sentar-me, para, de forma solitária, dar aso à minha amargura, encontrei apenas um lugar vazio no mesmo compartimento onde viajavam três jovens moças, pela certa estudantes com uma guitarra, que uma delas fazia vibrar, repletas de boa disposição e alegria estas jovens, que se fartavam de tocar e cantar. Ainda hoje recordo algumas canções, como por exemplo (ribeira vai cheia e o barco não anda, tenho o meu amor lá naquela banda, lá naquela banda, e eu cá deste lado, ribeira vai cheia e o barco parado) às quais eu não dava grande importância, a sua alegria contagiante era por demais evidente e salutar, condimentos essenciais para uma boa viagem, se não fosse eu antes preferir martirizar-me, sentir pena de mim mesmo. Queria viver em pleno aquela minha tristeza, que me corroía as mais profundas emoções, até me incomodava o facto de elas rirem, tentei virar a cara para onde elas não me pudessem ver, nem adivinharem o que me corroía internamente. Também não eram aqueles rostos bonitos que eu queria ver e muito menos suas canções ouvir, que tal era o meu estado de espírito. A minha mente vinha totalmente absorvida desde o início, nesta grande viagem na minha ida para uma guerra, que já não tinha forma de evitar.

Contudo, não passaram despercebidas estas minhas misturas de fortes emoções a estas moçoilas, que estranharam o meu alheamento quase total, até que uma ousou perguntar-me o porquê. Parecia que eu não estava ali, ia triste, questionou outra, ao que eu respondi que esta podia muito bem ser a minha última viagem de comboio, porque estava de partida para África. Por uns momentos fez-se silêncio, silêncio ainda mais profundo que todas as minhas mágoas, era precisamente isto que eu precisava para continuar a ter pena de mim. Sem querer reparei que na cara de uma delas corria uma lágrima, que apressadamente limpou, tentando disfarçar a emoção. Continuou um melancólico e quase fúnebre silêncio, com uns suspiros à mistura, até que me senti na obrigação de o quebrar, e disse estas palavras: Ó meninas, esta viagem ainda não acabou e muito menos eu morri, continuem com a vossa alegria, sejam vocês felizes por mim. Vá lá, toquem e cantem mais um pouco. Mas o silêncio continuou, por mais uns instantes, até que aquela da lágrima desabafou que tinha o seu namorado também na guerra e, por muito que desejasse, não saberia se o voltaria a ver. Muito a custo consegui conter as minhas.

Quiseram dar-me o seu endereço para lhes escrever quando chegasse ao meu destino, as três me franquearam a sua amizade e faziam gosto em ser minhas madrinhas de guerra. Agradeci delicadamente e não aceitei, respondi que isso traria amizades que se poderiam tornar em mágoas, sobretudo para elas, e para mim ilusões que não deveria nem podia alimentar.

Mostraram compreensão e respeito pela minha atitude, desejaram-me saúde, sorte e felicidades, ao que, com um embargo na garganta, agradeci e também desejei tudo de bom para elas. O resto da viagem não mudou de tom, a alegria até ali constante esvaíra-se como fumo. A guitarra foi posta de parte e não mais tocou durante o resto da viagem.

Recordo ainda hoje com muito carinho este trecho da minha vida, não me lembra o nome de nenhuma dessas raparigas, porque não fiz questão de o guardar, e já passaram muitos anos, mas esta viagem marcou-me profundamente, a estas jovens, que talvez tivessem a minha idade, desejo que tenham tido toda a sorte do mundo nas suas vidas e sejam muito felizes, porque este pequeno gesto tocou bem fundo todo o meu ser, este gesto nobre fez-me sentir bem pequenino perante tamanha grandeza.

Este gesto despertou a minha consciência para uma nova realidade sentimental que está presente em todos os seres humanos, à qual nunca até então tinha dado o devido valor, que é ser solidário, fraterno e amigo, para com quem precisa. E eu naquele momento precisava de verdade. Precisava de uma palavra amiga, de ânimo e conforto. Aquele silêncio comovido foi para mim sentido como que uma homenagem, um capítulo escrito num livro sem palavras e letras nenhumas, foi daqueles momentos de ouro que surgem uma vez na vida de cada homem, a que por vezes nem damos a devida importância, porque não é palpável nem o vemos, mas que nos marca profundamente, porque são silêncios vindos do mais puro dos sentimentos que todo o ser humano tem, que nem todos os barulhos do mundo os abafam e são suficientemente audíveis a muitos anos de distância, neste tal livro da vida sem palavras, sem letras, poucos gestos, apenas muita emoção e uma lágrima no canto do olho.

Esta viagem terminou na estação de Santa Apolónia, fisicamente, há quarenta e um anos. Porém, esta viagem, para mim, nunca terminará, vai continuar, não tem fim, apenas e só na última estação, no fim da linha, quando este comboio fantasmagórico, já velho, com todas as carruagens repletas de recordações e nostalgia percorrer toda a linha, com seu maquinista já vencido pelo cansaço, se deixar tombar com a mente adormecida num sono profundo.

Fernando Sousa
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Notas do editor

1 - Vd. poste de 14 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15251: Agenda cultural (429): Apresentação do livro de Fernando de Jesus Sousa, "Quatro Rios e um Destino", na Casa da Cultura dos Olivais, Lisboa, dia 24, às 16 horas

Último poste da série de 12 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14996: Bibliografia de uma guerra (77): Do meu livro "Paz e Guerra - Memórias da Guiné", excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné (2) (António Melo Carvalho, Coronel Inf Ref)

Guiné 63/74 - P15266: Notas de leitura (768): “Jarama", por Albino Barbosa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2014:

Queridos amigos,
Chega-se ao fim da obra com a sensação desconfortável de que o autor tinha bons fios para o enredo mas muita pressa em mandar o conteúdo para a tipografia. O ambiente é descrito com bastante sobriedade, é um quartel para os lados do Corubal, há colinas, ataques com foguetões e militares que vão para os abrigos com capacetes. Há perseguições de guerrilheiros durante dias, é aliás um dos dados curiosos da trama, a narrativa no verso e reverso.
Ficam-nos parágrafos empolgantes nesta obra que parece quer ficar no semianonimato, coisa estranhíssima.
Se fosse possível, gostava muito de conversar com Albino Barbosa, ouvir da sua boca o grande romance que ficou por escrever.

Um abraço do
Mário


Jarama, por Albino Barbosa

Beja Santos

Parece uma edição semiclandestina, diz que é edição de autor mas não há mais qualquer outro elemento de referência. Lê-se e somos arrastados pela singeleza, é certo e seguro que este autor patrulhou vezes sem conta à volta do Corubal, o título talvez devesse ser Djarama, palavra iconográfica dos Fulas, é provável que o autor tenha dúvida em chão Fula. Usava capacete, o que indicia que toda esta trama narrativa poderia ter tido lugar nos primeiros anos da guerra, noutros trechos parece que estamos no adiantado da guerra. Descreve o lado “amigo” mas também faz incursões junto do inimigo, há um ataque do PAIGC, há um comandante da força que flagela aquele destacamento e vê-se que é um homem estruturalmente convicto: “10 anos de combates, eram muito tempo na vida de uma pessoa. Mas tinha que continuar. Tinha consciência de que era a única forma de voltar em paz à sua terra, quando a guerra acabasse. Preferia sujeitar-se a todos os sofrimentos, a voltar à humilhação que era a convivência com os brancos em perfeita desigualdade de possibilidades”. Na sequência ocorre a flagelação, dentro do quartel a reação parece ser competente: “Tudo tinha sido preparado até ao pormenor, para a eventualidade de um ataque. O capitão dera instruções precisas e experientes. Os militares tinham sido instruídos minuciosamente. O canhão disparou algumas vezes, até que encravou. Os morteiros continuaram a fazer fumo conforme as indicações que se encontravam dentro dos espaldões”. O atacante retirou, com baixas e pouco antes do nascer do dia passaram para a outra margem do rio.

Mudamos de episódio, um especialista em minas e armadilhas está em plena atividade, é uma das descrições mais emocionantes do livro:
“Despiu a camisa, se houvesse alguma armadilha ligada com arames, daria por isso, ao contacto com a pele. Movimentos lentos, muito lentos, para ter tempo de parar sobre qualquer pressão. Ajoelhou-se, não sem primeiro, com as mãos, verificar se pisaria outra mina. Curvou-se. Soprou a areia. A mina continuava tapada. Começou levemente, com os dedos, a afastar areia em redor, devagarinho. À volta não havia fios.
Tocou-lhe com os dedos. Era uma mina de madeira. Pensou no que diziam os livros, mas tinha apenas a imagem de alguns desenhos numa folha de sebenta. Tentou recordar o nome dado esses engenhos. No essencial sabia como funcionava. Limpou a areia por cima até a ter à vista. Ali estava. Um caixotinho daqueles. Se rebentasse naquele momento, levava-lhe a cabeça, tal a forma como estava debruçado. Continuou a limpar à volta até aparecer o detonador, no topo. Finalmente o pior estava à vista. De que tipo seria o detonador? Não conhecia. Uma parte estava metida dentro do trotil. Se o puxasse devagar, talvez se soltasse… Hesitou. Respirou. Olhou à volta. Sentiu qualquer coisa indefinida. Estendeu-se ao comprido, com a cabeça sobre o detonador, até cheirar o explosivo. Levemente, e com a maior calma possível, esforçando-se por não tremer, aproximou o polegar e o indicador em tenaz. Envolveu o detonador. Rodou-o não mais que um milímetro, para um lado e para o outro. Sentiu-o quase solto do explosivo. Leve de mais. Experimentou puxá-lo. Devagar.
Obedeceu. Não lhe pareceu haver qualquer resistência ao movimento. Puxou-o mais. Devagar. Até que lhe viu a outra extremidade. Tirou-o para fora da caixa. Levantou-se. Olhou-o bem. Estava resolvido”.
Mas era uma mina muito traiçoeira, descobriu, depois de escavar à volta, outra mina, continuou a trabalhar friamente, mesmo com uma enorme dor de cabeça. Ficamos a saber que o seu nome é Serrano. A alimentação do quartel é muito deficiente, Serrano sente-se cativado por aquelas crianças de olhos grandes, negros, humildes, sem quaisquer traços de maldade. À volta do quartel há população constituída por Fulas e Mandingas, e sabemos que há uma parada onde se perfila uma pequena construção de cimento, encimada por uma figura de Nossa Senhora de Fátima.

Em nova sequência, temos uma perseguição das nossas tropas a uma força de guerrilha, a cadência aprece plausível, uma perseguição de vários dias é que não, ainda por cima numa marcha quase trepidante, perseguidos e perseguidores de quando em vez descansam, há para ali pequenas elevações, agora a marcha é mais cambaleante, ainda por cima por ali deambulam sob forte trovoada, seguem pelo trilho deixado pelos guerrilheiros, um helicóptero lança-lhes alimentos, mais adiante tropas de um outro destacamento vieram para revezá-los, eram tropas africanas. E do lado amigo passamos para o lado inimigo: “Estavam extenuados. Andavam há seis dias no mato. Quatro dias de perseguição violenta. Passar para o outro lado do rio Corubal. Só que para isso precisava de algum tempo. E a tropa deveria estar ao longo do rio a esperá-los. A companhia que os perseguia tinha recebido apoio do helicóptero. Talvez a recolha de algum ferido, pensaram. E ao fim do dia tinha desistido, voltaram para trás. No dia seguinte passaram sem dificuldade o rio”. Mais adiante há outra perseguição, ou talvez a consequência da anteriormente reportada, desta feita o inimigo reage com fogo, tem artilharia da outra margem do rio.

Mudamos de sequência, temos um capitão de 40 anos que casa com uma moçoila com pouco mais de 20, o capitão Barros e a Mariana. Esta irá deslumbrar-se com o alferes Félix, encontrar-se-ão em Bissau, os dois têm na face a cor da paixão. Ciente do que se passa, o capitão manda Félix para uma escabrosa operação, foi uma mortandade, veio-se a saber da perfídia do capitão, as coisas acabaram mal. História de amor mais delicada é a de Carlos que durante as férias encontrou Helena, em Setúbal, também se acende a paixão, quando ele regressa à Guiné ambos têm grandes planos.

Outra sequência, outra história, desta feita um ataque com foguetões. E depois continuam as obras para construir um heliporto, nesse momento apercebemo-nos que Carlos e Serrano estão no mesmo destacamento perto do Corubal. Chegam dois oficiais tirocinantes, o Alferes Quaresma e o Tenente Crispim, deles o autor traça uma água-forte. Quanto a Quaresma: “Muito magro, muito alto, cabelo liso. A farda nova, larga, dava-lhe o aspeto de uma carcaça ambulante. Os olhos simples e francos de homem bom. O enorme nariz, destoava. Quando se ria, ou quando dava ordens, viam-se-lhe apenas por baixo do bigode os dentes brancos”. Quanto ao Crispim: “Baixinho, musculoso, atarracado, cheio de ginete, extremamente complexado. Os complexos residiam no facto de ser extremamente baixo. Voz de galo capão, gostava de dar ordens. Gostava de se ouvir a si próprio. Como não conseguia impor-se pelo respeito, impunha-se pelo medo”. E seguem-se peripécias, os oficiais tirocinantes não ficam bem no retrato.

Há um episódio dramático à volta de duas viaturas que vão buscar água, seguiam relaxados, um ataque surpresa só poupou a Rafael, a descrição é muito equilibrada, caminhamos em fuga com Rafael e com o seu corpo brutalmente ferido.

Estamos perto do fim, Carlos sente-se massacrado por tanto sofrimento, vem de férias, está decidido a não regressar. E parte com Helena para o exílio.

É dentro destes quadros, por vezes voláteis, pouco articulados, que encontramos parágrafos de grande envolvência, Albino Barbosa não está a contar histórias, não é a voz de entreposta pessoa, viveu seguramente o que conta, refugiou-se numa estranhíssima edição de autor, nem sempre bem amanhada, ficamos com a sensação de que é um esboço de um romance a que faltou coragem ou disciplina para esculpir durante muitíssimo mais tempo. Paciência.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15257: Notas de leitura (767): “Como Deus me guardou”, por Agostinho Soares dos Santos, Edição de autor, Porto, 1990 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15265: Parabéns a você (976): Carlos Filipe Coelho, ex-Soldado Radiomontador do BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/74) e Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 3460 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15261: Parabéns a você (975): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533 (Guiné, 1969/71)

domingo, 18 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15264: Blogpoesia (421): Quero lavar minha alma... (J. L. Mendes Gomes)

Quero lavar meu corpo e minha alma…

por J.L. Mendes  Gomes



Quero lavar minha alma
Das manchas da minha vida,
Num rio de águas puras,
E, depois, secá-la ao sol.


Tantas foram que lhe caíram,
Umas minhas, outras de fora,
Que me desfiguraram,
Quase me desconheço.

Como eu era e o que sou.
Um caule tenro e puro,
Que prometia crescer tanto
E bem…
Tantas foram as tempestades,
Com granizo e trovoada,
Tantas foram as enxurradas,
Se esgaçaram as minhas vestes
E, remendadas, o meu corpo se desfigurou.

Banharei também este meu corpo,
Vou escanhoar a minha barba
E acertar estes cabelos.
Vou vestir uma camisa nova.
Com um terno e uma gravata.
Porei chapéu,
Tomarei esta bengala,
Em madeira fina,
Envernizada.
Me lançarei por outro caminho,
Serei o senhor que,
Nesta hora da vida,
Me cumpria ser…

Um amante apaixonado
Pelo sol e pela vida,
Irradiar sorrisos
E espalhar a alegria de viver
Em meu redor.
Vou-me converter ao bem,
Ser alguém por quem o mundo inteiro irá chorar,
Quando chegar a minha hora…


Ouvindo Chopin,
Manhã cinzenta e de chuva gelada.

Berlim, 17 de Outubro de 2015 | 9h30m

Jlmg

Joaquim Luís Mendes Gomes

[ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; vive habitualmente entre Berlim e Mafra; autor do livro de poemas Baladas de Berlim, Lisboa, Chiado Editora, 2013, 229 pp.]
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Nota do editor

Último poste da série > 10 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15231: Blogpoesia (420): Farol das Rosas (J. L. Mendes Gomes)

Guiné 63/74 - P15263: Libertando-me (Tony Borié) (39): Tal e qual lá na Guiné

Trigésimo nono episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 13 de Outubro de 2015.




Azul de Primavera

Há dias o nosso comandante Luís dizia-nos entre outras coisas que, há muita malta que já "arrumou as botas" e que nem sequer pachorra já tem para nos ler, preferindo o Facebook... e depois convidava-nos a falar dos diversos Comandantes-Chefes lá daquele território, que na altura estava em guerra.

Nós só conhecemos um deles, era o Schulz e, como ele menciona, não Schultz, como alguém o trata, referindo-se ao seu nome, nós com menor ou maior simpatia, só o vimos pessoalmente por duas vezes lá em Mansoa. Lembrámo-nos que tinha cara de “velho”, tal como nós nesta altura da nossa vida, por uma dessas vezes passou por Mansoa onde houve “rancho melhorado”, creio que a pedido do nosso comandante do Agrupamento, colocando uma “Cruz de Guerra”, no peito do Curvas alto e refilão, que se recusou a vir à então Metrópole, no dia 10 de Junho, ao Terreiro do Paço em Lisboa. Outra foi quando fez parte do comando que dirigia a partir de Mansoa uma operação militar que envolvia todos os ramos das forças armadas, à zona ocupada pelos guerrilheiros, no Morés, no Oio. Esta operação demorou três dias, ele ia e vinha de Bissau, de helicóptero, fazendo uma poeira terrível lá no aquartelamento, numa zona onde se iniciavam algumas obras, voando folhas, papeis e pó de cimento, ao ponto de todos nós maldizermos a sua presença.

Já chega de guerra, vamos contar coisas daqui, de fenómenos da Flórida, nós, os que ainda vamos sobrevivendo, creio que continuamos a ser aventureiros, queremos estar onde não estamos, por exemplo, vivemos aqui, numa área de sol, muito quente, onde às vezes “chove a rodos”, num clima que consideram subtropical, onde as águas de oceanos são quentes e, como tal, propensas a uma precipitação pesada, onde existem os tais ciclones tropicais, que podem contribuir para uma percentagem significativa da precipitação anual, por exemplo, nos nossos quintais, não estão plantadas, macieiras, pereiras, ou ameixoeiras, mas sim palmeiras, citrus, mangos, abacates, bananas ou papaias, pois estas espécies podem ser cultivadas dentro dessas regiões subtropicais.

Vão pensar que é agradável, mas temos que cortar a relva e outros arbustos todas as semanas à volta da casa, temos que ter o ar condicionado pelo menos seis ou sete meses por ano sempre ligado, mas no fundo é um risco relativo viver por aqui, pois estamos apenas a três metros e pouco, acima do nível do mar, o que quer dizer que se houver uma tempestade em que o mar se revolte, com facilidade atravessa este enorme estado da Flórida, que é plano, se cavarmos no solo, a vinte centímetros de profundidade aparece areia branca, não existe qualquer pequena ou grande montanha, e claro, a fúria da água do mar pode varrer tudo até ao Golfo do México, mas como dizíamos antes, continuamos a ser aventureiros.


Tudo isto vem a propósito de que aqui na Flórida visitámos um local quase no centro do estado, chamado “Blue Spring State Park”, que quer dizer mais ou menos “Parque do Estado Azul de Primavera”, onde existe uma nascente de água fresca, no meio de um canal de água salgada, que é um refúgio na época de inverno para uns simpáticos seres que se chamam “manatees”, que se alimentam, entre outras coisas de vegetação aquática, dizem que comem 100 libras (cerca de 45kg) de alimento por dia, que por aqui se refugiam procurando a água que brota do fundo do canal de água salgada, com temperatura por volta de 72 graus (cerca de 22º Celsius). A água é cristalina na zona da nascente, que vem de uma profundidade com algumas dezenas de metros, na área em redor da nascente pode-se ver o fundo do canal, tirando este pormenor da água cristalina, o cenário em redor, faz lembrar-nos a nossa “Guiné selvagem”, plantas, árvores, ramagem, pássaros, peixes com alguma dimensão, alligatores, que são uma espécie de crocodilos, que por aqui habitam, tudo nos mostra este cenário tropical, onde em tempos foi filmado um episódio da série de “Underwater World of Jaques Cousteau”.

É uma área com alguns quilómetros quadrados, de pura selva tropical, com carreiros abertos entre as árvores, em alguns locais, passadeiras protegidas, pequenas pontes em madeira sobre riachos, onde se pode ver e respirar a natureza pura, onde as cobras, alligatores, peixes ou pássaros exóticos, vivem no seu território, sabendo que os humanos os vêm mas não os perturbam, vimos vários alligatores ao sol, fora da água, aproximámo-nos para os fotografar de perto, um pássaro, em cima de uma árvore, “cantou”, como se fosse um aviso, os alligatores imediatamente se meteram debaixo da água, portanto os animais protegem-se, vivem em comunidade, as árvores com centenas de anos, algumas já morreram, caíram, mas continuam lá, onde as folhas secas, que vão caindo, as cobrem em sinal de respeito, como a protegê-las para a eternidade, tudo está limpo e arrumado, sem papeis, garrafas ou latas vazias pelo chão, sem pinturas murais, como é costume ver-se em qualquer zona urbana, que existem por aí, principalmente nas grandes cidades. Valeu a pena.

Tony Borie, Outubro de 2015
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Nota do editor

Poste anterior da série de 11 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15234: Libertando-me (Tony Borié) (38): A nossa farda amarela

Guiné 63/74 - P15262: Da Suécia com saudade (53): Relendo o livro do prof Patrick Chabal, "Amilcar Cabral: Revolucionary Leadership and People's War" (1983): o congresso de Cassacá (José Belo)

1. Mensagem de José Belo [ foto atual à esquerda: José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); atualmente é cap inf ref e vive na Suécia há quase 40 anos e mais ultimamente também nos EUA,em Key West, Florida]:


Data: 16 de outubro de 2015 às 22:20
Assunto: "Amilcar Cabral - Revolucionary Leadership and People's War"

Notas de leitura: Patrick Chabal, Professlor de "Lusophone African Studies" [Estudos africanos lusófonos], no King's College]. London, Cambridge University Press, 1983. (*)


Apesar de näo ser facilmente reconhecido pelos actuais derigentes do PAIGC, a importância do Congresso de Cassacá estava relacionada com os inúmeros abusos do poder militar por parte de muitos comandantes da guerrilha.

As decisões tomadas durante (e depois) do Congresso procuraram garantir que a estratégia militar a partir daí seria determinada por critérios políticos, e que as forças armadas seriam integradas e subordinadas à hierarquia política do partido.

Os grupos autónomos de guerrilha que actuavam separadamente em áreas distintas foram gradualmente sendo substituídas por um exército nacional, as FARP

A criacäo deste exército,capaz de ser deslocado por todo o território da Guiné, foi uma tentativa de ultrapassar os problemas graves do "localismo" que até então tanto tinha vindo a afectar as unidades autónomas da guerrilha.

As FARP eram compostas de 3 elementos distintos:

(1) -Exército Popular/EP, englobando os melhores e mais experientes combatentes da guerrilha, bem equipado e operando em todo o território. O seu objectivo principal era o de infiltrar áreas contestadas, aumentar o controlo local por parte do PAIGC e apertar o cerco aos campos fortificados portugueses.
(2) -A Guerrilha Popular/GP, que era constituída pelos restantes membros das anteriores forças de guerrilha, colocadas sob um novo comando, e recrutadas directamente entre as populações locais.
A sua missäo era a de proteger e manter as novas áreas libertadas.

(3) -A Milícia Popular/MP. Constituída pelos aldeöes mais activos e dignos de confianca.
Tinha como missão garantir a segurançaa das aldeiias face aos ataques dos portugueses. actuando também como força policial nas áreas libertadas.

Estas 3 formaçöes funcionavam em coordenaçäo (especialmente o EP e o GP) tornando possível colocá-las rapidamente sob comando militar único quando isto era necessário,.  tendo em vista operações maiores,tanto ofensivas como defensivas.

A unidade básica de combate das FARP era o "bigrupo", uma combinação de dois grupos independentes de 20 a25 homens que actuavam em geral coordenadamente, mas que também podiam actuar separados.Cada grupo dispunha de uma mistura de armamento ligeiro e pesado.

Adicionalmente foram formados grupos especiais de artilharia que podiam reforcar os grupos anteriores em caso de necessidade operacional.

Esta estrutura base de grupo e bigrupo foi mantida pela FARP durante toda a guerra.
Uma estructura flexivel veio permitir que vários bigrupos se juntassem em unidades de 200 a 300 homens.

Foram também criadas novas estruturas geográfcas e hierárquicas: Comandos Regionais para cada uma das frentes (norte,sul, e mais tarde leste), e  um Comando Central--Conselho de Guerra--que passou a ter o controlo directo de todas as operações militares.

Este Conselho de Guerra era constituído por um pequeno grupo de dirigentes do PAIGC sob o comando de Amilcar Cabral.

O Comando Regional torna-se a pedra base da nova organizacäo militar viisto estar em contacto constante com o Conselho de Guerra e com os escalöes menos elevados das extructuras mlitares (zonas,sectores,bi-grupos).

Qualidades e dedicacäo dos Comandos Regionais tornaram maiis efectiva toda a estratégia do PAIGC.

Criaram-se também unidades especiais treinadas no uso dos novos equiipamentos pesados que estavam a ser destribuídos pelos diferentes agrupamentos (baterias antiaéreas, calibre 75 e 120, etc).

(Continmua) (**)

Um abraço. José Belo

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Notas do editor:

(*) Vd. postes do Francisco Henriques da Silva sobre este livro:

1 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10745: Notas de leitura (434): "Amílcar Cabral Revolutionary leadership and people's war", por Patrick Chabal (1) (Francisco Henriques da Silva)

(...) Junto vos remeto uma recensão crítica dividida em duas partes do livro de Patrick Chabal, intitulado “Amílcar Cabral: revolutionary leadership and people's war”, Cambridge University Press, 1983, reeditado em 2003.

A obra, cujo conteúdo é bem conhecido, é uma das mais conhecidas biografias sobre o fundador do PAIGC, de que faz um retrato tão fiel quanto possível como homem e como líder político, muito embora não apresente grandes novidades.

É claro que o leitor tem de ficar de sobreaviso pois, a meu ver, trata-se do retrato de um marxista heterodoxo e pragmático que, por um lado, não obedece a cartilhas pré-concebidas e, por outro, um cabo-verdiano, de cultura portuguesa que, de algum modo, descobre e desenvolve a sua "africanidade" ao longo da vida, retrato feito por Chabal, cuja formação é igualmente marxista e que não esconde a sua simpatia pelas ideias e "praxis" de Cabral.

O livro assume particularmente importância pois divulga para o mundo de expressão anglófona, ou seja para um universo que não se restringe apenas aos luso-falantes, a figura e obra de Cabral. (...)

(...) O autor detém-se na análise do Congresso de Cassacá (1964) que visou reorganizar a estrutura militar, reformar e disciplinar o partido, reduzir a autonomia de certos grupos, coarctar os abusos de poder, exercer um firme controlo político sobre a condução da luta armada (a principal questão de fundo) e, finalmente, a organização civil das áreas libertadas. Todavia, o líder do PAIGC e o Congresso reconheceram, igualmente, a existência de outras questões relevantes: a etnicidade (ou seja, a fraca adesão dos fulas aos ideais da guerrilha, antes alinhando com as teses portuguesas) e problemas de índole cultural que suscitavam óbices à prossecução da luta. (...)

(...) Para além da narrativa biográfica, Patrick Chabal que estudou outros processos revolucionários de luta armada anticolonial em África, sobretudo em Angola e Moçambique suscita a questão essencial de se se saber por que razão é que a luta do PAIGC obteve maior êxito que a dos seus congéneres marxistas MPLA e FRELIMO. O autor pensa que aquele partido dispunha de importantes vantagens à partida: em primeiro, lugar, os demais movimentos nacionalistas guineenses desapareceram ou eram irrelevantes; em segundo lugar, existia uma organização melhor estruturada e uma mobilização mais generalizada do campesinato na Guiné em prol da guerrilha, susceptível de diluir as diferenças étnicas existentes e de estabelecer laços mais consistentes de unidade nacional; em terceiro lugar, subsistia um controlo político real de toda a actividade militar e, finalmente, o PAIGC estabeleceu uma administração minimamente eficaz nas áreas libertadas. Poderíamos ainda acrescentar que em contraste com os outros movimentos emancipalistas das ex-colónias portuguesas, o PAIGC dispunha de inegáveis trunfos diplomáticos que os demais não desfrutavam. Estes factores de diferenciação em relação aos outros movimentos de emancipação têm de ser sublinhados, estão na base do respectivo êxito e devem-se, em larga medida, à liderança de Amílcar Cabral. Por razões que o livro não adianta, nem poderia adiantar uma vez que não envereda pela futurologia, a evolução seria outra, já patente, porém, na gestão de Luiz Cabral e no golpe de Estado de “Nino” Vieira (golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980) a que Chabal alude de passagem. (...)


(**) Último poste da série > 9 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15223: Da Suécia com saudade (52): Em 1974, foi criticado, no parlamento, o fornecimento ao PAIGC, sob a forma de ajuda, de produtos como o tabaco e o álcool, considerados nocivos para a saúde e, em 1975, postos na "lista negra" (José Belo)

Guiné 63/74 - P15261: Parabéns a você (975): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15243: Parabéns a você (974): Mário Ferreira de Oliveira, 1.º Cabo Condutor de Máquinas Ref da Marinha de Guerra Portuguesa (Guiné, 1961/63)

sábado, 17 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15260: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (2): "Que todos os que teuerem escrauos de Guinee os baptizem"... (Ordenações manuelinas, decreto de 1/1/1521)... Em busca do rei (cristão ?) de Guandem e Sará (Carta régia de 17/6/1603).




Portugal > Assembleia da República > Legislação régia > Ordenações manuelinas > Decreto de 1 de janeiro de 1521 >  Que todos os que teuerem escrauos de Guinee os baptizem
Sem Entidade, Livro Livro V.

Nesta época, e mais concretamente em meados do séc. XVI,  um em cada dez lisboetas era escravo (c. 10 mil em 100 mil habitantes). E temos uma ideia relativamente rigorosa das humildes ocupações ou profissões: lavadeiras, aguadeiras, vendedoras, varredores de ruas,  moços de fretes... Em termos demográficos, representavam uma compensação muito importante pela perda de homens que partiam para "a aventura dos Descobrimentos"... No Algarve, com graves problemas crónicos de despovoamento, os escravos trabalhavavam na agricultura... Estima em 2400 o número de portugueses que partiam, por ano, definitivamente para o ultramar, durante o séc. XVI... Foi uma sangria demográfica brutal...

Grande parte destes escravos eram oriundos da Guiné  (vasta região da costa ocidental de África  descoberta e explorada  pelos portugueses, a partir da dobragem do cabo Bojador, em 1434, conseguida por Gil Eanas: grosso modo, a Guiné começava no rio Senegal, que separava os "negros" dos berberes "mouros" do deserto do Sará, e ía até ao atual golfo da Guiné,  designando portanto um território muito mais vasto do que a atual Guiné-Bissau, que,como é sabido, é do tamanho do nosso Alentejo...

O tráfico luso-africano de escravos nasce ou intensifica-se, segundo os  historiadores, com a criação, em 1448, da feitoria de Arguim, na costa da atual Mauritânia. E diz-se luso-africano porque os traficantes não eram apenas os portugueses mas também os africanos.... Na costa senegalesa, os portugueses trocavm cavalos por escravos. O cavalo dava aos traficantes uma superioridade militar imprescindível para o sucesso das expedições de captura de escravos no interior do continente... Mais do que o ouro, o comércio de escravos tornou-se, para os portugueses que partiam "para dilatar a fé e o império", a principal fonte de lucro... De qualquer a história da escravatura não é linear, nem poderá ser vista à luz dos nossos valores de hoje... Em países muçulmamos como a Mauritãnia a escravatura só foi abolida oficialmemte... em 1980. No caso de África, as suas consequências foram trágicas, e ainda hoje é não é pacífica a estatística da escravatura... Cristãos e muçulmanos foram os grandes predadores dos povos africanos, essa é uma verdade histórica indesmentível. Mas também é verdade é que sem os escravos negros de África não teria sido possível a colonização do Novo Mundo, as Américas (15 milhões ? 5 para a América do Sul, 5 para a América do Norte, 5 para a América Central/ Caraíbas)... LG





Portugal > Assembleia da República > Legislação régia >  Carta Régia, 17 de junho de 1603
Carta Regia com esclarecimentos ácerca do Rei e Reino de Guandem, Guiné | D. Filipe II (1598-1621), Livro 1603-1612.

Onde ficaria, na Guiné,  esse reino de Guandem e Sará cujo rei, Dom António Gundão, seria cristão  ? Não encontro qualquer referência nos meus livros de história nem na Net... [LG]

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15259: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (12): Eunice Borges é a única voz feminina desta antologia

1. Elemento gráfico da capa da brochura Caderno de Poesias "Poilão", edição limitada a cerca de 700 exemplares, policopiados, distribuídos em fevereiro de 1974, em Bissau. 

A obra é editada em dezembro de 1973, por iniciativa do Grupo Desportivo e Cultural (GDC) dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (A história do GDC dos Empregados do BNU remonta à I República: foi criado em 1924).

Considerada a primeira antologia da poesia guineense, esta edição deve muito à carolice, ao entusiasmo, à dedicação e à sensibilidade sococultural de dois homens:

(i) o Aguinaldo de Almeida, caboverdiano, funcionário do BNU, infelizmente já falecido; era o
coordenador da secção cultural do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU - Banco Nacional Ultramarino, Bissau;

e (ii) o nosso camarada Albano Mendes de Matos (hoje ten cor art ref; tenente art, GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74; "último soldado do império", é natural de Castelo Branco, e vive no Fundão;é poeta, romancista e antropólogo) [, foto à direita, em Bissau, em 1972/73].



2. Eunice Reis Borges ou Eunice Borges é a única voz feminina presente  nesta antologia (*), com o poema "Saí sem rumo" (pp. 24-25). Caboverdiana de nascimento, era na altura funcionária do Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria (SNECI), em Bissau.  Três poemas seus, "Mulher da minha terra" (**),  "O nosso soldado" e "Manta da minha mãe" figuram na Antologia poética da Guiné-Bissau / União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. - Lisboa : Editorial Inquérito, 1990,  pp. 259-261

EUNICE REIS BORGES
Natural de Cabo Verde
Funcionária do S.N.E.C.I.


SAÍ SEM RUMO

Saí sem rumo e nesse vaguear
Eu vi o mar e perguntei-lhe:
Que anseio guardas no peito
Que contra as rochas te atiras com furor?
Que mágoa te consome, que mansamente
Beijas a areía em noites de luar?
O mar respondeu-me:
-Amor !

Ó vento,  que sacodes as árvores com loucura
E na tua fúria pões tudo numa roda-viva
E às vezes és brisa meiga
Que afaga as flores com carinho,
Que mistério te faz assim?
- É o Amor!,
Disse-me o vento.

Ó Lua serena que no firmamento
Te escondes no meio das nuvens buliçosas
E o teu brilho se espalha em noites silenciosas,
Que indiscreta espreitas os beijos dos namorados,
A que deves tanta beleza?
E o Amor me diz:
- A Lua!

Então, sinto no meu peito
Um pulsar descompassado,
Um anseio,
Um tremor,
E todo o meu ser depois se acalma
E sinto que afinal
0 que em mim se estremece
É o Amor!
Porque, eu mesma, do Amor nasci!


In: Caderno de Poesias "Poilão". Bissau: Grupo Desportivo e Cultural (GDC) dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, 1974, pp. 24-25.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13997: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (11): Ah! Como sinto / Uma nostalgia imensa, / Quando me lembro / Do velho cais do Pigiguiti... (Manuel Ribeiro, natural de Cabo Verde, funcionário bancário)

(**) Vd. poste de 8 de março de  2006 > Guiné 63/74 - P598: Dia Internacional da Mulher (3): Referências e experiências vividas com as mulheres (ou bajudas) da Guiné durante a guerra (Mário Dias) e Mulher da Minha Terra, poema de Eunice Borges (Conceição Salgado)

(...) MULHER DA MINHA TERRA [, por Eunice Borges] [,seleção de Conceição Salgado]

Mulher da minha terra,
Mulher sofredora,
Mulher escrava,
Que só conhece deveres,
Vem!
Vem que já brilha
Para ti uma nova luz!
Vem de fronte erguida
E grita bem alto
Que ser mulher não é desdouro!
Vem!
Ser mulher não é ser fraca,
Ser mulher não é
Obedecer sem perceber,
Seguir sem conhecer o caminho,
Dar, sem receber
Não! Mulher da minha terra!
Vem!
Vem conhecer o teu valor
De ser mulher,
Deixa a ignorância
E vem aprender a ser mulher!
Vem!
Não precisas de adornos fúteis
Para seres bela
Mesmo coberta de farrapos.
Vem dar o teu contributo,
A tua palavra,
Até mesmo o teu olhar
Tem o seu valor como mulher!
Vem!
Mulher-criança!
Mulher-jovem
Mulher-mãe
Mulher velhinha,
Todas hoje unidas
No mesmo amor,
Vem glorificar
A Natureza que te fez
Mulher.

Eunice Borges
(nascida em Cabo Verde, descende das mais antigas famílias do arquipélago dos Bijagós)

Fonte: Antologia Poética da Guiné-Bissau (Lisboa: Editorial Inquérito, 1990)

Guiné 63/74 - P15258: Inquérito "on line" (10): O General António de Spínola, que chegou a Bissau a 22 de Maio de 1968, e pelo que me foi dado observar, foi um estratega militar, um homem de comando (Abel Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 14 de Outubro de 2015:

Caro Carlos Vinhal e Luís Graça.
Vou emitir a minha opinião, que é a minha verdade, sobre o tema em epígrafe, se me é permitido.

Abel Santos


Os três últimos Comandantes-Chefes da Guiné.

Em relação ao General Arnaldo Schulz pouco ou nada conheço dele, sei que foi um devoto admirador de Salazar, foi Ministro do Interior de 27 de Novembro de 1958 a 3 de Maio de 1961, que foi Governador e Comandante-Chefe da Guiné de Maio de 1964 até 1968 e que chegou a Bissau a 20 de Maio de 1964.
Como Comandante-Chefe nunca lhe senti a sombra, a minha Companhia nunca a visitou, ao contrário de outros, nunca tivemos o prazer da sua presença, pois os filhos gostam de sentir a presença dos pais com uma palavra amiga e encorajadora, que ajude a suportar o sofrimento por vezes atroz, provocado por uma guerra que não era a deles, mas sim de alguns.
A imagem que me foi transmitida por este homem, é de uma pessoa inerte, sem iniciativa, e que na hora crucial recuava, parecendo-me já nesse tempo com uma sensação de medo em relação à acção.

Em relação ao General António de Spínola, que chega a Bissau a 22 de Maio de 1968, e pelo que me foi dado observar, foi um estratega militar, um homem de comando, já que na sua óptica o comandante deveria estar onde estão os seus homens, saía para o mato, comia com eles, um homem que aparecia sem avisar nas unidades espalhadas pela Guiné, visitando os seus soldados, como ele gostava de apelidar, deixando embaraçados os oficiais, que tremiam só de ouvir o helicóptero no ar.
Conheci o Comandante-Chefe em Buruntuma, aquartelamento lá no cu de Judas, que visitou por duas vezes. Na primeira vez, a malta estava a jogar futebol e claro em tronco nu, quando aparece o héli no ar, o nosso capitão apressadamente manda os que jogavam uniformizarem-se mas entretanto o General já estava junto da malta dizendo que não era necessário, pois pessoal que está no mato não precisa de gravata, quero é falar convosco, saber como estão, se o vaguemestre vos alimenta bem, aí o pessoal sorriu, o General percebeu o significado do sorriso e, voltando-se para o nosso capitão, pediu para o levar ao depósito de géneros. Mais tarde fomos favorecidos com essa visita, pois o rancho melhorou substancialmente, foi quase uma hora de amena cavaqueira que aquele homem proporcionou aos seus comandados sem tibiezas ou formalismos bacocos, não mostrando ser aquele homem austero de que era acusado por quem não morria de amores por ele.


A segunda vez que nos visitou foi por altura de uma operação levada a cabo na nossa zona de intervenção e que requereu muito cuidado e concentração, que correu bem para o nosso lado, pois voltamos a marcar o nosso território, o General apareceu logo pela manhã cedo com todo o staff, e fazia-se acompanhar pelo comandante do sector que estava sediado em Nova Lamego, para se inteirarem de como tinha decorrido a dita operação. Encontrou o pessoal a descansar visto terem chegado de madrugada, pelas cinco horas. Tive oportunidade de assistir a uma cena caricata, o Comandante do Sector vendo uma arma (G3) suja com algum pó, rapa do bloco de apontamentos e perguntou a um camarada de quem era a arma, para identificar o soldado responsável pelo equipamento, visto que o material não se apresentava nas melhores condições, na óptica do oficial. O General deixou o pessoal perplexo quando perguntou ao Comandante do Sector o que pretendia fazer, o homem corou, ficou sem cor, e lá respondeu, meu Comandante repreender o militar responsável pelo seu equipamento visto o mesmo não estar em condições razoáveis de funcionamento. O senhor não faz nada, diz o General, esse homem está a descansar, quando acordar não vai ser preciso chamá-lo para limpar a arma e, para castigar, estou aqui eu, mas quando o fizer começo por Nova Lamego e acabo aqui em Buruntuma.

Por estas e outras atitudes é que ele tinha inimigos, pois queria junto de si homens corajosos, activos, e não pessoas inertes, e daí alguns serem recambiados para a Metrópole dados como incapazes na Província.
O General Spínola teve a coragem de desactivar alguns quartéis espalhados pela Guiné, veja-se o caso de Madina e Béli, sem qualquer interesse militar, e como estratega que foi, conseguiu para as tropas Portuguesas as vitórias que até aí não tinham conseguido.

Esta é a minha opinião sobre estes dois homens que foram meus Comandantes-Chefes.
Em relação ao General Bettencourt Rodrigues não me pronúncio, pois não possuo elementos para tal.

Um abraço.
Abel Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15256: Inquérito "on line" (9): Em 166 respondentes, 72% votaram em António de Spínola como "com-chefe" com a "melhor opinião"... Segue-se Bettencourt Rodrigues (8%) e Schulz (6%)... Cerca de 15% não sabe ou não escolheria nenhum dos três...

Guiné 63/74 - P15257: Notas de leitura (767): “Como Deus me guardou”, por Agostinho Soares dos Santos, Edição de autor, Porto, 1990 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2014:

Queridos amigos,
É a versatilidade de abordagens que enriquece a nossa literatura de guerra, com tantas peças na penumbra.
A mexericar num caixote lá na Feira da Ladra deparou-se um livrinho com capa insólita, pus-me a remexer, lá dentro vinha uma folha falando de livros bíblicos de ambos os testamentos. Sentei-me a ler o que nunca me fora dado ler, o testemunho de um cristão evangélico, tudo escrito com enorme simplicidade e indiscutível sinceridade, uma escrita amena onde a glorificação a Deus é permanente. A esvoaçar para o Divino fora me dado a conhecer o testemunho de alguns capelões, mas nada, nem por sombras, com o vigor desta fé.

Um abraço do
Mário


Como Deus me guardou:
O testemunho de um cristão evangélico na guerra colonial

Beja Santos

Isto de vasculhar sem desânimo nos caixotes da Feira da Ladra acarreta sempre resultados imprevistos, e alguns dão que pensar. É o caso de “Como Deus me guardou”, por Agostinho Soares dos Santos, Edição de autor, Porto, 1990. O autor tem obra feita, indica nesta edição de 1990 sete títulos: “Bíblia, ciência e vida”; “Maravilhas do Criador”; “Ufologia à luz da Bíblia”; “Tudo nos mostra que Deus existe”; “Onde está, evolução a tua ciência?”; “Falsas ciências do nosso tempo”; “Profecias, acontecimentos probabilidades”; “Nuclear apocalíptico”. O autor explica-se: “Este livro é um testemunho da misericórdia de Deus para comigo durante a guerra colonial”. 
Dá o seu testemunho para glorificar o nome do Senhor. É poeta e verseja assim:
“Ó Angola, negro diamante multifacetado
Como deves ser feliz e bela em tempo de bonança
Quisera eu conhecer-te noutras épocas diferentes
Mas entregaram-me uma arma automática FN
E uma seção de morteiros 81!”.

Embarcou em 24 de Julho de 1965. De imediato escreve: “Já li alguns capítulos da Bíblia e acabei de escrever à minha namorada”. E no dia seguinte, desabafa: “Que loucura! Um tempo maravilhoso e os homens a pensarem a matarem-se uns aos outros! Não foi para isso que Deus criou o ser humano”. Agostinho é furriel num pelotão de morteiros, viaja enfastiado e a 28 esclarece os seus leitores: “Hoje passei em revista a minha despedida na Igreja Evangélica de Picoutos. O irmão André Artur da Rocha era o servo escalado para o culto em causa e resolveu chamar-me. Durante a reunião, os irmãos estiveram a animar-me. Alguém leu o Salmo 91, onde diz que mil cairão ao teu lado e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido. Glória a Deus por tudo!”. Já se adaptou à rotina. Converteu-se em 9 de Dezembro de 1962, aos 19 anos de idade. Foi mobilizado para Angola em Abril de 1965. E assim chegam frente a Luanda, cidade a quem ele dedica uma ode. Desembarcam e vão para o Grafanil. Já sabe o itinerário: Caxito, Piri, Úcua e Vista Alegre. Vai descrevendo as povoações por onde passaram. E assim chegam à parada de Zemba, a sua futura casa. Está aqui o batalhão 770, o Agostinho faz parte do Pelotão Independente de Morteiros n.º 1021. Em Zemba escreve à namorada: “Saí hoje para dar proteção aos negros sapadores que efetuaram a colheita do café numa fazenda abandonada desde 1961”. Em 23 de Agosto dá a saber à sua Cindinha que vai para a sua primeira operação, escolta a artilharia, escreve. E temos a primeira nota do seu comportamento face à crueldade: “Em Mucondo deram-nos dois turras para transportamos até ao Zemba. Havia um soldado que queria cortar a orelha a um deles. À cautela fui dizendo que ninguém tocava nos prisioneiros”. Assisto a um sinistro e depois a outro: “Um soldado ao saltar de uma camioneta bateu com a coronha da arma no chão a qual disparou, matando-o quase instantaneamente. Recentemente, um soldado deu um pontapé numa espingarda que estava pousada no chão e ela disparou também atingindo mortalmente um outro soldado. O autor do chuto ficou afetado psicologicamente, coitado, não voltou a sair para a mata. Anda aqui a trabalhar na messe dos sargentos, quase só se ri e mais nada". De Zemba vão até um lugar próximo do rio Dange. À distância ouvem-se tiros. E em 15 de Outubro este acampamento é atacado. Voltam para Zemba. Refere as caçadas que se realizam nas redondezas e apresenta-nos o soldado “Terrinas”, assim designado por ser comilão, não sabia ler nem escrever, o Agostinho escrevia por vezes as cartas. Numa dessas missivas à mãe, Agostinho teve o devaneio de meter uma bucha dizendo que ele era conhecido por “Terrinas”. A mãe respondeu: “Olha, filho, fartámo-nos de rir! É assim mesmo! Olha pela tua vida, não te importes com o que dizem. Come e segue em diante!”. Agostinho arrependeu-se pela imprudência e cita a Bíblia. Anda por vários destacamentos onde há obras de Engenharia. Não gosta da expressão batismo de fogo e recorda o batismo de Jesus. Assim se passou o Natal e o Ano Novo. Critica as enormes colunas militares: “As picadas serpenteiam em volta das colinas. Às vezes acaba-se por passar bem perto do local onde já se passou anteriormente. É fácil nesses pontos a própria coluna envolver-se em tiroteio”.


Segue para Onzo, destacamento próximo de Nambuangongo, queixa-se dos tiros e dos mosquitos e de situações que podiam ter descambado numa tragédia como aquela companhia que ficara cercada num morro e cuja evacuação foi um verdadeiro ato de heroísmo. Os acidentes de viação sucedem-se, Agostinho é cada vez mais envolvido nas operações apeadas. Chegou a hora do batalhão 770 abandonar Zemba, o Pelotão 1021 fica, Agostinho vem passar férias à metrópole. Em Luanda encontra Levi que conhecera em Mafra, ambos estudavam a Bíblia, Levi pertencia à Igreja dos Irmãos de S. João da Madeira e Arrifana, Agostinho era membro da Assembleia de Deus do Porto. Em férias, foi à inauguração de uma Casa de Oração em Serralves. O regresso é muito doloroso e de Luanda até Zemba é uma verdadeira odisseia. Escreve de Cova das Pacaças, em 17 de Agosto de 1966: “Mais uma vez estamos a dar proteção à Engenharia. Desta vez, é de castigo. Os meus soldados embriagaram-se ontem”. No fim de Agosto escreve à sua amada dizendo que vai para um lugar mais pacífico, Portugália, no Nordeste de Angola, anda a ler o "Quo Vadis". Nova viagem e nova odisseia, rumam para o Grafanil, seguirão pela estrada de Catete, depois o Dundo, depois Nova Lisboa. O comboio prossegue a sua marcha interminável, passam por Silva Porto, finalmente Henrique de Carvalho. É daqui que se inicia a marcha para Portugália em território onde pontificam os interesses da Diamang. Agostinho gosta muito de Portugália, uma pequena vila antigamente conhecida por Chitato, a estrada que dá acesso à vila está ladeada por longos canaviais. Explica o porquê da presença da tropa: “As nossas instalações em Portugália já pertenceram às milícias da Companhia dos Diamantes. A certa altura, a população local exigiu a presença do exército português. Foi-me dito que houve problemas junto à fronteira em determinada altura e um dos elementos das milícias disparou uma rajada de metralhadora para os pneus da única viatura que possuíam. Os civis não queriam tropa daquela”. Agostinho descreve as redondezas, estão perto do Congo. Depois é despachado para Cassanguidi, a 80 quilómetros de Portugália e do Dundo, o pelotão vai repartindo. Mais incidentes, mais mortes. A comissão avança para o fim. Em Luanda descobre uma igreja evangélica. E regressa no paquete Vera Cruz. No regresso, descobre que já existe a ponte Salazar. A família e namorada estão à espera dele no Cais da Rocha do Conde de Óbidos. Em Julho de 1990, concluiu a passagem a limpo das suas memórias: “Deus tem-me dado tudo aquilo que necessito. Tem-me abençoado no lar, no emprego e nos estudos. Em toda a minha estada na guerra colonial eu pude ver a mão de Deus a proteger-me. Aqui neste livro contei somente a verdade, porque só a verdade glorifica o nome do Senhor”.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15241: Notas de leitura (766): "Botânica", por Vasco Araújo, editado pela Sistema Solar, 2014 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15256: Inquérito "on line" (9): Em 166 respondentes, 72% votaram em António de Spínola como "com-chefe" com a "melhor opinião"... Segue-se Bettencourt Rodrigues (8%) e Schulz (6%)... Cerca de 15% não sabe ou não escolheria nenhum dos três...


A. INQUÉRITO "ON LINE": "DOS 3 ÚLTIMOS COM-CHEFES DA GUINÉ, AQUELE DE QUE TENHO MELHOR OPINIÃO É...":


1. Arnaldo Schulz (1964/68) > 10 (6,0%)



2. António de Spínola (1968/73) > 119 (71,7%)





3. Bettencourt Rodrigues (1973/74) > 14 (8,4%)

4. Nenhum deles > 16 (9,6%)


5. Não sei / não tenho opinião > 7 (4,2%)


Votos apurados: 166 | 100,0%
Sondagem fechada 15/10/2015, 15h32

B. Comentário:

Reprodução, com a devida vénia, de um excerto de um entrevista de Alpoim Calvão ao jornal CM - Correio da Manhã, em que são referidos três homens que comandaram as NT no TO da Guiné e com quem o entrevistado trabalhou: Louro de Sousa, Arnaldo Schulz e António de Spínola. 

A entrevista foi conduzida pelo jornalista José Carlos Marques (que eu conheci na Guiné, em março de 2008) e foi publicada em 7/10/2012. Título e subtítulo: "O eterno guerreiro Herói da Guerra em África, Alpoim Calvão foi bombista do MDLP no Pós-25 de Abril. Conta em livro uma vida de batalhas"




O cmdt Alpoim Calvão numa tira da banda desenhada “Operação Mar Verde”,
da autoria de A. Vassalo [ex-fur mil comando Vassalo Miranda,
nosso camarada da Guiné], uma edição da Caminhos Romanos, 2012.

(...) Quando conheceu António de Spínola? 

- Conheci o então brigadeiro António de Spínola, que era o comandante-chefe e governador da Guiné, logo no aeroporto.  Foi-me apresentado por um amigo. Ele estava como sempre, impecável no seu monólogo e casaco aprumado. Não suava, era uma coisa formidável. Disse-me ele: ‘Sr. Comandante, espero que nos vamos entender muito bem’. E eu respondi ‘não sei se é possível, porque eu tenho três grandes defeitos: primeiro, sou oficial de marinha; segundo, não sou de cavalaria; e não sou do Colégio Militar’. 

Ficou um silêncio de morte, que ele quebrou ao rir-se à gargalhada. Fui colocado a comandar o COP 3 a Norte em Bigene. Tínhamos uma actividade de assaltos, operações, golpes de mão, patrulhas nos rios… Além dos fuzileiros tinha uma unidade do exército. Depois fiquei a chefiar as operações especiais no território. 

- Spínola alterou a estratégia da guerra. O que mudou? 

- A guerra teve uma continuidade, mas Spínola tornou-se mais agressivo. Intensificou as operações, mas também o apoio às populações. No COP3 fartei-me de fazer casas que eram entregues aos nativos. As populações gostavam mesmo do Spínola. Ele aparecia de helicóptero, com o ajudante, fosse onde fosse. Tinha um certo carisma, aparecia com o monóculo, luvas, camuflados retocados pelo alfaiate, fazia figura. Além dele, conheci dois outros comandantes-chefes na Guiné-Bissau. Louro de Sousa era um bom oficial do Estado-Maior, mas não tinha jeito nenhum para comandar as tropas. Arnaldo Schulz era muito inteligente, mas levava as coisas com mais calma. Para Spínola, para a frente é que era o caminho. Com Schulz eu fazia operações no Sul da Guiné, em que entrava na Guiné-Conacri e ele chegou a suspender-me os movimentos para não criar problemas. Só pude realizar esse tipo de operações cinco anos depois, com o Spínola, que me deixava fazer tudo. (...)
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Nota do editor:

Último poste da série de 13 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15246: Inquérito "on line" (8): O General Spínola foi uma figura controversa, e para ilustrar tal ilação, vou referir alguns aspectos que me sensibilizaram (José Manuel Matos Dinis)

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15255: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (1): a lei quando nasce é para todos...Um notável projeto da Assembleia da República, útil a todos aqueles que se interessam pela historiografia da presença portuguesa em África





Carta de Lei — prohibe fogos de artificio nas festas dos Santos
Sem Entidade, Livro 1603-1612

Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > 9 de janeiro de 1610 (Com a devida vénia)


Ficamos a saber, por carta de lei de 9/1/1610, ao tempo do rei Dom Filipe II (III de Espanha, Madrid, 1578-Madrid, 1621), que "brincar com o fogo", por ocasião das festas populares, podia ficar caro... Uma pena de degredo (para Angola e outros lugares de África, conforme a condição social do infrator), além de penas pecuniárias,  estava prevista para quem, em contravenção da lei, produzisse, vendesse ou lançasse fogo de artifício...

[Imagem à esquerda: Felipe III a caballo, óleo sobre lienzo, 300 x 212 cm, Madrid, Museo del Prado (tras la restauración hecha en 2011); autoria de Diego Velázquez y otros, 1634-35; documento do domínio público. Cortesia de Wikipedia]

Foi um rei da "monarquia dual", de triste memória, este tal Filipe II... Passou em Portugal uns meses, em 1619, de maio a outubro, mas devem ter-lhe rogado  tais pragas que adoeceu e nunca mais se restabeleceu, quando ia a caminho de casa, em Madrid,  vindo a morrer depois, em 31/3/1621, "de consciência pesada", no dizer da historiadora Fernanda Olival,  autora de uma sua recente biografia ("D. Filipe II, de cognome o Pio. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005, coleção "Reis de Portugal", 320 pp,)... (LG)


1. Sobre a Legislação Régia: digitalização da coleção de legislação portuguesa desde 1603 a 1910


A Assembleia da República possui na sua Biblioteca uma coleção de legislação nacional que se estende desde o início do século XVII até à implantação da República em 1910, a qual representa um legado histórico de grande importância nacional, mas que permanece desconhecido da maioria da população e mesmo da comunidade científica e académica.

Inserido nas comemorações do centenário da implantação da República e tendo como objetivo principal a divulgação desta informação a toda a comunidade, a Assembleia da República entendeu realizar um projecto de digitalização de toda esta documentação permitindo, através da constituição de uma plataforma Web, a difusão generalizada da informação destes três séculos de legislação régia.

Para a realização deste projecto foi constituída uma biblioteca digital da legislação régia, para o qual foram digitalizadas 76.575 páginas dos 94 volumes da "Coleção da legislação portuguesa" desde 1603 a 1910 e dos 5 volumes de uma edição fac-simile das "Ordenações Manuelinas" que D. Manuel I promulgou em 1521.

Foram ainda digitalizadas e processadas 2.309 páginas de índices, recorrendo à utilização de OCR (reconhecimento ótico de carateres) e à subsequente correção ortográfica, de forma a possibilitar tanto a pesquisa em texto livre na ortografia original, como a pesquisa, na ortografia moderna, nos campos da base de dados identificados como "Ato legislativo" e "Entidade".

A plataforma Web que integra e disponibiliza toda esta informação foi desenvolvida de forma a permitir um acesso rápido e fácil à documentação digitalizada, através de mecanismos de pesquisa simples e avançada, com base nos metadados de classificação das obras, nos metadados recolhidos das páginas de índices e no texto das páginas dos documentos. Ela permite ainda uma navegação intuitiva, quer nas páginas do documento original, quer nos índices, bem como a utilização de zoom para uma visualização do documento num formato de alta definição.

Por outro lado, esta plataforma disponibiliza também um módulo de impressão de página, multi-página e edição completa, permitindo ainda a realização de download de PDF para leitura dos documentos em off-line.

A realização deste projecto só foi possível graças à preciosa colaboração da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Biblioteca da Ordem dos Advogados que nos cederam para digitalização os volumes em falta na coleção.

Biblioteca da Assembleia da República, 2010-12-21

Ficha Técnica:

Presidente da Assembleia da República: Dr. Jaime Gama
Secretária-Geral da Assembleia da República: Conselheira Adelina Sá Carvalho
Diretor de Serviços de Documentação, Informação e Comunicação: Dr. Rui José Pereira Costa
Coordenador do Projecto: Dr. José Luís Martins Tomé
Execução do Projecto: Hints – Tecnologias de Informação, Lda. em colaboração com a
Metatheke Software Lda., empresa spin-off da Universidade de Aveiro
Calendário de execução do Projecto: Maio a Dezembro de 2010