III parte da história do nossa fotogaleria... Resumindo: estás óptimo, embora de cabelos já grisalhos, para um homem que há seis anos iam morrendo (e matando a mulher), debaixo de um camião TIR... Pois, o António é um grande lutador, um excelente contador de estórias, um grande conversador, um grande depositário das memórias do Gabu... Fico à espera que ele arranje tempo e disposição para nos contar as peripécias dramáticas que ocorreram na região do Gabu nos últimos meses antes do fim da guerra e que levaram, por exemplo, ao abandono de Quanquelifá por parte das NT... Nunca esteve no mato, em actividade operacional - segundo pecebi - mas pelos seus seus auscultadores passaram
muitas notícias classificadas... Esses tempos de Nova Lamego deixaram-lhe os nervos em franja... Há uns anos atrás senti necessidade de pedir apoio psicológico, considerando-se vítima de stresse pós-traumátcio de guerra... Apesar de referenciado pelo seu médico de família, chegou á conclusão que o processo é pouco ou nada amigável: é preciso arranjar testemunhas presenciais que testemunhem as situações relatadas, etc. Conclui, em suma, que é mais fácil a um camelo entrar no buraco da agulha do que um desgraçado de um cacimbado da Guiné obetrr psicológico por parte do Serviço Nacional de Saúde ou dos Serviços de Saúde Militares, ao abrigo da Lei nº 146/99, de 16 de Junho de 1999, que veio instituir o “apoio às vítimas de stress pós-traumático de guerra”.
Nos termos deste diploma, o conceito de “deficiente das Forças Armadas” passa a ser alargado ao cidadão português, militar ou ex-militar, que seja “portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar” , quer no teatro de guerra, quer no desempenho de missões humanitárias e de paz ou de acções de cooperação técnico-militar no estrangeiro.
Ao Estado cabe a criação de uma “rede nacional de apoio” às vítimas de stress pós-traumático de guerra, em no âmbito do Serviço Nacional de Saúde e do Sistema de Saúde Militar, em articulação com as organizações não governamentais (ONG). A essa rede incumbe “a informação, identificação e encaminhamento dos casos e a necessária prestação de serviços de apoio médico, psicológico e social”. Essa rede foi entretanto criada pelo D.L. nº 50/2000, de 7 de Abril, vindo a Portaria nº 647/2001, de 28 de Junho, estabelecer os termos do respectivo financiamento. (LG)
Texto do António Santos, com data de 24 de Junho de 2006:
No dia seguinte, começou a sobreposição, que durou uns quinze dias já não recordo bem. Os transmissões e os condutores foram emprestados à CCS do BCAV 3854 para entrar na escala de serviço da mesma, assim como já era feito pelo pelotão que fomos render.
Nós, os transmissões, fomos apresentados ao Alf Mil de Trms, Pinto Ferreira, que foi um excelente chefe: confiava nos seus homens, nunca o vi valer-se dos galões... Eu fui para o posto rádio mexer em aparelhos que na especialidade nunca tinha visto, como o AN-GRC-9, por exemplo: era utilizado quase sempre em grafia, mas também era muito bom para fonia principalmente para ouvir notícias e relatos de futebol.
Dois ou três dias depois ao chegar ao posto de rádio para mais umas lições, fui enviado para o centro de mensagens, porque o camarada Vasco, que estivera lá, não se adaptou às cifras e códigos... Fui e fiquei até receber o meu pira, sim!.. Dois meses e uma semana depois de acabar a comissão e já depois do 25 de Abril, ainda recebi rendição, exactamente no dia 24 de Julho de 1974 , portanto faz hoje 32 Anos.
A velhice lá partiu de regresso às suas vidas e nós ficámos a contar os dias e a entrar na rotina. Faltava-nos conhecer o mauzão de Nova Lamego, o 2º comandante do BCAV 3854... Tinha que ser de cavalariam, viemos depois a saber o seu nome: Martins Ferreira, de alcunha Hitler... embora o comandante, esse, é que tinha (tem) nome a atirar para o alemão, de seu nome completo António Malta Leuschner Fernandes, Ten-Cor de Cavalaria... Era um tipo completamente diferente, tinha os seus dias mas na maioria deles era bastante calmo... O Hitler berrava com toda a gente, só não berrou com o actual Coronel Marcelino da Mata, mas isso é história para mais tarde.
Após a formatura e o blá blá para os praxados, sempre os mesmos, lá fomos para um palacete com pouco tempo de construção mas vazio, sem camas, situação que se manteve por uns dias. Aí chegados apareceu o bendito do homem encarregue do SPM e aquilo é que foi um distribuir de cartas, acumuladas, situação que nunca mais se repetiu durante os dois anos que se seguiram.
Estava eu de costas viradas para a porta sentado em cima de um dos meus chouriços (saco com parte da mobilia), a ler com sofriguidão as notícias que as primeiras cartas em solo Guinéu me davam conta do meu pessoal em Portugal, que nem prestava atenção às notas de cem escudos que vinham por entre a correspondência e que eu, parvo ou talvez inocente, na resposta dizia que não era preciso enviarem dinheiro porque era tudo muito bom, a comida era do melhor e não nos faltava nada (tenho a certeza que a grande maioria do pessoal dizia o mesmo)... Então não é que acreditaram e muito raramente chegava uma notita!... E a falta que elas vieram a fazer, tanta bazuca que ficou por ser bebida... Pelo que nos tempos que se seguiram quando recebia uma, o Rei fazia anos.
Nisto ouvi uma voz que me pareceu conhecida:
- Está aqui alguém de Lisboa ? - Olhei para trás, porque de Lisboa ou eu ou o Graça, e era o Gregório Gil Gaudêncio, um amigo de alguns anos, que eu nem sabia estar por ali, pertencia à CCAÇ 3565, que foi uma companhia de apaga-fogos, fogueiras e até incêndios, e talvez o maior, em 1973, que foi construir de raíz, do nada, um destacamento em pleno Cantanhez, foi obra.
Acto contínuo grande abraço e convite a largar as cartas, pois tinha muito tempo para as ler, experiência de velhinho com 3 meses daquelas andanças... Lá fomos conhecer os cantos à cidade, leia-se, cafés e afins, beber umas cervejas, estava no início e ainda não era artilheiro com especialidade para bazucas, mas ganhei experiência rapidamente.
Nova Lamego, escrevo sempre assim, porque na época Gabu Sara era a zona administrativa, funcionava como espécie de Distrito, da qual Nova Lamego era a Capital, o administrador era Cabo Verdiano, de seu nome Salomão, embora a região do Gabu, muito mais ampla, já existisse antes dos Portugueses chegarem aquelas paragens, e é o nome actual, como todos sabemos.
Nova Lamego ao tempo era um terra pequena embora fosse considerada como a 3ª mais importante da Guiné, depois de Bissau e Bafatá. Tinha um hospital civil, um cinema, uma cadeia, uma igreja católica, e uma mesquita tudo à dimensão da terra.
A velhice lá partiu de regresso às suas vidas e nós ficámos a contar os dias e a entrar na rotina. Faltava-nos conhecer o mauzão de Nova Lamego, o 2º comandante do BCAV 3854... Tinha que ser de cavalariam, viemos depois a saber o seu nome: Martins Ferreira, de alcunha Hitler... embora o comandante, esse, é que tinha (tem) nome a atirar para o alemão, de seu nome completo António Malta Leuschner Fernandes, Ten-Cor de Cavalaria... Era um tipo completamente diferente, tinha os seus dias mas na maioria deles era bastante calmo... O Hitler berrava com toda a gente, só não berrou com o actual Coronel Marcelino da Mata, mas isso é história para mais tarde.
Após a formatura e o blá blá para os praxados, sempre os mesmos, lá fomos para um palacete com pouco tempo de construção mas vazio, sem camas, situação que se manteve por uns dias. Aí chegados apareceu o bendito do homem encarregue do SPM e aquilo é que foi um distribuir de cartas, acumuladas, situação que nunca mais se repetiu durante os dois anos que se seguiram.
Estava eu de costas viradas para a porta sentado em cima de um dos meus chouriços (saco com parte da mobilia), a ler com sofriguidão as notícias que as primeiras cartas em solo Guinéu me davam conta do meu pessoal em Portugal, que nem prestava atenção às notas de cem escudos que vinham por entre a correspondência e que eu, parvo ou talvez inocente, na resposta dizia que não era preciso enviarem dinheiro porque era tudo muito bom, a comida era do melhor e não nos faltava nada (tenho a certeza que a grande maioria do pessoal dizia o mesmo)... Então não é que acreditaram e muito raramente chegava uma notita!... E a falta que elas vieram a fazer, tanta bazuca que ficou por ser bebida... Pelo que nos tempos que se seguiram quando recebia uma, o Rei fazia anos.
Nisto ouvi uma voz que me pareceu conhecida:
- Está aqui alguém de Lisboa ? - Olhei para trás, porque de Lisboa ou eu ou o Graça, e era o Gregório Gil Gaudêncio, um amigo de alguns anos, que eu nem sabia estar por ali, pertencia à CCAÇ 3565, que foi uma companhia de apaga-fogos, fogueiras e até incêndios, e talvez o maior, em 1973, que foi construir de raíz, do nada, um destacamento em pleno Cantanhez, foi obra.
Acto contínuo grande abraço e convite a largar as cartas, pois tinha muito tempo para as ler, experiência de velhinho com 3 meses daquelas andanças... Lá fomos conhecer os cantos à cidade, leia-se, cafés e afins, beber umas cervejas, estava no início e ainda não era artilheiro com especialidade para bazucas, mas ganhei experiência rapidamente.
Nova Lamego, escrevo sempre assim, porque na época Gabu Sara era a zona administrativa, funcionava como espécie de Distrito, da qual Nova Lamego era a Capital, o administrador era Cabo Verdiano, de seu nome Salomão, embora a região do Gabu, muito mais ampla, já existisse antes dos Portugueses chegarem aquelas paragens, e é o nome actual, como todos sabemos.
Nova Lamego ao tempo era um terra pequena embora fosse considerada como a 3ª mais importante da Guiné, depois de Bissau e Bafatá. Tinha um hospital civil, um cinema, uma cadeia, uma igreja católica, e uma mesquita tudo à dimensão da terra.
Guiné > Zona Leste > Nova Lamego > 1972 > No Cine Gabu, da esquerda o Gregório Gil Gaudêncio, o António e o Graça (mais tarde seu compadre, padrinho do seu filho Pedro).
Guiné > Zona Leste > Cine Gabu > O preço do bilhete de cinema era, na época, de 10 pesos... segundo o António Santos... Tal equivalia a quatro maços de tabaco, de tipo SG Filtro (que custava 2$50 cada maço)...
Foto: © Afonso Sousa (2005).
No entanto em termos militares era o inverso, ao sector L3, estavam atribuídos na época: Caop 2, Pmc, a CCS do BCAV 3854, com as suas 3 Companhias de Cavalaria (3404, 3405 e 3406), a CCAÇ Independente 3565, a CCAÇ5, 1 Pelotão de Obuses, 1 Pelotão de Rec Daimler, 1 Pelotão de Morteiros, 1 Pelotão AAA, 8 Pelotões de Milícias e, em 1973, 3 Pelotões de GE Milícias, estes treinados em NL pelos homens do então Alferes graduado Marcelino da Mata. E mesmo assim os turras escorregavam por entre os dedos do pessoal.
No dia seguinte, no local do quartel novo de NL, lá vou para o reforço, posto de vigilância que ficava no canto direito junto à estrada alcatroada e as moranças a 100 metros ou pouco mais do arame farapado ... Soube mais tarde que foi uma partida do Hitler, ele gostava de pregar cagaços aos piras, mas esta podia ter-lhe saído caro (pelo menos, moralmente), como se verifica mais à frente...
Mas tambem não é menos verdade que quem se lixa é sempre o mexilhão... Eu que não tinha nenhuma experiência de reforços, nunca antes os fizera - idem para os dois camaradas designados para o posto - chegada a hora lá fomos, os três trms, todos porreiros... Digo fomos porque entretanto convenci o Graça a fazermos os dois turnos seguidos, porque ele estava a passar um mau momento psicológico e com a companhia um do outro a coisa passava melhor...
Conversámos durante algum tempo, não me lembro hoje do quê, até que o amigo Graça adormeceu e lá fiquei sozinho a olhar para o arame e para as moranças, não fosse sair de lá algum turra, tudo isto iluminado por holofotes alimentados por um gerador... Junto ao posto tínhamos uma vala e um abrigo com uma Breda, nas paredes da vala estavam embutidos bidões, ou parte deles, com cunhetes de munições, granadas de vários tipos, enfim uma fartura a constratar com a falta de balas de G-3 na viagem de Bissau para NL (1).
No arame farpado havia aqui e além garrafas de cerveja penduradas aos pares, ainda não tinha percebido bem para quê, mas não demorou muito pois um esquilo saltou para o arame, as garrafas tinlitaram, assustei-me, saltei para a vala e agarrei na Breda pois o instinto dizia-me que aquilo não era assunto para a minha G-3... No meio disto tudo tive calma suficiente para tentar perceber o que se passava e acabei por não carregar nos botões da Breda... Mas que esteve quase, esteve!.. E pronto foi... o meu 3º cagaço! (1)
______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXIV: Nunca digas jamais (António Santos, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego)
29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXI: Os cagaços de um periquito a caminho do Gabu (A. Santos, Pel Mort 4574/72)
24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P892: Memórias de Nova Lamego com o Pel Mort 4574/72 (A. Santos)
Conversámos durante algum tempo, não me lembro hoje do quê, até que o amigo Graça adormeceu e lá fiquei sozinho a olhar para o arame e para as moranças, não fosse sair de lá algum turra, tudo isto iluminado por holofotes alimentados por um gerador... Junto ao posto tínhamos uma vala e um abrigo com uma Breda, nas paredes da vala estavam embutidos bidões, ou parte deles, com cunhetes de munições, granadas de vários tipos, enfim uma fartura a constratar com a falta de balas de G-3 na viagem de Bissau para NL (1).
No arame farpado havia aqui e além garrafas de cerveja penduradas aos pares, ainda não tinha percebido bem para quê, mas não demorou muito pois um esquilo saltou para o arame, as garrafas tinlitaram, assustei-me, saltei para a vala e agarrei na Breda pois o instinto dizia-me que aquilo não era assunto para a minha G-3... No meio disto tudo tive calma suficiente para tentar perceber o que se passava e acabei por não carregar nos botões da Breda... Mas que esteve quase, esteve!.. E pronto foi... o meu 3º cagaço! (1)
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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXIV: Nunca digas jamais (António Santos, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego)
29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXI: Os cagaços de um periquito a caminho do Gabu (A. Santos, Pel Mort 4574/72)
24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P892: Memórias de Nova Lamego com o Pel Mort 4574/72 (A. Santos)