domingo, 25 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5156: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (6): O périplo da 816 em dois anos de Guiné - Bissorã




1. Mais uns salpicos do Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, enviados em mensagem do dia 23 de Outubro de 2009:




BISSORÃ – OLOSSATO – MANSOA
O périplo da 816 em 2 anos de guerrilha na Guiné Portuguesa


BISSORÃ (I)

- 8 de Junho de 1965 a 26 de Setembro de 1965 -

Depois de 13 dias em Brá, após termos chegado a Bissau (26 de Maio de 1965), e eu em cima de uma Mercedes militar, sentado sobre os dois sacos de campanha e com a G3 entre as pernas, junto à minha Secção, rumamos a Bissorã logo de manhã cedo. A operacionalidade da Companhia começaria aí. Um amigo deixado em Brá, aquando dos preparativos para a saída, ainda me perguntou para onde ia. Para Bissorã, disse eu. Manga de chocolate, respondeu ele. Fiquei a magicar: Manga de quê? De chocolate? Que c…..o quis ele dizer? Não percebi, nem houve tempo a especificações. Quem inventou o termo chocolate com aquele propósito? Nunca cheguei a saber. Manga, sim: manga de ronco, manga de banana, manga de catota, manga de arroz, etc., etc. Manga já era do puro crioulo.

Depois de uma breve paragem em Mansoa onde os quadros ouviram da pessoa do Comandante Operacional da zona, das vicissitudes que nos aguardavam, lembro-me dele dizer que dali para a frente era de esperar de tudo: minas, fornilhos emboscadas, etc., logo uma Secção põe-se a picar à frente e o resto do Grupo de Combate, apeado, formando 2 colunas, uma em cada lado da estrada, que aqui já era em terra batida (vulgo picada). O resto da Companhia, mais alguns penduras, em progressão auto. Viagem paulatina por causa das picas, já se vê.

Camba aqui, camba acolá e entramos em Bissorã. Primeiro, umas poucas moranças do lado direito indiciavam o aproximar da povoação, mais à frente, do lado esquerdo, chamou-me a atenção um canteiro largo e redondo arrelvado-meio careca, com um pequeno busto em monumento (foto adiante)

Foto 1 > Militares da 816 junto de um pequeno monumento a Honório Barreto em Bissorã

Logo do lado direito, casas à moda das da metrópole, em alvenaria ou tijolo e com telhas cerâmicas e uma estação de correios com grandes letras vermelhas a denominar o edifício. A seguir, um edifício majestoso - relativamente - com alpendre e colunas e com uma elegante escadaria a meio. Vim a saber que era o edifício da Administração (espécie de autarquia de Bissorã). Fiquei admirado: Bissorã não parecia ser assim tão atrasada.

Foto 2 > Edifício dos Correios em Bissorã

Foto 3 > Edifício da Administração em Bissorã

Bissorã, é, dentro da província guineense, uma povoação mediana, com algum comércio, relativamente bastante populosa. Cerca de dois a três mil indígenas, talvez. Brancos da metrópole não havia, pois por certo, com o começar da guerra foram regressando a Portugal continental, naturalmente. Viam-se no entanto alguns brancos, poucos, na maioria Libaneses, (do Líbano? Como vieram ali parar? Interroguei-me eu) que viviam da exploração do comércio e do… preto.

Foto 4 > Vista aérea de Bissorã

A população indígena era composta de várias raças ou etnias das muitas que existem na Guiné - terra tão pequenina e com tantos usos e costumes! (outra grande surpresa) -. Assim, por lá havia da Mandinga, Fula, Balanta e pouco mais, com predominância da primeira. Habitam nas suas moranças - construção em blocos de um barro (?) escuro feitos de modo artesanal e cobertas a colmo (?) bem inclinado, supõe-se por causa da água das chuvas escorrerem bem -.
Cada raça tem o seu tipo de cultura e o seu tipo de religião; tinha o seu próprio bairro e a este dava-se o nome de Tabanca que tinha o seu próprio chefe: o Chefe da Tabanca ou Régulo.

Foto 5 > Carta topográfica da zona de Bissorã

Só para ver as diferenças que existiam entre etnias, havia aquela que no dia de enterrar o morto era uma festa de arromba com matança de vaca e tudo, e noutra, mesmo ao lado, chorava-se e lamentava-se de forma comovente o infeliz. Uma enterrava o morto em pé (!) à porta de casa; um buraco redondinho e com a altura do morto (fato por medida), outra levava o morto para longe com posição do corpo enterrado e zona bem referenciados. Mas havia respeito mútuo lá isso havia. Uma raça, a Mandinga, não bebia vinho nem comia carne de porco e outra mesmo ao lado não bebia vinho porque… não o tinha (havia outros álcoois - o vinho de palma por exemplo -) e a carne de porco só a custo e pelo custo, ao Domingo, pois não dava para mais. Cada etnia ou raça seu costume e seu uso.

De Bissorã divergiam várias estradas (leia-se picadas). Para Mansoa, a primeira a conhecermos, pois chegamos daquele lado; para Olossato e que dava acesso também à pista de aviação e mais adiante a carreira de tiro, e ainda mais adiante ainda o Poilão de Maqué, ao que se dizia ser o maior da Guiné; a que dava para Mansabá com Morés ali por perto. A que ia para Barro (lado norte) e a que ia para a outra banda após travessia da ponte do rio Armada, afluente do Cacheu.

Voltando à nossa chegada a Bissorã, logo atravessado o cavalo de frisa, muito perto do canteiro redondo e ajardinado atrás referido, e com os velhinhos da 643 dos Águias Negras a aparecer (Companhia ali sediada já a um tempo), entramos na rua principal onde se iria instalar praticamente toda a 816.
Do lado esquerdo, logo a seguir ao cavalo de frisa ficou a casa que serviria aos Oficiais, mais abaixo e ainda do lado esquerdo, o barracão (outrora armazém de madeiras?) que serviria à caserna dos soldados. Sensivelmente em frente a este, as cozinhas e o refeitório dos soldados tudo feito em tábuas e troncos de palmeiras. Ainda do lado direito a Secretaria do nosso Primeiro, também em casa de alvenaria ou tijolo.

Viam-se por lá muitas casas idênticas às nossas, normalmente térreas, e, claro, essas eram ou foram habitados por brancos.
Mais abaixo, um quiosque-bar feito em madeira, pela 643 suponho, que servia principalmente bebidas frescas. Ai aquela cerveja fresca pelas goelas abaixo quando chegávamos do mato! Nem perdíamos tempo a tirar a G3 pendurada ao ombro, não era amigo Vieira?

Nós, os Sargentos, depois de uma tentativa de alojamento numa pequena casa térrea já muito degradada, atrás do mercado e com chão de terra, (parecia mais um curral), acabamos por ficar numa bela casa com alpendre suportado em colunas e de construção ainda muito nova e com muitas dependências. Em frente a esta e no meio da estrada um fontenário (!) a preceito.

O comércio era constituído, na maioria por lojas de panos e miudezas. Existe lá uma bonita e elegante Capela, de linhas sóbrias, com o seu quê de arquitectura actual, com bonitas imagens, entre elas a da Senhora de Fátima.
Ao domingo havia sempre lá missa desde que o Capelão (o Capelão que gostava muito de jogar Vólei) estivesse em Bissorã.
Este, como tinha de dar a volta por todo o Batalhão, que se distribuía por diversas povoações como Olossato, Mansoa, Mansabá, Encheia, Cutia, etc., só de tempos em tempos é que aparecia por lá. O que muito me fez admirar era que a missa era presenciada por muitos nativos, com alguns a participar activamente (acólitos) daquele acto religioso. Ficaria a saber que na Guiné haviam também nativos fieis à religião Cristã (poucos). Grande parte era muçulmana. E a maior parte nem uma coisa nem outra. Chegou-me a intrigar a postura daqueles ao pôr-do-sol. Crença e respeito absolutos.

Foto 6 > Igreja cristã de Bissorã

Havia também um amplo mercado onde se vendia de tudo. Predominavam os transistores e outros aparelhos de som e música. Frutos e sementes espalhados por o chão também. Os artigos eléctricos iam buscar ao Senegal diziam.
O pai da Rosa, minha lavadeira, lá estava, sempre com muita tralha à frente. Um dia desconfiaram dele e deram-lhe cabo do toutiço.

Tínhamos um campo de futebol, propriedade do clube local Atlético de Bissorã e outro de Voleibol, onde nos entretínhamos de vez em quando a jogar e a alhearmo-nos por momentos da guerra (se é que fosse possível). No Voleibol não posso deixar de recordar aquele mulato forte, de meia-idade, cabo-verdiano, que era a pessoa do Administrador de Bissorã (espécie de regedor de freguesia), pessoa muito simpática, que tinha a admiração de todos e que era um ferrinho, sempre ao fim da tarde, para alinhar em uma das equipas. Dos nativos não havia opinião dele (medo, adiante…)

Foto 7 > Uma equipa da 816 no campo de futebol do Atlético de Bissorã. 1.º plano: Carneiro, Rui, Vieira e Tavares – 2.º plano: Paiva, Nelito, Baião, Martins, Correia e Belchior

Em casa do libanês, senhor Rui, em frente à casa dos sargentos, havia um pezinho de dança de vez em quando. Nem tudo era mau, não senhor.
Perto da povoação passava um rio, um afluente de um dos principais rios da Guiné: o Cacheu. Este rio dividia Bissorã da outra banda. Era o rio Armada

Foto 8 > Crepúsculo no rio Armada

Por lá se entretinha um ou outro tropa, a tomar banho ou a pescar, a pescar não sei o quê, pois não se constava que andasse por ali peixe, e a julgar pela a água barrenta…, só se fosse algum alfaiate que por ali passasse desprevenido (disse alguém de passagem).

Íamos comer a casa do senhor Maximiano, um veterano cabo-verdiano, cuja mulher, a D.ª Maria, era a patroa e era uma simpática senhora, sempre muito atenciosa. Aqui no tacho, lembro-me do Baião, que comia na minha mesa, que ao vermos tão abundante prato à sua frente perguntávamos-lhe se ele estava a fazer um abrigo. Este camaradão, já falecido, não demorou a fazer o cerco à filha do senhor Maximiano (tendências). E um macaco grande sempre preso à porta da tasca, propriedade de um militar da 643. Senti os dentes dele enterrados numa perna pois metia-me sempre com ele, só que uma vez distraí-me.

Foto 9 > Uma refeição no restaurante do senhor Maximiano em Bissorã

Bissorã era assim uma terra simpática só que a sua população estava (para nós) longe de o ser. Sabia-se, e fomos logo informados pela 643, que entre a população havia muito turra e pró-turra (estes a levarem arroz e informações ao inimigo, tudo feito mais do lado da outra banda. O que a tropa fazia (saídas) havia carteiro à frente. A gente que vivia aqui (outra banda), estava a umas centenas de metros do centro de Bissorã, daí alguma liberdade de acção. Os “ÁGUIAS NEGRAS” então, não gostavam nada daquela gente. Tiveram um acidente pouco depois de chegarem a Bissorã, logo à saída da povoação, em que um militar terá perdido uma perna, e chegaram à conclusão que a que isto só podia ter acontecido por mensagem de um Carteiro adiantado.
Bissorã estava cheia de bufos e informadores que colaboravam com o inimigo. Sabia-se e sentia-se isso, e como com o tempo se foi constatando. O olhar de muitos deles era feito de lado, e com dureza, a pressupor que não seríamos persona grata por aquelas paragens.

A nossa estadia em Bissorã coincidiu com o tempo das chuvas. Estas aparecem por volta de Junho e prolongam-se até Outubro. Chove muito. Autênticos tornados, com muita trovoada à mistura. É realmente muito diferente da metrópole. Relampeja muito. Os raios parecem fender o céu em toda a sua extensão, o que impressiona, mas… como estávamos mentalizados para a guerra e a viver com ela, que intempérie poderia aparecer, que nos fizesse assustar?
Como eu gostava de ver cair a chuva em torrente, acompanhada de relâmpagos e consequentes trovões, da janela do meu quarto, olhando, absorto, esquecido da guerra, aquele espectáculo que a natureza proporcionava! Aquela chuva era uma dádiva do céu naquela tórrida temperatura. Com que prazer a sentíamos no corpo quando jogávamos à bola!
Só havia jogo quando chovia!
Recordo-me, dum jogo de futebol, em que chovia tanto tanto que se formou uma espessa toalha de água em todo o campo. Chovia torrencialmente e as quedas seguidas de escorregadelas da malta, sucediam-se umas atrás das outras. Por isso havia muita risota, pois de vez em quando via-se um despistado a deslizar uns bons metros e em posição, qual acrobata, e muitas vezes a atropelar um que até não tinha nada a ver com a jogada e a entrar em despiste também.
Por vezes entrava o jogador na baliza e a bola ficava de fora como a rir-se

Foto 10 > Lavadeiras de Bissorã

A vida em Bissorã continuava. Levantávamo-nos cedo pois o sol cedo se fazia aparecer e a temperatura rapidamente atingia valores altos convidando-nos assim a abandonar a cama. Tomávamos também o pequeno-almoço na casa do senhor Maximiano, que tinha quem pouco simpatizasse com ele, pois corriam rumores acerca da sua conduta e havia até quem aventasse que ele tinha contactos com os terroristas. Jogava, como se costuma dizer com um pau de dois bicos. Pessoalmente, tive razões para formar um conceito nada lisonjeiro para ele, pois, sempre que falávamos da guerra, se bem que ele nunca puxasse o assunto, notava que ele desenvolvia-o e alimentava-o, denotando uma indisfarçável aversão à tropa ou, melhor dizendo, ao ideal desta, se bem que de uma maneira mais ou menos camuflada. No entanto, este meu cepticismo, embora que algo fundamentado, nunca seria confirmado através de qualquer facto ou ocorrência. Podia não passar de pontos de vista... E até comia-se bem no senhor Maximiano (também cabo-verdiano – estes não andavam nas bolanhas-)

O resto da manhã, e por a temperatura ser menos alta que à tarde, era aproveitada para restaurarmos e fortificarmos o quartel e para melhorarmos também as posições de defesa, nomeadamente, abrigos, trincheiras, etc..
O quartel ficava no centro da povoação com as Tabancas a contorná-lo e assim as posições de defesa ficavam naturalmente do lado exterior destas, defendendo assim a integridade de Bissorã e de seus habitantes: a população indígena.
Quando havia um ataque ou qualquer sinal de presença inimiga, tínhamos que cobrir umas boas centenas de metros até chegarmos às nossas posições de defesa, isto é, aos abrigos. Era um risco que teríamos sempre de correr, mas, como a missão está para além daquele, de talude em talude, de árvore em árvore, correndo rapidamente quando em terreno descoberto, acabávamos por chegar com relativa rapidez às nossas posições.

Houve um ataque (mais ou menos esperado) poucos dias depois da nossa chegada. Um morteirista mandou uma granada de morteiro para o ar, e o tubo, julgou ele, foi atrás, mas não, ficou foi enterrado na bolanha (“é verdade esqueci-me do prato!”) e um bazookeiro acertou, com rara pontaria, e a razoável distância (daí o mérito), num poste de iluminação e pôs Bissorã completamente às escuras. Periquitices…

Entretanto melhorávamos também as nossas condições no quartel e assim, os soldados, entre outras coisas fizeram um refeitório novo para eles, em tábuas e troncos de palmeiras, e cobriram-no com colmo, e nós, os sargentos, íamos construindo o nosso bar que acabaria afinal por servir os colegas de outra Companhia que nos viriam substituir, o que não demorou muito. Depois do almoço dormíamos a sesta. A ventoinha eléctrica, pois àquela hora funcionava o gerador, era então uma apetecida e agradável companhia. Como sabia bem aquela soneca e sentir aquela lufada de ar fresco por todo o corpo num meio ambiente de temperatura tórrida.
Alguns, que menos suportavam o calor, chegavam mesmo a ter a ventoinha quase encostada à cara, que até parecia que ao pequeno descuido a hélice levava o nariz à frente,e se bem que alguns parecessem prescindir dela ao princípio, todos acabaram por a ter. Sem uma brisa fresquinha, viesse ela donde viesse, era impossível dormir.

À noite havia ronda. Alternávamos com a 643, isto é, um dia pertencia a nós fazê-la, outro pertencia a eles. A ronda era feita aos postos de sentinela exteriores, (1 milícia atrás de uma árvore com uma Mauser (!) a ver se via bandido) alguns ainda bastante longe do quartel.
Cinco homens num jeep pelo mato fora… era a ronda.
As saídas para o mato (golpes-de-mão) faziam-se normalmente de 3 em 3 dias.

Ali ficámos três meses e meio tratando de dar luta às casas-de-mato de IADOR, BANCOLENE, BIAMBI, QUERÉ, DANDO, CAMBAJO e RUA.

Segue-se OLOSSATO (II)…
P.S. - Devo dizer que algumas das fotos aqui reproduzidas (edifícios dos Correios e da Administração, vista aérea de Bissorã, Carta topográfica, Igreja de Bissorã e rio Armada não são da minha autoria. Aos seus autores, com a devida vénia, peço a devida
__________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4862: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (5): Como se vivia no abrigo da ponte de Uaque

sábado, 24 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5155: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (3): Ninguém ficou para trás

1. Mensagem de José Eduardo R. Oliveira*, ex-Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), com data de 21 de Outubro de 2009:

Caro Luís
Estou em casa sozinho porque chove lá fora.
Mas não não durmo na forma.

Vi há pouco um programa de televisão que me impressionou muito.

Depois de leres o anexo vais perceber a frase segiunte:
Se houvesse mais alguns ou algumas como a Conceição ninguém ficaria para trás!

Um grande abraço.
JERO


NINGUEM FICA PARA TRÁS

Ninguém fica para trás é um tema e um título que diz muito aos ex-combatentes.
De vez em quando as televisões e jornais do País pegam nele.
No que nos diz respeito confessamos que nem sempre os compramos. Se é jornal damos uma vista de olhos… Se é televisão dou-lhe uns segundos e se não me agrada passo à frente!

Desta vez fiz uma excepção e não me arrependi.
Está de chuva e estava em casa na tarde de 4.ª Feira, 21 de Outubro.

Por volta das 16H00 passei pela SIC e vi a Fátima Lopes (jornalista que aprecio particularmente pela sua componente humanista) que entrevistava e deixava falar uma senhora de quarenta e poucos anos, que tratava por Conceição.
Rapidamente percebi que se falava da recuperação dos corpos (das ossadas!) dos três pára-quedistas de Guidaje mortos em combate em Maio de 1973.


A Conceição é arqueóloga e nessa qualidade integrou a operação de resgate que teve lugar no Verão de 2008.
A dignidade e coragem com que falava da identificação das ossadas do seu irmão deixaram-me pregado à cadeira… e extremamente comovido.

"Estavam 45 graus de temperatura.Trabalhava perto de uma colega antropóloga. Nunca senti calor, sede ou fome. Sentia-me tranquila e calma. Esperava um “sinal” e aconteceu. Numa comunidade científica eu não podia confessar que esperava “um sinal dó meu irmão"…

As campas já tinham descobertas graças a um velho mapa, e ao equipamento do geofísico, que tinha detectado sinais no subsolo.
À medida que as escavações avançaram, confirmou-se a presença dos esqueletos daqueles soldados e… mais alguns.

Afinal eram 10 campas.

"Ao escavar a quarta campa encontrei uma pequena pedra vermelha muita suja de terra. Limpei-a como arqueóloga mas quando percebi que tinha o feitio de um coração…agarrei-a com mais força. Ali estava “o sinal” do meu irmão! Sem confessar o meu palpite dei a pedra à colega antropóloga e disse-lhe que, depois de identificado o ocupante daquela campa, esse “coração” devia ser entregue à família.
Em Guidage estavam quatro antropólogos, uma arqueóloga, um geofísico, e quatro militares que tinham combatido naquela região, há 35 anos, durante a guerra colonial.
Em 23 de Maio de 1973 tombaram em combate, alem dos três paraquedistas outros cincos militares portugueses e três guineenses
".[1]

"Veio-se o confirmar que as ossadas do meu irmão eram mesmo as da quarta campa, a que tinha o “coração” de pedra, de cor vermelha.
E tive direito a trazê-lo comigo. E hoje uso-o, pendurado num fio de ouro, ao peito. Junto do meu coração
»".

Não era só a entrevistadora que estava comovida. De vez em quando as câmaras focavam a assistência e parecia que as pessoas nem respiravam

Os 3 pára-quedistas que morreram em Maio de 1973 regressaram às suas terras natal um mês depois da Conceição ter voltado da Guiné. No Verão de 2008. Eles e as ossadas dos outros sete militares.

"Não iríamos deixar ninguém para trás", disse convictamente a Conceição.

Finalmente tiveram eles – e as suas famílias - direito a um funeral. Com honras militares e com o preito e homenagem de antigos combatentes.

"As cerimónias fúnebres, com salvas de tiros de canhão impressionaram-nos muito. A minha mãe, hoje com 83 anos, sofreu muito. Mas conseguimos finalmente fechar um capítulo que tinha de ser escrito.
O meu irmão repousa junto de nós
"

E Conceição termina o seu depoimento dizendo:

"Quero participar em mais missões de resgate. Tem que haver vontade de fazer regressar às suas terras natal os militares que morreram na guerra colonial."

[1] O Início do ataque do PAIGC ao quartel de Guidage, no Norte da Guiné deu-se em 8 de Maio de 1973.
Na operação de auxílio, reabastecimento e contra-ofensiva, que durou de 8 de Maio a 8 de Junho de 1973, as forças portuguesas tiveram 39 mortos e 122 feridos. Pelo menos seis viaturas militares de vários tipos foram destruídas e foram abatidos três aviões (um T6 e dois DO27). Só a unidade de Guidaje contabilizou sete mortos e 30 feridos, todos militares. Nos cerca de 20 dias que ficou cercada, Guidaje esteve sujeita a 43 ataques com foguetões de 122mm, artilharia e morteiros. Todos os edifícios do quartel foram danificados. A unidade, que, no conjunto, teve mais mortos foi o Batalhão de Comandos: dez. Sofreu ainda 22 feridos, quase todos graves, e três desaparecidos".
In “Correio da Manhã”, 27 de Julho de 2008



E agora dizemos nós:
Ninguém fica para trás!?
Infelizmente alguns ficaram.
A saga dos pára-quedistas de Guidaje poderia – e deveria – ser o mote para os representantes do Estado Português tratarem com os governos da CPLP(Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) da transladação condigna dos restos mortais dos militares que caíram em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Custará dinheiro? Obviamente.
O nosso Ministério da Defesa não terá disponibilidades para tal!? Sabemos a resposta antecipadamente… Mau grado o interesse… por constrangimentos orçamentais… etc., etc.

Deixamos uma sugestão.
A recente Lei n.º 3/2009, a tal que passou o CEP para SEP, não terá criado algum reforço e/ou disponibilidade orçamental!?

A nossa sugestão é a seguinte. Já que estão com a mão na massa apliquem os valores disponíveis para pagar uma divida de honra que têm com os antigos combatentes.

Há mais de 30 anos que muitas famílias portuguesas esperam o regresso dos seus soldados, da guerra colonial. O Estado português enviou-os para a frente de combate, mas não resgatou os corpos de quem morreu na guerra.

Providenciem pelo seu regresso.
Para que um dia... possamos dizer... finalmente:

Ninguém ficou para trás

JERO
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5134: Blogues da Nossa Blogosfera (20): JEROALCOA.BLOGSPOT.COM, de José Eduardo Oliveira

Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5054: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (2): Ponte para o regresso

Guiné 63/74 - P5154: Meu pai, meu velho, meu camarada (19): Cabo Verde, 1942: Plano de defesa do arquipélago, de Santos Costa (José Martins)



Cabo Verde > Ilhas do Barlavento > Ilha de São Vicente > 2006 > Ponta João Ribeiro > Restos do sistema de defesa construído durante a II Guerra Mundial. A Ponta João Ribeiro fica hoje a 3 km da cidade do Mindelo. Em frente, a uns escassos 600/800 metros, situa-se o ilhéu dos Pássaros.

Foto: © Pedro Marcelino / Lia Medina (2009). Direitos reservados


Cabo Verde > Ilha de Vicente > Porto do Mindelo > Dois paquetes de cruzeiro atracados no porto, o ilhéu dos pássaros e o Monte Cara ao fundo

Foto: Cortesia de Nelson Herbert (2009). (Editado por L.G.)

1. Mensagem do nosso camarada, amigo e assíduo colaborador do nosso blogue, José Martins, ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, técnico ofical de comtas, residente em Odivelas:

Boa tarde camaradas

Tendo em conta os vários postes sobre a matéria com fotos históricas em 2009 (Março – 4059; Setembro - 4926, 5019, 5021, 5022 e 5029; Outubro - 5101 e 5109… estes foram os que detectei) (*) , junto texto colhido no espólio do Arquivo Histórico Militar.

Se entenderem que tem relevância, avancem. Poderei também avançar, já que estou a analisar alguns escritos sobre a matéria, sobre o que levou Portugal a entrar (sem entrar) na 2ª Guerra Mundial.

Um abraço
José Martins


2. Documentos > PLANO DE DEFESA DE CABO VERDE (1942)

Despacho de Fernando Santos Costa, Sub-secretário de Estado da Guerra


Aprovadas as presentes directivas para a organização do Plano de Defesa de Cabo Verde com as restrições:

a) As forças metropolitanas destacadas para reforçar a guarnição militar da Colónia de Cabo Verde destinam-se exclusivamente à defesa das Ilhas do Sal e de S. Vicente [ Ilhas do Barlavento].

b) À ilha de S. Tiago [, Ilha do Sotavento, com a capital, Praia,] são apenas afectas 2 companhias de caçadores indígenas da Colónia que deverão ser rapidamente colocadas em estado de completa eficiência.

Na hipótese de a Colónia não poder tomar à sua conta todas as despesas com a sua guarnição militar privativa, o Ministério da Guerra tomará sobre si parte dessas despesas.

Procurar-se-á prover num oficial superior da arma de infantaria (major ou tenente-coronel) o comando militar da Ilha de S. Tiago que, simultaneamente, exercerá o comando das 2 companhias indígenas de caçadores. É aconselhável que as despesas com este comando corram por conta da Colónia mas, havendo dificuldades, o Ministério da Guerra tomará à sua conta o encargo.

c) A guarnição militar da Ilha de S. Vicente é constituída pelas tropas ali presentemente estacionadas, reforçada, logo que seja possível, com uma bateria de artilharia de campanha de 75 mm. A bateria antiaérea de 40 mm será elevada a 6 peças logo que as disponibilidades em material o possibilitem.

d) Para a Ilha de Santo Antão não poderão ser deslocados da Ilha de S. Vicente efectivos superiores a uma companhia de atiradores reforçada com um pelotão de metralhadoras pesadas e uma secção de morteiros de 81 mm. Visto não ser possível reunir nesta Ilha efectivos que garantam a sua defesa integral em todas as circunstância devemos apenas contentar-nos com a vigilância do canal em frente do Porto de S. Vicente, tendo como base principal a ocupação de CARVOEIROS.

e) A guarnição da Ilha do Sal será constituída por um Regimento de Infantaria a dois batalhões e uma bateria A.A. [antiaérea] de 40 mm provisoriamente a 4 peças, mas elevada a 6 logo que o permitam as disponibilidades em material. Não sendo possível por dificuldades de reabastecimento ou de vida manter na Ilha os dois batalhões do regimento deve ali ficar apenas o comando do regimento e um batalhão transferindo-se o outro batalhão para a Ilha de Santo Antão, onde permanecerá durante oito meses, recolhendo então a S. Vicente todas as tropas da guarnição desta Ilha.

Nesta hipótese o conceito de ocupação da Ilha de Santo Antão deve prever a vigilância da sua zona Norte e Noroeste e a defesa a todo o custo da sua zona Sul. Em contrapartida o conceito de defesa da Ilha do Sal deve modificar-se no sentido de ser apenas defendido a todo o custo o planalto da zona do aeródromo vigiando-se com elementos não superiores a um pelotão de atiradores cada um dos portos de Santa Maria MARIA e Pedra Lume.

As tropas que guarnecem a Ilha do Sal não devem manter-se na Ilha por um período de duração superior a oito meses. Para esse efeito o Comandante Militar da Colónia fica autorizado a trocar entre si os batalhões e as baterias das guarnições da Ilha de S. Vicente e Sal, bem como as formações de comando dos 2 regimentos se tal se mostrar conveniente. Na hipótese de vir a verificar-se que na Ilha do Sal não pode ser mantido mais que um batalhão a troca far-se-á então no que respeita à Infantaria apenas entre os 2 batalhões do regimento, começando pelo batalhão do Regimento de Infantaria nº 11.

f) Por falta de elementos não é possível destacar para o arquipélago forças de aeronáutica.

g) O Ministério da Guerra procurará assegurar por meios próprios os transportes militares entre as Ilhas do Sal e de S. Vicente bem como o transporte de água entre as Ilhas do Sal e de S. Vicente, bem como o transporte de água entre as Ilhas de Santo Antão e S. Vicente.

h) Procurar-se-á manter no Arquipélago reservas de munições e de combustíveis para dois meses e de víveres para um período de quatro a seis meses.

i) Dever-se-ia procurar instruir na Arquipélago pessoal indígena para pelo menos um ou dois batalhões de infantaria. Concorrer-se-ia para atenuar a crise económica do Arquipélago e, simultaneamente, poder-se-ia ulteriormente substituir por pessoal indígena o pessoal europeu de dois batalhões.

Em qualquer hipótese será sempre possível contar com uma importante reserva de mobilização para a defesa da Ilha.

j) As relações de dependência em todas as circunstâncias entre o Comandante Militar da Colónia, o Governador e o Ministério da Guerra são as estabelecidas no Decreto-lei nº 32.157 da 21 de Julho findo.

Lisboa, 12 de Agosto de 1942
O Sub-secretário de Estado da Guerra
(A) – Fernando Santos Costa (**)
__________ 

 Notas de J.M. / L.G.:

(*) Vd. postes de: 15 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5109: Meu pai, meu velho, meu camarada (18): Do Mindelo a... Bambadinca, com futebol pelo meio (Nelson Herbert / Luís Graça)

12 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5101: Meu pai, meu velho, meu camarada (17): Ilha de S. Vicente, S. Pedro, 1943: Armando Duarte Lopes (Nelson Herbert)

29 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P5029: Meu pai, meu velho, meu camarada (16): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente,1941/43,1º Cabo Inf Luís Henriques (3) (Luís Graça)

28 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5022: Meu pai, meu velho, meu camarada (15): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente,1941/43,1º Cabo Inf Luís Henriques (2) (Luís Graça)

27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5021: Meu pai meu velho, meu camarada (14): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente, 1941/43, 1º Cabo Inf Luís Henriques (1) (Luís Graça)

27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5019: Meu pai, meu velho, meu camarada (13): Mindelo, ontem e hoje ( Lia Medina / Nelson Herbert / Luís Graça)

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)

20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)
__________

(**) FERNANDO DOS SANTOS COSTA (1899-1982)

Militar e político que foi figura destacada do regime salazarista. Entre 13 de Maio de 1936 e 6 de Setembro de 1944 ocupou o cargo de Subsecretário de Estado no Ministério da Guerra, de cuja pasta era titular o próprio Presidente do Conselho, Salazar, a quem sucederá à frente do Ministério da Guerra entre 6 de Agosto de 1944 e 2 de Agosto de 1950. Quando a pasta da Defesa substituiu a da Guerra, manteve-se à frente do novo Ministério até 4 de Agosto de 1958, data em que foi afastado do governo. Em 1961 foi promovido a General. (JM)

Vd. a publicação Correspondência do General Santos da Costa (1936-1982). Organização e prefácio: Manuel Braga da Cruz . Editora: Verbo, Lisboa, 2004, 

"O General Fernando Santos Costa foi um dos mais estreitos colaboradores de Salazar e um dos mais longevos ministros dos seus governos. Ao longo dos 22 anos que esteve no Governo, onde ocupou os cargos de subsecretário de Estado da Guerra e de ministro da Guerra e da Defesa, foi a figura mais importante do regime junto do Presidente do Conselho de Ministros. Principal fautor da reestruturação das Forças Armadas e da sua subordinação ao poder político, Santos Costa participou ao lado de Salazar, de modo decisivo, na formulação da política de guerra, desde o deflagrar da Guerra Civil de Espanha até ao início da Guerra Fria, depois do termo da II Guerra Mundial ***), assumindo desse modo relevante papel não só nacional como internacional. A documentação que se reúne nesta obra, com prefácio de Manuel Braga da Cruz, contribuirá seguramente para uma maior compreensão da personalidade de Santos Costa e de suas ideias e orientações políticas"

(***) Portugal e a II Guerra Mundial - Cronologia breve (LG):

1939

17 de Março - Assinado por Salazar e Franco o Pacto Ibérico, Tratado de Amizade e Não Agressão

1 de Setembro - Invasão alemã da Polónia. Início da II Guerra Mundial. Portugal, no dia seguinte, declara a sua posição de neutralidade no conflito europeu.

1940

Começam a afluir a Portugal dezenas e dezenas de milhares de refugiados, na sua maioria judeus, e nomeadamente em trânsito para os EUA.

6/7 de Junho - A Alemanha invade a França que irá capitular. Reafirmação da "estrita neutralidade" de Portugal. Conhecimento dos planos (secretos) da "Operação Félix" (invasão de Espanha e, eventualmente, Portugal, para a conquista e ocupação de Gibraltar, vital para o controlo do Mediterrâneo). Os ingleses fazem todos os esforços para manter a neutralidade da Península Ibérica.

Dezembro - Plano de retirada do governo português para os Açores na hipótese (temida pelos ingleses e levada a sério por Salazar) de invasão do país pela Alemanha e pela Espanha. O arquipélago dos Açores chegará a ter quase 3 dezenas de homens em armas, com equipamento inglês.

1941

22 de Junho – A URSS é invadida pela Alemanha. Aumenta a germanofilia em Portugal. nomeadamente. Estreitam-se os laços económicos com a Alemanha.

Dezembro - Declaração de guerra dos Estados Unidos contra as pptências do Eixo, após o ataque japonês a Pearl Harbour. Reforça-se em Portugal o receio de ocupação, pelos Aliados, das ilhas atlânticas. Aumenta a importância estratégica dos Açores. Em 1941 Portugal perde 4 navios, três dos quais da marinha mercante, incluindo o Cassequel, de 122 m, da Companhia Colonial de Navegação. No final do conflito, terã perdido 18 mil t, o equivalente a 7% do total da arequeação bruta

1942

Março - Racionamento de bens essenciais, na sequência de Bloqueio económico imposto pelos Aliados. Portugal é obrigado a aceitar, no verão desse ano, um acordo comercial favorável aos interesses do seu velho aliado que lhe garante a independência da metrópole e das ilhas adjacentes bem como a soberania das colónias.

Novembro/Dezembro - A sorte das armas começa a virar-se para os Aliados.

1943

Janeiro - Capitulação dos alemães em Estalinegrado.

Maio – Queda da Tunísia a favor dos aliados. Ameaça sobre os Açores, vital para o abastecimento de aviões provenientes da América. Negociação com os ingleses e depois com os americanos.

Agosto - Cedência das bases das Lajes, nos Açores. O Governo Britânico compromete-se a dar apoio e auxílio militar a Portugal, em caso de ataque. Modernização das nossas Forças Armadas.

Junho - Portugal cancela a exportação do volfrâmio, face ao braço de ferro mantido com a Inglaterra. O principal cliente deste minério, essencial para a indústria de armamento, tinha sido a Alemanha.

1944

Maio - II Congresso da União Nacional. Delineada a estratégia de sobrevivência do regime de Salazar.

6 de Junho – O tão esperado Dia D (Desembarque nas praias da Normandia pelas forças aliadas).
Novembro - Acordo (secreto) de concessão de facilidades militares nos Açores, assinado por Portugal e os Estados Unidos.

1945

30 de Abril – Morte de Hitler em Berlim. Três dias de luto oficial decretados pelo governo português.

Maio – Capitulação das tropas alemãs.

6 e 9 de Agosto - Lançamento de bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasáqui, que irão apressar a rendição japonesa (a 2 de Setembro)

27 de Setembro – O território de Timor volta à administração portuguesa, depois da ocupação japonesa (mas também australiana e holandesa).

Guiné 63/74 - P5153: Controvérsias (38): Afinal quem saiu derrotado na guerra da Guiné? (José da Câmara)

1. Comentário de José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, deixado no dia 23 de Outubro de 2009 no poste 5139*:

Caros camaradas,
Mais uma vez fomos espicaçados por um livro (que não li) que nos dá como derrotados na Guerra da Guiné.
Juntamos a isso um comentário que, para além de mal educado, não debate a teoria do artigo, e opta pelo insulto.

Matar o mensageiro não elimina aquilo que, sem se compreender bem porquê, alguns desses guerreiros do ar condicionado continuam interessados em divulgar: as inverdades da nossa guerra.
As atitudes derrotistas de alguns desses senhores ofendem, a avaliar pelos comentários, muitos de nós que nos interessamos por estas coisas.

Então, se nós perdemos a guerra, ou estávamos em vias disso, porque permitiram que nós continuássemos a matar e a morrer depois?
Será que, por isso mesmo, lhes tenho que chamar cobardes e assassinos?
Não o farei porque isso não trará de volta o soldado da minha Companhia, único amparo de uma mãe viúva e de uma irmãzinha de dez anos de idade. E, como ele, muitos outros que empaparam com o seu sangue o solo da Guiné.

Não o farei porque isso seria dar importância demais a alguém que, por obrigação e ética militares, tinha o dever de, no mínimo, contar a verdade. É na verdade que está a nossa honra, enquanto filhos de Portugal.

Não, senhores da guerra, se alguém saiu derrotado daquela contenda foram os senhores: porque não nos respeitaram na altura da guerra e, hoje, ofendem-nos.
Todos nós sabemos que um dos grandes problemas que nós tinhamos era a fixação de quartéis facilmente identificavéis. As nossas saídas eram vigiadas e, em muitos casos, até seguidas. Para o PAIGC era fácil atacar-nos.

Em contrapartida nós não tinhamos essas possibilidades em relação ao nosso inimigo. Tínhamos que trabalhar, e muito, para atingir os nossos objectivos, os nossos sucessos, que foram muitos.

Perguntas legítimas que podemos fazer aos senhores que nos ofendem:

1 - Quantos quartéis nossos foram tomados pelo PAIGC?
2 - De quantas zonas foram as nossas tropas expulsas pelo PAIGC?

Depois, comparem as vossas respostas com aquelas que têm para as seguintes perguntas:

1 - Quantos acampamentos IN foram tomados, melhor dizendo, passados a pente fino pelas nossas tropas?
2 - Quantas zonas de acção foram limpas pelo PAIGC?
3 - Onde e quando foram as nossas tropas impedidas de actuar no TO da Guiné?

Tenho a certeza que o prato da balança favorece, e de que maneira, o lado das nossas tropas.

Um abraço,
José Câmara
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5111: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (8): Guerras palacianas

Vd. último poste da série de 24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5151: Controvérsias (30): O despertar dos Combatentes (Mário Pinto)

Guiné 63/74 - P5152: Em busca de... (100): Informações sobre António Vieira, 1º Cabo RT COMANDO - 15ª Companhia de Comandos (Valdemar Pinto)

1. De um nosso leitor e Amigo, Valdemar Pinto, ex-Soldado Pára-quedista, recebemos a seguinte mensagem em 19 de Outubro de 2009:

APELO

Olá Camaradas,

Sou ex-Soldado Pára-quedista, tenho 49 anos, e procuro informações, fotografias e tudo o que diga respeito ao meu tio, morto em combate na Guiné.

Dados dele:
António Vieira
1º Cabo RT COMANDO
NIM: 03161466
15ª Companhia de Comandos
Morto em 30-08-69

Ele para mim era mais do que um tio, não há palavras para descrever o que sinto por ele.

Sei que cá na terra jamais o encontrarei, mas noutra vida eu tenho a certeza que o verei.

São 40 anos sem o ver, pode ser uma parvoíce minha, mas há 40 anos atrás disse para mim mesmo que havia de ir para a guerra para vingar a morte dele...

Coisas de criança, tinha apenas 9 anos, mas foi sempre o meu sonho ir ao Ultramar.

Deu o que deu.

Obrigado pela atenção deste camarada Pára-quedista.

Envio uma foto dele.

Um abraço,
Valdemar Pinto

Foto: © Valdemar Pinto (2009). Direitos reservados
Guião de colecção: © Carlos Coutinho. Direitos reservados
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5151: Controvérsias (37): O despertar dos Combatentes (Mário Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem:


Camaradas,

Hoje não abri o meu baú de memórias, mas escrevi este texto com suporte em memórias e actualidades, acerca de uma matéria que tem estado na ordem do dia, todos os dias, que é a triste e lamentável situação e tratamento dado aos ex-Combatentes, que dedico especialmente à nossa juventude e ao qual dei o título:

"O DESPERTAR DOS COMBATENTES"


Pelo que me é dado constatar, ao longo dos últimos 35 anos, pelas análises de vários depoimentos nossos, como ex-Combatentes e dos nossos comportamentos sociais, creio que posso afirmar, sem muita margem de erro que, na generalidade, quando terminamos as nossas comissões em terras de além-mar, interiorizamos e guardamos, reservadamente, a matéria relativa às recordações das nossas comissões, nos nossos “ficheiros” cerebrais do silêncio e do esquecimento.

Um silêncio que permitiu, em muitos casos, o esquecimento de partes, ou num todo, das vicissitudes e agruras dos vários meses de privações, doenças, angústias, receios, medos e, pior que tudo, o sofrimento e a dor, de vermos e sentirmos o sangue derramado pelos nossos mais infelizes Camaradas, que pereceram e ficaram severamente estropiados em combate, nas minas, nos fornilhos, em acidentes, etc.

Valeu-nos sempre, para ultrapassar os piores momentos, os indescritíveis e imortais elos de sã amizade e fraterna camaradagem, que unia os Homens de cada equipa, de cada pelotão, de cada Unidade.

Lentamente, nos últimos tempos, denota-se uma evolução (na minha opinião pessoal muito positiva para todos nós), no despertar das consciências, surgindo aqui e ali a narração dos nossos feitos militares, aqui no blogue, em simples conversas de café, em entrevistas, documentários, livros… as nossas histórias pessoais, daqueles tempos conturbados que agora, com maior ou menor custo, começamos a recordar e a editar.

As gerações mais novas, que felizmente não tiveram que passar pelas provas de maturidade e privações, que nos foi imposta pelo regime de então, chama-nos “cotas”, muitos deles completamente alheios e indiferentes ao nosso passado bélico, graças, fundamentalmente, à fraquíssima qualidade da maioria dos média que temos e ao ostracismo a que fomos votados pelas classes políticas pós “abrilistas” e vigentes.

Numa época de serviço obrigatório militar, sabíamos que o destino da maioria era África, G3 nas mãos, combater os rebeldes (turras na gíria militar da altura), para defendermos o território nacional, que, como portugueses que somos, herdamos de vários séculos de descobrimentos e conquistas dos nossos ousados e valentes antepassados, de que, na generalidade, nos orgulhávamos e nos era ensinado a amar e estimar, desde os bancos das escolas.

Entre nós, também haviam jovens mais politizados, que não concordavam com a política de confronto armado seguida para as ex-Colónias, pelo regime dominante, mas, mesmo assim, lá seguiam integrados em contingentes com destino ao Ultramar, imbuídos de um pensamento: a guerra toca a todos.

Uns tantos, mais convictos, radicais, cobardes e medrosos, fugiam às suas obrigações castrenses, refugiando-se em países, que contestavam politicamente as nossas guerras em África, nada se importando com aqueles seus Amigos e conhecidos que em Àfrica, na guerra, podiam precisar da sua colaboração, tentando sobreviver.

Houveram alguns que, inclusivamente, pactuaram com os nossos inimigos (não os vou agora aqui adjectivar), colaborando em vários aspectos contra nós.

Na guerra, nós vivemos entre a sobrevivência, a confusão e o ódio, passámos, como já tinha dito, momentos de grande sofrimento, dor, angústia, receios e medo, naturais dos nossos 20 e poucos anos de idade e éramos parte de uma sociedade que, embora evitasse grandes conversas sobre pormenores da guerra, nos respeitava e admirava.

Muitos de nós, provindos dos recantos mais profundos de Portugal, dos meios rurais ou dos bancos das escolas das grandes cidades, éramos sequer dados, ou habituados, a enfrentar situações de violência extrema e morte, como nos exigiam os, por vezes, terríveis e mortíferos confrontos, em terrenos que nos eram completamente estranhos (selvas, tarrafo, bolanhas, etc.), contra os elementos dos movimentos de libertação.

A nossa quase totalidade foi básica e fugazmente instruída, em meia dúzia de meses, por aqui nos quartéis nacionais, e enfiada em barcos e aviões para Angola, Guiné e Moçambique.

As contingências da guerra roubaram-nos preciosos anos das nossas juventudes, que podíamos ter aplicado em outras coisas bem mais úteis e agradáveis, destruindo muitos dos nossos sonhos e tornando muito de nós, antes jovens alegres e divertidos, em “tipos” pouco reintegráveis, que familiarmente, quer amigavelmente, e, ou, incompatíveis com a as filosofias de vida e as práticas da sociedade decorrente.

No passado, tal como no presente, não são as Forças Armadas que decidem participar, ou sair, de uma guerra, mas sim os políticos que gerem esta Nação.

São os políticos que, em nome desta nossa Pátria, resolveram a nossa ida para a guerra, bem como hoje decidem a integração dos nossos militares em missões no estrangeiro, pelo que, lhes deixo aqui colocadas duas simples questões: “Será que os Senhores têm a mesma atitude, ou tratam de igual modo, os soldados que têm regressado com doenças (nomeadamente o pós-stresse traumático), que têm enviado para Timor, Bósnia, Kosovo ou Afeganistão, tal como estão a tratar os ex-Combatentes da Guerra do Ultramar? E aquando da sua passagem à situação de reforma, também será assim?

É que os políticos, não podem, nem deviam, injustiçar e ostracizar, os Homens que, obrigados ou não, se entregaram de corpo e alma, no cumprimento das missões que lhes foram exigidas, em prol do seu semelhante e da sua Pátria.

No mínimo merecem o reconhecimento pelo seu empenho e pelo seu espírito de sacrifício, porque cumpriram!

Os políticos actuais, nesta matéria, estão completamente desenquadrados das filosofias Patrióticas e das suas melhores e adequadas práticas. As suas políticas de gabinete resumem-se ao acomodarem-se às suas infrutíferas vaidades e aos seus bem-estar e luxos pessoais. É uma triste e mesquinha realidade!

Não sou adepto de que somos os “coitadinhos” da Guerra do Ultramar. Somos Homens que, apesar de tudo, cumpriram, o melhor que puderam e souberam, e assumimos o passado com, maior ou menor, orgulho pessoal.

São necessárias, urgentemente, muitas vozes como as dos ex-Combatentes, para informar e despertar as mentalidades das novas gerações, de homens e mulheres, que um dia hão-de surgir na política portuguesa, com outras visões mais solidárias, inteligentes e Patriotas, que prestem o devido e justo reconhecimento à nossa geração.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5150: Convívios (171): Encontro de ex-militares, no dia 21 de Novembro, no RI 14 em Viseu (Rui A. Ferreira)



1. Recebemos do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira, Coronel Ref, que fez uma comissão de serviço na Guiné como Alferes Miliciano na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e outra como Capitão Miliciano na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72, esta convocatória para publicação:




CONVOCATÓRIA

Rui Fernando Alexandrino Ferreira
Rua Rainha Santa Isabel, 30 -1º
Bairro da Quinta da Carreira
3500 – 147 Viseu

Esta carta tem por destino todos quantos a receberem e tem como finalidade a sua convocação para o convívio deste ano de 2009 da malta que pertenceu

À famosa Companhia de Caçadores n.º 1420 – (Guiné 1965/67)

Aos poucos graduados que sobraram ao assassinato dos restantes militares que compunham a Companhia de Caçadores n.º 18 – Guiné 1970/72

A todos os antigos militares que comigo serviram no Regimento de Infantaria 14 na cidade Rainha da Beira – Viseu tendo em especial atenção ao Núcleo Duro.

A todos quantos pela amizade que perdura para lá do tempo e que nos une na mesma memória e nisso sinta orgulho.

A todos os camarigos (camaradas e amigos) da tertúlia do Luís Graça e seus camaradas da Guiné


É verdade. Mais uma vez me vou meter em trabalhos, ou seja vou tentar juntar num almoço convívio, que terá lugar num dos Refeitórios do Regimento de Infantaria de Viseu um grupo alargado de malta que era jovem quando os ventos do acaso e os desígnios de destino cruzou as linhas da vida e que continua presente e cada vez nela mais importante, especialmente no apoio para prosseguir na luta contra a doença.

Assim e seja qual for a tua posição na convocatória, sempre te digo que a tua presença é imprescindíveis, que não é substituível por outra qualquer e que será uma alegria ver-te nesta cidade que é minha pelo imenso amor que lhe tenho.

Ao prazer de rever antigos camaradas, de conhecer novos que são igualmente muito importantes para mim, terás oportunidade de ver, ouvir e conhecer pessoal do Batalhão que aqui constituído se destina a integrar no âmbito da ONU as missões de Paz e pela voz do seu próprio comandante ou de um dos oficiais do seu Estado Maior tomar contacto com as suas realidades, a forma como enfrentam os imensos problemas que se lhes apresentam fazer uma comparação com o que foi a tua experiência que infelizmente já lá vai, (pois que voltaríamos aos nossos vinte anos, o que bem vistas as coisas nem era mau) visitar as suas instalações e ver o novo armamento e ainda, com um bocado de sorte e da boa vontade desta feita também do próprio Comandante do Regimento, poderás dar uma voltinha numa das novas viaturas Pandur.

Claro que podes e deves trazer a família contigo. A refeição cujo prato principal será um Rancho à moda do 14, rondará os 10 euros por elemento. Como não podia deixar de ser decidi juntar o útil e pouco dispendioso ao agradável.

Duas coisas deves fazer:

Telefonar-me ou por qualquer outro meio confirmar a tua presença e o número dos teus convidados. Os meus contactos são:

Telefone da residência – 309 875 370
Telemóvel – 965 043 313
Correio Electrónico - 0313102101@netcabo.pt

Apresentar-te a partir das 10H30 do dia 21 de Novembro do corrente no local de concentração, ou seja, frente ao Regimento de Infantaria n.º 14, em Viseu.

Uma coisa ainda te peço: informa-me a tempo e horas se vais estar ou não, de modo a me facilitares a vida.

Sem mais aqui fica um grande abraço.

Até sempre, mas desta feita até 21 de Novembro
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4776: Parabéns a você (16): Rui Alexandrino Ferreira, Cor Reformado (Editores)

Vd. último poste da série de 17 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5123: Convívios (168): Pessoal da CCAÇ 727, ocorrido no passado dia 3 de Outubro, em Fátima (Miguel Oliveira)

Guiné 63/74 - P5149: Direito à indignação (8): Fomos forçados como presidiários a cumprir pena no degredo (Jorge Teixeira/Portojo)

1. Mensagem de Jorge Teixeira* (Portojo), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70,com data de 22 de Outubro de 2009:

Tropa, quer dizer Forças Armadas Portuguesas.
E cada vez me repugna mais dizer ou escrever estas palavras "Forças Armadas Portuguesas".

Desde a criação de uma lei em Fevereiro de 2002 de uma pensão para antigos combatentes, de que só alguns tiveram conhecimento e de como dela se poderia auferir, até à Lei publicada em 2009, fica demonstrado como os Presidentes da República, que aprovam as leis do País, os governantes que fazem as leis, bem como os deputados da Assembleia da República tratam a escória dos militares que em nome da Pátria una e indivisível, foram forçados como presidiários a cumprir pena no degredo em África, desde 1961 a 1974, por períodos de dois anos, uns pouco menos e outros um pouco mais.

Já somos poucos os sobreviventes desse tempo. Dizem-me que cerca de 300.000. Muitos com diversos problemas de saúde, mas esperam os nossos queridos governantes que nos despachemos depressa para o outro mundo, pois aqui já andamos a mais.

Bem isto ao caso por mais uma vergonhosa afronta (como se diz em alguns partidos tipo PCP e satélites, também eles metidos nesta estória) que esses chamados governantes - Presidente da República, Governo, Deputados - infligiram à atrás dita escória negreira de terras de África. Refiro-me à tal pensão generosa, que inicialmente recebiam alguns de nós. Cerca de 120 euros anuais. Com o tempo foi-se actualizando essa esmola. Para alguns, como disse, pois a maior parte perdeu automaticamente esse direito. Ou por desconhecimento da Lei, como terá sido o meu caso, segundo me foi dito, ou por que não sei... Acho que a partir de certa altura deixou de ter validade a Lei.

Não fazendo deste caso, um assunto individual - que o não é pois há camaradas que são tão ignorantes como eu e portanto não recebem esta misericordiosa pensão - a nova lei, a tal de 2009, veio pôr os pontos nos iiiisss. Isto é, reviram a lei de 2002, cheia de incongruências, segundo disseram, e toca de gamar uns euros, que nalguns casos é superior a 40%. Quer dizer que há pessoal a receber menos de 100 euros anuais.

Se meter os papeis pela terceira vez e me for considerada a esmola, parece que receberei cerca de 130 euros anuais. Não sei se estarei cá se isso acontecer. Mas agora vou mesmo chatear e prometo encher as caixas do correio desses Ministérios e dos Serviços das Forças Armadas e de Ligas militares - mesmo as não controladas pelo governo - e Segurança Social, enfim tudo que for sítio onde recebam correio electrónico. Vão todos gozar com a pqp. E deixem os velhos em paz de uma vez.

Só de passagem: Alguém ouviu ou leu a comunicação social, comentaristas, partidos, referir-se a este tema ?

Jorge/Portojo
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4967: Agenda Cultural (26): Museu Militar do Porto (Jorge Teixeira/Portojo)

Vd. último poste da série de 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5133: Direito à indignação (7): Esmiuçando o Complemento Especial de Pensão e o Acréscimo Vitalício de Pensão (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P5148: Não-estórias de guerra (2): A Lavadeira de Aldeia Formosa (Manuel Amaro)

1. Mensagem de Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71, com data de 20 de Outubro de 2009: 

 Caro Luís, Como reduziram para cerca de metade aquilo que recebia por ter estado na guerra, com menos dinheiro para gastar, fiquei com mais tempo para escrever. Resultado: aqui vai mais não estória. Um Abraço Manuel Amaro 


  Uma não-estória de guerra: A Lavadeira 

Por Manuel Amaro 


 Tenho lido, com agrado, as estórias relacionadas com as lavadeiras, contadas aqui no blogue. Concluí que, na verdade, para quem esteve naquela guerra, a existência das lavadeiras era um importante factor, com nítida influência na nossa qualidade de vida. 

 Mesmo que alguns aspectos tenham sido vividos inconscientemente, mesmo que algumas estórias tenham uma grande dose de imaginação, o facto é que aquelas dezenas de milhar de militares, na sua maioria ainda quase meninos, alguns saídos pela primeira vez da esfera familiar, viam na lavadeira, fornecedora de roupa limpinha, a continuação da família. 

 Eu também tive as minhas lavadeiras. Uma lavadeira em cada terra. Quando a CCAÇ 2615 chegou a Aldeia Formosa, porque fomos os últimos a chegar, as melhores lavadeiras já tinham a lotação esgotada. Eu bem levava uma recomendação para falar com a Farma ou a Maimuna. E falei. Mas nem uma cunha do Gilberto Campos, Fur Enf da CCS, me valeu. Tive que me contentar com uma sobrinha das ditas, de nome Saida Baldé, creio que familiar do Régulo de Colibuia, tabanca abandonada, que ali vivia na condição de refugiado. 

 A Saida era muito jovem, elegante, muito bonita, rosto com traços caucasianos, mas negra, muito negra. Muito competente e muito organizada. Naquele tempo, em Aldeia Formosa, a determinada hora, talvez 16h00, 16h30, as lavadeiras juntavam-se na porta de armas e aguardavam ordem da sentinela para entrar. Depois, aquele bando, em correria desenfreada, contactava todos os clientes, entregava a roupa lavada, recebia a roupa suja e regressava à tabanca. E todos os militares estavam atentos à chegada das lavadeiras. 

 Um dia, em todas as coisas há sempre um dia diferente, atrasei-me no duche e lá apareceu o Campos a gritar: 
 - Está aqui a lavadeira… 
 - Vou já, é só vestir-me. - Respondi. 
 - Eh pá, coloca a toalha à volta da cintura e chega aqui, rápido. – Ordenou o Campos. Cumpri. 

Coloquei a toalha e fui a correr. Lá estava a Saida com a minha roupa para entregar, mas só a mim. Pedi desculpa pelo atraso e fui recebendo a roupa, peça a peça. E ela, que nunca me tinha visto naquela indumentária, olhava, surpreendida, curiosa, expectante… Acontece que quando dei por mim estava com uma erecção, que não conseguia controlar e a toalha avançava na direcção da lavadeira… 

 A Saida, quando acabou a entrega, curvou-se para agarrar o cesto da roupa, confrontou-se com aquela torre Eiffel, abriu os olhos, apontou o indicador direito e gritou:
 - Eh furriel… eh furriel… virou-se e desatou a correr. 

 No dia seguinte e nos dias que se seguiram, tudo correu normalmente. Mas passado um tempinho, assim que a minha lavadeira teve oportunidade, perguntou-me, com um sorriso maroto e um olhar reluzente, quando é que eu vinha outra vez de toalha. Disse-lhe que se ela queria que eu viesse de toalha, então na próxima vez eu viria receber a roupa com a toalha à volta da cintura. 

 No dia seguinte tomei duche, coloquei a toalha, sentei-me à mesa e fiquei ali à espera, lendo mais um capítulo de ”Os Lobos”, de Hans Hellmut Kirst. Assim passei uma boa meia hora. O Torres, da CART 2521, ainda perguntou se eu estava na sauna, mas eu nem respondi. 

 Finalmente chegou a Saida. Eu apareci à porta com a toalha. Ela entregou a roupa. Eu recebi. Tudo em silêncio… a mesma toalha, o mesmo cesto da roupa, a mesma torre, o mesmo olhar… Mas quando partiu, a Saida limitou-se a dizer, baixinho: 
 - Obrigada, furriel… 

 Dois dias depois, eu parti para Buba, numa viagem (peregrinação), de três meses, que me levaria a Buba, Aldeia, Bissau, Lisboa, Bissau, Aldeia e Nhala. Em Nhala voltei a ter lavadeira. Sem estória. Tal como em Nhacra e Buba. Mas tenho, sempre tive, guardo na memória, o maior apreço e consideração, pelo importante papel desempenhado pelas lavadeiras (as mulheres que lavam roupa, à mão), qualquer que fosse a sua relação com os militares. 

 Manuel Amaro 

__________ 

 Nota de CV: