quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7403: Recortes de Imprensa (36): Gandembel/Balana, com o Hugo Guerra (Pel Caç Nat 55) e o João Barge (CCAÇ 2317)























Excerto de reportagem do jornalista César da Silva, "Um repórter na guerra da Guiné (Conclusão): Em Gandembel, o adeus à guerra. Diário Popular, 17 de Março de 1969, p. 11 (Página digitalizada por Hugo Guerra. Imagens editadas por L.G.)



Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1969 (?) > O João Barge, "descansando de Gandembel", com o Hugo Guerra (comandante do Pel Caç Nat 55)...




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1969 (?) > O João Barge (Alf Mil, CCAÇ 2317, 1968/70), ao centro, "descansando de Gandembel", com o Hugo Guerra (à sua direita) e o Fur Mil Palmeirim, "do meu pelotão", ou seja, do Pelç Caç Nat 55... Estiveram juntos em Gandembel / Balana...

Fotos: © Hugo Guerra (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Comentário do Hugo Guerra ao poste P7398 (*)

Quando o João Barge chegou a Gandembel [, em Outubro de 1968,], o Pelotão que ele ia comandar estava em Ponte Balana comigo e foi para aí que ele se deslocou.

Passámos juntos mais de dois meses e com ele que "fechei a porta " em Ponte Balana [, em Janeiro de 1969]. Era um amigo bom , calmo e pachorrento, com uma cultura muito acima da média. Sabia falar árabe e com isso se entretinha a falar com alguns dos nativos do meu Pel Caç Nat 55.

O abrigo, no qual ele parece estar a entrar, foi feito pelos seuss homens em Ponte Balana em Outubro ou Novembro de 1968 e era aí que dormia com os Furriéis do seu pelotão.

Quando precisei dele como minha testemunha num Processo por doença, de imediato respondeu afirmativamente e lá veio a Lisboa, onde nos encontrámos há 5 anos. 

Estivemos juntos pela última vez em Monte Real, este ano [, por ocasião do V Encontro Nacional da Tabanca Grande,] e cconversámos emocionados, embora nada deixasse transparecer do seu estado de saúde.

Perdi um grande amigo e camarada de armas. Paz à sua alma, onde quer que esteja. Os meus sentidos pêsames à família.


P.S.- Fui eu e não o Hugo Moura quem avisou o Vinhal logo no dia do falecimento. 

________________

Notas de L.G.:


(*)  Vd. poste de 7 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7398: In Memoriam (65): Faleceu o nosso camarada João Barge, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Tertúlia / Editores)

(**) Último poste da série > 26 de Novembro de 2010 >  Guiné 63/74 - P7343: Recortes de imprensa (35): Manecas dos Santos, o último dos cabos de guerra do PAIGC, que comandou os Strela e o cerco a Guidaje, estará na 2ª feira, 29, no lançamento do livro de Moura Calheiros (Diário de Notícias)

Guiné 63/74 – P7402: Parabéns a você (182): Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pel Canhões S/R 2054 (Miguel Pessoa/Editores)


1. Completa hoje mais um aniversário o nosso Cmarada Jorge Teixeira / Portojo, (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), a quem dedicamos este poste:

Postal de aniversário dedicado ao aniversário do jorge Teixeira pelo nosso Camarada Miguel Pessoa
Guiné> Região de Tombali >
Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Quartel > "Foto nº 25 - No novo Bar de Sargentos em 1968. De pé os Fur Mil Pires, Mendonça, Laurentino (do serviço Foto Cine de Bissau), Condeço e Cabrita Gonçalves; em baixo o Teixeira e o Gil".

3. Ao Jorge Teixeira, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais tertulianos, aqui endereçamos as maiores felicidades, melhores níveis de saúde e alegria, junto dos teus queridos familiares e amigos, neste seu dia de aniversário, desejando que o mesmo se prolongue por muitos, prósperos e felizes anos.
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7367: Parabéns a você (181): Herlander Simões, ex-Fur Mil At Inf CART 2771 e CCAÇ 3477 (Nova Sintra/Nhacra/Guileje-1972/74) (Editores)

Guiné 63/74 - P7401: A minha CCAÇ 12 (10): O inferno das colunas logísticas Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho, na época das chuvas, 2º semestre de 1969 (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Coluna logística Bambadinca -Mansambo - Xitole - Saltinho > Viaturas civis passando pelo destacamento da Ponte dos Fulas.




Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Estrada Bambadinca - Xitole > A secção do Humberto Reis, do 2º Gr Comb, deslocando-se num burrinho (Unimog 411).


Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > 1969 > Vista aérea do aquartelamento da CART 2339 (1968/69).


Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) > Vista aérea do aquartelamento e povoação do Xitole 





Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) > Estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole > Efeitos da explosão de uma mina A/C


Fotos: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) > Estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole > Rodado de viatura e ao lado o buraco de uma mina A/C detectada e levantada a tempo.




Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) >  CCAÇ 12 (1969/71 ) > Uma GMC transportando bidões (de água, de areia ou de combustível ?)




Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) >  CCAÇ 12 (1969/71 ) > Chegada ao Saltinho.. Ponte Craveiro Lopes sobre o Rio Corubal... O troço de estrada a seguir, para Aldeia Formosa, estava interdita... Na imagem,  em primeiro plano os Fur Mil Reis (Humberto) e Levezinho (Tony)... De costas, o Fur Mil Henriques (L.G.)


Fotos: © Arlindo Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados






Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça [, ex-Fur Mil Henriques, foto à esquerda, na companhia do Sold Cond Auto Dinis Giblot Dalot, na estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole]:




1. Dizem que há dias de sorte: na vida, na guerra, no jogo, no amor… Recordo-me bem dessa operação logística em que perdemos uma heróica GMC do tempo da guerra da Coreia (daquelas que gastavam 100 aos 100, lembram-se ?) (*).


O Dalot adorava conduzi-las. Ninguém melhor do que ele para livrar uma GMC de cair na cratera de uma mina coberta de água da chuva, de atolar-se na berma da estrada ou afocinhar numa bolanha… Ninguém melhor do que ele para conduzir este mamute de ferro, carregado com três toneladas de sacos de arroz… Ninguém melhor do que ele, enfim, para desatascar outras viaturas, civis ou militares… Nem que para isso tivesse que trazer o semi-eixo agarrado ao cabo de aço, como aconteceu mais do que uma vez (que eu vi!)...


Na galeria dos meus heróis desta guerra (há sempre heróis em todas as guerras), eu poria também as GMC, os condutores das GMC e os picadores… Mas não há heróis perfeitos: por exemplo, o Dalot (leia-se Dalô, que o apelido é francês), o Dinis Giblot Dalot,  só não tinha faro para as minas, que isso era tarefa dos picadores [. Continua, aos 63 anos, a conduzir camiões por essas estradas fora... E continua a ser o mesmo reguila que eu conheci... O Cap Brito deu-lhe uma porrada, mas eu nunca cheguei a saber porquê...].


O que aconteceu exactamente nesse já longíquo dia 18 de Setembro de 1969 ? Tínhamos saído, na véspera, de Bambadinca, de manhã muito cedo, como de costume, para fugir ao inferno do calor e da humidade do dia. Estava-se em plena época das chuvas. Era um enorme coluna de viaturas militares carregadas de material para três companhias, unidades de quadrícula, em Mansambo (CART 2339), Xitole (CART 2413) e Saltinho (CAÇ 2406).


Ao todo viviam nestas unidades e seus destacamentos mais de meio milhar de homens, fora a população local, guias e picadores que dependiam inteiramente dos abastecimentos feitos pela tropa. Nós levávamos-lhes praticamente tudo: o gasóleo (para as viaturas e o gerador eléctrico), o petróleo (para os frigoríficos), o arroz, a massa, o feijão, a carne, o bacalhau, as batatas, as cebolas, e os demais mantimentos para um mês ou um mês e meio. Além dos cunhetes de munições, as granadas de morteiro, bazuca e obus, etc. E claro, o correio, e às vezes até umas bajudas de Bafatá a que os brasileiros chamariam hoje  garotas de programa...sem esquecer as pastilhas de quinino e as bisnagas de pomada antivenérea. 


Um dia seria interessante publicar a lista completa dos artigos e as respectivas quantidades que faziam parte dos nossos comboios de reabastecimento. Comboios, era o termo correcto: dezenas e dezenas de viaturas civis e militares, formando uma fila de quilómetros... Não me perguntem de onde vinham as viaturas civis: não faço a mínima ideia... De Bissau, seguramente que não vinham já que a estrada de Bissau-Bafatá, ao longo a margem direita do Geba, estava interdita nalguns pontos (por exemplo, entre Porto Gole e Missirá).


Na galeria dos heróis desta guerra também estão os que alimentavam o nosso ventre insaciável , os homens da manutenção militar e os que faziam chegar os mantimentos, desde Bissau, rio Geba acima,  em LDG até ao Xime  ou até Bambadinca (onde havia uma destacamento do BINT - Batalhão de Intendência), no caso dos barcos civis e depois daí em colunas até às sedes de sector ou comando operacional (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego…). As Berliet e as GMC (e, mais tarde, as camionetas civis) transportavam a carga, mas o condutor levava sempre escolta, uma secção ou menos.


Para se chegar a qualquer uma das unidades acima referidas não havia mais nenhuma alternativa (terrestre). Tanto quanto me lembro, a estrada de Galomaro-Saltinho estava interdita (opu podia ficar na iminência de ficar interdita), pelo que as NT ali colocadas dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca (,embora pertencessem a Galomaro, sede do Sector L5). No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969, no troço entre Mansambo e Xitole.


O Op Belo Dia, a 4 de Agosto de 1969,  destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do sector L1 com as principais unidades de quadrícula a sul. Um mês e tal depois fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento .


Também as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) já aqui foram relatadas (*). 

Em contrapartida, as colunas de abastecimento da guerrilha e das suas populações eram feitas feitas por carregadores, a pé, descalços, em bicha de pirilau, incluindo mulheres e até crianças e muitas vezes sem escolta militar, correndo o risco de serem interceptados pelas NT, como acontecia com alguma frequência na região de Missirá, a norte do Rio Geba (vd. relato do que se passou em Chicri, a 12 de Setembro de 1969: muitas vezes as NT não faziam a distinção entre combatentes, armados, e elementos civis da população controlada pelo PAIGC que servia de carregadores; neste caso, levavam artigos comprados nas nossas barbas, em Bambadinca, onde só havia duas lojas, nas mãos de tugas, a loja do Rendeiro e a loja do Zé Maria)…


Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (na Op Pato Real, a 7 de Setembro, na região do Xime, Ponta do Inglês: vd a propósito o post de 8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) considerava-me já quase um veterano…


Recordo-me da viatura: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 valentes picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… O Dalot, que ia a atrás de mim, levava um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, várias toneladas de ferro, mais três de arroz… Daquela vez vez foi ele e a sua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão..


A estrada (se é que se podia chamar estrada aquilo!), invadida pela floresta, as bolanhas e os afluentes de diversos rios, era mais estreita que as viaturas em certos pontos… Uma delícia para os sapadores do PAIGC, um quebra-cabeça para os nossos picadores, um stresse desgraçado para aqueles de nós que faziam guarda de flancos… 


Em suma, gastávamos uma boa parte da nossa energia física e mensal a abastecer-nos uns aos outros em vez de fazer a guerra ao IN…

2. Para dar uma ideia do carácter quase pioneiro das primeiras colunas que a CCAÇ 12 efectuou na estrada Mansambo-Xitole, com viaturas exclusivamente militares e num itinerário em muitos troços intransitável, esburacado pelas minas e pela erosão das chuvas, invadido pelo capim e pelos arbustos, em que se tornava necessário fazer a picagem de mais de 30 Km, e sempre com o fantasma do IN a acompanhar as NT, vale a pena transcrever aqui um trecho do relatório da Op Belo Dia III, em que participaram o 2º e o 4º Gr Comb da CCAÇ 12, juntamente com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Dest A (A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, XItole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros, segundo as cartas militares do sector:


Op  Belo Dia III



"A coluna de reabastecimento atingiu Mansambo, proveniente de Bambadinca, às 17.30h do dia 7 de Novembro de 1969, tendo 1 Gr Comb da CART 2339 patrulhado e picado o itinerário até ao limite N da sua ZA

[Na prática, percorreu a distância de 18 km., entre Bambadinca e Mansambo à velocidade de 1 quilómetro e meio por hora].


"O Dest A [CART 2339 e CCAÇ 12] partiu de Mansambo às 5.00h do dia seguinte para cumprimento da sua missão [ou seja, prosseguir com a coluna até ao Xitole]. A escassas dezenas de metros a sul da ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas 2 minas A/P [antipessoal], tendo-se verificado pela sua análise que se encontravam montadas há muito tempo (fazendo parte provavelmente do campo de minas implantadas pelo IN e detectadas no decurso da Op Nada Consta).

"Entretanto fora tentada por várias vezes a montagem de guardas de flanco, sem contudo se ter conseguido devido à densa arborização do terreno, o mesmo se verificando a partir do Rio Bissari por a natureza do terreno, bolanha com muita altura de água, capim bastante alto com densas manchas de lianas entrançadas, impossibilitar a progressão.

"Num troço de 3 Km, compreendido entre 1 Km após a ponte do Rio Bissari e 1 Km antes da ponte do Rio Jagarajá, a coluna ia sofrendo atascamentos sucessivos conjugados com avarias [mecânicas] que impossibilitavam uma progressão normal.

"Entretanto verificou-se o atascamento da 7ª viatura que ficou completamente enterrada no lodaçal do itinerário, e de mais algumas viaturas que se Ihe seguiam e que foi impossível desatascar.

"Foi decidido então fraccionar o Destacamento A [CART 2339 e CCAÇ 12] deixando 2 Gr Comb no local a tentar desatascar as viaturas e mandar prosseguir o resto da coluna até ao encontro do Dest B [CART 2413, Xitole], o que se verificou pelas 15.30h.


"Feito o transbordo, foi decidido pelo PCV [posto de comando volante] que o Dest B regrasse ao Xitole, vindo no dia seguinte transportar a restante carga. Entretanto deixaria um Gr Com (-) a reforçar o Dest A que pernoitou junto das viaturas, montando segurança próxima à estrada.

"Às 5 da manhã do dia 9 [dois dias depois do início da operação], iniciou-se o transbordo da carga para as viaturas que estavam à frente da viatura imobilizada e que entretanto fora desatascada, embora continuasse avariada. Pelas 8h, contactou-se com o Dest B que entretanto se aproximara, fez-se o transbordo da carga, reorganizou-se a coluna e empreendeu-se o regresso a Mansambo que foi atingido pelas 11.45, não sem ter havido mais alguns atascamentos".

Op Alabarda Comprida



A próxima coluna logística realizar-se-ia a 30 de Novembro de 1969, segundo um novo conceito de execução (Op Alabarda Comprida). Foram constituídos 3 Destacamentos:


(i) Ao Dest A (2 Gr Comb da CCAC 12) coube a missão de escoltar a coluna até ao Xitole, formando três fracções (na testa, no meio e na rectaguarda) e reagindo pelo fogo e pela manobra a toda e qualquer acção IN;

(ii) Os Dest B e C (6 Gr Comb, das CART 2339 e 2413) constituíam uma força de segurança descontínua ao longo do itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole (cerca de 35 km), patrulhando e montando emboscadas nos locais de mais provável utilização pelo IN para uma eventual acção contra as NT.


A coluna decorreu normalmente, tendo chegado ao Xitole por volta das 11h da manhã e regressado nesse mesmo dia, contrariamente ao que se estava previsto (e se temia), uma vez que o estado do itinerário era péssimo. Pelo Dest C (CART 2413, Xitole) foram detectados vestígios recentes dum grupo IN, estimado em 20/50 elementos, que teria vindo do Galo Corubal em acção de reconhecimento.


A 14 de Novembro, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Com das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).


A partir de então, estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12. A segurança ao longo do itinerário continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas tês unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias). No tempo seco, o inferno, para além das minas, era o pó, o terrível pó que cobria tudo e todos...


O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Sector L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo, continuava no entanto ligada ao Sector L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região.



Fontes consultadas:


História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: CCAÇ 12. Cap. II.

Diário de um Tuga, de Luís Graça (arquivo pessoal)

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série

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Nota de L.G.


(*) 28 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7354: A minha CCAÇ 12 (9): 18 de Setembro de 1969, uma GMC com 3 toneladas de arroz destruída por mina anticarro (Luís Graça)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7400: Efemérides (57): Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné (3) (Magalhães Ribeiro)


1. Dando seguimento à serie iniciada nos postes P7388 e P7393, continua-se a publicação de várias fotos e documentos alusivos à cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que fazem parte do acervo pessoal do Eduardo José Magalhães Ribeiro, fui Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974.
Camaradas,

Como já disse no poste P7388, esta matéria sobre a cerimónia simbólica da transição da soberania nacional na Guiné, para o P.A.I.G.C., devido ao seu peso informático (40 fotografias e 2 documentos históricos) teve que ser dividida em 5 postes, que vou tentando colocar durante esta semana, para que, aquelas pessoas que acompanhem a leitura, não percam a sequência de factos e fotos.
O fim do Império português na GuinéHoje publicam-se mais 10 fotos da referida cerimónia, que aconteceu em 9 de Setembro de 1974 – aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao P.A.I.G.C.

Já solicitei ao nosso Amigo Nelson Herbert que, face às boas dicas que inseriu nos comentários, me ajude a identificar correctamente as senhoras, os meninos e os meninas das fotos do último poste, para proceder oportunamente às devidas correções.

Registo aqui, desde já, o meu melhor apreço e agradecimento à amabilidade e prontidão com que o Nelson Herbert se prestou a ajudar-me, respondendo de imediato a este meu pedido.

Muitíssimo obrigado.

A bandeira nacional aguardava ondulante e serena o desfilar dos factos

Um dos soldados do BCAÇ 4612/74 observava os últimos minutos em que a bandeira nacional permaneceu no mastro

A chegada ao mastro e a preparação para o derradeiro arriar da bandeira portuguesa no quartel em Mansoa

Aqui já a bandeira descia a meia haste

A recolha da bandeira

A recolha da bandeira fotografada de outro ângulo pelo Alf Mil Oliveira Marques

Foi a vez de um homem do PAIGC iniciar os preparativos para o hastear da primeira bandeira da Guiné-Bissau em Mansoa



O homem do PAIGC estava um pouco nervoso...

Mas finalmente a bandeira estava atada e pronta

A bandeira já a meia haste, fotografada de outro ângulo, pelo Alf Mil Oliveira Marques

Assim nascia uma nova Nação em África - a Guiné-Bissau



A bandeira ondulava ao vento firme e formosa
O mastro desceu aprumada em atitude imperial
À multidão, ali em Mansôa, parecia afirmar:
«Aqui, esteve presente… o esplendor de Portugal!»


NÃO ERA UMA BANDEIRA QUALQUER
A Bandeira ondulava ao vento... firme e formosa,
Naquele alto e velho mastro do quartel... como voa,
O esplendor de Portugal garantia... assaz vaidosa.
Quanta veneração em sua honra... e quanta loa,
Tais façanhas heróicas dali presenciou... orgulhosa!
Bradai - às armas - lusitanos... se o inimigo soa,
Qu’Ela é o símbolo magno de união... gloriosa,
S’ameaça à Pátria algum inimigo... apregoa!
Qu’a garra deste povo... tem engenho e arte talentosa,
P’ra levar de vencida... que seja a besta em pessoa!
Qu’ali num naco d’África cumpriu de forma honrosa,
Dando mostras de valor indómito qu’inda hoje ecoa!
Até q’um dia no país se levantou tropa revoltosa,
Reformando a política do Ultramar... em Lisboa,
E qu’emanou então para Bissau determinação rigorosa;
Que em Portugal, a liberdade, é bombarda qu’atroa,
E independência às colónias concedeu airosa,
Em assinatura... cuja data ainda hoje ressoa;
Nove de setembro de setenta e quatro... luminosa.
Também, nesse dia, a Bandeira foi arriada em Mansoa,
Pondo termo a séculos de História maravilhosa,
Pela derradeira vez... em cerimónia digna da “Coroa”,
Perante multidão exultante... e soldados da Nação briosa.
E, assim, a Guiné... sua sorte... embarcou em nova canoa!

(continua)
Um abraço,
Magalhães Ribeiro
ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74

Documentos e fotos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de M.R.:
Vd. os dois postes anteriores desta série em:


Guiné 63/74 - P7399: In Memoriam (66): A morte dolorosa de um dos últimos homens a chegar a Gandembel, o ex-Alf Mil João Barge (1944-2010)



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 26 de Junho de 2010 > V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné >  O  João Barge,  levado pela mão do seu camarada da CCAÇ 2317, o Idálio Reis...




Leiria > Monte Real > 2º almoço-convívio da Tabanca do Centro > 26 de Fevereiro de 2010 > Restaurante Montanha > Dois homens de Gandembel, João Barge e Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Gandembel / Balana, Buba,  Nova Lamego, 1968/70).



Fotos: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados

1. Mensagem do Idálio Reis (ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, Ganbembel, Balana, Buba, Nova Lamego, 1968/70) [, foto à esquerda]:

IN MEMORIAM: A morte dolorosa de um dos últimos homens a chegar a Gandembel: o ex-alferes João Barge

A efemeridade da vida. Aos 66 anos de idade, o João deixou-nos mais sós, e numa indelével e profunda consternação os seus entes mais queridos, onde incluo com um carinho muito especial a sua mãe.

O Barge chega a Gandembel, em rendição individual, para substituir o Francisco Trindade, atingido gravemente por uma mina anti-pessoal no fatídico local de Changue-Iaia. Estava-se em meados de Outubro de 1968, quando um estudante de Coimbra quase a finalizar o seu curso, chega àqueles aterradores confins de África.

Tendo sido bem recebido por todos, soube adaptar-se com enorme senso ao seu grupo de combate. Felizmente que a situação geral de Gandembel/Ponte Balana havia melhorado substancialmente, graças à acção notável que os pára-quedistas tinham conseguido levar a efeito.

Nos outros lugares, Buba e Nova Lamego, o João Barge haveria de continuar com a sua CCAÇ. 2317, até esta acabar a sua comissão.  E a ele, faltava-lhe contar os últimos meses, agora em Bissau e entregue à parte logística de envio de víveres para as forças de quadrícula disseminadas pela Província.

No Gabú, onde a guerra se nos arredou em definitivo, relembro a sua intensa azáfama em preparar as últimas cadeiras do curso, que após o seu regresso definitivo, haveria de concretizar muito rapidamente.

Só nos viemos a reencontrar há cerca de 3 anos, já ele estava aposentado após um desempenho brilhante como Professor do Instituto Politécnico de Leiria. E a partir daqui, íamo-nos encontrando ainda que esparsamente, e uma das últimas vezes em que o instiguei a estar presente, foi ao último convívio da Tabanca Grande. Aqui, uma malta contemporânea de Buba, com o Carlos Nery a merecer justa honra de capitanear, viríamos a preencher uma mesa em franca confraternização. 

Morre ainda relativamente novo, vítima de um tumor maligno e num espaço de tempo muito curto. Num ápice, uma folha de Outono tomba para sempre. Somos nada, perante tamanhas adversidades, e que nos espreitam e avassalam a todo o momento. 

A notícia da morte do João [, foto à esquerda,] foi-me dada em primeira mão pelo Carlos Nery, em voz de grande comoção. 

E hoje, com outro companheiro - o seu ex-furriel Nabais Pinheiro- residente em Alcobaça, deslocámo-nos a Leiria para nos despedirmos de um homem simples, afável, reservado, de uma enorme estatura intelectual, que nos faz falta. Deixa-nos mais pobres, pois a perda de um amigo é sempre uma fatalidade pesarosa.

Pediu para ser enterrado na sua Murtosa, a terra das suas gentes, que o viu nascer. E aí jazerá eternamente.

Uma das suas filhas entregou-nos um pequeno cartão onde se pode ler:

"Cada pessoa que passa na nossa vida é única e não nos deixa só, porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. É esta a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que essas pessoas não se encontram por acaso…" 


O João Barge, de todo, não conseguiu resistir. Talvez, neste dia de o homenagear mais sentidamente, o do seu definitivo adeus, um turbilhão de sentimentos e comoções mais transparece nas preces que lhe endereçámos. Curvemo-nos em silêncio à perenidade da sua memória.

Até sempre, bom amigo.

Um forte abraço a toda a Tertúlia do Idálio Reis.

Guiné 63/74 - P7398: In Memoriam (65): Faleceu o nosso camarada João Barge, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Tertúlia / Editores)

1. O nosso camarada Hugo Guerra, por contacto telefónico, deu-nos ontem conhecimento do falecimento de João Barge* (foto à esquerda), amigo de Carlos Nery e do Rui Barbot / Mário Cláudio  e camarada de Idálio Reis na CCAÇ 2317 (Gambembel, 1968/69).

Tanto quanto é possível saber-se, o seu funeral terá ocorrido hoje nas Caldas da Rainha.

Queremos deixar à família,enlutada, e em especial à sua filha Maria do Carmo Barge,  deste malogrado camarada e amigo, as nossas mais sentidas condolências.

Cada camarada que morre leva um pouco do nosso colectivo de ex-combatentes. Somos cada vez menos para contar quão grande foram o nosso sofrimento e o nosso sacrifício e para exigir o devido reconhecimento.

Aqui fica nestas fotos a nossa singela homenagem a um tertuliano que não teve muito tempo nem saúde para nos contar pormenores da sua passagem por terras da Guiné, onde foi Alf Mil ao serviço da CCAÇ 2317.


Bissau > João Barge, com 15 meses de comissão


Bissau > João Barge e Rui Barbot (Mário Cláudio)


Gandembel (Ponte Balana) > Dezembro de 1968 > João Barge à entrada do abrigo onde dormia com os seus camaradas.



João Barge no papel de Mr. Martin na peça "A Cantora Careca", levada à cena em Abril de 1970 em Bissau e encenada por Carlos Nery. Vd. Poste 6935*.


Representação da peça "A Cantora Careca", de Ionesco, encenada em Bissau pelo Cap Mil Carlos Nery  > Casal Martin (João Barge e Maria Guilhermina)


João Barge com o seu "encenador" Carlos Nery (ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2382), no V Encontro da Tertúlia, em Monte Real, em Junho passado. Encontraram-se justamente aqui, neste dia, ao fim de 40 anos!!!
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

3 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)
e
4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6935: A Cantora Careca, estreado em Bissau no dia 5 de Abril de 1970 (Carlos Nery)

Vd. último poste da série de 29 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7357: In Memoriam (64): Hoje faleceu o Alfredo Dinis (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)

Guiné 63/74 - P7397: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (3): O segundo dia em Bissau

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Dezembro de 2010:

Caríssimo Carlos,
Tenho trabalho em Faro na 2ª e na 3ª feira, volto à escrita na 4ª.
Por favor, não te esqueças de legendar aquela tocante página referente ao Pel Caç Nat 63, o Jorge Cabral não me perdoaria a omissão.
A seguir, vou para Bambadinca, há um lote de sexagenários à minha espera. E depois parto para o território que percorri em todos os sentidos. E irei pela primeira vez aos diferentes territórios do então inimigo, em Madina e Belel, para lá do Poidom e na Ponta do Inglês.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (3)

Beja Santos

O segundo dia em Bissau

1. Engolido um croissant sensaborão com café instantâneo, o Tangomau lança-se na Pansao N’Isla, há uma luz crua que torna a laterite ainda mais afogueada. Pela primeira vez dá consigo a pensar que cada edifício tem um guarda, habitualmente um idoso ou um jovem segurança, parece ser uma actividade que não predispõe pessoas de meia-idade. A cidade tornou-se insegura, não há empresa ou cidadão com algumas posses que não recorra a um anjo da guarda de assaltos à mão armada. Inflecte novamente para a Praça dos Heróis Nacionais e confirma que as ondulações do monumento que na era colonial foi dedicado “ao esforço da raça” são ocupadas por seres humanos que delas fazem sofá, tal a sombra que oferecem.

Descendo a Avenida Amílcar Cabral, dois quarteirões à frente interpela o segurança da casa do Eng.º Filinto Barros, com quem tem entrevista aprazada. Cerca de 19 anos antes, era o Eng.º Filinto, Ministro da Indústria e dos Recursos Naturais, quando o Tangomau chegou à Guiné para propalar algum ideário básico acerca do consumo essencial e das coisas que se podiam fazer para minorar a degradação das condições de vida. Ao tempo ainda se fizeram uns 6 programas televisivos, tudo acabou na descontinuidade, como é uso e costume. É um reencontro cordial, traz-se uma lembrança, precisamente alguns exemplares do Kikia Matcho, uma pequena jóia literária, o desalento de um combatente do PAIGC que acaba na mais profunda das solidões, ignorado mesmo pelos parentes mais novos. A conversa começa exactamente pela crítica que o Eng.º Filinto faz neste romance à desordem urbana, à exibição anárquica dos lixos e à morte dos jardins. Perdeu-se o culto pelo asseio público, o trivial a escarrar, atirar embalagens, cascas de banana, em qualquer segmento da via pública. O Eng.º Filinto fala do que anda a escrever, mais uma obra de ficção que tem como cenário o conflito político-militar e também um ensaio sobre a política económica do tempo de Luís Cabral.

O que o Tangomau vem propor é que se encontre uma pauta comum, um espaço de diálogo entre antigos combatentes, para se falar das suas visões e experiências quanto à guerra e o Outro, tudo para publicar em livro. Toda a gente sabe o muito que há por fazer: comparar os relatos, nos dois campos, confrontar, se possível, poesia e prosa, fazer recurso às memórias, relatos dispersos, relatórios de operações, o que houver. Do lado do PAIGC, observa o dono da casa, perdeu-se muita documentação e há silêncios consentidos, prudentes. Tem conhecimento de algumas iniciativas, propõe, quando o Tangomau regressar do Leste, que haja um encontro com um dirigente histórico, Chico Bá, que se envolveu num projecto com Mário Cabral e Gil Fernandes e que tem a ver com o cruzamento de testemunhos durante o antes e o após a independência, é um exercício de diferentes experiências.



2. Novamente na Embaixada, recomeçam os telefonemas, é preciso descansar o Fodé, informar o anfitrião do Bairro Joli, depositar as últimas encomendas. E começa a descida para a Baixa de Bissau, primeiro pergunta-se no serviço de impostos se está Mamadu Soaré Soncó, aquele menino que queria vir para Portugal no fim da comissão do Tangomau, em 1970. Não estava, fora ver ao hospital o irmão Quecuta, que estava muito mal. Nas ruas por onde passava era interpelado por muitos jovens, instado a cambiar euros ou dólares por francos CFA. É um ambiente que tresanda aos expedientes de gente sem trabalho. Em frente ao mercado central, parou estarrecido diante de uma porta de ferro presa a cadeado: lá dentro fora tudo consumido por um incêndio, agora o mercado era ali à volta, alfaiates, peixaria, consertos de viaturas, os sapateiros aprimoram calçado com agulhas prodigiosas. O Tangomau pergunta pelo Solar do Dez, alguém indica um local onde agora funciona uma discoteca.

A temperatura sobe, a garrafa de litro e meio, encetada nos alvores da manhã, está quase vazia. Segue-se a peregrinação ao local onde funcionou o Comando da Defesa Marítima da Guiné, foi ali que o Tangomau avistou o comandante Teixeira da Mota, em 1969. Pede licença para tirar uma fotografia à guarita, que se mantém ajanotada. Seguem-se prolegómenos de consulta, vem um oficial de dia que autoriza o registo.

Quando se despedem, ele aborda o Tangomau: “Não tens aí 5 mil francos para mim?”. O interpelado não esconde o horror da pergunta, e foge em direcção ao Pidjiquiti e daqui sobe até à Pensão Central onde o aguarda uma deliciosa canja de ostra, uma boa posta de sereia com batata cozida e duas rodelas de papaia ao ponto. Sente-se sonolento, olha tristemente a laterite que se colou aos sapatos, coça as canelas, é por que as poeiras vão subindo à procura do suor pegajoso. Vai para a varanda e lê umas páginas de “O Poder e o Povo”, de Vasco Pulido Valente, não sabe a que propósito é que trouxe este ensaio demolidor sobre os fiascos do 5 de Outubro, vem ali a história do Partido Republicano Português que não se conta habitualmente nas escolas, também ali se demonstra, preto no branco, que houve mais perseguições e desordem na I República que nos tempos da Monarquia.

E adormece, foram os minutos reparadores, pelas três da tarde apareceu o Delfim Silva, segue-se um encontro em que se fala sobre a historiografia do PAIGC, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros faz observações sobre essas lacunas, a conversa centra-se sobre o que se passou na Guiné e no PAIGC entre 1973 e 1974. O Delfim deixa o Tangomau no INEP, ele vai dar aulas ali perto, Mamadu Jao, o director, mostra-se receptivo a apreciar uma proposta de investigação em torno das memórias do lado português e guineense, durante a luta armada e pós-independência, investigadores não faltam, o que é cada vez mais minguado é o financiamento dos projectos.

No regresso, o Tangomau mete-se na confusão do mercado de Bandim, pergunta por panos manjacos, foi um insucesso total. É nisto que passa Mamadu Jao, vai a caminho da cidade, dá-lhe boleia, deixa-o à porta do cemitério. O calor não abranda e não se vislumbra a chegada do fim do dia. O talhão dos combatentes está limpo, alguém no cemitério explica que andaram por ali a fazer limpezas à volta do 1 de Novembro. Ele ciranda em torno doutro talhão, correspondente às campanhas de pacificação, ali ao menos há um monumento condigno, não percebe porque é que os soldados mortos durante a guerra colonial não têm direito a um monumento, uma qualquer evocação.

Reza por todos os mortos e sai para a torreira do sol, contorna a Amura, conversa com uma sentinela, não vale a pena insistir, não se pode entrar naquela área militar, mesmo para ver o túmulo de Amílcar Cabral. Mais abaixo, procura vestígios do restaurante Pelicano e o que ali encontra, sem exagero, são escombros. Atónito, interroga os passantes, é tudo muito difícil, são dadas algumas respostas breves em crioulo, dá para entender que o Pelicano caiu para nunca mais se levantar. Agora é que o Tangomau se sente descorçoado, sobe a Pansao N’Isla à procura de um duche na Pensão Lobato.


A casa de banho está na mesma. Brunido e penteado de fresco, parte à procura da janta. Entra no restaurante Jordani e pede dois ovos estrelados com batatas fritas. Regalado, numa cidade sem iluminação, com os passeios aos altos e baixos, saltita ao sabor dos fogachos dos faróis. Pega no Pulido Valente e lê mais umas páginas, são greves, ajustes de contas, perseguição de padres. Vai adormecendo, embalado pela certeza que amanhã chegará a Bambadinca.
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Nota de CV:

Vd. postes de:

4 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7379: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (2): O primeiro dia em Bissau
e
5 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7384: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (1): Dias 18 e 19 de Novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7396: (Ex)citações (117): Transição da Soberania da Guiné, Idiotas e Ressabiados (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 6 de Dezembro de 2010:

Carlos, meu amigo
Junto-te aqui mais um texto, desgraçadamente mais uma vez, não de raiz de origem minha, mas enxerto em árvore de outro homem do pomar.
Naturalmente que espero que uses o espaço e o tempo para a edição de forma a que não ocupe eu o que é colectivo.

Um abraço
José Brás


TRANSIÇÃO DA SOBERANIA NA GUINÉ
Idiotas e Ressabiados


Sinceramente gostei da desassombrada franqueza do nosso camarigo editor do blogue, na declaração contida na sua entrada sobre o render da bandeira portuguesa em Mansoa.
E por ter gostado, transcrevo dela a parte que mais gosto e construo outra peça em três partes e um epílogo, garantindo desde o meu agradecimento e o abraço de camaradagem que nos une na Tabanca Grande


I.ª PARTE

Sou leonês, juro aqui solenemente, que sou leonês dos sete costados, fiel a Afonso VI; Rei de Leão e Castela, e com ele profundamente envolvido na luta pela expulsão deste meu território cristão que se estende desde as faldas dos Pirinéus, até ao extremo limite do mar Atlântico a Oeste e a Sul, após dezenas de batalhas e escaramuças com primos e irmãos pela posse e domínio completo desta nossa Hispânia imperial, junta no esforço e no sangue de tantos heróis guerreiros e legitimamente una sob a bandeira de nosso reino e de nosso senhor.

E crendo nisso acima de todas as coisas, crenças e pretensões, revolta-me, irrita-me e desgosta-me profundamente, ler e ouvir tanto dislate e tanta burrice em inúmeras declarações de chamados portucalenses, que, ou são ignorantes, ou são ressabiados e, ou, fantoches apalhaçados de certas filosofias estrangeiras, querelas entre bispos e chefes de condado, separadores daquilo que a nossa luta havia juntado com tanto sacrifício.


E se os idiotas estão perdoados por motivos óbvios, já o mesmo não se pode dizer dos ressabiados que com as suas serventias lacaias, deturpam factos e acontecimentos que, de algum modo, podem vir a ser fatais à honestidade, lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais que a esta matéria são, e serão, dedicadas na História de Leão e Castela.


II.ª PARTE

Juro que sou sarraceno, árabe crente profundo do islão, cavaleiro servindo desígnios de Tárique e no esplendor de seu nome, o tarifado Al-Andaluz, território que se estende desde os limites das Astúrias até até ao extremo limite do mar Atlântico a Oeste e a Sul, após dezenas de batalhas e escaramuças entre irmãos árabes e Califas pela posse e domínio completo destas terras nossas por conquista a duras custas em sangue e morte que são parte integrante e natural da expansão muçulmana pelas terras a norte de nosso mar.

E crendo nisso acima de todas as coisas, crenças e pretensões, revolta-me, irrita-me e desgosta-me profundamente, ler e ouvir tanto dislate e tanta burrice em inúmeras declarações de seguidores do visigodo Pelagio que, ou são ignorantes, ou são ressabiados e, ou, fantoches apalhaçados de certas filosofias de cruzados estrangeiros e cristãos, assaltantes de nosso território sagrado e do islão profundo.

E se os idiotas estão perdoados por motivos óbvios, já o mesmo não se pode dizer dos ressabiados que com as suas serventias lacaias, deturpam factos e acontecimentos que, de algum modo, podem vir a ser fatais à honestidade, lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais que a esta matéria são, e serão, dedicadas na História de meu povo sarraceno e de meu Deus supremo.



III.ª PARTE

Nobre romano me confesso, comandante de legiões que atravessaram e conquistaram largos territórios, dominando gálios e saxões, subindo e descendo serras até essa longínqua Ibéria que se estende dos cumes pirenaicos até ao extremo limite do mar Atlântico a Oeste e a Sul, após dezenas de batalhas e escaramuças com povos bárbaros, Tartessos, Cónios, Celtas e, sobretudo, com uma aguerrida tribo de lusitanos comandados por Viriato, consolidando a Oeste o vasto e natural e amado Império Romano.

E crendo nisso acima de todas as coisas, crenças e pretensões, revolta-me, irrita-me e desgosta-me profundamente, ler e ouvir tanto dislate e tanta burrice em inúmeras declarações de seguidores dos povos do Islão que, ou são ignorantes, ou são ressabiados e, ou, fantoches apalhaçados de certas filosofias africanas e de deuses estrangeiros e pagãos em prejuízo de nosso direito territorial e de César.

E se os idiotas estão perdoados por motivos óbvios, já o mesmo não se pode dizer dos ressabiados que com as suas serventias lacaias, deturpam factos e acontecimentos que, de algum modo, podem vir a ser fatais à honestidade, lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais que a esta matéria são, e serão, dedicadas na História de Roma Imperial



FINAL

Eu Português me confesso, transmontano, beirão, algarvio, descobridor de novos mundos, cruzador de mares e de terras, pioneiro, bandeirante, pacificador de negros e de índios, construtor do vasto Império que se estende da Península Ibérica pela costa de África, pelo Oriente até à longínqua Índia e pelo Poente ao Brasil e outras partes, com o extremo sacrifício da Coroa portuguesa, de marinheiros, cavaleiros e infantes; pela dor e morte de tantos e tão ousados heróis, submetendo terras, povos e bens ao domínio português e ao ensino do cristianismo.

E crendo nisso acima de todas as coisas, crenças e pretensões, revolta-me, irrita-me e desgosta-me profundamente, ler e ouvir tanto dislate e tanta burrice em inúmeras declarações de seguidores dos povos das colónias, que ou são ignorantes, ou são ressabiados e, ou, fantoches apalhaçados de certas filosofias de liberdade e do direito dos povos, de Tiradentes e do Imperador D. Pedro, da rainha Ginga, de Gungunhana e tantos traidores aos supremos e naturais direitos da Corôa portuguesa sobre estas terras de Vera Cruz, Moçambique, Goa, Damão e Diu, Angola e Guiné.

E se os idiotas estão perdoados por motivos óbvios, já o mesmo não se pode dizer dos ressabiados que com as suas serventias lacaias, deturpam factos e acontecimentos que, de algum modo, podem vir a ser fatais à honestidade, lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais que a esta matéria são, e serão, dedicadas na História de Portugal.


Devo esclarecer que me dei a este trabalho desajeitado e historicamente não muito rigoroso e sem preocupação com o rigor histórico, apenas porque fiquei sem saber em que faixa me cabe, se a dos idiotas, se a dos ressabiados, desorientação que a mim muito penalizaria por aqui estar sem astrolábio, nem sextante, nem bússola, nem GPS.

Ao Magalhães Ribeiro, ao menos pela sua franqueza, pretendo homenagear e abraçar como camarigo e amigo para sempre, sejam quais forem as diferenças que aparentemente nos separam sobre esta questão…apenas.

José Brás

OBS:- Negritos e itálicos da responsabilidade do editor
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7389: (Ex)citações (116): Ainda os Mig... e outras coisinhas (José Brás)