segunda-feira, 2 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli / Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52)

Guiné > Região Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > O novo destacamento do Mato Cão, no tempo em que o Pel Caç Nat 52 era comandado pelo Alf Mil Joaquim Mexia Alves (1972/73). No tempo do Beja Santos (1968/70), a segurança às embarcações que passagem pelo Geba Estreito, em Mato Cão, era assegurado por diversas forças, que estavam sob o comando do batalhão sedeado em Bambadinca, desde a CCAÇ 12 até aos Pel Caç Nat (52, 53, 54, 63). O Joaquim Mexia Alves sucedeu ao Wahnon Reis e ao Beja Santos no comando do Pel Caç Nat 52. Visto do ar, o destacamento era um buraco, como tantos outros, onde flutuava a bandeira verde-rubra (se é que tinha pau da bandeira!)

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem de Nuno Almeida, ex-mecânico de helicópteros, a quem agradeço este depoimento e convido para aderir à nossa tertúlia (LG):

Camarada Mexia Alves:

Estava a ler o blogue do Luís Graça e vi a sua referência a Mato Cão (1), o que me fez recordar um episódio, não sei se passado, também, consigo e que passo a relatar:

Fui mecânico de helicópteros da FAP e cumpri o ano 1972 na Guiné. Um dia, creio que no Verão de 1972, fui com um heli fazer o que, creio, se chamava o Comando de Sector (levar o Coronel de Bambadinca a visitar os aquartelamentos)(2).

Fomos visitando vários locais e, quando sinto o piloto fazer manobra para proceder a uma aterragem, fico em estado de choque, pois não se vislumbrava nada no terreno que indicasse haver ali alguém ou algo minimamente capaz de albergar seres humanos. Inicialmente temi que o piloto tivesse detectado alguma falha no aparelho e fosse aterrar para que eu verificasse a condição do mesmo e poder continuar a voar. Mas quando aterramos (num espaço de mato desbravado e completamente inóspito), e a intensa poeira, levantada pelas pás do heli, começa a assentar, vejo surgirem, de buracos cavados no chão, homens em estado de higiene e aspecto físico degradantes (pelo menos aos olhos dum militar que dormia em Bissau e tinha água corrente para se lavar a seu bel prazer).

Chocou-me, e ao piloto também, a situação sub-humana em que esses homens estavam a viver.

A sua reacção, ao verem o Coronel, foi a de parecer que o queriam linchar, tal era a sua revolta pelo que estavam a ser obrigados a suportar.

Quando regressámos a Bambadinca, o piloto foi ao bar e comprou dois pacotes de tabaco Marlboro, escreveu neles algo que creio foi: "com a amizade da Força Aérea", e quando passámos à vertical de Mato Cão largámos esses pacotes, querendo demonstrar a nossa solidariedade para com quem tão maltratado estava a ser.

Mais tarde, em Novembro de 1972, fui ferido, ao proceder a uma evacuação, na mata de Choquemone, em Bula, e aí melhor me apercebi das privações e sobressaltos que, a todo o momento, uma geração de jovens, na casa dos 20 anos, foi obrigada a suportar, adquirindo mazelas físicas e, principalmente, psicológicas, que ainda hoje perduram, e que muitos teimam em não aceitar que existem e estão latentes no nosso dia-a-dia.

Abraços, do ex-1º cabo FAP Nuno Almeida (o Poeta)

2. Resposta do Joaquim Mexia Alves > Ex- Alf Mil Op Esp, esteve na Guiné, entre Dezembro de 1971 e e Dezembro de 1973, tendo pertencido à CART 3492 (Xitole), ao Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e à CCAÇ 15 (Mansoa); nunca esteve sedeado em Bambadinca, mas sim no Rio Udunduma e no Mato Cão, destacamentos do Sector L1 (Bambadinca); ia de vez em quando à sede do Batalhão (BART 3873, 1972/74), a que estava adida a CCAÇ 12, nessa altura comandada pelo Cap Op Esp Xavier Bordalo.

Caro Nuno Almeida:

Obrigado pela tua mensagem. No Verão de 1972 ainda não tinha chegado ao Mato Cão, pois apenas lá assentei arraiais no começo de Novembro desse ano.

Lembro-me nessa altura de uma visita do Comandante ao Mato Cão num helicóptero e que não o recebemos propriamente de braços abertos, mas poderá ter sido outra visita, o que já me parece muito, duas visitas em tão curto espaço de tempo.

Posso estar enganado e ter sido mais tarde, mas julgo que foi antes do Natal. Para o caso não tem importância.

Realmente, aos olhos de quem estava em Bissau, a situação era terrível, mas tomávamos banho (!!!), era de lata de pessego em calda, junto ao rio Geba, que era o que se podia arranjar.

Não tinhamos luz e realmente estávamos enfiados no chão, embora fizéssemos uma vida normal.

Ainda não pertences à tertúlia deste blogue? Se não pertences, e como dou conhecimento destes mails ao Luis Graça, nosso comandante, poderás contactá-lo via correio eletrónico e passar a fazer parte do blogue dando-nos a conhecer a tua experiência, que pelo que leio deve ser muito rica.

Ah, aqui tratamo-nos por tu.

Mais uma vez, obrigado pela mensagem e um abraço forte do
Joaquim Mexia Alves
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. alguns posts com referências ao Mato Cão (para além da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos):

25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1875: Estórias avulsas (6): Há coisas na guerra que só se podem fazer com 'boa educação' (Joaquim Mexia Alves)

27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

(2) Possivelmente tenente-coronel... Bambadinca, sede do sector L1 da Zona Leste, tinha o comando e a CCS do BART 3873 (1972/74).

Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)


Capa e contracapa do livro do nosso camarara Mário Vicente [Fitas], Pami Na Dondo, a Guerrilheira

Mensagem do A. Marques Lopes, com data de 26 de Junho último:

Caros camaradas

Para a nossa bibliografia sobre a guerra vai a capa e contra-capa do livro Pami Na Dondo, a Guerrilheira, da autoria do nosso tertulaiano Mário Vicente [Fitas Ralheta] (1). Teve a amabilidade de nos oferecer esta obra e eu aceitei, e já lhe disse que vai ser o primeiro livro a ler durante as minhas férias, que começarão na Nazaré já na próxima sexta-feira.

É uma edição do autor, de Julho de 2005, patrocinada pela Junta de Freguesia do Estoril. O Prefácio é da autoria do Coronel Carlos da Costa Campos, e diz assim (Subtítulos da responsdabilidade do editor do blogue):


Entre a ficção e a realidade


"Nesta obra, de forma peculiar, o autor apresenta-nos a bajuda (nativa jovem e ainda virgem) Pami Na Dondo - A GUERRILHEIRA - e por ela vamos saber como na Guiné, entre os seus naturais, nasceu a ideia de Nação e como surgiu o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde).

"A obra oscila entre a ficção e a realidade, bem documentada, descrevendo o ambiente e as personagens; somos assim postos perante a profundidade de um romance e não face à superficialidade de qualquer outro tipo de narrativa.

"Assim, somos transportados desde a vivência dos militantes do PAIGC até à acção e forma de viver dos soldados que compõem a Companhia de Caçadores 763, uma Unidade do Exército Português onde o autor esteve integrado, numa comissão de serviço militar na Guiné Portuguesa.


A odisseia da jovem Pami Na Dondo


"Ao longo do texto vamos de mãos dadas com a jovem Pami Na Dondo que nos narra a sua infância e adolescência, as peripécias que viveu, até que, já mentalizada, se transformou numa guerrilheira do PAIGC mais tarde, e por via dos factos, é feita prisioneira pelos militares que ela combate e, retida no interior do seu Aquartelamento com o seu espírito de observação, tem a oportunidade de nos poder denunciar o procedimento e as personalidades daqueles que ela tem por seus inimigos.

"Pami Na Dondo conta-nos como chegou à noção de Nação, como ajudou a diluir os antagonismos existentes entre os diversos grupos étnico-tribais, acabando por aderir ao PAIGC que para ela seguia a prossecução dos objectivos que ela também visava.

"Pelos olhos dela vamos assistir ao desenvolvimento do PAIGC desde os seus primórdios até ao seu completo amadurecimento e, quando mais tarde prisioneira, ficamos a saber o seu comportamento e pensamentos relativos aos seus captores.

"A acção desenrola-se no Sul da Guiné, nos princípios de 1965, e gira em torno das actividades de uma Companhia de Caçadores e é pelos olhos de Pami Na Dondo que vamos tomar contacto com diversos elementos daquela Companhia.

"Pami Na Dondo alista-se nas hostes da guerrilha que dominava aquela zona de território e, por motivo de um acidente que lhe incapacita um dos braços, acaba como professora do PAIGC devido à sua formação escolar e pelo facto de falar correctamente o português, o que a recomenda para tal função. É na escola que ela mentaliza e doutrina os futuros guerrilheiros e lhes dá paralelamente a correspondente pre paração escolar (2).


O génio de Amílcar Cabral


"À data em que se inicia a obra, a acção subversiva interna já atingiu a 4ª Fase (criação de Bases e de forças pseudo-regulares). Isto só foi possível em tão curto espaço de tempo, pelas qualidades de Amílcar Cabral, Fundador do PAIGC, homem esclarecido e determinado, cabo-verdiano, engenheiro agrónomo formado no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, e que antes prestara serviço nos Serviços de Agricultura de Bissau, tendo passado à clandestinidade por dissidências com os seus colegas europeus.

"De vontade firme e forte, homem culto, Amílcar Cabral procede ao recrutamento dos futuros guerrilheiros, atenua as divergências étnicas entre aqueles que vão cooperar com ele, cria entre todos a noção de Nação e, dirigindo a subversão externamente através do Comité Revolucionário, instalado em Conakry, articula rapidamente as forças do Partido com o apoio dos países de Leste".

"Refira-se como curiosidade que os EUA se deixaram atrasar na corrida ao apoio dos diversos "grupos de libertação nacional", mas apesar disso ainda conseguem colocar no porto de Conakry um navio-hospital para tratamento dos guerrilheiros feridos do PAIGC.

"Ao atingir a 4ª Fase da subversão Amílcar Cabral tinha o território dividido em Regiões e Zonas sendo as zonas divididas em Áreas cujas Bases foram estabelecidas nas matas de muito difícil acesso.

"As Forças Armadas Revolucionárias Populares (FARP) são constituídas pelo Exército Popular (EP), Guerrilha Popular (GP) e Milícia Popular (MP). Estas últimas são o instrumento local de defesa e vigilância das populações.

"Nas tabancas (povoações) das zonas que considera libertadas, nomeou responsáveis -2 homens e 2 mulheres- que constituem o comité da tabanca, controlando os movimentos dos elementos combatentes e também da própria população.

"As bases dispõem de escolas que fazem a doutrinação dos jovens ao mesmo tempo que desenvolvem uma intensa campanha de alfabetização das massas. É numa destas escolas que Pami Na Dondo lecciona dando todo o seu empenho ao Partido.

"A guerrilha é a base de recrutamento do Exército Popular e actua regionalmente apoiando a MP e o EP.

"Os 1°-, 2°- e 3°- comissários militares, os 1°-, 2°- e 3°- comissários políticos, são as categorias dos chefes existentes nas FARP. Os elementos combatentes são militantes (EP), guerrilheiros (GP) e milicianos (MP), e revelam-se atacando ou flagelando os quartéis, alvejando aviões ou embarcações, implantando abatises, minas e armadilhas nos itinerá rios, destruindo pontes ou casas de alvenaria, coagindo as populações e exercendo represálias. Furta-se normalmente ao contacto com as tropas regulares, mas resiste nos locais de refúgio. Ataca ou flagela as tropas quando estas estão a destruir as tabancas abandonadas pela população ou estão a remover os abatises colocados nos itinerários.

"É dentro deste ambiente e vivendo esta situação que vamos encontrar a bajuda Pami Na Dondo que nos descreverá quanto se passa sob os seus olhos, o que ouvem os seus ouvidos e, enfim, descobrindo os seus pensamentos e raciocínio.


Guerrilha e contraguerrilha: a imprepação do exército português

"Convêm acrescentar que o PAIGC bem treinado e mentalizado, desfruta de uma vantagem ímpar: enfrentava e dava luta a um exército que não fazia a mais pequena ideia do que era a luta de guerrilhas onde o inimigo pode surgir de qualquer direcção, que se esvaía no seio da população - como o peixe na água - com superioridade de armamento, o que nada tinha a ver com a guerra convencional que se ministrava nas escolas militares.

"No Exército o oficial de patente mais elevada que pisa o terreno, que enfrenta o guerrilheiro e que tem de resolver todos os problemas de ordem logística que se lhe deparam diariamente, é o Capitão. O capitão tem de possuir caracter e personalidade, é orgulhoso e cheio de brio, tem coragem física e destemer, não evita o combate com o inimigo e no decorrer da actividade operacional procura sempre ter do seu lado a iniciativa das operações, com o intuito de retirar o espaço de manobra ao guerrilheiro.

"Um capitão consciente procura compreender a guerrilha e as populações e preparar-se para em comissões futuras poder aplicar da melhor forma os conhecimentos colhidos. Com o decorrer dos anos muitos desses capitães, de novo no T.O. (Teatro de Operações) ou ainda capitães ou já promovidos a majores, vão dar o seu melhor na contenção da guerrilha. Infelizmente o Exército vai buscar os melhores para os ingressar no Corpo do Estado Maior (CEM), desfalcando os operacionais, o que se torna grave com a falta de quadros de capitães tendo de se recorrer a capitães milicianos sem qualquer vocação ou preparação para a guerra.

"O CEM é um escol onde não se toca a não ser para funções políticas, governamentais ou diplomáticas, o que não tem implicações directas na guerrilha que se enfrenta; assim, ficam por aproveitar os possíveis ensinamentos que eventualmente pudessem ser aplicados no terreno.

"Por outro lado, e infelizmente, os oficiais superiores (majores e tenentes-coronéis, nomeadamente) trabalham nos QG (Quartel General) ou Agrupamentos de forças e não faziam ideia do que era a luta de guerrilhas, não baixam ao terreno e limitam-se a manterem-se nos PC (Posto de Comando) durante o desenrolar das operações pelo que as suas instruções (e mesmo as Ordens de Operações) se tornam razoavelmente irreais ou de difícil cumprimento.

Uma unidade de excepção: A CCAÇ 763


"Enfim, e apesar de todas as dificuldades, é de justiça mencionar que a Companhia de Caçadores 763 conseguiu pacificar a sua Zona de Acção. Apesar de tantas vicissitudes é com prazer e orgulho que realçamos a acção da CCAÇ 763 a cujos efectivos pertenceu o autor.

"A CCAÇ 763, transportada no M/M Timor, chega a Bissau em 17/ 02/1965 e em 17/03/1965 ocupa a Zona de Acção (ZA) que lhe foi atribuída, entrando em quadrícula em CUFAR, no Sul da Guiné (3).

"A Companhia empenha-se operacionalmente com um sentido de missão e de patriotismo dignos de registo, não há interrogações sobre as razões por que ali se encontram, não havendo a registar um único caso de deserção, toma a iniciativa das operações tácticas desalojando os guerrilheiros dos seus refúgios o que permite desarticular a guerrilha que perde totalmente o controlo da situação; por outro lado constróem-se as infra-estruturas do futuro aquartelamento, cria-se um campo de futebol, um de voleibol e um de badmington, por forma a manter os seus elementos permanentemente ocupados.

"Não deixamos de mencionar que a Companhia, por sua iniciativa e à revelia do Exército, consegue recrutar ainda em Lisboa oito cães Pastores Alemães (6 machos e duas fêmeas) aos quais tendo sido atribuídos os respectivos tratadores à custa dos seus efectivos, se ministrou instrução com vista ao seu emprego em patrulhas, guarda, sentinela, esclarecedor do terreno, ataque e combate, todos bastantes acarinhados pelo pessoal da Companhia, e tendo vindo a tornar-se extremamente úteis no decorrer das operações.

"Desenvolvendo a maior actividade em todos os sectores, sempre empenhados, em menos de seis meses a ZA foi pacificada, a guerrilha abandonou a zona e o contacto com as povoações vizinhas tornou-se um facto natural; a criação de uma escola dentro do aquartelamento para cento e oito (108) crianças, com um instrutor desportivo e um professor, e tendo os alunos direito ao pequeno almoço e almoço, foi um passo de grande valia no âmbito da acção psicológica sobre as populações. Por outro lado sendo a ZA maioritariamente Balanta (povo animista) e tendo a Companhia ao seu serviço um Pelotão de milícia nativa constituído por Fulas e Mandingas (povos vindo do leste de África e muçulmanos), e que tradicionalmente se odiavam, conseguiu-se um estreito espírito de cooperação entre todos, o que muito veio contribuir para o bom êxito das nossas actividades em todas as vertentes.

"O Governador e Comandante-chefe na altura, chegou a confidenciar a alguém que se tivesse seis Companhias como a CCAÇ 763 o problema da guerrilha estaria resolvido.

"Infelizmente este problema não foi resolvido, tendeu a agravar-se, considerando do nosso lado a falta de quadros preparados, e do lado da Guerrilha a sua melhoria em todo o tipo de armamento enquanto nós nos mantínhamos agarrados à G-3 e à bazooka.

"Em 1973 o PAIGC consegue abater no Norte da Guiné, numa única manhã, dois aviões Dornier e um avião T-6; no Sul em dias não consecutivos, abate dois aviões a jacto Fiat; estava detentor dos mísseis terra-ar, apanhando as forças Portuguesas completamente de imprevisto. Isto vem afectar seriamente a nossa cobertura aérea e o moral dos nossos soldados. No entanto, apesar de tão sérios revezes, continuou a lutar-se até ao dia 25/04/1974.

Putos, gândulos e guerra: uma autobiografia


"Vai longo o prefácio e há que dar a palavra a Pami Na Dondo.

"Mas não queremos terminar sem frisar que para nós foi extremamente honroso o convite do autor para elaborarmos este prefácio, que, esperamos, tenha servido para esclarecer alguns aspectos ligados à subversão na Guiné-Bissau.

"Ainda não há muito tivemos o ensejo de ler a obra do autor Putos, gandulos e guerra, uma autobiografia elaborada com bastante mérito, onde aborda a sua infância, adolescência e a passagem pelas fileiras do Exército.

"Agora, depois de tomado o contacto com a GUERRILHEIRA congratulamo-nos com o salto estilístico e linguístico que o autor sofreu, facto pelo qual o felicitamos vivamente.

"Um abraço ao Mário Ralheta na certeza de que no futuro saberá fazer jus às suas capacidades literárias, vindo a engrandecer as letras portuguesas.» (4)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

(2) Vd. post de 29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação

(3) Vd. post de 27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)


(4) O autor faz questão de oferecer, a quem o desejar, um exemplar do seu último livro Pami na Dondo, a Guerrilheira.


Contacto >

Mário Fitas

Rª D. Bosco 1106

2765-129 Estoril.

Guiné 63/74 - P1910: Cap Zé Neto (1929-2007): Homenagem da AD - Acção para o Desenvolvimento, de Bissau

Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 3 de Junho de 2007 > Cap Zé Neto (1929-2007).

O Capitão Zé Neto foi um dos grandes impulsionadores da Iniciativa de Guiledje, contribuindo com ideias, sugestões, conselhos e com o seu acervo documental constituído por fotografias, slides, memórias escritas, relatos e recordações de valor incalculável. Tudo isto colocou ele à disposição do futuro Arquivo Histórico-Militar de Guiledje. Uma parte desse espólio fotográfico pode ser visto em:
http://www.adbissau.org/adbissau/temasnaordemdodia/projectoguiledje/fotos.htm

Durante estes dois últimos anos foi um companheiro exemplar, dedicado e sempre interessado com os progressos que íamos fazendo, vivendo-os como uma segunda comissão de serviço em Guiledje. Conservava um amor e respeito por aqueles com quem conviveu durante os duros anos da guerra colonial. Lembrava-se de todos eles, um por um, e a recíproca também é verdadeira.

Faleceu na passada terça-feira, dia 29 de Maio de 2007, com a certeza que um dia irá voltar a Guiledje.

Foto e legenda: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). (Com a devida vénia...)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 31 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)

Guiné 63/74 - P1909: Amílcar Cabral e a questão colonial: projecto de investigação brasileiro (Paulo Franco)

Guiné > Amílcar Cabral (1924-1973), o fundador e o líder do PAIGC.

Foto: © CaboVerdeOnline.com (2006). Com a devida vénia...

1. Mensagem enviada, do Brasil, por Paulo Franco:

Eu, Paulo Fernando Campbell Franco, brasileiro, professor de História, sou mestrando em História Social, na Universidade de São Paulo. O tema do projeto de pesquisa que desenvolvo - Amílcar Cabral e a questão colonial - propõe estudar o pensamento de Amílcar Cabral (1924-1973) no período entre meados dos anos quarenta e início dos anos setenta do século XX, investigando as questões colonial e nacional que contemplavam estratégias de independência de Cabo Verde e da Guiné Portuguesa, tendo a cultura como elemento fundamental do pensamento e da praxis, que conferiu autonomia política aos povos da Guiné Portuguesa e Cabo Verde, mergulhados no colonialismo português.

Em primeiro lugar, parabenizo pelo Blogue Colectivo e o resgate da memória. Sabemos que não podemos nos dar ao luxo de esquecer, perder de vista a nossa memória, por mais pequenina que seja, pois nossa memória será sempre uma forma de costurar nossa história.

Pretendo, logo no início de 2008, realizar pesquisas nos arquivos portugueses. Tenho uma longa pesquisa a realizar e gostaria da sua permissão para mantermos contato, por intermédio desse E-mail.

Desde já os meus agradecimentos e abraços
Paulo Fernando Campbell Franco
2. Comentário do editor do blogue: Seja bem-vindo. Obrigado pela crítica (positiva) que faz ao nosso blogue. Gostei da sua expressão " resgate da memória"... Espero que o blogue também lhe possa ser útil no desenvolvimento do seu projecto de investigação. Contacte o Leopoldo Amado, o nosso Doutor em História Contemporânea, especialista da guerra de libertação da Guiné (1). E em português cá nos vamos entendo... Apareça. LG
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Nota de L.G.:

1) Vd. post de 29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1794: Blogoterapia (21): Falar da guerra, com pudor... e com alegria do novo Doutor, Leopoldo Amado (Luís Graça)

domingo, 1 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1908: Cap Cav Luís Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, morto no campo da honra, em incursão no Senegal (Afonso M.F. Sousa)

1. Mensagem do Afonso M. F. Sousa, em complemento de outra anterior sobre o caso do Cap Cav Luís Rei Vilar (1):

Caro amigo Luís:

Falei com o ex-furriel enfermeiro da CCAV 2538, o Jesus, que me deu a informação que o Manuel Rei Vilar procura (2). Tratou-se, efectivamente de uma emboscada que ocorreu no interior do Senegal, a cerca de 8 Km para lá da linha de fronteira.

Este capitão (de carreira) era muito aguerrido e, frequentemente, integrava operações de rotina. Esta era mais uma. Mas por azar seu, ter-se-á enganado nas coordenadas e penetraram até cerca de 10 Km no Senegal. Numa zona de clareira, já em retorno, foram surpreendidos pelos guerrilheiros do PAIGC.

A cerca de 2 metros do furriel Jesus, o capitão Luis Vilar tombou mortalmente (provavelmente um tiro no coração, conforme refere). Um nativo ficou sem uma perna, após accionar uma mina antipessoal. Foram ambos recolhidos e evacuados de helicóptero para Bissau, onde o africano viria também a falecer.

Um abraço
Afonso M. F. Sousa


2. Comentário de L.G.:

Agradeço esta preciosa informação prestada pelo Jesus, ex-Fur Mil Enf da CCAV 2538, ao nosso camarada Afonso Sousa (sempre tão diligente, generoso e solidário). Afonso, será possível obter o contacto (endereço postal, mail ou telefone) do Jesus, que assistiu à morte do seu comandante ? Possivelmente o irmão do nosso camarada, o Manuel Rei Vilar - que reside em França, sendo, ao que julgo saber, investigador do CNRS - gostará de contactar, pessoalmente, o Jesus. Aproveito para informar que há, em Cascais, uma rua com o nome do Capitão Rei Vilar. Será o mesmo oficial ?
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1903: Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, morto numa emboscada (Afonso M.F. Sousa)

(2) Vd. post de 30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1902: Manuel Rei Vilar, França: Quem conheceu o meu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, morto em Susana, em Fevereiro de 1970 ?

Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)

Guiné > PAIGC > A Libertação do Komo. In: O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 31. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966 >

Fotos: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


1. Comentário de L.G.:

Ensinava-se o português, para melhor combater... a tropa, o exército português (1). Aqui fica um excerto do famoso livrinho escolar do PAIGC (impresso na Suécia!). Na lição da página 31, fala-se da libertação do Komo (sic).

Os guerrilheiros estavam em Komo.
A tropa um dia atacou a ilha.
Os guerrilheiros defenderam Komo.
O Povo também ajudou.
A tropa vencida fugiu.
Os guerrilheiros continuaram na ilha.
Os valentes soldados do PAIGC vão
continuar na ilha taé à vitória final!
Ajudados pelo Povo, eles vão expulsar os
colonialistas da Guiné e Cabo Verde!
Depois vão trabalhar para construir
"Na Pátria Imortal a Paz
e o Progresso"


Sobre a famosa batalha do Como (que o PAIGC sempre utilizou como uma grande vitória sobre os colonialistas portugueses), já publicámos aqui diversos posts: vd. nomeadamente o depoimento, em primeiro mão, do nosso camarada Mário Dias(2).

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação

(2) Vd. posts de:

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964) (Carlos Fortunato / Mário Dias)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

Guiné 63/74 - P1906: Notícias sobre o Cap Cav Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, morto em 1970 (Benjamim Durães / Ayala Botto)

Notícias sobre o Capitão de Cavalaria, Rei Vilar, morto em Fevereiro de 1970, e a sua unidade, a CCAV 2538, sediada em Susana )1969/71)(1)


1. Mensagem do Benjamim Durães:

Dos meus apontamentos verifiquei que o Capitão Rei Vilar fazia parte da CCAV 2538 do BCAV 2876 que esteve na Guiné de Julho/69 a Maio/71.

A CCAV 2538 foi render a CCAÇ 1791, e foi rendida em Abril/71 pela CCAV 3366.

Do BCAV 2876, além da Companhia do Cap Rei Vilar, faziam também parte as CCAV 2538 e 2540.

O Capitão Rei Vilar faleceu a 18 de Fevereiro de 1970.

Esta é a minha ajuda que posso dar.

Durães

Ex- Fur Mil, Bambadinca, CCS BART 2917 (1970/72)


2. Mensagem do Ayala Botto:

Caro Luís Graça:

Não tem sido fácil saber qualquer coisa mais sobre a morte do Cap Vilar após mais de 30 anos.

Através de um camarada do curso dele, confirmei que a sua morte foi na sequência de uma emboscada, mas parece que foi um tiro isolado quando tudo parecia já estar resolvido.

Soube que os outros 2 capitães do Batalhão eram o hoje General Durão Correia e o Cor Jaime Vieira, ambos também de Cavalaria. Não consegui ainda o contacto deles mas vou tentar, até por que me dou muito bem com ambos. Assim que souber algo mais, aviso.

Um abraço
Ayala Botto

Cap CCAÇ 6
Ajudante de campo de Spínola
Hoje Cor Cav, na reforma (2)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1902: Manuel Rei Vilar, França: Quem conheceu o meu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, morto em Susana, em Fevereiro de 1970 ?

(2) Vd. post de 6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1407: Tertúlia: apresenta-se o Coronel de Cavalaria Carlos Ayala Botto, ajudante de campo do General Spínola

Guiné 63/74 - P1905: Blogoterapia (22): Mais de 1900 posts, mais de 300 mil visitas (Luís Graça / Carlos Vinhal)

Capa da brochura Missão na Guiné . Lisboa: Estado-Maior do Exército. 1971. Era distribuída aos militares recém-chegados ao CTIG... Uma espécie de manual sobrevivência, procurando responder a algumas das angústias dos periquitos : como distinguir um fula de um balanta ? o que fazer em caso de apanhar à mão o Amílcar Cabral ? quanto patacão vou ganhar por mês ?



Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem dos editores do blogue (LG/CV):

(i) Eis que ultrapassámos, há dias, os 300 mil. Simbolicamente ou não, 300 mil é muita gente ou, melhor, manga de visitas... Em média, nos últimos tempos, isso quer dizer 8 mil a 10 mil por semana. Não é caso para deitar foguetes: registamo-lo com agrado, mas com serenidade… Não estamos aqui para entrar no Guiness… Impusémo-nos, a nós próprios, uma missão, que era a ajudar a reconstruir a memória de uma guerra e a vivência de uma geração em terras da Guiné. Uma missão temerária, que felizmente já não é de guerra, mas de paz...

300 mil visitas (não necessariamente visitantes) quer dizer que, afinal, a guerra colonial não é um assunto definitivamente enterrado no baú da história, no limbo do esquecimento, no pó dos arquivos… A guerra, que acabou há 33 anos, ainda mexe connosco, pelo menos com os portugueses que a fizeram – cerca de um 800 mil a um milhão, dizem. Na Guiné, não sabemos ao certo quantos foram: 150 mil ? 200 mil ?

(ii) O Post nº 1900 (1) foi, intencionalmente, atribuído ao nosso querido camarada Jorge Cabral cujas estórias (cabralianas) têm os seus fãs, inúmeros fãs, pelo que nos é dado aperceber... Achamos que é justo: ele é o talvez o único de nós que ainda hoje consegue divertir-se (e divertir-nos) com as memórias do passado, enquanto a gente se estrutura ou se tortura... Melhor: ele é capaz de fazer humor das situações mais anódinas, mais insólitas ou mais corriqueiras no TO da GUiné… Ele é o homem de teatro que nos põe em cena. Como se fôssemos títeres, bonecos, marionetas, comandadas a bel-prazer dos deuses…

(iii) Amigos e camaradas: Vamos a ver se aguentamos a pedalada... Lá vão mais de dois anos... de blogoterapia... Às vezes é difícil aguentar o vosso ritmo, imposto pelo crescente interesse pelo blogue e pelo aparecimento de novos camaradas e amigos... Daí reiterarmos os nossos pedidos de desculpa pelos atrasos... Entretanto, fazemos de novo um apelo à vossa participação, incluindo a utilizaçáo, mais amiudamente, da funcionalidade do Comentário (no final de cada post) ... Um blogue tem que trazer todos os dias coisas novas, coisas frescas... Tal como jornal diário… Tem de ser, além disso, interactivo...

Toda a gente tem, por sua vez, que dar para o peditório (e receber, naturalmente, reconhecendo-se na forma e nos conteúdos)... Às vezes, é apenas um simples mas oportuníssimo comentário!... E que ninguém fique acanhado por sentir que não tem o mesmo talento... literário do vizinho!... Escrever aprende-se... escrevendo!... Além disso, nós damos sempre um toque, como editores dos posts, na fixação do texto, na correcção ortográfica, etc. E às vezes também damos calinadas de palmatória, desculpadas pelos automatismos e pelas pressas (por exemplo, há um erro sistemático no nosso blogue: referimo-nos ao vocábulo a pára-quedista, que é a grafia correcta; paraquedista, sem hífen, é incorrecto)…

(iv) Por outro lado, vemos, com agrado, o aparecimento na blogosfera de mais blogues sobre a guerra colonial na Guiné (1963/74), que, de certo modo, se inspiram no nosso (adopção de certos valores, o tratamento por tu, o apelo à participação, à publicação de fotos e documentos...). Os nossos parabéns aos camaradas - como o Júlio César, o Victor Barata e outros - que mais recentemente se aventuraram pelos caminhos da blogosfera. Comuniquem-nos o aparecimento de novos blogues ou páginas sobre a guerra colonial, a Guiné ou temas afins.

(v) A todos os amigos e camaradas que fazem blogoterapia connosco, o nosso muito obrigado.

Por agora é tudo, boa saúde e boa blogonavegação!


Luís Graça e Carlos Vinhal

PS – Comentário de L.G.: O Carlos Vinhal que, aqui para nós, não me está a ouvir, tem feito um belíssimo trabalho de sapa, de bastidores... Ou não fosse ele um homem de minas e armadilhas! Ele põe-me em ordem a correspondência e já aprendeu a editar o blogue... Agora listou o pessoal todo e já vamos em 180 endereços de e-mail, entre amigos e camaradas, contribuintes líquidos e ilíquidos... Ele merece a minha especial confiança e admiração. L.G.
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Nota de L. G.:

(1) Vd. post de 29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)

sábado, 30 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1904: História de vida (2): Bike...terapia ou 255 km de Astorga a Santiago de Compostela (Paulo Santiago)

Moita, Bairrada > CDUP > 9 de JUnho de 2007 > Partida de râguebi, entre duas equipas de séniores, durante a qual se conheceram os nossos tertulianos Paulo Santiago (ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 53, 1970/72) e Miguel Vareta (ex-Fur Mil, 38ª CCmds, 1972/74) (1).

Foto: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso 'radical' Paulo Santiago, de 29 de Junho, depois de chegar, de bicicleta, a Santiago de Compostela, santo da sua devoção (2):

Caro Vitor [Junqueira]:


Cheguei ontem às 13.00 horas (em Espanha) a Santiago de Compostela. Levei em conta os teus conselhos clínicos.

Quatro dias antes da partida comecei a tomar meio comprimido de meteformina(500mg). No Sábado, dia da partida para Astorga, não tomei nada. Domingo, tinha em jejum 118. Como me aconselhaste bebi muita água, ía comendo bolachas, macarrones e outros hidratos de carbono. Só um dia, 2ªfeira, estava em jejum com um valor,132, que se aproximava dos valores indicados por ti, possivelmente devido a umas cervejolas bebidas Domingo à noite em Ponferrada (2).

Nos restantes dias, apesar de ao jantar comer umas entradas seguidas de bife ou xuleta, acordava com valores próximos (para cima ou para baixo) de 110. Bebia sempre um copo de Rioja ao jantar.

Mudando de assunto. Foi uma experiência rica, esta minha expedição, num terreno muito acidentado ( na 2ª feira, a determinada altura o GPS indicava uma altitude de 670 metros, faltando 9 km para chegar ao destino marcado, para aquele dia, o Pico do Cebreiro a 1300 metros) . Imagina a inclinação que era preciso vencer numa distancia tão curta. Levava uns alforges na bike que pesavam à volta de 10 kg (câmaras de ar, elos de corrente, vestuário de ciclismo, vestuário para vestir no fim da etapa, artigos de toillete, etc). No cimo estava um vento com um frio agreste, e, para vestir, estamos no Verão, levava uns calções, t-shirt, camisola de algodão e uns sapatos vela. Consegui comprar umas meias numa tienda, calças não havia, passei imenso frio naquela noite, o que não me impediu de ir à Net passar os olhos pelo nosso Blogue - é a rotina diária.

No dia seguinte continuava o frio e estava uma nevoeirada lixada, começando com uma imensa descida. Foi de enregelar, a minha colega de aventura ficou com feridas nas orelhas. Tive de comprar em Sarria, numa loja de bicicletas, um casaco térmico, semelhante a um que uso no Inverno.

Mais uma vez, confirmei que uma das coisas que a guerra me deu foi uma grande rusticidade e grande capacidade de sofrimento físico. Mesmo com frio bebia sempre mais de 3 litros de água.


Para terminar, digo que fiquei satisfeito com esta aventura, emocionei-me quando cheguei ao fim dos 255 km, em Santiago, e espero entrar noutra, numa próxima oportunidade. Apesar de sexagenários, com calma, nós conseguimos.

Um abração do
Paulo Santiago

2. Comentário de L.G.: Respondi ao teu mail de domingo, dizendo: Que inveja! Paulo, tu estás a dar-nos o bom exemplo, e nomeadamente aos recém-reformados: podemos estar mais velhos, mas a Guiné ensinou-nos a sermos activos, produtivos e... saudáveis!

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 14 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1847: Tabanca Grande (12): Apresenta-se o ex-Furriel Mil Miguel Vareta, 38ª Companhia de Comandos, 1972/74

(2) Vd. post de 4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha

(3) Mensagem que o P.S. me enviou, no domingo passado:

Luís: Estou a mandar-te esta msg de Ponferrada, Leon, tendo partido esta manha de bike de Astorga. Devo andar por estes caminhos até 5 ªfeira. Se andar algum Tertuliano por estas bandas de Leon/Galiza, apareça para beber uma copa. Telm 0351969088771
Abraço

P. Santiago

Guiné 63/74 - P1903: Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, morto numa emboscada (Afonso M.F. Sousa)


1. Mensagem do nosso camarada Afonso M. F. Sousa, enviada já hoje, de madrugada:

Caro Luis,

Das pesquisas que fiz, averiguei que o Cap Cav Luis Filipe Rei Vilar (1), foi o comandante da CCAV 2538, uma das 4 companhias que integrava o BCAV 2876, do RC3 de Estremoz.

O Batalhão embarcou para a Guiné em 19 de Julho de 1969 e desembarcou em Lisboa a 11 de Junho de 1971.

Localizei um 1º cabo da CCAV 2540, do mesmo Batalhão (residente na Vila das Aves) e estive a falar com ele. Sabe pouco sobre a ocorrência que vitimou o Capitão Luis Vilar. Teve conhecimento que resultou de uma emboscada (a primeira e a única que sofreu a CCAV 2538), na área de Susana (Cacheu).

Era esta a disposição das Companhias 

Deste contacto, consegui também o telefone do furriel enfermeiro (Jesus) da CCAV 2538. Pelo adiantado da hora, não me foi possível contactá-lo. Fá-lo-ei amanhã. .

Entretanto, e como eventual acréscimo de pesquisa, remeto-vos para o Post P1261, do nosso blog, que transcrevo, em parte :

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1261: Convívio do pessoal do BCAV 2876, em 25 de Novembro: lá estarei com o Nelson (Manuela Gonçalves)

(...) "Notícias da nossa amiga Nela [Manuela Gonçalves], nossa tertuliana e editora do Blogue Caminhos por onde andei :

"Boa noite, Luís... Apesar de uma ausência mais ou menos longa, tenho ido ao blogue com alguma frequência embora sem tecer comentários alguns. Bem, como tenho verificado que a zona de S. Domingos e Ingoré está muito ausente, aproveito para dizer que dia 25 de Novembro de 2006 vai haver um almoço de antigos elementos do BCAV 2876 - CCS e CCAV 2538, 2539 e 2540. Vou estar lá com o Nelson e procurarei saber se alguém conhece o Blogue.Tive imensa pena de não ter ido ao convívio na Ameira, mas cá em casa, a bloguista sou eu... Pode ser que no próximo almoço, lá possamos estar. Saudações amigas. Nela"´(...).

Só uma nota mais: em Fevereiro [de 1970] morre este capitão e 3 meses depois, a poucos quilómetros de distância, acontece aquela tragédia dos 3 majores e do alferes [, no chão manjaco] (2). E mais uns quilómetros a SE, em Outubro do mesmo ano, foi a fatídica emboscada de Infandre (Mansoa) (*), que vitimou quase um pelotão e, entre eles, o meu conterrâneo José Mamede (3).


Por agora é só.

Um abraço para todos.
Afonso M. F. Sousa
ex-Fur Mil Trms,
CART 2412
1968/70
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Nota de A. M.F. S.:

(*) de que estou a elaborar algumas referências circunstanciadas, também com o objectivo de pormenorizar ou responder à tríade ONDE, COMO e PORQUÊ.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1902: Manuel Rei Vilar, França: Quem conheceu o meu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, morto em Susana, em Fevereiro de 1970 ?

(2) Vd. posts de:

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

(3) Vd. posts de:

3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1641: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58 (1): Onde e em que circunstâncias ? (Afonso M. F. Sousa)

3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1642: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, Pel Caç Nat 58 (2) : Em Infandre, a 13 km de Mansoa (Afonso M. F. Sousa)

3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1643: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, do Pel Cacç Nat 58 (3): 10 mortos em emboscada com luta corpo a corpo (César Dias)

Guiné 63/74 - P1902: Manuel Rei Vilar, França: Quem conheceu o meu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, morto em Susana, em Fevereiro de 1970 ?

1. Mensagem, já retransmitida à nossa tertúlia, de Manuel Rei Vilar, que viverá em França, a avaliar pelo seu endereço de e-mail (reivilar@paris7.jussieu.fr):


Caro Luís:

Tomei conhecimento do seu blogue sobre a Guiné, que achei do maior interesse.

O meu irmão foi morto em Fevereiro de 1970. Era Capitão de Cavalaria e chamava-se Luis Filipe Rei Vilar. Ele estava localizado em Susana.

Gostava de saber mais pormenores deste trágico acontecimento que a minha família viveu, além dos que nos foram transmitidos pelas vias oficiais.

Não sei quem me poderia ajudar. Pensei dirigir-me a si. Se me pudesse dar alguma informação ou então onde ou a quem me dirigir, agradecer-lhe-ia muito. Conto visitar a Guiné-Bissau para o ano e com os meus irmãos fazer uma romagem a Susana.

Agradecendo antecipadamente, apresento-lhe os meus cordiais cumprimentos.

Atenciosamente

Manuel Rei Vilar

2.Comentário de L.G.: Querido amigo e camarada, irmão de um camarada nosso: É de grande nobreza o seu gesto. Vamos seguramente ajudá-lo na pesquisa da informação que nos pede. De momento, não tenho grandes elementos na minha posse, para além da carta de Susana. É verdade que também não tem aparecido muita gente que tenha estado naquela zona do noroeste da Guiné. Mas nós temos aqui alguns especialistas na áerea do reconhecimento e informações... Seguramente que vamos encontrar alguma pista que nos leve ao conhecimento, mais detalhado, das circunstâncias em que morreu o seu irmão. Se souber qual era a sua unidade (companhia ou batalhão), melhor ainda. Até breve. L.G.

Guiné 63/74 - P1901: O Pel Caç Nat 52 que eu comandei em 1966 (Bolama, Enxalé, Porto Gole) (Henrique Matos)


Odivelas > Encontro do pessoal metropolitano do Pel Caç Nat 52 > 16 de Junho de 2007 > De pé da esquerda para a direita: Altino (ex-Fur Mil), Cunha (ex-1º Cabo), Matos (ex-Alf Mil), Monteiro (ex-Fur Mil). À frente: Vaz.


Região Autónoma dos Açores > Ilha de S. Jorge > "Uma fotografia com uma perspectiva fora do habitual" [, as fajãs].

Fotos e legenda: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados.


1. Resposta ao Henrique Matos (1) ao Beja Santos (2):

Caro Beja Santos:

Não sei bem por onde começar com tantas ideias e sentimentos a fervilhar na minha cabeça.

Para já queria dizer-te que, embora não tenha passado muitos meses com o 52, aqueles homens marcaram-me de forma indelével, tanto que só de imaginar como foram abandonados e o que se poderia ter passado com eles após a independência, me dava um sentimento de revolta e ao mesmo tempo de impotência, que tinha prometido a mim mesmo esquecer, esquecer, esquecer...

E assim passaram-se mais de 40 anos. Agora surgem em catadupa uma série de coisas novas que nunca imaginava. Primeiro foi a descoberta do Blogue do Luís Graça que funcionou como um despertador e em seguida, quando telefono ao Luís Cunha, 1º cabo do 52, ele me diz que já tinham encontrado o Altino e o Monteiro, ambos Fur Mil. Foi logo um disparar de telefonemas até chegarmos ao encontro que foi no passado dia 16.

O Fur Mil Vaz já estava localizado pois quando a revista do Expresso publicou um trabalho sobre prisioneiros de guerra e lá estava a fotografia dele, tratei logo de falar como director que me forneceu o contacto. Já mandei uma foto para o Blogue onde também estão elementos do 51, 54 e 56. Do 53 e 55 ninguém sabe deles.

Da formação inicial do 52 só falta encontrar o 1.º cabo Castanheira (pensa-se que tenha emigrado já que os pais viviam nos States) e com muita mágoa pensar no 1º cabo Pires que faleceu em combate.

Falta ainda o 1º cabo Victor Português que se juntou a nós mais tarde em Porto Gole como operador rádio.

Dos nossos rapazes, se é que assim os posso chamar, os nomes estão quase todos esquecidos ou baralhados. O Queta (3) deve ter uma memória com muitos megas ou gigas pois o que diz está certo e fico feliz por ele se lembrar de mim.

Não vou fechar este capítulo do folhetim sem te falar do Luís Zagalo com quem estabeleci excelente camaradagem no Enxalé e que tinha a sua ponta de loucura como todos nós. Ficou célebre a viagem que fez do Enxalé a Porto Gole de noite no Jeep Willis que lá havia.

Da ilha de S. Jorge há material para muitos capítulos, mas só vou rectificar o
nome da Caldeira de Santo Cristo e mando-te uma fotografia com uma perspectiva fora do habitual. Também vai uma foto do (re)encontro do pessoal do 52.

Uma nota para os nossos estimados edidor e co-editor. Não sei se o conteúdo deste post e dos outros que se seguirão tem algum interesse para o Blogue, pelo que ficam com total liberdade para incluir, excluir, cortar, recortar, etc. o que tiverem por bem.

Um grande abraço do
Henrique Matos

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

28 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)

(2) Vd. post de 25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1879: Henrique Matos Francisco, brindo à tua chegada e à memória do nosso Pel Caç Nat 52 (Beja Santos)

(3) Vd. post de 29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1897: O Queta Baldé, com a sua memória de elefante, é muito superior ao grande Fernão Lopes (Beja Santos)

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)


Guiné > Região Leste > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 > 1969 ou 1970> O Jorge Cabral e as suas queridas bajudas mandingas... E a propósito, diz ele nesta estória nº 25, a baixo transcrita: "Contaram-me que uma bajuda que tivera um filho do Furriel X, o seguiu até Bissau, e na hora da partida do navio entrou na água com o bebé, tendo morrido ambos. Então jovem e ingénuo literato, cheguei a alinhavar uma ópera, na qual imaginava o militar em pranto, a querer lançar-se ao mar e a ser impedido pela força das armas" (JC)…

Foto: © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > 1969 ou 1970 > "O 1º Cabo Monteiro. Às costas um pequenino Alfero Cabral " (JC)...

A par da imensa tragédia que foi (com perdas e danos irreparáveis), a guerra da Guiné foi também palco (hilariante) de muitas peças do Teatro do Absurdo (envolvendo as NT, o IN, os nossos oficiais superiores, os nossos camaradas, a população local)... Jorge Cabral é um dos poucos, da nossa Tabanca Grande, que tem o engenho e a arte de nos conseguir falar (e comover), com um subtil toque de humor, de maneira descomplexada, das nossas relações com as mulheres locais (2)...

As estórias cabralianas são já um caso (sério) de sucesso, de popularidade, entre o pessoal da Tabanca Grande... Espero que o autor nos brinde, ainda antes das férias judiciais ou escolares, com essa fabulosa estória da compra, num grande armazém de Lisboa, de trinta e muitos sutiães, todos do mesmo número, que ele levou consigo, na bagagem, de regresso a Fá Mandinga, para oferecer às suas queridas bajudas, da primeira vez que veio passar férias à Metrópole... Mas não se pense, malevolamente, que ele tinha um harém: há muitos mitos a desmontar acerca do Cabral (e Cabral só há um, o de Fá e mais nenhum)... Na estória de hoje, ele vem de certo modo desmentir-se, a si próprio, ao escrever: Cabrais há muitos, e Cabrões ainda mais!...(LG)

Foto : © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem de ontem do Jorge Cabral: Amigo, Aí vai estória! E como sempre, Aquele Abraço. Jorge

2. Estória nº 25 da série Estórias Cabralianas.

Autor: Jorge Cabral,
ex- Alferes Miliciano de Artilharia,
comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá,
Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.



DOS AMORES, DOS PEQUENINOS ALFEROS CABRAL E DO FALSO FILHO

por Jorge Cabral (1)

E o Amor, existiu? Não falo de mulheres grandes a partir catota, nem de bajudas a partir punho, e muito menos das rápidas e alcoolizadas visitas às casas de prazer, para... mudar o óleo.

Amor mesmo, paixão, dele para ela, dela para ele. Difícil, raro, mas aconteceu. Contaram-me que uma bajuda que tivera um filho do Furriel X, o seguiu até Bissau, e na hora da partida do navio entrou na água com o bebé, tendo morrido ambos. Então jovem e ingénuo literato, cheguei a alinhavar uma ópera, na qual imaginava o militar em pranto, a querer lançar-se ao mar e a ser impedido pela força das armas…

Por mim tive duas namoradas, a Modji Daaba, da qual já falei em prosa e verso, e a Mariama Djaló. Dois amores… E nenhuma loira, nem morena… Ambas negríssimas e muito belas. Filhos, julgo que não. Convém aliás matar de vez os boatos que então circulavam.

A certa altura, não sei bem porquê, as mulheres começaram a dar o meu nome aos filhos e, em pouco tempo, abundavam os pequeninos Alferos Cabral. Obviamente que as confusões e os equívocos surgiram. Depois de passear comigo na Tabanca, um Alferes garantia, no Bar dos Oficiais de Bambadinca, que o Cabral só em Fá Mandinga tinha mais de vinte filhos. E pior ainda, um soldado periquito em Missirá, foi acordar o Branquinho porque, estando eu de férias, ouviu as mulheres aos gritos:
- Alfero Cabral muri! Alfero Cabarl muri!

Por tudo isso não me surpreendeu o telefonema que, há cerca de cinco anos, recebi. Um guineense informava ser meu filho. Porém ele voltou a telefonar, dizendo que era a minha cara, nariz e olhos iguaizinhos, e quanto ao corpo, toda a Tabanca concordara, parecia mesmo o Cabral.

Confesso ter ficado preocupado. Um filho–homem na idade de ser avô… Mandei-o vir ao escritório, e logo que o vi, suspirei de alívio. O vigoroso mulato tinha quase dois metros, e… olhos azuis! Quanto ao local e à data de nascimento também não condiziam.
- Filho, não és! Serás primo! - afiancei-lhe.

É que Cabrais há muitos, e Cabrões ainda mais!...

Jorge Cabral
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)

(2) Convenhamos que o tema, se não é tabu, também não se presta muito a confidências na praça pública (incluindo a blogosfera)... Por puodr, no bando dos machos que já foram dominantes, não se fala muito das velhas proezas amorosas ou simplesmente sexuais... Mesmo assim, o tema já inspirou alguns dos nossos melhores prosadores... E até temos três ou quatros textos de antologia sobre as nossas bravatas sexuais e os nossos (des)amores: eu por exemplo, seleccionaria logo dois, o do Vitor Junqueira e do Virgínio Briote (a bold)... Falo aqui, não como editor, mas simples leitor do blogue (se me for permitido esse privilégio de mudar de papel como quem muda de camisa, violando a regra da isenção e da equidade)...


31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)

3 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1490: Favores sexuais furtivos em Mampatá (Paulo Santiago)

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

1 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1483: Blogoterapia (16): Males de amores ou... Tenho um lenço da minha lavadeira ali guardado na gaveta (David Guimarães et al)

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1476: Blogoterapia (15) : Mulher tua (Torcato Mendonça)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLV: Teresa: amores e desamores (Virgínio Briote)

17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 -DXLVI: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1899: Documentos (1): PAIGC - O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação


Guiné > PAIGC > Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966 > Capa e contracapa de O Nosso Primeiro Livro.

Fotos: © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.


A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf(Hoje Cor DFA, reformado), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) . Vive em Matosinhos.







1. Mensagem de A. Marques Lopes:

Caros camaradas:

Este era o livro de leitura dos primeiros anos das escolas do PAIGC durante a luta de libertação. É uma edição de 1966 do Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC. Apanhei vários destes em Samba Culo (1), mas alguém ficou com eles, depois de eu ter sido evacuado, só com a farda...Este foi-me cedido pelo nosso camarada tertuliano [António] Pimentel. Já o li. Dou-vos alguns textos a ler. Podem aprender o B-A-BA, o LHA-LHE-LHI... e ler outros textos.




Alfabetização, formação moral, cultura e... formação política, naturalmente. De acordo, aliás, com o Programa das Escolas do PAIGC. Mas este, que consegui de outra fonte, hei-de dar-vos a conhecer depois das minhas férias, que vão começar brevemente na Nazaré. Quem por lá passar dê uma apitadela (938013725).

Abraços e... adeus e até ao meu regresso!
A. Marques Lopes

2. Comentário de L.G.:

Obrigado aos dois Antónios. São pessoas com grande sensibilidade cultural e humana. Estes documentos são preciosos. Vamos reproduzir aqui, ao longo de vários posts, algumas das páginas do livrinho das escolas do PAIGC: a batalha do Komo (sic), Katungo, o Corpo Humano, a Verdade...


António Pimentel, ex- Alf Mil Rec Info, CCS BCAÇ 2851, Mansabá em Galomaro (1968/70). Vive no Porto.
Para muitos amigos e camaradas da Guiné, o livro não é novidade. Era frequente encontrá-lo noas assaltos a bases e acamapamentos... Para outros sim, até para os mais novos, os nossos filhos e netos... O livro era usado para alfabetizar tanto as crianças como os guerrilheiros. Nas matas, nas bases, acampamentos e tabancas controladas pelo PAIGG, também-se aprendia aler... em português., a pensar, a conhecer, a lutar e a amar em português.

Amílcar Cabral, inimigo não do Povo Português mas do regime político de Oliveira Salazar/Marcelo Caetano, fez mais pela língua portuguesa do que muitos portugueses que por lá passaram, com responsabilidades políticas e militares, ao longo de 500 anos de relações dos portugueses com os guineenses. Amílcar Cabral sabia que o português (para além do crioulo) era um das bases indispensáveis para a criação de uma identidade nacional...
Pessoalmente fiquei chocado, quando ao chegar a Contuboel em Junho de 1969 para fazer o IAO com os meus futuros soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 - fulas, velhos aliados dos portugueses... -, constatei que eles não falavam (nem muito menos escreviam) português...
______

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

29 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)

(...) "Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...)

"Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora". (...)

7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II (A. Marques Lopes)

" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

"E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência.

"Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida" (...).

Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (52): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Baldé



Guiné > 1970 > Uma das imagens porventura mais emblemáticas da guerra colonial/guerra de libertação. Um guerrilheiro do PAIGC jaz morto, no chão da mata, com a sua Kalash ao lado. Foto muito provavelmente obtida no sul, na região de Tombali. A foto original (entretanto editada por nós) é do repórter fotográfico húngaro Bara István (n. 1942), que acompanhou a guerrilha do PAIGC em 1969 e 1970 (não sabemos exactamente em que circunstâncias: num das fotos, ele próprio deixa-se fotografar com uma Kalash pendurada ao pescoço, o que para um fotojornalista de hoje seria altamente reprovável, do ponto de vista deontológico; pode pôr-se a hipótese de, na época, ter lá estado apenas como simples fotógrafo, e não como fotojornalista, ao serviço do governo do seu país e da própria máquina de proganda do PAIGC, tal como acontecia com os jornalistas portugueses, autorizados a visitar o TO da Guiné: estou-me a lembrar, por exemplo, do Amândio César; recorde-se, por outro lado, que na época a Hungria fazia parte do Pacto de Varsóvia e, portanto, era um dos apoiantes do PAIGC).

Legenda, em húngaro: Bara István: Elesett PAIGC katona, Guinea Bissau, 1970. De qualquer modo, estamos gratos a este conhecido fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial / guerra de libertação na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página. Partimos do princípio que estas imagens são do domínio público. Tentámos contactá-lo por e-mail, até agora em vão, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria. Tudo indica que ele hoje se limita a gerir o seu estabelecimento de fotografia e artigos fotográficos, em Budapeste. Enfim, teve que fazer pela vida, como todos nós...

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)

Guiné > Bissau > Janeiro de 1970 > "O Tigre de Missirá em Bissau... Comentário: Mais tristeza no olhar é impossível. Fui tratado pelo David Payne e passei uma semana a dormir. Nas minhas cartas, quando me despeço digo sempre que já estou sobre a acção do Vesperax. Novembro e Dezembro foram meses terríveis, as emboscadas nocturnas à volta da pista de aviação atingiram o sistema nervoso e deixei de poder dormir. Graças a este tratamento, regressou a confiança, a energia, o sabor da vida. Avizinha-se o período operacional mais tumultuoso, de Fevereiro a Abril. Depois volto a Bissau para casar [, em Abril de 1970].

Foto e legenda: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Mensagem do Beja Santosa, com data de 15 de Junho de 2007:

Caro Luís, no tempo em que se comemoram os 50 episódios no blogue, quero que saibas que esta aventura, que ainda não chegou a meio, é uma das etapas mais exaltantes da minha vida. Leva-me a ler e a reler o que julgava interdito ou fruto para outra época mais madura; reconduz-me a conversas e a rememorações; tudo é pretexto para dizer a verdade ficcionando e ficcionar com alguma verdade, deixando ao leitor a interpretação do que realmente aconteceu. Em cada episódio rejuvenesço, solidarizo-me, volto ao local do crime sem nenhum azedume. Por vezes dói muito, como no enterro de que aqui se fala. Recordo quando vimos um morto desfeito à morteirada, o Cherno e eu entreolhámo-nos sem falar: qual de nós tirou a vida a este homem? Nunca mais perguntei ao Cherno o que ele pensava, é indigno e deslocado. Muitíssmo obrigado pelo teu empenho em cada episódio que sai, como as minhas memórias fizessem parte do teu tempo, o do passado e do presente. Toda a camaradagem e esta bonita amizade regada em cada semana que passa, Mário.

52ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 15 de Junho de 2007.

15 de Julho de 1969: a gente de Madina flagelou Missirá e teve desairepor Beja Santos


A versão de Queta Baldé, o mais modesto dos bravos
Queta Baldé, artista do batuque quando era adolescente e vinha de Amedalai ao Cuor, a Enxalé e ao Oio, o veterano 126, é o meu primeiro convidado para falarmos daquele anoitecer em que a gente de Madina saiu a perder de uma flagelação que não chegou a demorar 30 minutos. O Queta irá receber um louvor pela sua acção nessa noite, conforme reza:

Em 15 de Julho de 1969, durante uma flagelação do IN, como apontador de metralhadora ligeira reagiu imediatamente ao fogo e não obstante ter sido a sua arma atingida, continuou no posto com deficiente segurança, incitando todos os seus camaradas na zona mais duramente atingida. Tal atitude concorreu para assinaláveis baixas ao IN e respectiva captura de armamento.

Entrego cópia do louvor ao Queta, ele lê, dobra a folha e começa a falar:

Não esqueci nada, os olhos e os ouvidos guardaram tudo. Viemos pelas 5 e meia da tarde, era uma coluna de duas viaturas, trazíamos chapa de bidão, chapa ondulada, sacos de cimento, petróleo e gasóleo. Nosso alfero tinha ido ao Cossé buscar seis sacos de arroz para a população civil. Arrumámos tudo, os petromaxes estavam bem acessos, uma noite calma, sem vento e sem frio. O furriel Pires informou quem, na manhã seguinte, iria com o nosso alfero a Mato de Cão. Fomos tomar banho e descansar.

Pelas 9 da noite, a minha mulher trouxe o arroz e a mafé, levei a colher à boca quando rebentou a primeira roquetada que caiu perto da messe. O primeiro fogo caiu entre o balneário e as moranças da família do régulo. Fui a correr para o abrigo da porta de armas, peguei na Dreyse e Seco Embaló pegou as fitas com a mão. Eles mandaram para este ataque gente mal preparada, gente que queria avançar e entrar no quartel, como se isso fosse possível connosco. Eles devem ter sofrido muito com a resposta dos morteiros e das bazucas. Nosso alfero foi para o 81 com aquele rapaz pequenino, cabelo cor de palha; Adulai Djaló, Mamadu Djau e Bacari Djassi não pararam com as bazucas, Cherno e Tunca Baldé corriam com o morteiro 81 à volta do quartel.

É então que um tiro me partiu o tapa-chamas. Tive sorte, pois a bala fez ricochete e alojou-se na palmeira do abrigo. Esperei com calma o fogo do apontador da Kalash. Apontei-lhe à cabeça, a arma calou-se. Depois fui varrendo o terreno à volta. Tudo começou com um enorme fogo, eles fizeram meia lua entre a fonte de Cancumba e a porta de armas. Surpreenderam-nos bem, mas não percebo porque é que se enervaram e avançaram para o quartel. Pensei muito, eles devem ter chegado perto de Missirá ao anoitecer , quando estávamos a entrar, e o barulho das duas viaturas confundiu-os. Depois precipitaram-se, fizeram mau uso dos morteiros, um deles foi atingido.

Terá sido nessa altura que eles retiraram com muitos feridos e deixando os mortos e as armas. Não percebo o louvor. Eu tive sorte. Nosso alfero devia ter louvado Seco Embaló, esse sim, tinha as mãos feridas, feria os lábios, aguentou a dor, sem a sua ajuda a Dreyse não tinha feito os estragos que fez.
Queta é um homem cheio de pudor. Tinha-lhe proposto uma agenda para falarmos dos acontecimentos de Julho, a começar pela flagelação do dia 15, uma patrulha de reconhecimento que fizemos com um pelotão da CCAÇ 12, a ida ao Enxalé, o acto desvairado do Benjamim Lopes da Costa, a 3 de Agosto.

Quando Queta não quer falar, o seu olhar imobiliza-se e a sua voz cicia:-Desculpa, agora não lembro, talvez mais tarde, à noite começo a pensar e junto tudo, mas talvez eu não estivesse lá e ninguém me falasse nas coisas de que falas. Desculpa, agora não posso ajudar.

Não quer falar do ataque de nervos do Casanova, não estava na emboscada em que o Benjamim me chamou "branco assassino". Mas quando lhe falei que precisava da sua ajuda por causa da operação Pato Rufia respondeu-me prontamente:
- Sim, nosso alfero escolheu-me para ir à operação, ainda me lembro de muita coisa".

As lembranças do Furriel Pires dessa noite

Voltei a encontrar-me com o Pires na Livraria Barata, na Avenida de Roma. A agenda para a conversa era praticamente livre, mas eu pedira-lhe que revolvesse a memória em torno da flagelação da noite de 15 de Julho. À semelhança da reunião anterior, falámos de tudo sem direcção nem bússola, ouvi a sua versão sobre o estado de saúde do Casanova, falámos das pequenas coisas do dia a dia, ele lembrava-se de ter ido em Junho de 69 a casa da Cristina levar-lhe uma lembrança e trazer outra, não esquecera a sua ansiedade e uma permanente curiosidade em tudo saber sobre Missirá e Finete, registou tudo e adjectivou.
-A Cristina estava preocupadíssima.

Falámos das escalas de serviço, das culturas dentro e fora do aquartelamento, reavivou-me a memória com um episódio que eu já tinha esquecido à volta da visita que o Capitão Figueiras fez a Missirá, em Outubro, quando os soldados fizeram disparos de G3 para os troncos de palmeiras, perto da fonte de Cancumba, parecia fogo de costureirinhas até os veteranos pegaram nas armas e foram até aos abrigos. O Capitão Figueiras estava siderado e não percebia porque é que eu ia ao posto de vigia ver o que se passava.

Depois a noite do 15 de Julho caiu em cima da mesa, ele tinha meticulosamente as suas anotações escritas numa folha. Não esquecera a minha gritaria para dentro do abrigo onde ele ia passando balas a vários apontadores de G3, recordava perfeitamente a bazucada que deflagrou na parede ao lado da messe, o zunir das balas a estilhaçar as telhas do depósito de víveres, as roquetadas a espatifar tudo à volta do balneário, recordava o fogo em crescendo e o súbito silêncio.

Estas duas memórias, curiosamente, esqueciam o que se passou depois. Quando desapareceram os sinais da flagelação, nenhum de nós ficou tranquilo. De facto, espaçadamente, ouviam-se tiros, uma vezes de metralhadora ligeira, outras de pistola, dentro da mata. A gente de Madina parecia querer dizer-nos que podia atacar de novo a qualquer momento. E durante horas foi assim: tiros esparsos, como se a gente de Madina tivesse um código para se reorganizar. O régulo Malã comentara:
- Tiveram baixas, estão a retirar com os feridos, estão a chamar gente que se perdeu, não se preocupe mais.

Dois guerrilheiros, caídos por um dever, junto ao arame farpado de Missirá


Preocupei-me, eram tiros a mais que se ouviram até de madrugada. Depois descansámos até ao alvorecer. Quando a luz nasceu sobre o céu do Gambiel, com o capim molhado do muito orvalho da noite, saímos para o reconhecimento. O primeiro cadáver era de um jovem manjaco que vestia caqui amarelo, jazia de olhos abertos, com a massa encefálica ao lado da calote craniana, a Kalash na mão. Começámos a ver trilhos , e perto dos cajueiros do régulo Malã vimos postas de sangue, algodão e ligaduras, mais à frente mais sangue, granadas abandonadas como se alguém tivesse interrompido uma tarefa ou aligeirasse a carga para transportar feridos. Continuámos até à fonte de Cancumba onde jazia outro corpo desmembrado, seguramente atingido por granada. No céu, pairavam os jagudis, despertos pelo cheiro do sangue.

Concluído o patrulhamento, mandei buscar dois lençóis e uma caixa de sapatos: os mortos seriam enterrados junto ao cemitério mandinga, os miolos do jovem manjaco desceriam à terra com o corpo do combatente. Lembro o protesto de alguns, que exigiam a justiça dos jagudis. Atalhei firme, repeti que queria dois lençóis limpos, duas pás, os combatentes enterram-se com todo o respeito, é uma honra que a todos assiste, caíram por um dever, o nosso dever agora era respeitá-los. Abriram-se as covas, os corpos foram depositados, o mais díficil, tive que fechar os olhos, foi sentir as minhas mãos a pegar aquela matéria escorregadia que depositei dentro da caixa de sapatos. Os soldados preparavam-se para retirar quando os surpreendi dizendo que me ia perfilar e rezar por eles.
-Partimos ao meio dia, temos de estar em Mato de Cão às 4h, vamos descansar um pouco mais.

Só a 17 é que escrevo à Cristina:

Fomos de novo atacados, pelas 21 horas de 15. Tudo inesperadamente, estávamos ainda na sopa quando verdascaram as metralhadoras e os morteiros. A rapaziada estava nos seus dias e o impacto rebelde, depois dos primeiros cinco minutos, ficou atabalhoado. A nota discordante foi a perda de um braço de uma das mulheres de Quebá Soncó, quando uma roquetada atingiu a trave principal da casa, que era um dos meus sonhos mimosos da reconstrução após o 19 de Março. De resto, a nova Missirá ficou incólume, com excepção da mangueira do poço e um bidão do balneário, esburacados. Estranhei a debandada dos rebeldes... A carta termina aqui, recomecei-a mais tarde, devo ter caído a dormir até partir para Mato de Cão.

O Queta é capaz de ter razão, fui injusto com Seco Embaló e com o seu comportamento exemplar. Mas mais injusto fui com o Cabo maqueiro Adão, que aguentou toda a noite o gravíssimo ferimento de Fatumana Soncó, que ele tratou com desvelo até chegar o helicóptero. Aturou toda a noite os escoriados, aqueles que saíram com pés descalços e rasgaram os pés, aqueloutros que se rasgaram a entrar nos abrigos, que levaram com cápsulas a ferver na cara, nos braços, peito e costas. O Adão aguentou tudo, como aguentava os reforços, as ajudas nas obras, as idas a Mato de Cão, as passagens em Finete para ajudar sinistrados.

Muitos anos mais tarde, em 1991, irei visitar Fatumana que vivia num bairro ao pé do mercado de Bandim, em Bissau, na companhia de seu filho Mamadu Soncó, de quem aqui iremos falar, no final da minha comissão, em Agosto de 1970. Foi um reencontro comovente, levei-lhe flores e o seu único braço apertou-me com força e calor. Tanto me comovi que não falámos daquela noite de 15 de Julho, em que Quebá Soncó, o marido, passou perto de mim com o seu braço na mão.


De Jorge Amado a S. S. Van Dine

O pior de tudo é a prostração e os vírus que me deitam abaixo. Vai ser pior no próximo mês, quando eu voltar a cair na cama, totalmente exausto, doente e moralmente ferido. Por razões que aqui iremos falar em breve, vou ainda defender-me escrevendo até cair sobre a secretária, ouvindo música e sobretudo lendo e orando. É nessa semana, por coincidência, que leio duas novelas espantosas de Jorge Amado, sob o título Os velhos marinheiros.

A primeira história é "A morte de Quincas Berro Dágua". Quincas vivia na estúrdia , nas ladeiras e becos escusos de Baía. Fora respeitável até deixar de o ser, abandonara famíia, carreira e nome honrado para viver no meio de bêbedas e nos castelos das meninas. O apelido Berro Dágua ficara-lhe de uma garrafa que levara à boca e onde ele esperava cachaça saiu água que o amedrontou. Quincas morre, a respeitável família prepara velório e enterro, cheia de incomodidade. Os amigos Pé-de-Vento, Negro Pastinha, Cabo Martim e Curió aparecem no velório e quando a família parte, enfastiada, começa a noite delirante com o morto aos ombros, subindo e descendo ladeiras até chegar ao mar donde partem em saveiro, levando Quitéria, a bem amada de Quincas. Todos comem peixada, Quincas é obrigado a beber cachaça que deita fora, pois claro. Veio o temporal que os apanha quando as luzes de Baía brilhavam na distância. E foi aqui que começou a lenda. Capa do romance de Jorge Amado Os Velhos Marinheiros. Lisboa: Publicações Europa-América. 1962 (Colecção Século XX; 48). Capa de Joaquim Esteves.

Foto: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Escreve Jorge Amado:

Ninguém sabe como Quincas se pôs de pé, encostado à vela menor. Quitéria não tirava os olhos apaixonados da figura do velho marinheiro, sorridente para as ondas a lavar o saveiro, para os raios a iluminar o negrume. Mulheres e homens se seguravam às cordas... foi quando cinco raios sucederam-se no céu, a trovoada reboou num barulho de fim do mundo... no meio do ruído, do mar em fúria, do saveiro em perigo, à luz dos raios, viram Quincas atirar-se e ouviram sua frase derradeira. Penetrava o saveiro nas águas calmas do quebra-mar, mas Quincas ficara na tempestade, envolto num lençol de ondas e espuma, por sua própria vontade.

História não menos atribulada e divertida é a do comandante Vasco Moscoso de Aragão, um velho marinheiro de opereta que comprara o título , que exibia uma condecoração da Ordem de Cristo paga a peso de ouro e cuja popularidade veio dividir o povo de Periperi, nos arrabaldes de Baía. Uns achavam-no um aventureiro prodigioso, outros um trafulha e embusteiro de primeira água. Até que veio a prova dos 9 quando, de acordo com as leis do mar, o Comandante é chamado ao comando e o navio que vai atracar em Belém. O imediato prepara-lhe uma cilada para o pôr a rídiculo, pede-lhe as ordens finais para amarrar o navio ao cais. Sucedem-se as ordens mais insólitas do mundo: o navio deve ser amarrado com todas as amarras, com todos os ferros, com todas as manilhas, com todas as espias, com todos os strings.

Foram estendidos os cabos de aço, os traveses, enleando o navio definitivamente ao cais. Como se já não estivesse ele de tal modo preso ali com raízes tão profundas, como se as âncoras, as manilhas, os lançantes, já não o garantissem de sobejo contra as piores tempestades e os tufões mais brutais. Tempestades e tufões que nenhum serviço meteorológico previa, nem o olho mais experiente do mais temperado e velho marinheiro.

Vasco Muscoso de Aragão percebe o ridículo em que caiu, foge humilhado. Só que essa noite um tufão apoderou-se da cidade, aquele foi o único barco que resistiu em Belém do Grão-Pará. Assim nasceu outro mito, o que leva o autor a perguntar por onde anda a verdade, qual a fronteira ente o heroísmo e aldrabice.

A outra leitura é muito mais ligeira, O caso do antiquário, por S. S. Van Dine. O senhor Willard Huntington Wright, era um crítico de arte norte-americano que obrigado a estar dois anos de cama devido a um acidente cardíaco, descobriu o prazer de escrever novelas policiais e ganhou a celebridade logo com o seu primeiro livro O caso Benson. Já aqui falei desse pedante, hedonista e intelectual incorrigível que é Philo Vance, um detective amador que sabe tudo de aguarelas de Cezanne, de cerâmica chinesas e até de cães escoceses.

Este romance é por sinal fraco, presta uma grande homenagem a Edgar Wallace que Na pista ao alfinete novo forjara um homicídio praticamente indecifrável, dentro de um quarto fechado. Philo Vance move-se em ambientes de clausura, descobre que antes de um pretenso suicídio houve um crime bem premeditado a qeu se seguirão outros. E, como é timbre nalguns finais de S. S. Van Dine, no termo, quando se deslindou a verdade, pratica-se justiça sem necessidade de julgamento. Sempre que posso, abasteço-me em Bafatá com livros das colecções Vampiro, O Escaravelho de Ouro, Xis e começo a intrometer-me na ficção científica graças aos livros da colecção Argonauta.

Derreado ou não, vou ao Enxalé de surpresa e recebo os periquitos do 4º grupo de combate da CCAÇ 12 para irmos até Sancorlã, depois a Salá e fazermos uma emboscada. Mas é uma época em que escrevo febrilmente, como se estivesse a redescobrir o mundo e a encantar-me no feitiço das palavras. Escrevo faminto de amor, cada vez mais sozinho. Aprendia como escrever é a mais linda garrafa que se pode lançar no mar, à espera de resposta. Dos homens e de Deus.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. último post desta série > 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

Guiné 63/74 - P1897: O Queta Baldé, com a sua memória de elefante, é muito superior ao grande Fernão Lopes (Beja Santos)

1. Mensagem do Beja Santos, de 26 de Junho último:

Camaradas, eram 8:30 quando o Queta chegou de caderno em punho [, ao meu gabinete de trabalho, ao Saldanha]. Na matreirice, pedi-lhe para vir ao computador para me dar um esclarecimento de umas coisinhas no mapa. Quando viu o Matos Francisco (1), olhou-o 15 segundos em silêncio absoluto e depois deu uma gargalhada que se ouviu no Campo Pequeno.

Ele que é a disciplina e o rigor no cumprimento das tarefas, descreveu-me a chegada do Matos Francisco ao pelotão, contou como se tinha rifado o destino de cada um, como trocara com outro camarada do 51 a vinda para o 52 (o 51 foi para Guileje...), disse-me que o Matos Francisco deu uma queda, que o Furriel Vaz foi apanhado à mão na região do Geba depois de ter sido punido pelo Capitão do Enxalé, que o Furriel Altino passara a Comandante interino até à chegada do Alferes Azevedo, o nº2 da lista (temos que descobrir onde anda o Azevedo, que me foi apresentado de raspão em Bissau).

O 52 estava nessa altura em Porto Gole e colaborava com uma das três companhias de polícia móvel, sobre as quais ainda não vi nenhum referência no nosso blogue. Tanto quanto me parece, são os antecessores das milícias, eram comandadas por régulos ou outros homens grandes, e a companhia de milícias que estava em Porto Gole patrulhava nas regiões de Mansoa e Bissá.

E mais não digo, o Matos Francisco que começa agora a contar a história, o filho mais novo do régulo Malã Soncó que acompanha o nosso blogue logo dará notícias para cerca de 50 mails da Guiné, que nos acompanham religiosamente. Tudo o mais que o Queta me disse vem num dos próximos episódio do nosso folhetim. Saúde para todos e que o Matos Francisco trabalhe, Mário.

2. Comentário de L.G.: Mário, espantosamente não temos uma foto, antiga e/ou actual, do teu/nosso Queta Baldé, que é um prodígio de memória... Ao fim de um ano de macaréus, o teu e o Queta formam uma parelha inseparável... Devo dizer-te que a nossa Tabanca Grande está reconhecida aos dois. L.G.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

28 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)