Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 29 de março de 2009
Guiné 63/74 - P4098: Tabanca Grande (129): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Sold Radiotelefonista, Condutor Auto e Escriturário, QG/Bissau, 1968/70
Meus caros amigos Luís Graça, Virgínio Briote e Carlos Vinhal:
Começo por os saudar e dar os parabéns pelo vosso trabalho que é merecedor dum grande aplauso. Saúdo também toda a enorme tabanca que faz parte deste BLOGUE, a que aderi como visitante quase diário, desde que tomei conhecimento dele num Convívio de Ex-combatentes da Guiné em Esmoriz, já lá vão cerca de 3 anos. Não tenho participado por ter uma vida muito activa, mas como o tema (*) era convidativo, aqui estou... mas vou começar pelo princípio.
Agora há que fazer as apresentações da praxe, então aí vai:
MANUEL JOSÉ RIBEIRO AGOSTINHO, ex-Soldado de Infantaria com a Especialidade de Radiotelefonista/Condutor Auto, (Escriturário).
No CTI da GUINÉ estive sempre em BISSAU, mas lá iremos mais tarde.
Sou natural de LEÇA DA PALMEIRA, terra onde resido. Sou casado com a ELISABETE, temos duas filhas e duas netinhas.
Junto as minhas fotos como ditam as regras.
Sobre a minha mobilização para a GUINÉ, começo por fazer uma introdução, o início da incorporação que me levou a tirar a recruta em Espinho (GACA-3), sendo de seguida recambiado para Lisboa (BC-5) para tirar a especialidade de Radiotelefonista, para vir depois novamente para o Porto (CICA-1) tirar a carta de condução de Ligeiros, para depois ainda no Porto seguir para o (RC-6) tirar a carta de Pesados. Depois destas especialidades todas, voltei a Lisboa ao BC-5.
Voltei a ser colocado no Porto no (RI-6), onde começou a etapa da minha vida militar que teve reflexos futuros. Passo a explicar.
Chegámos num sábado de OUTUBRO de 1967 a Lisboa, um grupo de 7 militares do meu pelotao para sermos distribuídos por diversas unidades, sabendo eu nesse dia que viria novamente para o Porto. Passei um bom domingo com os amigos de Matosinhos que tinham tirado as mesmas especialidades, o José António e o Humberto Vieira Pereira que iam para outros destinos no Alentejo, mas para diferentes unidades. Divertimo-nos imenso, fomos ver um Benfica-Leixões e a seguir um jogo de hóquei em patins no Benfica de LIVRAMENTO. Muitos copos até dormir no cinema e dormir no quartel, até que chega a segunda de manhã e acordam-me para as despedidas. Lá me despedi deles e infelizmente do Humberto, pessoalmente para sempre, pois viria a falecer em fins de 1968 em Bambadinca.
Abro um parentesis para contar esta pequena história.
Estando eu em Bissau e ele no mato, trocávamos correspondência com frequência. Certa ocasião, uns dias depois de ter estado comigo, tendo-lhe escrito um aerograma como era habitual, o mesmo veio devolvido sem explicações. Mais tarde vim a saber por um colega de Bambadinca que tinha levado com uma roquetada dum cubano, quando ia buscar água à fonte fora do quartel. Gostaria, se alguém tiver dados mais concretos, que me dessem mais notícias sobre este caso.
Mas, então a seguir a essa segunda-feira, depois de acordar, alguém me vem dizer que afinal já não ia para o Porto, mas para Bragança. Protesto daqui, protesto dali e consigo dar a volta ao assunto e desfazer a panelinha que tinham cozinhado. Como eu tinha a melhor nota dos sete colocados acima de mim, impus a minha razão, com a ajuda de um alferes que me levou ao Capitão e que mandou sacrificar outro, ao sargento da secretaria.
Naquele momento tudo ficou para mim em ordem, mas mais tarde teve os seus reflexos quando me quiseram mobilizar.
Regressei então ao Porto e passei a trabalhar na secretaria do RI-6 até que, já em Abril de 1968 e tendo já quase todos os da minha especialidade avançado para o Ultramar, pensando eu que ja não iria, apareceu uma carta da Repartição de Mobilizados, com conhecimento ao RI-6, a dizer que eu não estava nem em Bragança nem em Abrantes, onde devia estar. Passaram mais uns dias e lá estava eu a avançar para Abrantes com destino a embarcar para a Guiné.
Quando soube da notícia fiquei pior que estragado, pois tinha namorada e ter que avançar assim, sem mais nem menos, tornava-se pesado. Dar a notícia em casa aos meus pais foi duro, só eu sei como a minha mãe sofreu. No dia seguinte, quando acordo, mais uma bomba em casa. Na Guiné tinha desaparecido o meu vizinho Rui Rafael da CCS/BCAV 1986 em BUBA. Algum tempo mais tarde, outra notícia negativa, desapareceu o Sargento da Marinha, Lamarão, na Guiné, amigo do meu Pai.
Rui Rafael Moreira, à esquerda, que esteve preso em Conakry e foi libertado dutante a Operação Mar Verde, apesar de emigrado em Espanha, esteve presente no I Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos. À direita José Oliveira (Mestre Zé Cartaxo), ele também um dos organizadores destes Encontros.
Devem estar a ver a minha mobilização com tantos festejos e desde fins de Abril até 10 de Agosto, tempo que demorou até que embarquei em rendição individual no n/m ALFREDO DA SILVA em Lisboa, passando por casa (Porto de Leixões), Cabo Verde (Mindelo e Praia) até que cheguei a Bissau, no dia 20 de Agosto de 1968, com destino a uma companhia que gostaria de saber qual (?) , que tinha vindo embora a 18/08/68, dois dias antes no UIGE.
N/M Alfredo da Silva pertencente à Sociedade Geral
Foto retirada do site Navios no Sapo, com a devida vénia.
Vista aérea do Porto de Leixões, reconhecendo-se as povoações de Leça da Palmeira e Matosinhos, respectivamente a Norte e a Sul da zona portuária
Por agora ficamos por aqui, prometo voltar mais tarde.
Um abraço para todos
Ribeiro Agostinho
2. Comentário de CV
É com particular alegria que recebo na nossa Tabanca, muito mais que um camarada, um amigo de longa data.
Tivemos caminhos paralelos, ele no Liceu, eu na Escola Industrial, ele com empregos no Privado e eu na Função Pública. Ele a vir embora da Guiné e eu a ir para lá.
Ribeiro Agostinho é hoje um respeitado comerciante de máquinas ferramentas, sempre disponível para ajudar os amigos, que lhe custam por vezes as suas horas de descanso.
É o principal incentivador dos Encontros anuais dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, a ele se devendo a organização dos mesmos (**).
Sabendo-o um leitor diário do nosso blogue, sempre o incentivei a entrar para a nossa Tabanca Grande, ao que ele respondia estar a pensar, mas que o tempo livre lhe é escasso e achava que tendo cumprido a sua comissão só em Bissau, se sentia mal entre os operacionais.
Fiz-lhe ver que na guerra tinha de haver gente em todo o lado. Os mais sortudos ficavam em Bissau ou iam para o mato, não lhes acontecendo nada e os menos afortunados, mesmo em Bissau, morriam de acidente ou doença. Quem ia para o mato, além da doença e dos acidentes, tinha a morte por perto quando em situação de combate.
Não podemos monesprezar o trabalho de quem em Bissau tratava dos nossos vencimentos, da nossa alimentação, dos sobressalentes para as nossas viaturas, do nosso correio e, muito, mas muito importante, de quem nos recebia, quando feridos com mais ou menos gravidade, chegávamos ao Hospital.
Sei que o Ribeiro Agostinho organizou uma tertúlia de Matosinhos em Bissau, onde eram recebidos todos os matosinhenses, sendo-lhes minimizado o efeito da chegada a um sítio desconhecido. Quem não se lembra da alegria que era encontrar um conterrâneo por aquelas bandas?
Não vou pedir ao Agostinho que conte as suas aventuras enquanto combatente, mas que nos conte como reagiam os nossos conterrâneos quando o viam. Não podemos esquecer que ele estava na Secretaria do QG e que pelas suas mãos passava toda a correspondência não secreta, logo sabia quem chegava e quem partia, principalmente os de rendição individual, os mais traumatizados.
Caro Agostinho estás apresentado à Tertúlia. És um membro de pleno direito, quanto mais não seja, por fazeres o que ainda hoje fazes pelos ex-combatentes da Guiné.
Deixo-te o habitual abraço (virtual) de boas-vindas dos atabancados.
Será que me vais acompanhar no próximo encontro da Tertúlia? Deves-me esta.
Ribeiro Agostinho falando às tropas, no III Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, realizado no passado dia 7 de Março de 2009
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4075: O trauma da notícia da mobilização (2): No dia da minha inspecção, ali estava eu, em pelota... (Joaquim Mexia Alves)
(**) Vd. poste de 14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4030: Convívios (100): III Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, dia 7 de Março de 2008 (Carlos Vinhal)
Vd. último poste da série de 29 de Março de 209 > Guiné 63/74 - P4096: Tabanca Grande (128): Orlando Pinela, militar da CART 1614 (Guiné, 1966/68)
Guiné 63/74 - P4097: Dar uma aula, em Coimbra, aos poetas que escrevem sobre (mas não fizeram) a guerra (Vasco da Gama)
Recorde-se que o Vasco, reside na Figueira da Foz, tendo sido Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74:
Comandante Luís Graça,
Não te vou referir novamente a debilidade que me tem impedido de participar activamente na nossa Tabanca. Cinjo-me apenas à informação que acabo de receber respeitante ao seminário de amanhã na Universidade de Coimbra, subordinado ao tema Poesia da Guerra Colonial.
De pronto me inscrevi! Não sei como me vou deslocar, mas lá estarei, desarmado. Sim desarmado! No meio daquela intelectualidade toda, o que vai fazer um artista como eu que é incapaz de fazer um verso? Vai ouvir e, se for caso disso, dizer dos inúmeros poetas que o nosso blogue tem. Dizer das inúmeras poesias que temos publicado na nossa Tabanca e da pena que sinto da nossa Tabanca Grande não estar representada, no mínimo, para dar uma aula aos poetas que não fizeram a guerra. Somos, neste contexto, A OUTRA FACE DA POESIA! (**)
Vou levar debaixo do braço o Tigre Vadio do Mário Beja Santos e servir-me dos Doze contos do barqueiro de Caronte (Luís Graça) ?
Vou levar alguns versos do Zé Manuel de Mampatá? (***)
Vou referir-me ao nosso bardo Manuel Maia?
Vou aconselhar a leitura do nosso magnífico José Brás?
Porventura calar-me-ei e serei mais "um flamingo branco, tingido de vermelho" (Luís Graça) (****)
Um abraço
Vasco da Gama
2. Comentário de L.G.:
Meu caro Vasco:
Vai, vai, que desanuvias, que te faz bem... Vai e representa-nos, o melhor que souberes e puderes, a todos nós, tabanqueiros, que aqui se expressam em prosa ou em verso. Lamento não poder estar contigo, amanhã, na Lusa Atenas, para ouvir os poetas e os seus críticos, os que falam da guerra que tu e eu fizemos... Não vais estar só: o Josema, o nosso Zé Manel, da Régua, também irá ter contigo. Precisa de ir a Coimbra levar a filha que é estudante e entregar vinhos a clientes. Aproveita então para ir amanhã de manhã.
Podes apresentar aos senhores Professores de Coimbra o nosso poeta de Mampatá, de Nhacobá, de Colibuía, de Salancaur, tudo lugares que não fazem parte da geografia nem do imaginário dos poetas da Academia... Diz-lhe que havia um poeta, no sul da Guiné, que escrevia um poema para cada dia, nos já idos anos de 1972, 1973 e 1974... E que um belo dia, numa fúria autodestruidora, já na erssaca da guerra, destruiu pelo fogo dois terços do seu espólio literário... É poesia chã, singela, intimista, mas que cala fundo no peito da gente... Diz-lhe que temos mais malta que escreve versos, desde o Zé Teixeira ao Magalhães Ribeiro... Diz-lhe que até temos Cancioneiros populares, onde se escrevia poesia com erros de ortografia... Poderemos não ter direito a antologia, mas já escrevemos um dia (ou ainda escrevemos hoje) versos onde a guerra destila pelos poros... Dá um abraço à nossa madrinha de guerra, Cristina Néry. Deseja-lhe bom trabalho. Agradece-lhe a atenção que nos tem dedicado. Um Alfa Bravo para ti e para o Josema. Boa viagem.
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)
(**) Vd. postes da série Blogpoesia:
27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4087: Blogpoesia (33) : O bardo de Cafal Balanta (Manuel Maia)
25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4078: Blogpoesia (32): João, 20 anos, apto para todo o serviço... (José Brás)
15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4037: Blogpoesia (31): Quando eu era menino e moço... (Manuel Maia)
9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3858: Blogpoesia (30): Em Cutima, tabanca fula... (José Brás / Mário Fitas)
31 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3688: Blogpoesia (29): Este ano não mandei cartões de boas festas a ninguém (Luís Graça)
28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3672: Blogpoesia (28): O Menino Jesus chinês (António Graça de Abreu)
25 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3669: Blogpoesia (27): A velha Amura dos tugas (Luís Graça)
26 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3243: Blogpoesia (26): 35 anos de Guiné-Bissau: A minha contribuição para a tua festa, meu irmão, minha irmã (Luís Graça)
11 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3193: Blogpoesia (25): Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra (Luís Graça)
6 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3178: Blogpoesia (24): A minha pequenez é que era uma tristeza (Rui A. Ferreira)
4 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3169: Blogpoesia (23): Amálgama de sentimentos e emoções...(Rui A. Ferreira)
6 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3115: Blogpoesia (22): No mesmo navio, piscina e música em camarote de 1ª, suor nos porões...(José Belo).
[Houve um salto na numeração, de 10 para 22]
30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr do sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)
27 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2589: Blogpoesia (9): Sangue derramado (José Manuel, Mampatá, 1972/74)
27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)
12 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2259: Blogpoesia (7): Nas terras de Darsalam, no Cantanhez, adormeceste, para sempre, como herói, meu querido Sasso (J.L. Mendes Gomes)
7 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2248: Blogpoesia (6): África Raiz, de Fernanda de Castro
16 de Outubro de 2007 > Guiné 63774 - P2180: Blogpoesia (5): O vigésimo sexto aniversário de um gajo nada sério, Missirá, 6 de Novembro de 1970 (Jorge Cabral)
23 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2125: Blogpoesia (4) : A morte do pássaro de areia (Luís Graça)
30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2009: Blogpoesia (3): Explorador ? Mineiro ? Não, um Soldado ! (Jorge Cabral)
18 de Julho de 2007 > Guine 63/74 - P1964: Blogpoesia (2): O Combatente (Magalhães Ribeiro)
17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1963: Blogpoesia (1): O embondeiro do Cachil (J. L. Mendes Gomes)
(***) Vd. a série Poemário do JoséManuel (o único de nós que escrevia diariamente poesia, durante a sua 'comissão de serviço' no CTIG, entre 1972 e 1974):
Vd. último poste > 11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4011: Poemário do José Manuel (27): Um ruído vem do céu / e há cabeças no ar, / hoje é dia de correio...
(****) Vd. também blogue de poesia de Luís Graça >Blogpoesia
Vd. algumas dos poemas de temática ligada, directa ou indirectamente, à guerra colonial:
A morte do pássaro de areia
Alá não passou por aqui
Cais de partida(s)
Conto(s) do barqueiro do Geba
Descansa em paz, Iero Jau
Esquecer a Guiné
Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra
Jogava-se à bola, domingo à tarde, na minha aldeia
Luanda (re)visitada
Morreu um pretinho da Guiné
O Relim não é um poema
Os meninos da Ilha de Luanda
Quando os ventos sopram em Assuão
Rua da Conceição, nº 100, ou o poema do marinheiro sem mar
SOS, Mare Nostrum
Uma estranha forma de morte
War is over, baby
Guiné 63/74 - P4096: Tabanca Grande (128): Orlando Pinela, militar da CART 1614 (Guiné, 1966/68)
1. Comentário de Orlando Pinela no Poste 3986:
Luis Graça, após contacto com o blog e sendo um visitante assidúo, ao mesmo venho apresentar-me:
Fui combatente na Guiné e subscrevo os comentários do Tony Grilo enviados do Canadá.
Então com toda a liberdade aí vai: sou Orlando Pinela da CART 1614 e fui ferido em Setembro de 1967 em Cabedú. Para avivar a memória, era o Quarteleiro.
Deixo o meu endereço electrónico - opinela@gmail.com
2. Mensagem enviada em 8 de Março de 2009 a Orlando Pinela:
Caro camarada Pinela
Já que te identificaste como ex-combatente da Guiné, não queres entrar para a nossa Tabanca Grande?
Se assim o entenderes manda uma foto do teu tempo de tropa e outra actual, tipo passe de preferência, em formato JPEG. Diz-nos qual foi o teu posto militar, especialidade, Unidade a que pertenceste na Guiné, anos de comissão e tudo o mais que achares útil para te conhecermos.
Ficamos à espera de notícias tuas.
Recebe um abraço do camarada
Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
3. Mensagem de Orlando Pinela, CART 1614, Guiné 1966/68, com data de 24 de Março de 2009:
Boa tarde e saudações cordiais do camarada Pinela.
Aí vai o meu pobre historial militar.
Fiz a recruta na Serra da Carregueira no 1.º turno de 1966, tendo tido uma recepção excepcional como faxina à cozinha. Nunca tinha visto tanta loiça, era um autentico Hotel de *****, os quartos eram todos duplos e tinham uma média de 160 camas.
Esses dois meses, além da chuva e do frio, tudo passou sem grandes sobressaltos além de alguns roubos de equipamento.
Como já estávamos naquele Resort há muito tempo, todos fomos à vida indo eu parar ao Entroncamento, terra muito conhecida pelos combóios, talvez fossem mais os militares que a população. Aí sim, tive uma rececpão estupenda de boas instalações, no quarto de vez em quando, como o mesmo não era muito grande, era necessário desviar as camas para passar o combóio e também não eramos muitos, mais ou menos uns 300.
Assim chegou o mês de Agosto, fim da especialidade e nova mudança sempre a fugir para o Norte.
Agora sim fui para uma cidade estupenda, a capital de Trás-os-Montes, Vila Real, condições acolhedoras e condignas e uma excelente camaradagem, ficando a fazer serviço no material de Guerra, tendo quase todos os dias a visita do senhor Comandante da Unidade (RI13), um homem com dignidade e de bom coração.
Como também sou Trasmontano da região de Bragança, muitos fins de semana lá ía a casa para encher as peles. Assim pelo fim de Setembro acabou a estadia nesta unidade e rumando para uma cidade a Sul do Rio Douro, Vila Nova de Gaia, já com o bilhete na bagagem para novos rumos. Estive três dias na Serra do Pilar até me reagrupar à Companhia. Mais uma vez fui conhecer novas caras, pois nem uma alma conhecida. O Bart 1896 integrava as Carts 1612, 1613 e 1614, tendo passado por uma Bateria em Leixões até ao treino operacional em Viana do Castelo com o embarque a 12 de Novembro de 1966.
Esta discricção é em traços largos a minha passagem pelo Serviço Militar no Continente, talvez não seja muito importante para os camaradas do blog, mas é o começo da minha apresentação.
Dentro de dias vou começar a escrever a minha singela passagem por terras da Guiné.
Despeço-me com um abraço para todos os camaradas da Tabanca Grande e em especial ao camarada Carlos Vinhal em ter pachorra para me aturar.
Um abraço
Orlando Pinela
4. Comentário de CV
Caro Pinela, bem-vindo à Tabanca Grande.
Descreveste de uma maneira curiosa os teus primeiros tempos de tropa e com algum humor. Era a melhor maneira de encarar a situação.
Quando mandares a continuação da tua carreira, não te esqueças de referir o teu Posto e Especialidade e, locais por onde andou a tua Companhia.
Tiveste a má sorte de teres sido ferido, conta-nos como em que circunstâncias aconteceu isso. És considerado DFA?
Esqueceste-te de enviar as fotos da praxe, mas fá-lo-ás brevemente, concerteza.
Para tua informação, este teu camarada, mora a pouco mais de 1 quilómetro do local onde havia a tal Bateria de Artlilharia Anti-Aérea Fixa de Leixões, por onde passaste, hoje desactivada e local de uma urbanização habitacional.
De pequenito, me lembro de ver passar os tropas em passo de corrida pela minha rua, a caminho do quartel.
Esperando a tua colaboração, deixo-te um abraço em nome da Tertúlia.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4080: Tabanca Grande (127): Manuel Resende, ex-Alf Mil, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1969/71): como o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande
Guiné 63/74 - P4095: O trauma da notícia da mobilização (5): Depoimentos (Magalhães Ribeiro/Hélder Sousa/David Guimarães/Juvenal Amado/César Dias)
Guiné 63/74 - P4072: O trauma da notícia da mobilização (1): A minha mobilização para a Guiné acagaçou-me (Magalhães Ribeiro)
Amigos Luís, Vinhal e Briote,
Recebi 4 e-mails do Hélder Valério Sousa, David Guimarães, Juvenal Amado e César Dias, em resposta à provocação que lancei ao pessoal sobre o tema do recente post em epígrafe, e que anexo abaixo.
Pelo interesse das achegas e esclarecimentos, e com a permissão dos mesmos, creio que poderia constituir para a publicação de mais um post, ou dois, complementar sobre esta matéria.
À vossa consideração.
Um abraço sempre Amigo do M.R.
1 – E-mail de Hélder Valério Sousa, em 20 de Março de 2009
Amigo MR
Pois é claro que muita coisa se passou e muitas vezes a realidade ultrapassa a ficção.
Olha, há um livro cujo autor é conhecido, mas agora não recordo, que tem o título traduzido para português como "O valente soldado Schveik" (não sei se é assim que se escreve) e que até já foi adaptado a teatro salvo erro pelo Raúl Solnado.
Esse livro relata as aventuras e desventuras do tal Chveik (*), oriundo, também se a memória não me atraiçoa, da Boémia, região hoje da República Checa, antes Checoslováquia e na altura integrada (anexada) no "Grande Império Austro-Húngaro".
Com as várias guerras travadas e/ou também forçadas a travar por esse Império, havia necessidade de incorporar cada vez mais elementos das várias regiões "integradas", em muitos casos, na maioria, combatentes à força, a verdadeira "carne para canhão", devido ao modo como então se combatia.
Pois o livro alterna entre o dramático, o irónico e o hilariante com as diversas situações do nosso "valente soldado" quer para tentar escapar das situações mais difíceis, com artimanhas várias, quer na lábia que utilizava para dizer o que os interlocutores queriam ouvir, nem que fosse a maior parvoíce ou situação afastada da realidade.
Então as várias situações de simulação de doença ou ferimento, até as situações de automutilação estão lá retratadas e, acredites ou não, eu cheguei a ler na esplanada do Bento, para alguns amigos, essas partes mais próximas das realidades que conhecíamos da nossa estada (mais ou menos profunda) em zonas do "Vietnam", como diz o Luís, e a gargalhada era geral.
O fulano que dava um tiro no pé, quem não o conheceu? O fulano que "entalava" uma mão ou outra parte do corpo para dar baixa à enfermaria ou mesmo evacuação para Bissau, quem não se lembra de ninguém assim? E aquela receita infalível para apanhar "três cruzes" de hepatite garantida com baixa e internamento em Bissau e, quem sabe, evacuação para a Metrópole, obtida com uma semana, mais ou menos, com uma ou duas "bazoocas" e duas ou três bananas em jejum? Nunca experimentaste?
Deram-me essa receita em Piche, mas felizmente a minha determinação e talvez também o facto de estar mais a recato das situações mais extremas, fizeram com que não passasse de apenas um dia para ver como sabia.
Bem, por hoje chega, vou fazer óó pois amanhã vou cedo para Lisboa.
Um abraço
HSousa
Karlovy Vary > República Checa, 2007 > Carlos Vinhal e o Valente Soldado Chveik
2 – E-mail de David Guimarães, em 20 de Março de 2009:
Bem vou falar sobre esta situação muito calmamente dizer o que me aconteceu a mim e o que na altura vi e pronto... acho que é importante não o meu caso que não serei exemplo, não sei se será bom ou não abordar este assunto - NO ENTANTO - sou suspeito sobre a matéria e direi porquê ou não - pode não ser conveniente e ser mal interpretado... Não quero polemizar as situações e contarei então que se passou comigo. Se achar oportuno darei razão por INTEIRO e eu mesmo antes da "merda" da guerra poderia ter usado todas as oportunidades e não usei, recusei e não sou herói, mas fui honesto com a minha consciência...
Um dia - já tinha a inspecção feita, por recomendação fui a uma consulta de psiquiatria, a um médico daqui do Porto célebre na Praça - já morreu...
Evidentemente que quando eu frequentava o sétimo ano (1968) comecei a ter comportamentos esquisitos. Bem, lá o médico me receitou isto e aquilo e fez-me uma recomendação - vai fazer um electroencefalograma e segundo a interpretação que lhe vou dar livro-o da tropa... Como é evidente fiz tudo e tomei os comprimidos - uns ainda hoje tomo (Diazepam 10) - mas o electro que se lixe... Ele leu e disse e eu ouvi e decidi - achei que o médico é que era maluco - e que não era bem acabado, não, isso garanto... NÃO TIVE O SENTIDO DE OPORTUNIDADE
Rejeitei totalmente na altura eu ser o único da família que não tivesse frequentado a tropa e fui claro - 22 de Abril de 1970, isso mesmo - rumo a Caldas da Rainha para o CSM - passados dois dias fiz 23 anos. Digo isto rejeitar porque - já consta no blogue o meu pai, herói de França, combatente na Batalha de La Lys (Sargento de carreira) meu irmão herói em Angola como Furriel Miliciano (Cruz de guerra) e eu... ficava em casa a beber copos de leite - coisa que nunca gostei muito... não...
Recruta nas Caldas, Especialidade em Vendas Novas e depois? Eu até tinha escrito num papel - RAP2 Serra do Pilar - V. N. Gaia. Aí a certa altura chamaram-me à Bateria e disseram - toma lá, amanhã vais para Minas e Armadilhas em Tancos. Bem no papel constava o seguinte: Por ter sido Mobilizado no BART 2917, segue para Tancos a fim de frequentar o Curso de Minas e Armadilhas o Furriel Mil... etc., etc., etc... Olhei para o papel e disse: - Porra, mobilizado para onde? Entretanto vi um camarada de recruta que tinha a Especialidade de IOL e estava a prestar serviço na secretaria do Comando - eu era Atirador. Fulano (esquece-me o nome) - vai ver para onde vai este BART 2917. Daqui a pouco, com ar pesaroso, chega-se à minha beira e diz:
- Guimarães, vais para a Guiné! - Melhor disse eu, a ter que ir que vá para a zona mais perto de Portugal.
Lá segui eu: como era evidente levei noutros nomes que eu conhecia rascunhados num papel. Cheguei a Tancos - Casal do Pote e pronto... toca a tirar o curso... entretanto tinha avisado os meus camaradas que estavam colocados na Pesada, mas tinham ficado nas unidades a dar instrução para onde era o destino deles... Éramos 200 Cabos Milicianos, nada de brincadeiras... Quase no nosso fim de Curso de Minas, sai à ordem na EPE (Escola Pratica de Engenharia) as mobilizações... Eu estava descansado outros que eu tinha avisado também, mas a maioria porra!!! Vi gente a chorar, vi gente a rir, etc., etc... Até cheguei a pensar que em Angola e Moçambique tinha acabado a guerra, porque os que riam eram esses que para lá iam e quem chorava eram os que iam para a Guiné... Mantive-me impassível e ciente só de uma coisa - todos íamos para a guerra...
Friamente terei que dizer fui e vim, outros lerparam e outros ficaram mutilados - fim.
Durante a comissão, dois pelo menos da minha Companhia vieram com a FIAAC - firma dos independente altamente apanhados pelo clima - era o que usávamos para o Xitole. Sim soldados, e foram dois, que nunca deveriam ter ido para a tropa e que já padeciam da cabeça antes de serem inspeccionados - mais nada. O resto foi e veio, salvo um Furriel que morreu - meu querido camarada Quaresma (de Algés) e outro que está cego, querido camarada Leones - vive em Lisboa - já falado no blogue ou na tabanca grande.
Vim e mantive-me a "tomar" o mesmo Diazepam - Valium 10...
Deu-se revolução dos cravos, tudo estava feliz e veio para rua... tanta burrice se fez, mas até entendo, porquê. Era o pássaro que estava na gaiola confinado a muitos limites e depois saiu - só que não soube avaliar os limites, o que era natural...
Foi só aí que se começou a ouvir falar em stress de guerra e veio lá das Américas dos veteranos do Vietname... Um dia pensei: - Se isto chega aqui aí vai haver "bichas" de stressados... adivinhei e não sou bruxo. Mais movimentos mais associações mais políticos e politiqueiros e aí está o resultado - todos temos uma pancada merecedora de um subsídio e tudo isto por causa da guerra... falo à vontade porque já fui chamado a testemunhar para um ex-militar que queria um subsídio só porque agora parece que sofre nem sei de quê... da cabeça já sofria ele então e que foi evacuado foi com uma hepatite...
Que se lixem os psicólogos, os médicos e muito mais gente que anda por aí nessas merdas... Um dos inquéritos que perguntei de imediato se estavam no gozo comigo, constava a seguinte questão: casas de banho, banhos e duches; águas e canalizações, etc., etc., etc... Perguntei ao Capitão que estava com esse processo: - Sr. Capitão quem foi o ignorante que fez esse inquérito? Possivelmente, respondeu ele a sorrir, um Alferes contratado de 22 ou 23 anos - isto foi no ano passado...
Vamos ser sérios, embora entenda que haja doentes mesmo de stress... mas não somos todos...
Porque assim não há direito... isto é uma síntese para responder e concordar com o Magalhães Ribeiro - doentes sim, mas se o oportunismo é doença então - está tudo lixado em Portugal.
NB - ENTENDO QUE ESTES ASSUNTOS DEVAM SER TRATADOS POR TU E DE CABEÇA FRIA COM O CORAÇÃO AO LADO.
AO MAGALHÃES RIBEIRO, NOSSO AMIGO, FAÇO UMA IDEIA DA DIFICULDADE QUE HÁ EM FAZER DESCER A NOSSA BANDEIRA - ISSO SIM ME FARIA MAIS DOENTE PELA CERTA.
Um abraço e preste a quem prestar este depoimento... Mas vamos ser sérios que isso sim - é dignidade que deve assistir a um antigo combatente - atendamos aos doentes claro, mas que ninguém se faça do que não é.
NOTA: A ZONA DO XITOLE FOI BEM VIVA EM GUERRA NAS DATAS QUE REFIRO 1970 A 1972... PARA QUE NÃO PENSEM QUE ESTIVE EM COLÓNIA BALNEAR.
David Guimarães
Fur Mil 17345368
At Art e Minas
Xitole 1970/1972
3 – E-mail de Juvenal Amado, em 20 de Março de 2009:
Meu caro Magalhães
Já estava preocupar-me contigo pois já há alguns dias, não aparecia nada com a tua assinatura.
Se temes ter uma tara em relação a falar da Guiné, então também eu sofro do mesmo mal.
Chego a telefonar aos meus camaradas do 3872 só para sentir a sua presença.
Em relação ao teu comentário vou tentar ler o tal poste e depois comentar. Depois te digo alguma coisa.
Um abraço
Juvenal Amado
4 – E-mail de César Dias, dia 20 de Março de 2009:
Olá MR
Tens razão, o stress começava bem antes. Quando íamos "dar o nome" para a tropa como diziam lá na minha terra (Chancelaria -Torres Novas), já a coisa começava. Depois na recruta havia gente a fazer tudo para passar aos auxiliares, um camarada do meu pelotão em Tavira andou a comer unicamente marmelada até baixar ao Hospital, conseguiu, nunca mais soube dele. Comigo parece que tudo acontecia como programado, era tudo previsível, até que um dia meti na cabeça que por ter ficado bem classificado no curso de especialidade de sapador, me livrava de embarcar porque o curso seguinte estava a sair, mas não tive sorte, o Homem do monóculo pediu dois batalhões de reforço e lá foi o Dias ainda mais rápido que o normal.
Quando cheguei a Mansoa, distribuíram-me um quarto onde sobre a porta tinha esta frase: "COM A SORNA COOPERANDO ME FUI DA LEI DA MORTE LIBERTANDO", não era bem o meu lema, mas lá me safei, como sabes nem todos encaravam a Guerra da mesma maneira, daí haver uns mais apanhados que outros, ou a fazerem-se apanhados. E HOUVE QUEM TENHA CONSEGUIDO OS SEUS INTENTOS.
Mas estás bem acompanhado com o Luís Nabais, ele está a par do que temos para ajudar os nossos camaradas que foram apanhados nessa malha.
Um abraço, Pira
César Dias
__________
Notas de CV:
(*) O Valente Soldado Chveik é um romance de autoria de Jaroslav Hasek, nascido em 1883 e falecido em Lipnice em 1923. Combateu sob a bandeira austríaca pela qual não nutria grande simpatia. Feito prisioneiro pelos Russos, alistou-se posteriormente no exército Checo. Foi jornalista e escritor, sendo este romance a sua principal obra.
Quanto ao soldado Chveik é a caricatura de um militar que tudo faz para fugir ao triste destino de combater pela bandeira austríaca durante a Primeira Guerra Mundial.
Quando recentemente visitei a República Checa, pude aperceber-me do sentido patriótico bem vincado naquele povo, que na sua história, conheceu a opressão do Império Austro-Húngaro, da União Soviética e ainda como território integrado, contra sua vontade, na então Checoslováquia. Voltando há poucos anos à condição de país livre e independente, como República Checa, exibe, a sua gente, um orgulho patriótico e uma cultura invejável. Um senão, a condição económica não ser muito favorável.
Guiné 63/74 - P4085: O trauma da notícia da mobilização (4): Ir em rendição individual e, para mais, 'substituir um morto'... (Henrique Matos)
Guiné 63/74 - P4094: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (5): Não esperava ouvir tal coisa (Manuel Amaro)
1. Mensagem, de 26 de Março, de Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)
Camarada Luís Graça:
Ontem estava em casa e vi quase tudo do episódio (*). Principalmente a parte referente à Guiné, incluindo a retirada de Madina e acidente do Cheche.
Os dados já conhecia da leitura do nosso blogue. As imagens, sim, impressionaram-me.
As declarações do General Almeida Bruno deixaram-me, por momentos, sem acção. Não esperava ouvir tal coisa.
Mas é uma visão do problema. Exagerada? Talvez. Injusta? Sim, pelo menos para muita gente que deu o "corpo ao manifesto" e agora podem aparecer os familiares e amigos a dizer que o General disse... tal... e tal.
Também não gostei de ouvir o Coronel José Aparício. Até porque, a sua postura me fez lembrar os meus colegas de escola, que depois de fazerem uma "patifaria", confessavam e punham aquele ar ingénuo...
Não vi no Coronel Aparício a imagem que eu tenho dos Coronéis do nosso Exército. Eu sei que há temas muito polémicos, Madina, Cheche, Guileje... e cada um de nós tem os seus heróis e vai elegendo os seus vilões.
Tento manter-me equidistante, mas sei que é difícil.
Por isso, hoje manifesto o meu desagrado pelas declarações, tanto do General Almeida Bruno, como do Coronel José Aparício.
Um Alfa Bravo
Manuel Amaro
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Nota de L.G.:
(*) Vd postes anteriores:
29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4092: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (4): Bolas, não nos deixam em paz! (Paulo Salgado)
29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4091: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (3): Fui desrespeitado de maneira ignóbil (António Matos)
29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)
28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)
Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)
Universidade de Coimbra > Centro de Estudos Sociais (CES) > Página de rosto do sítio Poesia da Guerra Colonial e programa da Conferência Internacional Poesia da Guerra Colonial: Uma Ontologia do 'Eu' Estilhaçado, Coimbra, CES, 30 de Março de 2009
1. Mensagem enviada ontem por Cristina Néry Monteiro:
Caro Luís Graça e Camaradas da Guiné,
No ambito do Projecto de Investigação "Poesia da Guerra Colonial" que está a ser desenvolvido no Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, sob coordenação da Doutora Margarida Calafate Ribeiro, venho por este meio repetir o envio da divulgação e o convite para estarem presentes na Conferencia Internacional sobre Poesia da Guerra Colonial, que terá lugar no próximo dia 30 de Março. Em anexo envio o Cartaz, o programa e deixo abaixo o link para a página do projecto que está agora disponível on-line.
http://www.ces.uc.pt/projectos/poesiadaguerracolonial/pages/pt/agenda.php
Se, desejarem fazer um post no vosso Blogue, agradeceríamos muito e teríamos todo gosto.
Agradeço a atenção e peço, por favor, a divulgação deste evento junto de todos. E, já agora, a título pessoal, agradeço a todos e a todas aqueles que tem respondido aos meus apelos via email e via carta.
Muito obrigada.
Cristina Néry Monteiro (Investigadora Júnior no Projecto de Investigação "Poesia da Guerra Colonial"/CES/Universidade de Coimbra)
2. Notas e comentários de L.G.:
(i) Sobre o projecto Poesia da Guerra Colonial, pode ler-se a seguinte informação síntética no respectíbo sítio:
O Projecto
A experiência de Portugal na guerra colonial (1961-74) teve o seu registo estético na narrativa, dando origem a mais de uma centena de romances sobre o tema e na poesia com uma vasta e ainda não delimitada produção. Esta poesia, de autores directa e indirectamente envolvidos na guerra, e elaborada, ou no momento da vivência do evento bélico, ou em seguida, enquanto espaço de memória e de elaboração pós-traumática, carece de atenção, reflexão e divulgação.
Este projecto visa realizar uma primeira e exaustiva recolha crítica do material poético acessível, não só enquanto poesia de guerra no panorama literário ocidental e português em particular, mas também enquanto valioso testemunho subjectivo de um episódio marcante do século XX português, que modificou a própria identidade histórica de Portugal. O projecto propõe-se reunir um banco de dados amplo do arquivo poético da memória da guerra colonial e combiná-lo com uma organização de uma antologia de poemas de guerra. Trata-se de um projecto aberto à colaboração.
(ii) Eis alguns dos poemas selecionados e divulgados pela página supracitada:
Casimiro de Brito, “O fogo”
Domingos Lobo, “Os ofícios do medo”
Fernando Assis Pacheco, “Monologo e explicação”
Fernando Grade, “O meu major deveria ter sido capitão-de-mar-e-guerra”
Fiama Hasse Pais Brandão, “Sítios de campo”
Joaquim Pessoa, “Soneto anti-colonialista”
João de Melo, “Os corpos”
Luiza Neto Jorge, “Balada apócrifa”
Manuel Alegre, “Ainda”
Natércia Freire, “Guerra”
Ruy Belo, “A guerra começou há trinta e quatro anos”
(iii) O nosso blogue congratula-se com (e a apoia) esta iniciativa. Infelizmente não estamos organizados para poder estar formalmente representados na Conferência. Mas é desejável que algum dos membros da nossa Tabanca Grande, poetas ou interessados na poesia da guerra colonail, nomeadamente com residência na região de Coimbra, possam passar lá amanhã, pelo CES/UC. A inscrição é gratuita e pode ser feita em linha. Eu própriio gostaria de poder participar. Mas não tenho disponibilidade amanhã. Só soube desta iniciativa ontem à noite, quando abri a caixa de correio do blogue.
Já tínhamos seguinte previamente contactados pela Cristina Néry, em 25 de Junho de 2008.
Caro Luís Graça,
Peço desculpa pela abordagem tão directa, mas não tenho outra forma de o contactar.O meu nome é Cristina Néry Monteiro e sou Assistente de Investigação do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra e a minha área de trabalho é justamente a temática da Guerra Colonial.
O blogue [Luís Graça & ] Camaradas da Guiné é alvo da atenção das minhas pesquisas diariamente, por diversas vezes, e, por isso, desde já aproveito para lhe endereçar os meus cumprimentos pelo interesse e entusiasmo com que ele brinda os visitantes. É um documento incandescente contra o esquecimento.
Recentemente, tive a oportunidade de conversar com o Coronel Diamantino Gertrudes da Silva, na sua casa, em Viseu, e ele insistiu no interesse de eu o contactar e aos colaboradores do blogue acerca do meu projecto, uma vez que ele julgue que me possa ser uma ajuda preciosa e muito útil.
Passo a explicar: o projecto de investigação que estou a levar a cabo intitula-se Poesia da Guerra Colonial e tem, entre outros, como objectivo a recolha de textos poéticos ou outros acerca da temática. E não me refiro apenas aos poetas que estão publicados mas sim a todos aqueles e aquelas que escreveram e escrevem sobre a guerra.
A pesquisa tem sido tremenda mas quem corre por gosto não cansa. Até porque eu própria sou filha e neta da Guerra. O meu pai esteve na Guiné em 73/74 e o meu avô, Sargento-Chefe Adelino Néry, foi militar de carreira e cumpriu várias missões no ultramar. Em suma, é nesse sentido que lhe escrevo porque julgo poder ser um contacto interessante e muitíssimo útil nessa minha recolha solitária. Solicitava-lhe então que caso tenha conheceimento de poetas, livros, textos dispersos, potenciais contactos, o favor de me enviar para esta morada de email.
Agradeço antecipadamente a atenção e continuarei a ser uma visitante atenta do blogue. Quero deixar também, em jeito de simpatia e homenagem, uma micronarrativa de minha autoria, recentemente publicada na Revista Minguante, disponível em: http://minguante.com/?num=10&textos=cristina_nery
Com os melhores cumprimentos,
Cristina Néry
No mesmo dia, recebi outro mail, com o seguinte conteúdo:
Caro Luis Graça:
Peço desculpa, mas ao mail anterior ficou por juntar mais um pedido, que procedesse, por favor, à divulgação do projecto pelos diversos camaradas, para que talvez fosse criada uma rede de contactos e interesses. Teria muito gosto em que no final desta minha vasta pesquisa pudessem figurar no obejectivo final do projecto - a publicação de uma antologia de poesia da guerra colonial o mais representativa possível dos autores existentes sobre a temática.
Muito obrigada.
Renovados cumprimentos, Cristina Néry
Na altura, com a caixa de correio entupida, e os afazeres bloguísticos, não nos foi possível dar a melhor atenção a este pedido de colaboração que, no entanto, foi recebida por nós com simpatia. Espero que, de futuro, posssamos dar continuidade a este contacto. Congratulamo-nos pelo facto de ver a filha de um camarada nosso eleger a poesia da guerra colonial como um tema de investigação académica. Agradeço-lhe as palavras amáveis com que se refere ao nosso blogue. Peço, por outro lado, aos nossos poetas (e leitores de poesia) que lhe dêem a melhor colaboração possível. Desejo à Cristina e demais elementos da equipa do projecto votos de sucesso, pessoal e profissional. Da nossa parte, um Alfa Bravo (abraço). Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Guiné 63/74 - P4092: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (4): Bolas, não nos deixam em paz! (Paulo Salgado)
Camaradas,
Não vi o programa, pois estou em Angola, por uma breve temporada.
Não me espanto de todo com tais afirmações, que não posso comentar. Mas colocar no mapa bandeirinhas, lá no ar condicionado do QG, era uma delícia, se acompado de um whisky com três pedras de gelo. Depois o Sr. General, que, apesar de tudo, ainda me parecia o mais "operacional", descia no héli e vinha dar apoio às tropas. Posso dizer que também senti, em muito menor grau do que o sucedido no Cheche, os comentários desfavoráveis de oficiais do ComBis.
Bolas, não nos deixam em paz. Bem bastam as nossas recordações que nos rondam com o alvorecer dos cabelos...
Oscar Bravo
Salgado
__________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores:
29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4091: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (3): Fui desrespeitado de maneira ignóbil (António Matos)
29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)
28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)
Guiné 63/74 - P4091: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (3): Fui desrespeitado de maneira ignóbil (António Matos)
Caro Luis Graça,
Entre dois sonos de sofá, despertei com a curiosidade saudosista para apreciar mais um dos episódios que Joaquim Furtado realizou sobre a guerra do ultramar, a nossa. Teria já perdido algumas cenas mas, ao falarem na Guiné, foi como se se tivesse desprendido uma das molas do tal sofá e eis-me de olho arregalado na fixação do ecrã.
Há estórias de que desconhia os pormenores e esta é uma delas.
Em Fevereiro de 1969 ainda me dedicava a uma prazenteira vida civil, daí que não vivesse a realidade da guerra.
Porém, e depois de ter passado os 2 anos da praxe a dar o corpo ao manifesto em terras do fim do mundo, não posso deixar de me insurgir com a petulante afirmação desse general (permito-me omitir-lhe o nome pelo asco com que lhe fiquei), que me desrespeitou de maneira ignóbil com a desfaçatez dos estúpidos e dos mal-agradecidos.
Comungo com o camarada Mário Pinto (**) no desabafo perante o qual eram os milicianos que normalmente morriam FORA DO ARAME FARPADO e isso, só por si, deveria ser levado ao blogue com foros de 1ª página, para que o escândalo das afirmações gratuitas e patetas sejam do conhecimento de todos os ex-combatentes para que o seu direito à indignação seja revelado à exaustão.
O desprezo pela afirmações do general (ainda que passados 40 anos sobre este e outros acontecimentos) é tal que me faltam as palavras que indelevelmente traduzam este estado de espírito.
Um abraço,
António
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390 Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)
(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)
Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)
Foto: © David Guimarães (2005). Direitos reservados
[Revisão / fixação de texto / cor e bold: L.G.]
1. Mensagem do membro nº 3 da nossa Tabanca Grande, David Guimarães (ex-Fur Mil At Atilharia e Minas, Xitole, sede da CART 2716 / BART 2917, 1970/72),
Vi e ouvi, sim, essa coisa ontem (*). E não foi infelizmente, mas ainda vivo para ver a burrice de um ‘herói’, não sei se por encomenda mas que falou. Porque pensa que está com a tropa dele… Foi eticamente mau. Mostrou que afinal era um ‘parvo’ às de Spínola (Caco Baldé) (…)
Ele, major Almeida Bruno, no tempo, pelos vistos, tinha a solução da guerra na mão, quem sabe ?!... Formou a Companhia de Comandos Africana, a 1ª, mas pelos seus amigos, pelos vistos, fez e faz muito pouco. Mas isso é outra coisa.
Enquanto serviram e estiveram ao serviço, eram os valentes comandos africanos de Almeida Bruno… Talvez que hoje tivesse o Sr. General mudado de ideias e esquecido deles e sejam uns negros como os outros…
Também vi o Coronel Aparício a falar em morteiros que teriam sido disparados sobre a jangada e a descrição pouco convincente de como se deu o desastre. A culpa, claro, repartiu-a por todos e entretanto o General Felgas veio desmentir isso tudo, dos tiros de morteiro… Este também célebre ao tempo, claro (parece que é saudoso, hoje)… Pela incompetência de Comandar um Batalhão…
Aprendi ontem que afinal as nossas operações ao mato eram mentira ou então efectivamente a nossa táctica estava errada… Deveríamos ir por ali fora, tomar os campos do inimigo e de imediato montar lá um aquartelamento.
E ainda hei-de chegar à conclusão de que, sendo eu obrigado a ir para a guerra, fui afinal voluntariamente como na altura me ensinava a boa propaganda fascista.
Meus amigos e camaradas da Tabanca: em espaço curto e no meu mau português, vamos lá reescrever todas as mentiras que estão escritas no blogue, porque afinal ontem os operacionais que estiveram nos locais certos a mando, foram comparados a ratos cheios de medo.
Senhor general, acho que deveria ter um gesto de reparação, pedir desculpa do que disse ontem, da televisão abaixo, para milhares de portugueses que se revoltam, naturalmente… Porque de ‘bando’ a ‘bandalho’ a distância é curta e eu recuso a sê-lo… Que o seja então e só quem ontem se atreveu a insultar assim milhares e milhares de pessoas. Porque isso não é nem de general nem de soldado, é de homem com uma má criação qu eu desconhecia. E a má criação por vezes paga-se…
(...) Pois é, não deveria ter dito [o que disse], senhor general, porque insultou-nos, a todos… E todos os combatentes da Guiné obedeciam a ordens vindas dos Altos Comandos – e por vezes era cada ordem!
Um abraço,
David Guimarães
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)
sábado, 28 de março de 2009
Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)
Foto: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do nosso camarada Jorge Canhão, a propósito do depoimento do Gen Almeida Bruno, no programa A Guerra, II Série, da autoria de Joaquim Furtado, que passou na RTP1, na passada na 4ª feira, da 25 de Março, e que está a causar indignação entre os membros da nossa Tabanca Grande e de outros camaradas que acompanham o nosso blogue:
Camarada Luís Graça:
Sou o Jorge Canhão, ex-Fur Mil da 3ª CCAÇ do BCAÇ 4612/72, sediada em Mansoa.
Em relação ao email (**) que nos enviaste sobre o último episódio da guerra colonial (12), informo-te que tenho todos os episódios gravados, e espero gravar tudo o que falta.
Sobre o depoimento do Gen Almeida Bruno, vou transcrever o que ele disse:
"Eu digo-lhe com toda a franqueza, sem qualquer crítica aos meus camaradas, mas esta é a verdade e a verdade tem de se dizer. A maioria esmagadora eram BANDOS, que estavam atrás do arame farpado, à espera que o inimigo atacasse para se defenderem. Havia muito pouca iniciativa, com excepção, como lhe disse, dos pára-quedistas e dos fuzileiros, isso de facto, esses nunca perderam, nunca perderam o rumo". (Transcrito, tal como está na gravação)
É, no meu entender, uma maneira muito vergonhosa de adjectivar os milhares de militares que, nas mais penosas condições, combatiam em nome de alguns poucos e do sistema que governava o País e as colónias. Muitos não tinham água, a comida era pouca, repetida e muitas vezes de péssima qualidade. As condições de habitabilidade, excepto nos quartéis das cidades e vilas, eram as que todos sabemos.
O treino militar a que fomos sujeitos era inadequado, as balas eram contadas, as granadas..., enfim tudo era contado pois não se podia gastar mais que o estipulado, e de maneira insuficiente.
No teatro de guerra, aí sim começava o verdadeiro treino, mas esse já era para valer, e aí verificávamos toda a nossa inferioridade de material de guerra em relação ao PAIGC.
Foi por isto que "os bandos" passaram, mas foram esses bandos que, à custa do seu sangue, mantiveram esta guerra por cerca de 11 anos, para que os militares do ar condicionado acumulassem comissões atrás de comissões.
Por agora fico-me por aqui, acho que me alonguei um pouco, mas enfim... saiu.
Abraços
Jorge Canhão
___________
Notas de L.G.:
(*) 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Apresenta-se o ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72
(...) Chegámos à Guiné a 5/10/72, fizémos o IAO na zona do Cumeré e a 17/11/72 fomos para Mansoa.
A 18/6/73 deixámos o Batalhão e passámos a estar dependentes do COP 5 e do COT 9 como Companhia de Intervenção.
Fizémos operações nas zonas de Mansoa, Mansabá, Bissorã, Farim, Bula, Cacine e Gadamael, onde estivémos com as excepcionais Companhias de Paraquedistas 121 e 123.
A 12/5/74 deixámos de ser Companhia de Intervenção e regressámos ao Batalhão.
Em 26/8/74 embarcámos de avião para Portugal.
Em toda a comissão e após algumas centenas de operações, tivémos 2 mortos (um furriel e um soldado), 2 feridos graves (soldados) e uma dezena de ligeiros, entre oficiais, furriéis e praças. (...)
(**) Mails de Luís Graça, um copm data de 26 de Março e outro com data de 27, enviados a toda a Tabanca Grande:
Assunto - Direito à indignação:
Camaradas:
Quem viu ontem, do princípio ao fim, na RTP 1, o 'episódio' semanal de A Guerrra, do Joaquim Furtado, II Série ? Como estive em aulas até às 22h, só vi o fim, quando cheguei a casa...Estava-se a falar do desastre do Cheche, no Corubal, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969... (Temos no blogue um dossiê, bastante completo, sobre este trágico episódio da Guerra da Guiné).
Ainda reconheci o nosso camarada Paulo Raposo, mais novinho uns anos, em imagens de arquivo (presumo)... O Paulo pertencia à CCAÇ 2405, de Dulombi/Galomaro, que perdeu 17 homens (no total, foram 47 as vítimas)... Também ouvi de raspão o Cor Aparício (que comandava a outra companhia, que teve ainda mais baixas)... O Aparício repartiu culpas por toda a gente, à boa maneira de Pilatos...
Como perdi a maior parte do programa, não sei o que disse antes o Gen Almeida Bruno... E protanto não posso comentar.
Vejam, a seguir, o texto do nosso camarada Mário Pinto, que está indignado com as declarações do antigo ajudante de campo do Spínola... Alguém quer comentar, com vista uma eventual publicação no blogue ?
Um Alfa Bravo. Luís
Assunto - A Guerra, II Série - Programa de Joaquim Furtado > Último episódio (desastre do Corubal), que passou 4ª F, na RTP
Amigos e camaradas: Alguém gravou o episódio de 4ª feira ? Era importante, por causa das alegadamente polémicas e ofensivas palavras do Gen Bruno de Almeida (***) sobre a "tropa macaca"... Eu não vi, gostava de ver.
(**) A primeira mensagem, de protesto, foi-nos enviada , em 26 de Março, por Mário Pinto, ex-Fur Mil, CART 2519, Buba Mampatá, Aldeia Formosa (1969/71), e que não é formalmente membro da nossa Tabanca Grande:
Assunto - Direito à indignação
Ontem ao ver o programa Guerra do Ultramar na RTP1, fiquei indignado com a falta de respeito do Sr. General Almeida Bruno em relação aos nossos camaradas militares conhecidos por tropa macaca, como BANDO, que se limitavam a estar presentes dentro do arame farpado.
Sr. General, é preciso ter descaramento e ser insultuoso para criticar os nossos bravos militares que tão abnegadamente serviram a Pátria em condições de inferioridade táctica e material e desconhecendo o inimigo que defrontavam porque tiveram uma instrução deficiente, que é da sua responsabilidade e dos oficiais superiores que nos comandavam entre aspas. Porque estes, sim, é que estavam no arame farpado.
V. Exa. Sr. General, já se esqueceu que a guerra fora do arame farpado era comandada pelos milicianos e graças a eles lá fomos adiando o fim do Império Colonial.
Para terminar só posso acrescentar que fui ferido em combate e não dentro do arame farpado, louvado e premiado por actos de coragem e fui não foi dentro do arame farpado.
Cumprimentos, camarada Luis Graça
ex furriel Mário
Guiné 63/74 - P4088: FAP (20): Efemérides: 36 anos após a morte do Ten Cor Pilav Almeida Brito, abatido por um Strela em Madina do Boé (Miguel Pessoa)
Luís:
Em 28 de Março de 2009 passam 36 anos sobre a morte do Ten Cor Pilav Brito (foto, à esquerda), abatido nos céus da Guiné quando pilotava um Fiat G-91 numa missão próximo de Madina do Boé.
Apenas conheci o TC Brito na Guiné mas, nos quatro meses que mediaram entre a minha chegada e a sua morte, tive a oportunidade de apreciar as suas grandes qualidades como Piloto, como Militar e como Homem.
Fomos os dois primeiros pilotos a ser alvejados por um Strela (que passou pelo meio dos nossos dois Fiats) em Campada (na fronteira norte) no dia 20 de Março; e fomos também os dois primeiros a ser abatidos por um Strela - eu em 25 e ele em 28 de Março.
Não me esqueço da importância que ele teve na minha recuperação, pouco tempo antes de ele próprio perder a vida, em circunstâncias idênticas, mas com menos sorte do que a que eu tive.
E também não me esqueço das palavras com que me acolheu, na minha apresentação:
"Você não está aqui para ganhar medalhas, mas sim para ajudar os nossos militares que estão para aí espalhados pelo mato".
Penso ter honrado a sua memória, pois foi isso mesmo que eu tentei fazer.
Miguel Pessoa
[Cor e bold, de L.G.]
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Notas de L.G.:
(*) Vd. último poste desta série > 25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4077: FAP (19): Efeméride: há 36 anos sob os céus de Guileje 'Batata' procura e localiza 'Kurika' (António Martins de Matos)
(**) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)
sexta-feira, 27 de março de 2009
Guiné 63/74 - P4087: Blogpoesia (33) : O bardo de Cafal Balanta (Manuel Maia)
Guiné > Região de Tombali > Cantanhez> Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> O Manuel Maia, ao centro, em pleno casino, com o Campos, das transmissões, e o Valadas, à mesa do restaurant...
Guiné > Região de Tombali > Cantanhez> Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> Descanso dos guerreiros. Da esquerda para a direita, Laranjeiro, Antunes (cabo enfermeiro), o autor destas linhas (Manuel Maia), Campos (transmissões), Luz (armas pesadas).
Guiné > Região de Tombali > Cantanhez> Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> Nem só de guerra vive o homem... Comendo os meus cajús matinais sob a generosa árvore, tendo ao lado a habitação/tenda que passamos a ocupar, fartos que estávamos do miserabilista aspecto da cova onde a poeira e/ou lama misturada com palha, nos servia de soalho...
A mudança de estatuto valeu-nos um ataque ao arame, dias depois, que mau grado a desagradabilidade proporcionada, me trouxe a convicção de que bati o record mundial de salto em comprimento quando me atirei literalmente em voo para a cova donde haveria de ripostar, juntamente com quem já lá estava...
Fotos e legendas: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados
1. Texto poético-satírico, contemporâneo, do nosso Camões do Cantanhez, Manuel Maia, enviado em 5 de Março último.
Parafraseando Bocage, sou mais dado à ramada que ao bardo...
Miscigenado sangue temos,lusos,
de Celtas e outros povos cá intrusos,
daí força e porfia de vencer...
Quisera ser um bardo p´ra exaltar
os feitos portugueses d´além-mar
mas falta-me o engenho, arte e saber...
País que foi de Gamas e Cabrais,
d´intrépidos valentes generais,
briosos e da luta nunca ausentes,
vive hoje grande crise de valores,
pois chefes, da ignorância são cultores,
e ao funeral da grei, vão sorridentes...
Ineptos uns, ladrões são os restantes,
eis pedigree dos nossos governantes,
corruptos os da esquerda ou da direita..
Resvalam obras fora d´orçamento,
reservas naturais viram cimento,
por PDMs feitos pela seita...
É tempo de mudança, surja alguém,
pois já só se acredita, creio bem,
num D. Sebastião, envolto em bruma...
A urgência desta troca empurra a escolha
p´ra alguém dos combatentes que recolha
esp´ranças e vontades, uma a uma...
Nota do autor:
Somos mais de 500 mil que poderão virar dois milhões. Façamos algo pela Pátria traída e pelos milhares de camaradas ex-combatentes a viverem na mais completa ostracização, minguados de tudo, de condições básicas de sobrevivência, de tratamento médico, de carinho, de um olhar atento, de uma voz amiga que os reconforte, de alguém que os ouça nesta recta final da vida em que todos nos encontramos. É urgente, é imperioso. Saibamos ser solidários.
Temos sabido sê-lo com guinéus, com timorenses, façamo-lo agora connosco próprios...
Um abraço a toda a tabanca.
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Nota de L.G.:
(*) 25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4078: Blogpoesia (32): João, 20 anos, apto para todo o serviço... (José Brás)
Guiné 63/74 - P4086: Os nossos camaradas guineenses (5): O making of do livro do Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)
Foto da autoria do fotógrafo Álvaro Geraldo. Imagem gentilmente cedida por Magalhães Ribeiro (2006), nosso camarada e amigo da Tabanca de Matosinhos, e editada por nós (L.G.)
1. Mensagem do Virgínio Briote (na foto, à esquerda), com data de 21 de Março, em reposta a um pedido meu para nos falar um pouco mais do manuscrito do Amadu Djaló (*), antigo comando do Batalhão de Comandos Africanos (terá chegado ao posto de Alferes comando graduado; vive do amor e da caridade de duas filhas, em Portugal; está velho e doente, próximo dos 70; sente-se abandonado pelas autoridades portuguesas, civis e militares; considera-se um fula português, conhece a história de Portugal):
Caro Luís,
Perdoa o laconismo da mensagem que te enviei hoje à noite. Tinha que sair e não queria deixar-te sem resposta. Agora tenho mais tempo para te contar o que tenho feito.
Como é do teu conhecimento, tenho entre mãos uma obra com muito interesse, as Memórias do Amadu Djaló. São quatro maços A4, de um lado e doutro, escritos pela mão dele, em letra grande. Do mal o menos. Sempre seguido, nada de vírgulas, pontos, não tem nada. A escrita é de um negro com muito pouca instrução escolar, mas é uma escrita de alma grande, com sabedoria, senso, inteligência.
Vê-lo a descrever as peripécias em que se envolveu é um descobrimento.
A vida dele na cidade natal, Bafatá. Família, amigos.
As idas e vindas, feito djila, ao Senegal.
As hesitações nas incorporações militares.
Abertura de uma banca negocial no Mercado de Bafatá.
A entrada na tropa, ainda antes da abertura oficial das hostilidades.
As deambulações, como condutor por Cacine, Bedanda, Catió, Cufar, Farim, entre 62 e 64.
A entrada para os Comandos do saraiva, em 1964.
A história incrível da mina em Madina [do Boé], que matou toda a malta que vinha na 2º e última viatura (Uma tarde inteira, à beira da estrada para Madina, a guardar os mortos e a assistir ao morre este, agora aquele, atè à noite, quando chegou o socorro).
A odisseia de uma ida ao Como, e a teimosia do Saraiva em não querer sair dali, sem trazer uma MP que tinha sido usada contra eles. Obrigou-os a voltar a um acampamento em chamas, contra todas a regras do bom senso e da prudência. Com as consequências que se seguiram, foram todos atingidos. Dos 10 que voltaram ao acampamento, um morreu e todos os outros ficaram feridos.
A ida para o Gr Cmds do Rainha e a participação num golpe de mão, em que também este escriba entrou, na fronteira com o Senegal.
A 1ª operação helitransportada a Jabadá, de reforço ao meu Grupo. E nova teimosia, desta vez do Rainha, numa ida ao Como, para vingar as baixas que o Grupo tinha tido no AA.
O regresso à 4ª Rep, à sempre eterna casa-mãe do Amadu.
A ordem de Spínola para todos os cmds guineense regressarem a Bissau, para fazerem novo curso para a constituição da 1ª CCmds Africanos.
As primeiras operações com o João Bacar. A morte deste e o encontro da 1º linha do João Bacar no HM frente ao corpo dele coberto por um lençol. A chegada do Spínola e o levantamento do lençol.
A constituição do BCCmds com o Bruno... Fá Mandinga, Bambadinca...
As operações a Morés, sob o comando do Zacarias e a terrível derrota, talvez a maior de todas que os Cmds tiveram em toda a guerra na Guiné, com um saldo completamemnte negativo, 5 mortos e um nº incontável de feridos. Uma azelhice, fruto da fanfarronice do Saiheg, que não acabou pior porque o Bruno foi para lá com lobos maus e quase toda a esquadrilha dos AL III para os tirar de lá de qualquer maneira e talvez também porque o IN estava saciado.
A outra e mais outra ida a Morés, vingança sobre vingança.
Os estranhos preparativos no mar e na ilha de Soga e a surpresa da missão.
A odisseia das recusas, as hesitações do Cmdt BCmds, as intervenções do Alpoím Calvão e do próprio Spínola.
A mudança das fardas e das armas, a partida para uma Conacri em fim de semana e o episódio de regressarem apenas 15 dias depois a Bissau, com eles em Soga, sem saberem o que fazer, e aparentemente também sem os superiores saberem como deveriam proceder com eles.
Kumbamory, operações atrás de operações...
O 25 de Abril, a entrega das armas, a vida civil sem amigos, as prisões dos camaradas, os fuzilamentos. O caso dos 90 mortos em Farim, a prisão dele e a escapadela incrivel.
Bissau em 1975, uma cidade triste, com Luís Cabral, os recolheres obrigatórios, as denúncias, a falta de arroz, a falta de tudo.
O golpe de Estado do Nino, o renascer de uma esperança, a desilusão e a vinda para Portugal.
Uma obra que me empolga. Estou totalmente absorvido nesta história. Dividi o meu trabalho em três fases:
1. Passagem daqueles caracteres todos para o computador, a correr (Já vou ficando com uma ideia do que vou fazer a seguir). Penso que é o mais moroso.
2. Redacção da obra com o estilo dele, africano. Perde interesse se não for assim. Eliminação de capítulos e adição de outro/s com factos que, ele, ou omite deliberadmente, ou resolveu abreviar, caso de Conacri.
3. Redacção definitiva para entrega à Associação de Cmds para publicação.
Estou a chegar ao fim da 1ª fase. Estou cansado. Mas é uma obra que me está a dar muito gosto fazer.
Quanto ao nosso, que tenho perdido estes dias, conto retomar o trabalho embora com alguma parcimónia, enquanto não acabar o trabalho do Amadu. Espero e agradeço que me compreendas.
Um abraço grande para ti e para o Carlos
vb
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Nota de L.G.:
(*) 25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4076: Os nossos camaradas guineenses (4): Amadu Djaló, com marcas no corpo e na alma (Virgínio Briote)
Guiné 63/74 - P4085: O trauma da notícia da mobilização (4): Ir em rendição individual e, para mais, 'substituir um morto'... (Henrique Matos)
Fotos: Henrique Matos (2009)
1. Mensagem do Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68), açoriano de São Jorge, que vive hoje em Olhão (*):
Caro Luís e co-editores:
Se achares que tem interesse para a série "O trauma da noticia da mobilização" talvez com o subtítulo: a rendição individual...
2. O trauma da notícia da mobilização (**): Ir em rendição individual...
Da inspecção apenas lembro de estarmos em pelota com cara de parvos, pois não era coisa vulgar naquele tempo, e do exame médico que foi super rápido.
Já a mobilização ficou bem marcada. Data: Julho de 1966. Local: Batalhão Independente de Infantaria 17 (BII17) em Angra do Heroísmo (foto anexa retirada da Wikipedia).
Tinha acabado de dar uma recruta e já sabia que seria mobilizado mais dia menos dia. Conservava porém alguma esperança de ir para Angola, uma vez que tinha feito um requerimento nesse sentido por ter lá a minha família e tinha uma boa classificação.
Erro meu. Chegou a dita e logo para a Guiné que já se sabia não era pera doce. Para piorar as coisas era uma rendição individual, o que significava avançar sem que fosse com alguém conhecido (faz sempre falta nem que seja para desabafar), e começou logo a falar-se que seria para substituir algum camarada morto.
Refira-se que só soube que ia para um Pelotão de Caçadores Nativos quando já estava em Bissau. Ainda no BII17, uns dias antes de ser mobilizado, chegou àquela unidade um tenente regressado duma comissão na Guiné e que mostrou a toda agente uma série de fotografias escabrosas.
Claro que isto deixa um cidadão pouco tranquilo e escusado será dizer que os dez dias de férias que me deram antes de embarcar foram passados em estado etílico.
A viagem para Lisboa foi no velho Lima (foto retirada do site Ships Insulana) e demorou três dias e três noites, o que deu para passar no BII18 em Ponta Delgada (foto anexa em que estou de casaco branco) e no BII 19 no Funchal para rever e despedir de camaradas.
Abraço grande,
Henrique Matos
3. Comentário de L.G.:
Já tinha dito ao Carlos (que hoje tem o dia livre porque faz anos, 61 se não me engano)... Vamos insistir no tema, que tem sumo (e muito álcool...) para dar. Também gostara de escrever sob esse famigerado dia, em que apanhei a minha primeira cadela da vida...
De facto, bebi não sei quantas 'moscas' (lembra-se na 'mosca' com o cafezinho ?) num botequim qualquer, parecia que o mundo ia desabar quando me atirei para cima da cama... E ia desabar mesmo: nessa noite, de 28 de Fevereiro de 1969, houve um forte abalo sísmico...
Eu estava em Castelo Branco, onde era 1º cabo miliciano e instrutor militar (passara lá um cruel inverno, com tanto frio que tive comprar ceroulas, como aquelas que usavam os nossos avós)... Pois eu, nessa tenebrosa noite, dormia que nem um justo... Houve alguns estragos no quartel, armários que caíram na nossa camarata, etc. ...Só soube no dia seguinte, já a manhã ia alta...
Quando tiver tempo, hei-de escrever sobre esse episódio. De qualquer modo, eu estou como o escritor norte-americano Mark Twain, ao comentar a notícia da sua morte...Disse ele que a notícia fora um bocado exagerada. O mesmo se podia dizer do "trauma"... da notícia da nossa mobilização.
O que quer dizer trauma ?
Do do grego traûma, ferimento, a palavra portuguesa trauma é um s.m. [Leia-se: substantivo masculino).
Em termos médicos, é sinónimo de traumatismo; contusão; lesão local devida a um agente exterior accionado por uma força; para os psicólogos, trauma quer dizer "choque emocional violento que modifica a personalidade de um sujeito, sensibilizando-a em relação a emoções da mesma natureza e podendo desencadear problemas psíquicos" (Dicionário de Português Priberam).
Em suma, parece-me ser forte o termo trauma usado no título desta série. De qualquer modo, toda a gente tem hsitórias para contar desse dia (ou dia da inspecção, o ir ás sortes...). São essas histórias que a gente quer ver no blogue. E se houve alguns excessos etílicos, tanto melhor. Quem não bebeu uns copos nesse dia, que atire a minha pedra, perdão, garrafa.
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Notas de L.G.:
(*) Vd. último poste do Henrique Matos > 13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4023: Memória dos lugares (19): Porto Gole, 1966, muito antes das tristes valas comuns... (Henrique Matos)
(**) Vd. postes anteriores desta série:
26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4079: O trauma da notícia da mobilização (3): Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau (Carlos Vinhal)
24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4075: O trauma da notícia da mobilização (2): No dia da minha inspecção, ali estava eu, em pelota... (Joaquim Mexia Alves)
24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4072: O trauma da notícia da mobilização (1): A minha mobilização para a Guiné acagaçou-me (Magalhães Ribeiro)