sábado, 28 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24803: As nossas geografias emocionais (11): Ainda a nascente de água e o fontenário de Bambadinca, inaugurados em 1948 pelo governmador Sarmento Rodrigues

Foto nº 1 


Foto nº 2

Foto nº 3

Guiné-Bissau _ Região de Bafatá > Bambadinca >2023 > A nascente e depósito de águia (em "Agua Verde", presumimoS) (Fotos nºs 1 e 2) e o fontenário que desde 1948 abastece a antiga tabanca de Bambadinca (Foto nº 3). Fotogramas capturados do vídeo de Paulo Cacela (2023), "Dentro da Maior Tabanca da Guiné-Bissua" (*)

 Fotos © Paulo Cacela (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Foto nº 4>   Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70)  e Pel Rec Daimler 2046 (1968/70) > A zona ribeirinha de Bambadinca, na margem esquerda do Rio Geba (Estreito), alagada no tempo das chuvas... Foto provavelmente de meados de 1968 ou 1969...  

Nesta foto, mostrando uma coluna a chegar a Bambadinca, vinda de Bafatá,  são visíveis o fontenário (assinalado a vermelho) e o depósito de água do quartel e posto adminmistrativo (assinalado a azul).  Julgamos que o quartel era abastecido pela mesma nascente ou depósito de água existente no sítio da Água Verde.

Foto © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Carta de Bambadinca (1955) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bambadinca, Nhabijões, Rio Geba, Finete e Fá, e estradas para Xime  (sudoeste) e Xitole e Saltinhp (sul). E ainda, nas imediações de Bambadinca, Água Verde e Bambadincazinho (cotas entre 45 e 42). O pequeno planalto ou morro onde se situava o quartel do nosso tempo devia estar a uma cota de 27.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaaradas da Guiné (2023)


Guiné > Região de Zona  Leste >  Região de  Gabu > Ñova Lamego > Fonte de Nova Lamego... Aspeto parcial com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, com a seguinte inscrição: «Fonte da Várzea CABO (sic) 1945». Obra do tempo do governador Sarmento Rodrigues (1945-1949), como diversas outras.
 
Foto (parcial) de postal ilustrada: "Nova Lamego, Guiné Portuguesa".  Colecção "Guiné Portuguesa, nº 153". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL). 

A partir de exemplar da colecção do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.

Digitalização e edição de imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).


1.  O  recente vídeo, já aqui mostrado,  do "youtuber" Paulo Cacela, sobre Bambadinca ("Dentro da maior tabanca da Guiné-Bissau") revelou-nos a existència do "depósito de água", nascente ou  "mãe de água" que abastecia a  Bambadinca do nosso tempo. E que continua a funcionar, desde a sua inauguração, em 1948, com a presença do governador Sarmento Rodrigues (Freixo de Espada à Cinta, 1899-Lisboa, 1979)  (de acordo com fotos do seu arquivo particular, disponíveis no Arquivo Histórico de Marinha)

Na altura não conseguimos apurar a localização exata. E nunca visitámos esta nascente ou depósito de água, nas imediaçóes de Bambadinca,  no tempo em que lá estivemos (1969/71).

A paisagem (onde se localiza esta captação de água, do tempo colonial) é luxuriante,a  avaliar pelo vídeo. O "poço " ou "mina" ou "depósito" está muma cota mais elevada, numa zona de rocha. A água sabia a ferro (no nosso tempo). O Paulo Cacela também não a achou particularmente saborosa. A existència e a captação  de água potável na Guiné  sempre foram um velho problema.

Explorando a carta de Bambadinca (vd. infografia acima), e verificando as diversas cotas, achamos que o sítio deve chamar-se "Água Verde", perto de Bambadinzinho (um reordenamento no nosso tempo)  e estar a uma cota de 35/42.   

O fontanário, por sua vez, estará à cota 5, na baixa de Bambadinca, a escassos 100 metros da margem esquerda do rio Geba Estreito, do destacamento de Intendència e do antigo porto fluvial (um troço de rio que deixou há muito de ser navegável devido ao assoreamento; no nosso tempo, os barcos civis ou "barcos turras" iam inclusive até Bafatá; e até 1968/69, as LGD da nossa Marinha chegavam a Bambadinca).

Não sabemos também a exata distància entre a nascente e o fontenário. Mas pelos nossos cálculos deve ser, no máximo, de 2 km. Tudo indica que a água corre, por gravidade, em tubos (ou manilhas), da cota 35/42 até ao destino final (na cota 5)... 

Mas abastecia também, quanto julgamos, o posto administrativo de Bambadinca e demais instalações civis (incluindo a escola primária e a casa da professora, cabo-verdiana), sitas num morro, que estaria à cota 20 e tal. (No nosso tempo havia um depósito de água no quartel, perto do arame farpado, donde se avistava a tabanca de Bambadinca e o rio Geba (Foto nº 4, tirada de norte para sul, ou seja, da zona fluvial para o quartel, cujo acesso era feito por uma rampa relativamente íngreme). 

A possível referência ao BART 3873, gravada no cimento, aparece ao minuto 53, já quase para o fim do vídeo (*). (Foto nº 2). Á direita do número (3873) percebem-se as letras "...IRES". Com um pouco de boa vontade, pode ser um apelido de um militar "PIRES" que terá feito um trabalho de reparação no depósito, ao tempo em que aquela unidade, ou a respetiva CCS  (Companhia de Comandos e Serviços) esteve em Bambadinca e no Sector L1 (Xime, Mansambo e Xitole) (1972/74). Esta nascente ou depósito de água também foi inaugurada em 1948 pelo governador Sarmento Rodrigues.

 O fontenário de Bambadinca, de 1948  já pouca gente se lembrava dele (**)... Mas temos fotos que documentam a sua existência, ao longo do tempo, de camaradas nossos como o Libério Lopes (1964), o José Carlos Lopes (c. 1968/70), o  Jaime Machado (c. 1968/69), o Humberto Reis (c. 1969/71 e depois 1996).... 

Está agora pintado de branco e azul (não devia sera  cor originalI) (foto nº 3), conforme fotograma do vídeo do Paulo Cacela: continua a funcionar e  dar água aos bambadinquenses, desde há 75 anos!  


Guiné > Reegião de Bafatá > Bafatá > 1959 >  "A fonte pública de Bafatá, 1918" [ Esta belíssima fonte, na "Mãe de Água", na zona conhecida como "Nova Sintra",  de Bafatá, também aparece no filme de Silas Tiny, "Bafatá Filme Clube" (***), mas já muto degradada, bem, como aliás todo o seu meio envolvente... 

O nosso especialista, o arquiteto Fernando Gouveia, que esteve em Bafatá como alferes miliciano nos anos de 1968/70, descreve esta zona nestes termos, num dos seus postes do roteiro de Bafatá: "A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras".

Foto disponibilizada pelo nosso camarada Leopoldo Correia (ex-fur mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65); e e outras fotos otos de Bafatá, de 1959, foram tiradas por um familiar do nosso camaraada.  "ligado ao comércio local (Casa Marques Silva), casado com uma senhora libanesa, filha do senhor Faraha Heneni",


2. Durante a governação de Sarmento Rodrigues (1945-1949) construiram-se pelo menos três dezenas de fontes, fontanários, nascentes  e depósitos de água, de acordo com registos (fotográficos) constantes do Arquivo Particular do Almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues, que integra o Arquivo Histórico de Marinha (as fotos ainda não foram digitalizadas, o que é uma pena) ... O desenho destas fontes ou fontanários deve ter sido da responsabilidade do GAC - Gabinete de Arquitetura Colonial, em Liusbvo

01 Fonte de Maussim, Jabicunda
02 Fonte de Dandum, Bafatá.
03 Uma Fonte em Fulacunda
04 Fonte de Lenquetó, Gabu.
05 Uma Fonte em Fulacunda
06 Fonte de Várzea do Cabo, Nova Lamego.
07 Fonte de Várzea do Cabo, Nova Lamego.
08 Fonte de Madina, Gabu.
09 Fonte de Quinlandi. 1945-05/1945-05
010 Fonte da Horta de Sónaco, Gabu.
011 Fonte do caminho de Biambe ,Mansôa.
010 Fonte da Horta de Sónaco, Gabu.
011 Fonte do caminho de Biambe ,Mansôa.
012 Fonte Frondosa de Empada, Fulacunda
013 Nascente nº 1, Bafatá. 1946-04/1946-04
014 Depósito nº 1, em Bafatá. 1946-04/1946-04
015 Fonte de Sónaco (circunscrição de Gabu). 1946-05/1946-05
016 Fonte de Madina. 1946-05/1946-05
017 Fonte de Madina no Boé. 1946-05/1946-05
018 Obras de Captação da Nascente nº 2, Bafatá. 1946-05/1946-05
019 Fonte de Nhacra, em Construção. 1946-06/1946-06
020 Poço de Enchudé, Acabado de Reparar. 1946-06/1946-06
021 Fonte de Safim, em Construção. 1946-06/1946-06
022 Fonte de Biambi. 1946-08/1946-08
023 Fonte de Contubel. 1946-09/1946-09
024 Fontanário de Fulacunda. 1947/1947
025 Fonte das Mocinhas. 1948/1948
026 Fonte de Timbó. 1948/1948
027 Fonte de Lenquerim. 1948/1948
028 Fontanário de Bambadinca. 1948/1948
029 Fontanário de Bambadinca. 1948/1948
030 Fontanário de Bambadinca. 1948/1948
031 Fontanário de Bafatá. 1945-05/1945-05
032 Fontes de S. João. 1946-09/1946-09
033 Fontes e Miradouro de S. João. 1946-09/1946-09
034 Fonte de Binar. 1946-08/1946-08
035 Fonte de Tór. 1946-06/1946-06
036 Fonte de Tór. 1946-06/1946-06
037 Fonte de Gam Grande. 1946-08/1946-08
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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 27 de outubro de  2023 > Guiné 61/74 - P24798: As nossas geografias emocionais (10): O fontenário de Bambadinca de 1948, de que quase ninguém... já se lembra(va)!

(***) Vd. poste de 5 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14120: Manuscrito(s) (Luís Graça) (43): Notas à margem do documentário de Silas Tiny, "Bafatá Filme Clube", com direção de fotografia da Marta Pessoa (Portugal e Guiné-Bissau, 2012, 78')

Guiné 61/74 - P24802: Os nossos seres, saberes e lazeres (598): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (126): Nos jardins do Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
Os palácios, os jardins e as infraestruturas agrícolas são verdadeiramente sumptuosos, merecedores da classificação de monumento nacional. O conde de Oeiras e Marquês de Pombal esmerou-se, abriu os cordões à bolsa e usou a sua fortuna para que não faltassem meios ao arquiteto para que houvesse em profusão e na melhor qualidade ostentação com bom gosto e maravilhamento de uma agricultura modernizada ao tempo, daí a profusão de boa azulejaria, de elementos escultóricos, de um edifício monumental destinado a Adega/Celeiro, no fundo pretendia-se numa conceção de representação cénica grandiosa sair do palácio e avistar mesmo das escadarias as alamedas, as cascatas e uma vegetação luxuriante. Como todos os projetos de grandeza, houve quedas a pique e em 1939 o recheio do palácio foi leiloado e a propriedade vendida e fracionada. Em 1958, a Fundação Gulbenkian adquiriu espaço, lembro-me de ter vindo aqui ver tesouros artísticos inauditos, mais tarde por aqui andou o Instituto Nacional de Administração e estes 6 hectares de palácio e jardins foram adquiridos em 2003 pela autarquia. Vale a pena visitar um espaço que tem conhecido recuperações e cuidados na preservação de um projeto grandioso, a quinta de lazer do temível Sebastião José de Carvalho e Melo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (126):
Nos jardins do Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras

Mário Beja Santos

O conjunto do palácio e jardins está classificado como monumento nacional; faz parte integrante da antiga Quinta de Recreio da Família Carvalho, propriedade formada por vários casais e quintas. A sua construção decorre durante o século XVIII e articulava os espaços de recreio de lazer da casa aristocrática, como os da proveitosa e experimental exploração agrícola. Obra de família, tudo começou com um morgado tio de Sebastião de José Carvalho e Melo, que foi seu herdeiro, e dos dois seus irmãos, Francisco de Xavier Mendonça Furtado e Paulo de Carvalho e Mendonça. Se o leitor observar a primeira imagem, verificará que o palácio foi uma construção que conheceu diferentes épocas, é a capela que faz a ligação entre os dois principais corpos. Bem tentei entrar no palácio, recordo que aqui estive em finais da década de 1950, o palácio será adquirido pela Fundação Calouste Gulbenkian, fazia-se uma exposição de parte da coleção do multimilionário arménio, mesmo quando o museu passou para as instalações atuais ali ficou um grande acervo da coleção, que conheceu danos numas terríveis inundações de 1967, curiosamente fui ver a exposição de estampas japonesas (julho de 2023) no edifício da avenida de Berna e aí se fazia referência a todo o processo de recuperação das obras danificadas pelas inundações; depois instalou-se aqui o Instituto Nacional de Administração, recordo que aí por 1986-87 fui convidado a palestrar a futuros intérpretes portugueses o que era a política dos consumidores a nível europeu, a sessão decorreu numas instalações por cima da Cascata dos Poetas. Bem tenho procurado entrar no palácio, está sempre fechado ao público bem como um conjunto de dependências que penso que são alugadas para eventos como a adega e o celeiro. O leitor verá na imagem esse património construído, a antiga casa dos coches, hoje Paços do Concelho, do lado esquerdo, e a ligação com os jardins faz-se para o Jardim do Bucho, podendo a visita começar por visitar à esquerda o Terraço das Araucárias ou indo diretamente atravessando uma ponte sob a Ribeira da Laje para a Cascata dos Poetas.
A Cascata dos Poetas foi a última obra nos jardins, considerada uma das principais atrações na visita da rainha D. Maria I, em 1783. Chamava-se então Gruta Nobre e depois batizada com o nome Cascata dos Poetas, pelo facto de integrar os quatros bustos de poetas épicos: Homero, Virgílio, Camões e Tasso, bustos esculpidos em mármore por Machado de Castro. Integra ainda a figura de um Deus-rio, inspirado nos que existiam nos jardins renascentistas do Belvedere, no Vaticano. E da cascata bem se pode perceber que o projetista quis adaptar os jardins a um programa mediterrânico de verões tórridos e secos. A gruta é de influência italianizante, concebida em pedra ao natural, encimada por um tanque e varandas.
Da Cascata dos Poetas envereda-se para um amplo espaço ajardinado onde está o Lagar do Vinho e a Adega/Celeiro, este é um edifício monumental que aparenta um palácio ornado com os bustos de emperadores romanos. A Adega tinha uma capacidade para novecentas pipas e era a maior da região. O Celeiro situava-se no andar de cima, cuja cobertura é abobadada e destinava-se a armazenar a produção dos cereais da propriedade, bem como dos géneros que resultavam das rendas e foros pagos ao morgado de Oeiras. O visitante dos jardins contempla esta magnificência, não pode visitar como igualmente não pode visitar o lagar do azeite, ali bem perto. Resta dizer que há um conjunto de dependências que estão em recuperação que é o caso da casa de pesca. Isto vem a propósito de acrescentar mais algumas informações. Esta área do palácio e jardins era designada por Quinta de Baixo, incluía o palácio, a capela, os jardins e todo este complexo de estruturas para transformação dos produtos agrícolas, é o caso da Adega/Celeiro, lagares, o alambique, a azenha e a casa da malta. A Quinta de Cima, ali ao lado, compreendia a Casa da Pesca, o Pombal, a Abegoaria, as cascatas do Taveira e a Fonte de Oiro. Há muitas obras neste lugar, estou ansioso de um dia voltar para conhecer estes espaços. Importa também dizer que os jardins foram objeto de uma intervenção do arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, em 1965. Palácio e jardins estendem-se por uma área de seis hectares, são propriedade da Câmara Municipal de Oeiras desde novembro de 2003.
Estamos agora na horta ajardinada e Fonte das Quatro Estações. Atenda-se que o os jardins estão enriquecidos com uma profusão de elementos escultóricos, a imagem destaca o grupo escultórico da Fonte das Quatro Estações, que centra o horto ajardinado, as bicas esculpidas dos tanques do Jardim das Merendas, assim como outros elementos ornamentais que iremos encontrar no Terraço das Araucárias. Aqui se conjugavam os aromas dos pomares de citrinos, flores e plantas com o som da água fresca e murmurante das cascatas. Carlos Mardel (1696-1763), engenheiro militar cujo nome está associado à recuperação da Baixa Pombalina depois do terramoto, terá assinado todo este projeto e planeado o magistral sistema hidráulico da quinta, para que não houvesse lugar ao desperdício de água. Lê-se num dos textos que o Jardim da “Água”, segundo conceção singular dos jardins de Conimbriga e dos tanques dos jardins do Bispo, em Castelo Branco, incluía ainda nos espaços envolventes outros jardins.
Imagem que permite visualizar a conceção aparatosa da ligação entre o palácio e os jardins, chegara-se a uma época em que o palácio é lugar de festividades e receções que se estendiam até ao exterior, seguramente que o Marquês de Pombal queria exibir aos seus convidados este património de ajardinamentos, azulejaria e esculturas e as infraestruturas do portentoso empreendimento agrícola.
A imagem permite fazer a articulação entre dois elementos do palácio, avista-se a grandeza da araucária e as escadarias azulejadas.
Três imagens que permite visualizar os elementos da azulejaria (de estilo rococó da segunda metade do século XVIII), ornamentam os muros, escadarias, terraços e bancos de jardim, com composições variadas: motivos vegetais e florais, ornatos geométricos representado cenas da vida quotidiana da época onde não faltam caçadas ao javali e ao veado.
Chegámos ao final da visita, descemos para o Terraço das Araucárias, sente-se que ainda há muito para fazer na recuperação da azulejaria, contempla-se com satisfação o bom estado em que está o horto, dá-se por muito bem empregue o tempo em que se percorreram os jardins de grandiosas e retilíneas alamedas, terraços, escadarias, cascatas e fontes. Não perca esta visita, é gratuita e os jardins estão abertos todos os dias.

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Nota do editor

Vd. poste anterior de 21 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24778: Os nossos seres, saberes e lazeres (596): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (125): Em Leiria, pedindo muita desculpa por lhe ignorar os tesouros (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24796: Os nossos seres, saberes e lazeres (597): Fotos da cidade de Maputo, terra onde nasceram, minha avó e meu pai, e onde estou a passar uns dias de férias (Jaime Machado)

Guiné 61/74 – P24801: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (15): Profissões e os seus mestres: sapateiros, abegões, carpinteiros, latoeiros, ferreiros, albardeiros, alfaiates e costureiras (José Saúde)


Abegão aplicando o saber no seu ofício 


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços


Camaradas,

Gosto de desafios! Sim, o desafio propõe-nos outros desafios, mas estes mais esmerados. Ousamos desafiar as dificuldades motoras, sendo este o meu caso, pois escrevo apenas com a minha mão esquerda, aquela que outrora fora “ceguinha”, a outra, a direita, resolveu partir para o caminho da infinidade, desde o dia (27/7/2006) em que o AVC me visitou, já lá vão 17 anos, mas que jamais abandonarei a verdadeira noção de escrever e deixar para a posterioridade uma visitação, esta morosa, que me levou a escrever mais um livro, sendo este sobre a terra que me viu nascer: Aldeia Nova de São Bento. 

OUma obra trazida aos escaparates pelas Edições Colibri, Lisboa, onde faço uma viagem no tempo e trago à estampa algumas das profissões, embora resumidamente, que outrora marcaram a vida na minha aldeia.

Profissões e os seus mestres



Mestre Pote, sapateiro e músico 

Escrevi, atrás, um tema sobre a antiga Banda Filarmónica de Aldeia Nova de São Bento em 1930, com a respetiva fotografia, sendo o seu maestro o mestre Pote. Ficou, certamente, a dúvida quem foi, afinal, o mestre Pote?

Pois bem, o mestre Pote nasceu em Aldeia Nova de São Bento, teve como profissão a de sapateiro e foi sobretudo um homem que muito se interessou pela escrita. 

Sabe-se, também, que foi um sublime contestatário do Estado Novo. Homem hirto com as suas convicções políticas, o mestre Pote debatia, clandestinamente, as suas teorias assumidas como revolucionárias.

As barbearias, à época, eram antros onde se concentravam os chamados revolucionários de um regime que ditava despotismo numa sociedade marcada, na altura, literalmente por extratos sociais. Nessas recuadas eras, as barbarias, locais de ajuntamentos, eram propícias para um debitar de ideias, tanto assim que os caixeiros-viajantes eram habituais “fregueses”. Levavam e traziam notícias tidas como proibitivas para uma sociedade que se via sistematicamente vigiada pela então polícia do Estado, a PIDE.

Mestre Pote, homem então da escrita, lá debitava crenças políticas que a sua alma encarecidamente lhe pedia. Chegou, inclusive, a trabalhar para o jornal “Avante”. 

Virtudes de um tempo onde as pessoas que sabiam ler e escrever eram raras. Atendendo à época vivida, quase se contavam pelos “dedos de uma mão” os jovens que frequentavam a escola primária. O trabalho no campo, como pastores, porqueiros, vaqueiros os almocreves era o destino da juventude, ou como aprendizes de sapateiro, abegões, ferreiros, caixeiros, carpinteiros, de entre outras profissões que evitavam o árduo trabalho nos campos.

Hoje, os tempos são naturalmente antíteses de um passado que deixou profundas raízes.

Sapateiro, uma nobre profissão


A profissão de sapateiro assumia-se, em tempos, como nobre! Sou de um tempo em que as sapatarias proliferam na aldeia. Lembram-se? De um lado, estavam os mestres, senhores já conhecedores da arte, e do outro, os aprendizes. 

Tenho uma vaga ideia que a entrada para a oficina de um novato, obedecia a um pedido feito ao mestre supremo, normalmente o dono do espaço, que aceitava ou não o rapaz. Nessa altura os aprendizes não tinham uma jorna fixa, o mestre dava alguns escudos, poucos, para o rapazola se sentir satisfeito e na próxima semana jogar-se com um maior empenho ao trabalho.

A entrada do candidato passava por uma eventual conversa com o rapazito, sendo que o mestre, já conhecedor da matéria, colocava-o à prova, questionando-o acerca do trabalho que por ali se fazia, a qualidade das peles para o manusear perfeito de um bom par de botas, ou de butes, das formas utilizadas para o trabalho cuidado do calçado, das meias solas que constantemente eram solicitadas, dos remendos que amiúde os homens procuravam no seu calçado, de entre muitos afazeres que os sapateiros se predispunham efetuar.

Neste já longo percurso de vida, revejo imagens que me enchem hoje de saudade, tendo como princípio básico o que foi, na verdade, o primoroso trabalho dos sapateiros. 

De facto, a labuta com os materiais era minuciosa e carecia de mestria. Lembro as opiniões positivas que o homem do campo lançava numa das suas idas às tabernas. “Estão muito bem-feitos esses butes e assentam nos pés como luvas”. E, num desabafo, assegurava: “O mestre sabe da poda”.

Recorro, com a devida vénia, a uma foto do amigo Zé Bica, cuja imagem estava em casa de seu sogro, o mestre Lico, que retrata, no fundo, a azáfama dos mestres e quiçá aprendizes na hora do trabalho. A imagem reporta-se à sapataria do mestre Estevão que se situava na Rua de Fora.

O mestre Estevão é o homem que está à máquina, sendo o mestre Lico o que se encontra em baixo, à sua frente. Aliás, o nome do mestre Lico era o seguinte: Manuel Afonso Arrocho. Um outro nome apurado de entre os sapateiros e aprendizes é do Chico Paulos, de pé, à esquerda.

Abegões (vd. foto acima)

Os abegões eram indivíduos que possuíam bastos conhecimentos de carpintaria e de ferraria. O abegão era conhecedor profundo de uma arte literalmente enquadrada na construção completa dos carros em madeira, sabendo-se que o resto da sua estrutura assentava nos eixos, molas e aros das rodas feitas em ferro.

Os abegões utilizavam como armas de trabalho as serras, um instrumento de corte utilizado para o cortar da madeira, uma forja de ferreiro, o fole, macetas para bater o metal e as tenazes. Numa perspetiva global o abegão possuía uma aptidão natural para a construção de um carro de bestas.

A pintura dos carros era sobretudo original e tinha, normalmente, o cunho pessoal do abegão, ou da oficina que o tinha construído. O artesão, chamemos-lhes assim, era exímio na sua arte e a construção final do carro enchia-o de orgulho.

Recuando no tempo, décadas de 1940 e de 1950, damos conta que em Aldeia Nova existiam vários abegões. Tanto mais que os carros de mulas eram, de facto, muitos. Manuel Palma, pai do Zé Calatróia, cuja oficina se situava na Rua do Sobral, os irmãos Afonso, Chico e Zé, Rua das Flores, Manel Graça, nas proximidades do depósito da água, lá para os lados do Largo dos Madalenos, e o Valadinhas, na Rua Herói Pedro Rodrigues, foram alguns dos protagonistas que se dedicaram inteiramente à profissão de abegões.

Presentemente, a profissão de abegão já fora chã que deu uva. Fica a certeza que os tratores, como é o caso, deram uma nova vida aos nossos campos, sendo que as utilizações dos carros com bestas continuarão perpetuados, apenas, nas nossas memórias.

Carpinteiros



Domingos Barradas, carpinteiro


Profissões que marcaram indeclináveis gerações, os carpinteiros foram mestres numa arte que passava de geração para geração. Em Aldeia Nova o velho ofício perdurou no tempo e ainda hoje se revêm gentes, cujos nomes muito dizem a pessoas que conheceram as origens dos seus antepassados.

A carpintaria era, e é, uma oficina de trabalho onde o carpinteiro trabalha a madeira, em bruto, dando-lhe, naturalmente, o efeito desejado. As peças em madeira eram, e são, trabalhadas com ferramentas próprias, tipo serra, formão, serrote e prumo, de entre outras, pois atualmente existem máquinas próprias que o carpinteiro amiúde utiliza.

No campo da matéria-prima a trabalhar, supõem-se que a cerejeira, o cedro, o eucalipto, o mogno, ou outros troncos de árvores africanas e asiáticas, serão, talvez, as mais utilizadas pelos carpinteiros.

O trabalho numa carpintaria obedece a esforços humanos e, por outro lado, a cuidados redobrados, tendo em conta que o manipular da nova maquinaria é guarnecido de uma proteção, pois um mínimo descuido é causador de danos físicos irreparáveis.

Puxando pela memória. recordo as oficinas dos irmãos Barradas, Zé e o Domingos, junto à Igreja de São Francisco, e a António Mora Barradas e o irmão Zé Barradas, sendo que em ambas se fizeram excelentes mestres, e deixaram a arte para os descendentes.

Latoeiros



Francisco Valente, o latoeiro

A latoaria é uma arte onde latoeiro assume um ofício e se afirma como um verdadeiro artesão. Prepara e repara artefactos, essencialmente em metal, ou lata, ou chapa zincada, que copiosamente as suas mãos, e saber, trabalham com mestria dando-lhes a forma que o cliente previamente solicitou.

Na aldeia existiu em tempos um latoeiro que dava pelo nome de Francisco Valente, sendo que um dos seus filhos, o Arsénio, com ele ainda trabalhou. O Chico Valente, como o povo habitualmente lhe chamava, mexia com um assunto que lhes era peculiar. Lembro, em particular os pequenos cântaros que proliferavam pelos lares aldeões. Ou, de cântaros maiores onde se guardava o azeite.

É verdade que várias peças saíam da sua oficina. Comedouros e bebedouros para o gado se alimentar no campo; alguidares em zinco; os já mencionados cântaros; candeias para iluminar as noites de escuridão; os regadores, enfim, uma panóplia de manufactos que a população por sistema recorria.

Atualmente, esses velhos ofícios desapareceram. Tudo se compra já feito e quase já não há compradores que encomendem essas antigas relíquias.

Fica a presença do nosso conterrâneo Chico Valente para perpetuar essas antigas memórias.

Ferreiros

O mestre Manuel Guerreiro 



O mestre Manuel Guerreiro


Trabalhar o ferro é uma profissão conhecida como milenar. O ferreiro, assim se designava a denominação do homem que utilizando o forno a carvão de pedra moldava o ferro, era mestre num ofício que por vezes passava de geração para geração. Ou seja, uma profissão, digamos hereditária, que passava dos pais para os filhos, indo até aos netos e bisnetos.

A profissão de ferreiro era um misto de artesão com artífice metalúrgico. Aliás, vamos à nossa história e reparamos que já nos tempos dos reis existiam homens, donos de um talento invejável, que trabalhavam o ferro eficazmente. As espadas, exemplificando, eram armas cruciais em tempo de guerras. Mas, todo o trabalho dos ferreiros tinha a sua arte.

Nas oficinas ouviam-se sons barulhentos e o apupar da matéria-prima trabalhada. Na bigorna, com uma ajuda de uma pequena marreta, dava-se o molde a um ferro, em brasa, que, entretanto, havia sido retirado da chama, uma chama que se mantinha acesa por via de um fole puxado por um fio que a mão do homem atempadamente se encarregava de executar o serviço.

Olhemos, com a devida cortesia, para os ferreiros existentes na nossa aldeia em tempos idos: António Paulos, pai do Zé Guerreiro, cuja oficina se localizava na Rua do Sobral, mesmo defronte à moagem (antiga fábrica), o Manel Guerreiro, pai do Chico Guerreiro e do Emiliano Guerreiro, Rua Bento Costa, e o Manel do Facho, pai do Veríssimo e do Zé do Carmo, oficina que se situava na Rua do Rossio, quase em frente da antiga loja do Chico Mendes, foram alguns dos homens que se entregaram à faina de trabalhar o ferro.

Dessas eras recordo-me, por exemplo, do Honório “Coxinho”, um homem que tinha um defeito no pé e que sempre o vimos de pé descalço. Trabalhava, se a memória não falha, na oficina do Manel Facho.

Albardeiros


Albardeiro era um ofício cuja finalidade era fabricar albardas, cabrestos e molins, de entre outros apetrechos para animais de carga, quer estes fossem para transportar mercadorias e pessoas em carros de bestas, quer na labuta dos campos, sobretudo nas lavouras.

Estes apetrechos compravam-se normalmente nas feiras, sendo o caso  da nossa terra na feira anual de setembro que se realizava entre os dias 1, 2 3 de setembro. Ou, quando existia no povoado um albardeiro que fazia a preceito destes utensílios. 

Naquele tempo todos estes apetrechos obedeciam a princípios básicos que se prendiam com as medidas do animal, isto é, com a sua cilha. Mediam os lombos dos animais e lá faziam uma albarda enquadrada com a sua cinta. O método era extensivo aos cabrestos e aos molins. O animal tinha que se sentir confortável com as “peças” que o seu dono havia comprado. Tanto mais que o objetivo prioritário era não ferir o animal. Tudo, no fundo, era analisado ao pormenor e até as próprias arreatas tinham um tamanho que se encaixava com o manejar dos animais.

Em Aldeia Nova temos conhecimento que no antigamente houve um profissional na arte de nome Miguel Albardeiro. Aqui, a meu entender, o apelido de Albardeiro ter-se-á ficado a dever à profissão que ao longo da vida desempenhou.

Alfaiates



Sebastião Barradas, o alfaiate


Eram os tempos em que tudo o que se pretendia com a feitura dos fatos, calças ou uma outra indumentária para homens, o pessoal dirigia-se ao Sebastião Barradas, sendo que a sua casa se situava na Rua do Outeiro, quase defronte à antiga Casa do Povo, hoje sede do Atlético.

O Sebastião Barradas tinha uma oficina de trabalho, sendo coadjuvado no seu serviço de alfaiate pelos filhos e era ali que recebia as encomendas, alinhava a sua labuta diária, cosia, trabalhava carinhosamente as fazendas, alinhava as peças, tirava medidas, recebia os fregueses, fazia as provas, quantas fossem necessárias, por fim surgia a peça de vestuário ajustada ao corpo do cliente.

Sebastião Barradas era um homem muito caseiro. Não frequentava as tabernas e não se lhe reconheceu qualquer filiação a uma das coletividades lúdicas da aldeia. Deixou a sua marca num tempo em que a função de alfaiate era algo rara.

Ele, porém, conseguiu fazer a sua vida a trabalhar peças de roupa, cujo evoluir estava resignado à sua mestria, a uma mesa sobre o comprido, a um giz branco para fazer os talhes das fazendas à medida do corpo de cada um dos seus clientes, a uma máquina de costurar e, sobretudo, a uma dedicação a uma profissão agora condicionada, e adaptada, aos estilistas que hoje existem nas principais metrópoles portuguesas e não só.

Menina Bia, a costureira de vestidos de noiva

Um pouco mais adiante do alfaiate Sebastião Barradas, quase em frente à casa do Zezinho Chora, Rua do Carril, morava a menina Bia. A menina Bia era a costureira perfeccionista dos vestidos para as noivas.

A sua casa era muito frequentada pelas jovens que sonhavam com o dia do seu divinal enlace matrimonial. A menina Bia, uma conterrânea que, infelizmente, tinha um defeito físico num dos seus órgãos inferiores, ou seja, numa das pernas o que motivava que a sua deslocação fosse feita através de duas muletas, foi uma pessoa muito especial para as noivas se sentirem adoradas na hora do seu ambicioso enlace.

Das suas mãos saíam autênticas obras de arte. As jovens noivas acorriam literalmente à menina Bia. Ela, com a sua velha e conhecida calma, lá ia paulatinamente dando corpo, e imagem, a um vestido antes sonhado pela noiva. Provas e mais provas, tirar daqui e repor ali, alfinetes na peça que ditavam o óbvio acerto, arranjos de última hora e eis o sonhado vestido de noiva, em cor branca, que faziam as delícias do encantado rapaz que se via envolvido no traje do seu amor.

O branco significava, e ainda hoje significa, pureza. A jovem, então virgem, embrulhava-se no seu vestido e encantava não o seu amado, assim como os convidados. Fora, então, as mãos da menina Bia que deram fulgor à festança.

Aliás, nessas épocas existiam também outros casamentos, só que esses vínculos tinham um outro requinte, pois a noiva já não era virgem, logo o ir de vestido branco à igreja estava-lhe puramente restrito.


No capítulo das costureiras, recuamos ao ano de 1927 e deixamos uma foto de um grupo de senhoras da nossa terra que marcaram presença num curso de bordados, onde os “professores” eram funcionários da Singer, uma marca de máquinas para costurar que, à época, fazia furor em Portugal.       

Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Texto e fotos: © José Saúde (2023).
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Nota de M.R.:

Guiné 61/74 - P24800: Parabéns a você (2216): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) e Cor Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf, CMDT da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24744: Parabéns a você (2215): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) e Patrício Ribeiro, ex-Fuzileiro Naval (Angola, 1969/72), residente na Guiné-Bissau

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24799: Notas de leitura (1628): "Dos Sonhos e das Imagens, A Guerra de Libertação na Guiné-Bissau", por Catarina Laranjeiro; Outro Modo Cooperativa Cultural, 2021 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2022:

Queridos amigos,
Há aspetos surpreendentes na investigação de Catarina Laranjeiro, logo a releitura a que procede de toda a filmografia durante a Luta e o que se tentou fazer no pós-independência, as mensagens produzidas para uso externo e interno, o que revelavam e o que ocultavam. Cabral contava com um novo sistema educativo que fosse gradualmente reduzido à insignificância o animismo (e estou levado a crer que essa nova cultura iria paralisar a influência do islamismo). As coisas não aconteceram assim como a autora mostra no seu trabalho de campo em Unal. Um olhar inovador que faz cruzar a etnografia com o conhecimento histórico, é uma obra que merece ser apreciada.

Um abraço do
Mário



A construção e a desconstrução das imagens sobre a Guerra de Libertação da Guiné-Bissau (2)

Mário Beja Santos

O livro Dos Sonhos e das Imagens, A Guerra de Libertação na Guiné-Bissau, por Catarina Laranjeiro, Outro Modo Cooperativa Cultural, 2021, baseia-se na tese de doutoramento da autora, é um misto de inventário historiográfico, análise sociocultural da imagem e trabalho etnográfico que a autora realizou em Unal, no Sul da Guiné, entre setembro de 2015 e abril de 2016, aqui voltou entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020.

A investigadora esclarece:
“A montante do trabalho etnográfico, esta investigação propôs analisar os filmes realizados durante a guerra em tabancas das zonas libertadas, entre as quais o Unal foi escolhido como arquétipo (…) Este livro é sobre as imagens produzidas no decorrer da luta da Libertação da Guiné-Bissau e particularmente sobre os filmes documentais. Genericamente, estes filmes mostram como o PAIGC desenvolvia uma ação militar eficaz contra o exército colonial português enquanto construía uma nova sociedade, nas zonas libertadas, precursora da nação por vir. Enquanto instrumento de Luta, o cinema tinha por missão primeira construir uma memória documental e, em última instância, um arquivo; isto é, o que deveria ser dito no futuro sobre o presente quando este se tornasse passado (…) Esta investigação é movida pela vontade de compreender como uma imagem provoca outra, dispositivo fundamental da linguagem cinematográfica. Concretamente, como as sucessivas crises e a instabilidade política procederam uma Luta de Libertação particularmente promissora que assegurava estar a ser construída uma auspiciosa sociedade nas zonas libertadas. Para tal, importa considerar quem é que, antes e depois da independência, reclamou o poder de construir todas estas representações, quer as de sucesso, quer as de fracasso. Trata-se de debater a legitimidade e a autoridade que os processos históricos adquirem quando se tornam visualmente percetíveis”.


Já se discorreu sobre a síntese histórica da Luta da Libertação, apresentou-se uma análise pós-colonial das imagens, enfatizando o papel do cinema e dos documentários propagandísticos. Eram obras destinadas a mostrar como se combatia e se consolidava o novo Estado, tornava-se obrigatório que se vissem crianças nas escolas, hospitais a funcionar, estas imagens deviam ser tratadas com o expoente de uma nova cultura, assim se estavam a preparar profissionais de saúde graças aos países amigos, até se mostrava imagens de uma farmácia, seguramente para cativar gente do primeiro mundo. Era, para consumo interno, imagem de o “por vir”, estava em construção uma nova cidade nas zonas libertadas. Catarina Laranjeiro questiona a natureza de todas estas encenações e extrai exemplos de vários filmes. Recorda, por exemplo, que há imagens que sugerem que estava um sistema económico a ser implementado que permitia à população das zonas libertadas aceder a bens de primeira necessidade. “São ocultadas todas as formas de resistência ao sistema económico colonial vigente, sendo que, ao longo destes filmes, a ineficiência da colonização portuguesa surge sempre para descrever a ausência de estruturas como escolas ou hospitais, ou de quadros como professores, enfermeiras ou médicos. É, assim, implícito que o problema não era o colonialismo por si, mas uma penetração incompleta de um estado colonial ineficaz na sociedade tradicional, o que, ironicamente, corrobora que a missão europeia havia ficado incompleta. Subjacente, fica a ideia de que competia agora ao apoio internacional terminá-la”.

São, insista-se, imagens que pretendem propagar os sinais de uma nova cultura e a autora observa:
“Em contraponto, nunca são mostradas imagens de queimaduras a serem tratadas com óleo de palma e folhas de farroba piladas, terapêutica partilhada naquele contexto, que, segundo os dados empíricos recolhidos no decorrer do meu trabalho de campo, eram um recurso bastante comum. Acrescento que, reconhecendo o amplo contributo dos médicos cubanos, os antigos combatentes que entrevistei enfatizavam que houve um enorme envolvimento dos curandeiros locais no apoio às vítimas de guerra, nunca devidamente reconhecido. Estes especialistas foram remetidos para o fora-de-campo das imagens; ao serem exclusivamente documentados as formas e os saberes dos doadores internacionais, apenas estes foram considerados válidos”.

A autora vai mais longe e interroga as línguas em que se fala nestes filmes, a língua dominante é o português, o pai fundador do PAIGC nunca hesitou qual seria a futura língua oficial do novo Estado. É um extenso e inovador olhar sobre o discurso do poder, a representação das mulheres, a centralidade política de Amílcar Cabral, ele era o único dirigente a conceder entrevistas. Igualmente a autora observa que em todos os filmes estão presentes treinos e formações militares, era importante que se soubesse que havia disciplina militar, aulas de ginástica, gente uniformizada, jamais se concede imagem às religiões tradicionais, o próprio Cabral era cuidadoso nos seus discursos, com subtileza pedia aos professores para combater a ignorância e os medos, apelando mesmo: “A maior libertação que podem dar à nossa terra é libertar o povo do medo. Para libertar o nosso povo do medo temos de o libertar da ignorância. Por isso é que o trabalho de professores é o trabalho de vanguarda”.

Seria esse trabalho a forma mais eficaz de combater as crenças no Poilão sagrado, nas intempéries naturais, os curandeiros, os Irãs, os amuletos. Chegada a independência, criada uma nova elite, prometido até um Instituto Nacional de Cinema (que não dispunha de verbas) realizaram-se imagens em que Amílcar Cabral continuava a estar muito presente, aliás o único filme terminado intitula-se O Regresso de Cabral, é o documentário das cerimónias fúnebres durante a transladação do seu corpo de Conacri para Bissau. Esta filmografia irá ser proibida por Nino Vieira, argumentando que se tratava de um instrumento de propaganda de um regime anterior. E depois entrou-se numa era de conspirações (inventadas ou não), na Guiné-Bissau imergiram inimigos internos sob múltiplos disfarces, eram encenações para travar descontentamentos ou marcar a exemplaridade do poder do ditador.


A autora está agora em trabalho de campo em Unal, faz a apresentação do lugar, chegou a hora das entrevistas, houve recriminações de gente desapontada, eu estava a ler este trabalho da Catarina Laranjeiro e ocorreu-me a tese de doutoramento de Tina Kramer, na Universidade Humboldt de Berlim sobre a reconciliação (ou não) dos antigos combatentes guineenses, depoimentos pungentes de gente que até confessava a sua humilhação por agora trabalhar para guineenses que tinham combatido ao lado dos portugueses e que recebiam reformas, tese de doutoramento que deploravelmente não está traduzida para português. Aquele povo do Unal exigiu ter escola, construíram-na, cuidam do professor, a região, confrontada com a inércia do Estado dá as respostas que pode. E muito interessante é a sua abordagem que vai dos discursos fílmicos às memórias vernaculares, é então que fica claro que as forças animistas têm um papel preponderante não só no Sul do país como em todas as outras regiões da Guiné-Bissau.

E chegou a hora das considerações finais, àquelas imagens fílmicas eram inventadas e idealizadas para o exterior e presumiam-se ter valor catequético no interior.
“As imagens produzidas no decorrer da Luta revelam muito sobre o tempo presente. Mais precisamente permitem-nos compreender o paradigma político que hoje rotula de falhado o Estado guineense. Os homens e mulheres que viviam nas zonas libertadas não foram meras marionetas manobradas por ideologias ou legados históricos, isto é, não foram apenas personagens que integraram estes filmes. Todos e todas foram atores sociais conscientes que construíram as suas próprias ficções em torno da Luta (…) A população da Guiné-Bissau não pode ser lida como um todo homogéneo. Para a grande maioria dos combatentes desta guerra, o Estado-nação moderno era uma abstração. Nos últimos anos, tem havido uma tentativa notória de atribuir uma maior visibilidade à memória da Guerra Colonial. É hoje consensual que as guerras coloniais contribuíram para extenuar o regime ditatorial português e a ideologia imperial em que este se alicerçava. Os dados encontrados sugerem que, tal como as identidades, as memórias, e as modernidades, também a descolonização deve ser conjugada no plural”.

Esta descolonização não deixa nenhum ator de fora, nem os antigos combatentes portugueses nem o povo guineense em geral.

Pela sua abordagem original, uma obra que se recomenda pelo novo sentido da História que a acompanha.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24784: Notas de leitura (1627): "Dos Sonhos e das Imagens, A Guerra de Libertação na Guiné-Bissau", por Catarina Laranjeiro; Outro Modo Cooperativa Cultural, 2021 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24798: As nossas geografias emocionais (10): O fontenário de Bambadinca de 1948, de que quase ninguém... já se lembra(va)!


Foto nº 1 > Guiné >  Zona leste :- Região de Bafatá > Bambadinca > O fontenário, de 1948 (melhoramento do tempo do governador Sarmento Rodrigues, tal como outros espalhados pelo interior da Guine) , em foto de 1964... Enviada pelo nosso camarada Libério Lopes, que foi 2º sarg mil inf da CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65), portanto um dos nossos veteranos, natural de Penamacor,  aqui na foto sentado ao lado de uma linda bajuda bambadinquense. 

Foto (e legenda): ©t Libério Lopes (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Fotos nºs 2 e 3 : Guiné >  Zona leste :- Região de Bafatá > Sctor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria, José Carlos Lopes no cimo da famoso fontenário de Bambadinca... 

Poucos fotógrafos deram contam  deste equipamento (que hoje pode ser considerado um onumento, de resto parece-nos tem traço de arquiteto, talvez do GAC - Gabinete de Arquitectura Colonial). E, no entanto, milhares e milhares de homens em armas passaram ao seu lado... É uma construção dos anos 40 (conforme inscrição, visível na foto: 1948).  O Zé Carlos Lopes, pelas suas funções,  tinha que dar fé desta construção, uma vez que deslocava-se com frequència ao porto fluvial e ao destacamento da intendência, na margem esquerda do rio Geba Estreito

Fotos: © José Carlos Lopes  (2012). Todos os direitos reservadosodos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 1996 >  Fonte de Bambadinca. Quando o Humberto Reis, meu camatrada da CCAL 12,  voltou à Guiné, em viagem de negócios e de saudade, passou por Bambadinca e tirou esta chapa. A fonte ainda estava lá, e - o mais importante - funcionava!... E continuou a lá estar, até hoje (vd. foto nº 5).

Fotos: © Humbertoo Reis  (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Foto nº 5 >  Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Meados de 2023 > O fontenário, que ainda hoje continua a funcionar. Fotogramas do vídeo de Paulo Cacela (2923) : "Dentro da Maior Tabanca da Guiné-Bissau". 

(Editado e reproduzido com a devida vénia...)

Foto © Paulo Cacela (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Fotos nºs 6, 7 e 8 >  Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > A zona ribeirinha de Bambadinca, na margem esquerda do Rio Geba (Estreito), alagada no tempo das chuvas... Foto provavelmente de meados de 1968 ou 1969... Em meados de 1970, no tempo da CCS/BART 2917 (1970/72), já havia um novo troço de estrada ligando por fora (isto é, contornado o planalto onde se situava o aquartelamento e o posto administrativo de Bambadinca) a estrada do Xime com a de Bafatá. (Vd. foto nº 13).

Nestas 3 fotos aparece um dos ícones de Bambadinca, o fontenario, raramente fotografado por quem lá esteve ou por lá passou... Eu próprio, que lá estive, na CCAÇ 12 (1969/71) também já não me lembrava do fontenário. Outros camaradas que passaram por lá (iam a tasca do Zé Maria ou ao porto) ambém já confessaram que se nao se lembravan: o nosso saudoso Torcato Mendonça, o Paulo Santiago (que foi 
aqui formador de milícias), etc. ( O Paulo Santiago escreveu: "Não esperava esta!!! Seis meses em Bambadinca, muitas sortidas ao Zé Maria, e nunca vi a fonte...estaria camuflada??? | 15 de dezembro de 2012 às 23:55 ).

Fotos © José Carlos Lopes (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

Foto nº 9 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > c- 1968/70 >  A tabanca, vista do alto do depósito de água do quartel... Do lado norte / nordeste: tabanca, estrada para o rio Geba Estreito e picada de Finete/Missirá, acesso, à direita,  à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá.  Assianalado a vermelho o fontenário, que ficava numa cota mais baixa. Foto do álbum do Jaime Machado,  cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70)


Foto nº 10 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > c. 1968/70 > Em primeiro plano, o depósito de água que abastecia o quartel e as nstalações civis (o posto administrativo, a casa do chefe de posto, a escola, a casa da professora, a capela, a missão católica, etc.)... A tabanca beneficiava do fontenário público, assinalado a amarelo...

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 11 > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o Rio Geba ao fundo. Em primeiro plano, contígua ao arame farpado, a casa e o estabelecimento comercial do Rodrigo  Rendeiro, um dos poucos colonos portugueses que conhecemos na Guiné, em 1969/71, natural da Murtosa. Assinalado a vermelho, o fontenário. Se não erramos, ficava junto ao mercado local.


Foto nº 12 > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > O fontenário visto de mais perto.


Foto nº 13 > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > CCAÇ 12 (1969/71) > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano, a saída (lado leste) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá. Este troço que ladeava o "morro" (ou promontório) de  Bambadinca, fazia a ligação com a estrada, em construção, Bambadinca-Xime (que será posteriormente asfaltada, em 1971/72). Ao fundo, o Rio Geba Estreito. São visíveis as instalações do Pelotão de Intendência, junto ao importante porto fluvial de Bambadinca. O fontenário de aqui falamos, construído em 1948, está sinalizado com um círculo a vermelho.


Foto nº 14 > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > 1970 > Entrada principal, pelo lado leste (sentido Bafatá), do aquartelamento. A famosa (e perigosa)  rampa . O fontenário está sinalizado com um círculo a vermelho, ficava a uns 100 metros da casa e estabelecimento comercial do Rendeiro (não vísivel, à esquerda).

 Fotos © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24794: As nossas geografias emocionais (9): Imagens recentes de Bambadinca e Nhabijões (fotogramas do viajante e criador de vídeos Paulo Cacela, Cabo Verde)