1. Mensagem de Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74, com data de 30 de Junho de 2009:
Caro Vinhal,
Espero possa estar dentro dos parâmetros requeridos.
HISTÓRIA DA ESGRAÇADINHA
Chamava-se Sousa, Zé Sousa, casado, pouco mais de vinte anos, estaria a entrar nos vinte e dois...
As saudades roíam, traço comum a todos quantos por essas terras de África suportavam a canícula e o afastamento dos seus...
Para o Sousa, as saudades da família, pais e muito recentemente mulher, essa Maria Rosa que lhe aquecera a cama e afogueara o corpo uns vinte dias antes do embarque eram algo que não conseguia superar...
Dera o nó lá na igreja da terra pouco antes de o meterem naquele pássaro de metal que o levaria à Guiné.
O Zé e a Rosa, a Maria Rosa, haviam sido imprudentes, tentações do diabo...
Coitada da Maria Rosa, orfã de pais desde tenra idade, vivia com a avó, a Ti Clarinda, uma mulher de armas que criara os filhos (quatro que não vingaram além da idade escolar, e a Felismina, mãe da Rosa, que morrera ao dar à luz o seu rebento...
O genro, pai da Maria Rosa acabaria cadáver à mercê do pó das minas, profissão que abraçara faz tempo para dar melhor vida à família...
A Ti Clarinda lá foi levando a água ao seu moinho, que é como quem diz, criando a neta.
Foi avó e mãe de Rosa...
Agora, coitada, estava quase cega, cansada de uma vida de trabalho, de atribulações...
O Zé que lhe namorava a neta, era um bom rapaz, trabalhador.
Andava à jorna de lavrador em lavrador para ganhar o seu pão honestamente, ele também, filho de gente muito humilde e de trabalho.
Até que um dia, o Zé e a Rosa, a Rosa e o Zé, passaram além da Taprobana, descontrolaram-se e... a solução foi casar...
Nunca passara na cabeça do Zé fugir à responsabilidade...
Até porque a Rosa, coitada, era orfã de pai e mãe...
Mas agora que o sr. padre Olegário os casara, impusera à Rosa que fossem viver para casa dos seus pais.
- E a minha avó, Zé?
-Vais visitá-la quando quiseres, mas o lugar de uma mulher casada é na casa do marido... Quando entenderes passas pela sua casa. Não te preocupes que os vizinhos são gente boa e todos lhe põem uma mão, está descansada. Depois de eu regressar da tropa, da guerra, logo que a gente possa, fazemos uma casinha naquele cibo de terra que o meu pai comprou ao sr. António Regedor, e depois a tua avó vai viver com a gente... podes dizer-lhe.
-Coitada da minha avó!
Partira uns escassos vinte dias, três semanas, do enlace (tinham-lhe dado 15 dias de licença e o capitão deu o resto...)
As saudades roíam-no, e a falta daquele corpo quente colado ao seu com um cheirinho tão apetitoso, empurravam-no para o copo, que no seu caso específico de homem do campo passava obrigatóriamente pela água pé dos lavradores ou pela mistela de uvas que se fazia na casa do seu pai com predominância para o vinhão ou jacqué, para dar cor, e muito americano que não precisa de tratamento...
À falta disso e como não conhecia as bebidas de sociedade, nunca tinha provado scotch, gin ou algo similar, refugiava-se na popularíssima cerveja - que à altura ainda não sustentava jogadores da bola nem as sads do mesmo - emborcando garrafa atrás de garrafa, numa procissão de 33cl que acabaria por derivar para a chamada bazzoka de litro...
Foi este o começo de vida atribulada do Zé Sousa, um militar como tantos, que até à submissão face à cerveja, se pautara sempre por um comportamento perfeitamente normal, senão mesmo exemplar...
As saudades moíam-no, era assaltado pela dúvida.
O que estará ela agora a fazer, a sua Rosa?
E se algum bandalho lhe dirigia palavra quando ia visitar a avó?
Os ciúmes roíam-no deixando-o à beira de um ataque de nervos.
Tornava-se irrascível.
O álcool fazia o resto.
A sua vida encontrava-se agora num patamar de perigo dada aquela dependência evidente.
O capitão proibe que lhe vendam álcool.
O Zé inicia uma fase complicada de ressaca...
Não tem dinheiro para poder sequer pensar em férias na Metrópole.
Logo, a ideia era beber até cair na esperança de ver o tempo voar...
Mas era custoso.
Os dias arrastavam-se caracoleando ao invés de voarem como era a sua vontade e a de todos, afinal...
Um dia, o Zé fazia anos e estava em regime de abstinência total (claro que não era total pois a solidariedade não era palavra vã entre militares e havia sempre forma de controlar o obstáculo...
Especialmente depois de uma operação sabia bem uma geladinha e depois um cigarro.
o capitão comutou-lhe a pena por um dia e permitiu-lhe contornar o castigo ao deixar que comprasse uma grade de cerveja para si e os amigos mais próximos...
Estranhamente o número de amigos do Zé, diminuiu drásticamente e vai daí, ele para não desperdiçar o líquido, fez-se às outras 33, de g3 em punho, não para iniciar qualquer guerra mas porque com o gatilho abria rapidamente uma garrafa...
Foi o bom e o bonito...
Uma vez mais cirandou entre as duas fiadas de arame farpado (o tal onde os bandos se acoitavam...)
Trazia vestida a sua farda mais usual naquelas paragens... calção (fora do regulamento...) e faca de mato à cinta, numa reedição tarzaniana, a pedir meças a qualquer Weissmuller de pacotilha...
Deixáramo-lo à espera que os etílicos vapores fizessem efeito e vencido pelo cansaço entregando-se então nos braços de Morfeu, num amplexo do tamanho do mundo...
Depois de domado por Baco ou por Dionísio (consoante a apetência grega ou romana no desafio sistemático que este lhe fazia, e no qual era sempre apanhado, havia que deixá-lo dormir...
Não era nenhuma novidade este comportamento pelo que ninguém suspeitou do que pudesse via a seguir...
Subitamente o Zé Sousa saiu a correr em direcção ao mato.
Saíram uma meia dúzia em seu encalço, mas este mal os avistou, embrenhou-se naquela perigosa mata fugindo. Era um local perigoso para os escassos seis homens que haviam saído em seu encalce.
Haveriam de regressar uns quarenta ou cinquenta mas debalde...
Soube-se depois através da prisão de um inimigo que ele fora capturado por população hostil às nossas tropas e entregue ao PAIGC.
Nem a Maria Turra falaria nele...
Maria Rosa receberia o fatídico telegrama e caiu para o lado, fulminada...
A Ti Clarinda haveria de assistir ao funeral da neta...
Esta história correu mundo em romance de cordel, e foi cantada ao vivo nas feiras apoiada pela voz plangente de um violino.
Preparem as esponjas que a hora é de chorar!
Com um abraço a toda a tabanca me despeço hoje
Manuel Maia
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4610: Blogpoesia (51): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (VII Parte): De Pombal (1755) até ao regente D. Miguel (1828)
Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4519: Destas não reza a História (Manuel Maia) (3): Desertei depois de ter vindo da Guiné
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4629: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (9): Dois pequenos amigos de quatro patas
1. Mensagem de António Paiva, Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70, com data de 27 de Junho de 2009:
Camarada Carlos Vinhal,
Lembras-te do que me disseste quando me despedi de ti em Ortigosa?
Foi + ou – isto:
- Vê lá se escreves alguma coisa, ultimamente não tens mandado nada.
Pois bem, se achas que tens pouco trabalho, aqui te mando mais uma história, minha e de 2 pequenos amigos meus.
Àqueles Camaradas de quem não me despedi no Encontro, apresento as minhas desculpas.
A história:
Traquinas, travessos, saltitões e corredores de fundo, sempre lado a lado em grande velocidade (até faziam lembrar os nossos “Fiats”), para alcançarem o objectivo com estratégias bem delineadas.
Eram corredores de terra e asfalto, nos dois pisos batiam-se bem um com o outro, as “botas” não escorregavam.
Em vitórias penso que estavam iguais, pelo menos demonstravam isso na amizade que tinham um pelo outro.
Como se sentiam superiores ao número de patas (4), não se davam muito ao convívio, amigável, com os de duas.
Não é que fossem maus “putos”… mas simplesmente sabiam marcar posições.
Tinham dois locais determinados onde passeavam a sua pequenez. Um deles era no terreno em frente á morgue, largo e comprido, que tinha um heliporto asfaltado, que ele não pisava, contornava-o, talvez por não gostar muito de “altos voos”. O outro parava ao pé do refeitório, junto a uma árvore que ali se encontrava.
Foi difícil convence-los que eu era seu amigo mas, com o tempo, foram-se apercebendo que eu era só queria isso mesmo deles… ser amigo.
Quando me baixava com qualquer coisa na mão para lhes dar, lá se aproximavam, com calma… desconfiados, posso dizer que, algumas vezes, lhes dava uma rodelinha de chouriço para lhes ir ganhando a confiança e os ir “trabalhando” a meu gosto.
Os anos foram passando e eles crescendo, tornaram-se irrequietos, imparáveis e já percorriam todo o terreno em redor do hospital.
À noite já não os encontrava com facilidade e pensava: “Se calhar foram até ao Bar das cabritas - e sorria satisfeito - , mas está bem, também têm direito a divertirem-se.”
Até que o dia do meu regresso a casa chegou!
Nunca mais os vi, mas facilmente deduzo que acabaram por “perder” o pêlo e acabaram como costumam acabar todos os da sua raça… serem abatidos por (não)amigos de duas patas… passarem no “REGIMENTO dos TACHOS”... e terminarem barbaramente triturados pelos seus dentes.
Que saudades tenho destes meus amiguinhos de 4 patas.
Um abraço,
António Paiva
_____________
Notas de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
Guiné 63/74 - P4628: Estórias avulsas (12): Histórias passadas na Guiné (TCor José Francisco Robalo Borrego)
1. Mensagem de José Francisco Borrego (*), Ten Cor na Reserva, que pertenceu ao Grupo de Artilharia n.º 7 de Bissau e ao 9.º Pel Art, Bajocunda (Guiné, 1970/72), com data de 29 de Junho de 2009:
Caríssimo Carlos,
Desculpa lá mais esta trabalheira! Começamos a puxar pela memória e depois vêm à superfície factos passados há quase 40 anos!
Faço votos para que te encontres bem na companhia da Excelentíssima Família. Ainda não foi este ano que nos conhecemos pessoalmente. Uns problemas domésticos impediram a minha ida ao convívio de 20 de Junho de 2009, que pelos vistos correu às mil maravilhas! Se Deus quiser para o ano, vou fazer os possíveis para estar presente.
Um abração de muita amizade do
José Borrego
HISTÓRIAS PASSADAS NA GUINÉ
Caríssimo Carlos Vinhal,
já faz algum tempo que não te aborrecia com trabalho deste género. Andei à procura nos recantos da memória e encontrei meio amarelas, mais umas histórias passadas na Guiné no período, 1970-1972, dando mais um contributo para o enriquecimento do património histórico e social da nossa Tabanca Grande. Se achares conveniente faz o favor de as publicar.
Em fins de 1970 (Outubro?), apresentou-se no Grupo de Artilharia n.º 7 (GA7) o Senhor major Gaspar, acabado de ser promovido, para assumir as funções de 2.º comandante do Grupo. O major Gaspar também conhecido por Gasparinho, comandava a Companhia de Artilharia 3330, estacionada em Nhamate e mais tarde em Bula. Era uma Companhia independente, cuja unidade mobilizadora foi o extinto Regimento de Artilharia n.º3 (RAL n.º3) em Évora.
O comandante do GA7 era o Senhor tenente-coronel Ferreira da Silva que tinha por alcunha o Assassino da Voz Meiga, porque ao dirigir-se aos seus subordinados fossem eles oficiais, sargentos ou praças tinha por hábito tratá-los por “filho”; "Ó filho isto, ó filho aquilo"... mas na hora de administrar a justiça e disciplina (RDM) era um “pai” pouco meigo.
Um dia tratou o major Gaspar por “filho” e, como este gostava pouco de paternalismos, terá advertido o comandante que pai só tinha um e que não admitia que o voltasse a tratar com tal “afecto”.
Devido ao feitio do comandante, ou talvez não, o certo é que não morriam de amores um pelo outro e segundo se dizia tinham muitas divergências e acesas discussões.
No dia de todos os Santos era tradição fazer-se uma formatura geral com representantes dos três Ramos das Forças Armadas em frente ao Palácio do Governador da Província, salvo erro.
A representação do Exército coube ao GA7 com a incumbência de enviar uma força para a cerimónia do dia de finados, força essa, que sob a responsabilidade do major Gaspar terá chegado ligeiramente atrasada ao local da formatura, o que desagradou profundamente ao comandante perante o olhar das altas entidades.
Como cmdt e responsável máximo, o ten cor Ferreira da Silva terá feito uma chamada de atenção ao major Gaspar, que não tendo gostado da “repreensão” em público, desatou aos berros e com insultos ao cmdt, sendo retirado do local por um oficial conhecido, pondo termo ao espectáculo deplorável!
Para quem conhecia a personalidade do major Gaspar, aquilo foi uma atitude perfeitamente natural em linha com o seu temperamento. Para a época era, ou parecia ser, um oficial desinibido, frontal e, por vezes, desafiador da disciplina. Dizia-se que na sua folha se serviços tinha tantos louvores como castigos e que gozava de alguma simpatia, junto do Senhor General António de Spínola, devido às suas características peculiares.
No regresso à Unidade os dois comandantes discutiram o incidente anteriormente ocorrido, tendo ambos chegado, ou quase chegado, a vias de facto e a situação só não foi mais grave, porque um oficial se intrometeu entre os dois.
Perante a insubordinação do major Gaspar o cmdt mandou chamar o Sargento da Guarda para prender o major, mas este dizia ao 1.º sargento que não podia prendê-lo, porque não estava em flagrante delito.
Caríssimo Carlos,
Desculpa lá mais esta trabalheira! Começamos a puxar pela memória e depois vêm à superfície factos passados há quase 40 anos!
Faço votos para que te encontres bem na companhia da Excelentíssima Família. Ainda não foi este ano que nos conhecemos pessoalmente. Uns problemas domésticos impediram a minha ida ao convívio de 20 de Junho de 2009, que pelos vistos correu às mil maravilhas! Se Deus quiser para o ano, vou fazer os possíveis para estar presente.
Um abração de muita amizade do
José Borrego
HISTÓRIAS PASSADAS NA GUINÉ
Caríssimo Carlos Vinhal,
já faz algum tempo que não te aborrecia com trabalho deste género. Andei à procura nos recantos da memória e encontrei meio amarelas, mais umas histórias passadas na Guiné no período, 1970-1972, dando mais um contributo para o enriquecimento do património histórico e social da nossa Tabanca Grande. Se achares conveniente faz o favor de as publicar.
Em fins de 1970 (Outubro?), apresentou-se no Grupo de Artilharia n.º 7 (GA7) o Senhor major Gaspar, acabado de ser promovido, para assumir as funções de 2.º comandante do Grupo. O major Gaspar também conhecido por Gasparinho, comandava a Companhia de Artilharia 3330, estacionada em Nhamate e mais tarde em Bula. Era uma Companhia independente, cuja unidade mobilizadora foi o extinto Regimento de Artilharia n.º3 (RAL n.º3) em Évora.
O comandante do GA7 era o Senhor tenente-coronel Ferreira da Silva que tinha por alcunha o Assassino da Voz Meiga, porque ao dirigir-se aos seus subordinados fossem eles oficiais, sargentos ou praças tinha por hábito tratá-los por “filho”; "Ó filho isto, ó filho aquilo"... mas na hora de administrar a justiça e disciplina (RDM) era um “pai” pouco meigo.
Um dia tratou o major Gaspar por “filho” e, como este gostava pouco de paternalismos, terá advertido o comandante que pai só tinha um e que não admitia que o voltasse a tratar com tal “afecto”.
Devido ao feitio do comandante, ou talvez não, o certo é que não morriam de amores um pelo outro e segundo se dizia tinham muitas divergências e acesas discussões.
No dia de todos os Santos era tradição fazer-se uma formatura geral com representantes dos três Ramos das Forças Armadas em frente ao Palácio do Governador da Província, salvo erro.
A representação do Exército coube ao GA7 com a incumbência de enviar uma força para a cerimónia do dia de finados, força essa, que sob a responsabilidade do major Gaspar terá chegado ligeiramente atrasada ao local da formatura, o que desagradou profundamente ao comandante perante o olhar das altas entidades.
Como cmdt e responsável máximo, o ten cor Ferreira da Silva terá feito uma chamada de atenção ao major Gaspar, que não tendo gostado da “repreensão” em público, desatou aos berros e com insultos ao cmdt, sendo retirado do local por um oficial conhecido, pondo termo ao espectáculo deplorável!
Para quem conhecia a personalidade do major Gaspar, aquilo foi uma atitude perfeitamente natural em linha com o seu temperamento. Para a época era, ou parecia ser, um oficial desinibido, frontal e, por vezes, desafiador da disciplina. Dizia-se que na sua folha se serviços tinha tantos louvores como castigos e que gozava de alguma simpatia, junto do Senhor General António de Spínola, devido às suas características peculiares.
No regresso à Unidade os dois comandantes discutiram o incidente anteriormente ocorrido, tendo ambos chegado, ou quase chegado, a vias de facto e a situação só não foi mais grave, porque um oficial se intrometeu entre os dois.
Perante a insubordinação do major Gaspar o cmdt mandou chamar o Sargento da Guarda para prender o major, mas este dizia ao 1.º sargento que não podia prendê-lo, porque não estava em flagrante delito.
Este episódio durou algum tempo em que um mandava avançar o Sargento da Guarda e o outro mandava-o recuar... Houve até quem dissesse que o sargento da guarda, impaciente e nervoso, terá suplicado: "Meus comandantes, decidam-se lá, porque, segundo o Regulamento, o comandante da guarda não pode abandonar, o distrito da guarda, por muito tempo". Tal era o desconforto…!
Face ao sucedido o escalão superior procedeu ao respectivo processo disciplinar e criminal, acabando os dois por serem punidos com penas de prisão.
Contam-se muitas histórias a respeito do major Gaspar, o Gasparinho, e que ainda hoje são motivo de boa disposição entre camaradas que tiveram o privilégio de servir sob o seu comando na Guiné. A propósito, socorrendo-me da memória aí vão três deliciosas:
1. Na época das chuvas os abrigos/locais de trabalho do major Gaspar e do seu 1.º sargento ficaram completamente inundados. O diligente major Gaspar (ainda capitão) não perdeu tempo e enviou um rádio (mensagem) para o escalão superior, solicitando com máxima urgência dois escafandros para entrarem nos abrigos, visto nem ele, nem o 1.º sargento saberem nadar…
2. A certa altura o pessoal do BEng 447 foi colocar chapas de zinco nos telhados das casernas (barracões?) da companhia. Passados uns dias um tornado muito forte arrancou as ditas chapas e nunca mais ninguém as viu. O inevitável capitão Gaspar perguntou ao BEng por mensagem mais ou menos nestes termos: Solicito informe se chapas colocadas nesta em tal data… regressaram à sua Unidade de origem…
3. Também se dizia que o seu substituto na companhia um dia telefonou-lhe a perguntar se tinha assuntos pendentes para resolver, ao que o major Gaspar respondeu que pendente só tinha os tomates…
Um homem com estas atitudes só podia ser diferente e muito considerado pelo seu refinado sentido de humor. Humor que em tempos de guerra é necessário e fundamental para o moral das tropas. Nem só de pão vive o homem…
Esta também é gira: O comandante um certo dia, depois do almoço, foi ver o andamento das obras a decorrer no quartel e ao aproximar-se do sargento encarregado das mesmas, disse:
- Ó filho as obras não andam?
Face ao sucedido o escalão superior procedeu ao respectivo processo disciplinar e criminal, acabando os dois por serem punidos com penas de prisão.
Contam-se muitas histórias a respeito do major Gaspar, o Gasparinho, e que ainda hoje são motivo de boa disposição entre camaradas que tiveram o privilégio de servir sob o seu comando na Guiné. A propósito, socorrendo-me da memória aí vão três deliciosas:
1. Na época das chuvas os abrigos/locais de trabalho do major Gaspar e do seu 1.º sargento ficaram completamente inundados. O diligente major Gaspar (ainda capitão) não perdeu tempo e enviou um rádio (mensagem) para o escalão superior, solicitando com máxima urgência dois escafandros para entrarem nos abrigos, visto nem ele, nem o 1.º sargento saberem nadar…
2. A certa altura o pessoal do BEng 447 foi colocar chapas de zinco nos telhados das casernas (barracões?) da companhia. Passados uns dias um tornado muito forte arrancou as ditas chapas e nunca mais ninguém as viu. O inevitável capitão Gaspar perguntou ao BEng por mensagem mais ou menos nestes termos: Solicito informe se chapas colocadas nesta em tal data… regressaram à sua Unidade de origem…
3. Também se dizia que o seu substituto na companhia um dia telefonou-lhe a perguntar se tinha assuntos pendentes para resolver, ao que o major Gaspar respondeu que pendente só tinha os tomates…
Um homem com estas atitudes só podia ser diferente e muito considerado pelo seu refinado sentido de humor. Humor que em tempos de guerra é necessário e fundamental para o moral das tropas. Nem só de pão vive o homem…
Esta também é gira: O comandante um certo dia, depois do almoço, foi ver o andamento das obras a decorrer no quartel e ao aproximar-se do sargento encarregado das mesmas, disse:
- Ó filho as obras não andam?
Ao que o sargento respondeu:
- Saiba V.Exª. meu comandante, que as obras não têm nem nunca tiveram pernas para andar.
Perante tal resposta o cmdt da CCS teve de interceder pelo sargento (que nesse dia devia estar com os azeites) mas ainda assim foi de castigo, para o mato, uns meses.
Nota 1: O original das histórias é capaz de estar um bocado adulterado, devido ao muito uso, mas penso que o essencial está intacto.
Nota 2: O GA7 era uma Unidade de Guarnição Normal sediada em Bissau - Santa Luzia. Recebia militares de rendição individual (nomeadamente oficiais, sargentos e cabos especialistas); os soldados na sua larga maioria pertenciam ao recrutamento da Província e tinha à sua responsabilidade os pelotões de Artilharia de Obus 14, 11,4, 10,5 e 8,8 cm, respectivamente, disseminados pelo TO da Guiné, assim como as Baterias de Artilharia Antiaérea.
Infelizmente, o major Gaspar já faleceu. Curvo-me perante a sua memória e paz à sua alma.
Linda-a-Velha, 29 de Junho de 2009
Um abração para todos os camaradas de armas, da Tabanca Grande, espalhados pelo mundo com votos de muita saúde.
- Saiba V.Exª. meu comandante, que as obras não têm nem nunca tiveram pernas para andar.
Perante tal resposta o cmdt da CCS teve de interceder pelo sargento (que nesse dia devia estar com os azeites) mas ainda assim foi de castigo, para o mato, uns meses.
Nota 1: O original das histórias é capaz de estar um bocado adulterado, devido ao muito uso, mas penso que o essencial está intacto.
Nota 2: O GA7 era uma Unidade de Guarnição Normal sediada em Bissau - Santa Luzia. Recebia militares de rendição individual (nomeadamente oficiais, sargentos e cabos especialistas); os soldados na sua larga maioria pertenciam ao recrutamento da Província e tinha à sua responsabilidade os pelotões de Artilharia de Obus 14, 11,4, 10,5 e 8,8 cm, respectivamente, disseminados pelo TO da Guiné, assim como as Baterias de Artilharia Antiaérea.
Infelizmente, o major Gaspar já faleceu. Curvo-me perante a sua memória e paz à sua alma.
Linda-a-Velha, 29 de Junho de 2009
Um abração para todos os camaradas de armas, da Tabanca Grande, espalhados pelo mundo com votos de muita saúde.
José Borrego
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4021: História do Grupo de Artilharia N.º 7 (Bissau) (José Borrego)
Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4626: Estórias avulsas (37): Quando um cabo da PM me deu ordem de prisão, em Bissau (Armandino ALves)
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4021: História do Grupo de Artilharia N.º 7 (Bissau) (José Borrego)
Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4626: Estórias avulsas (37): Quando um cabo da PM me deu ordem de prisão, em Bissau (Armandino ALves)
Guiné 63/74 - P4627: Bibliografia de uma guerra (52): Andanças e... Cambança(s), de Alberto Branquinho (Luís Graça)
Lisboa > Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > 2º Ciclo de Conferências 'Memórias Literárias da Guerra Colonial' > 4 de Junho de 2009 > Apresentação de livro de contos Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa > Na mesa, o Alberto Branquinho, autor, à esuerda, e o José Paulo Sousa, moderador e anfitrião, à direita.
Lisboa > Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > 2º Ciclo de Conferências 'Memórias Literárias da Guerra Colonial' > 4 de Junho de 2009 > Apresentação de livro de contos Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa > Uma presença já habitual nestes encontros, a Profª Doutora Ana Faria, do Departamento de História, do ISCTE, que se interessa pela problemática da colonização e descolonização, e é visita regular do nosso blogue, que considera um fonte de informação privilegiada.
Lisboa > Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > 2º Ciclo de Conferências 'Memórias Literárias da Guerra Colonial' > 4 de Junho de 2009 > Apresentação de livro de contos Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa > A escritora Joana Ruas (n. 1945), autora de A Pele dos Séculos (Lisboa, Ed. Caminho, 2001) (**) dando testemunho da sua vivência, na Guiné-Bissau, no pós-25 de Abril, como simpatizante do PAIGC (acompanhou a guerrilha nas 'regiões libertadas' e integrou, como jornalista cultural, os quadro do Nô Pintcha, desde o seu nº 1).
Lisboa > Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > 2º Ciclo de Conferências 'Memórias Literárias da Guerra Colonial' > 4 de Junho de 2009 > Apresentação de livro de contos Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa > Entre a assistência, as antigas enfermeiras pára-quedistas Piedade e Giselda (esta última, honrando-nos com a sua presença na Tabanca Grande). No lado direito, o nosso camaradade Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71), abordando um tema delicado, as relações inter-étnicas no tempo da guerra colonial, e em particular entre guineenses e caboverdianos...
Lisboa > Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > 2º Ciclo de Conferências 'Memórias Literárias da Guerra Colonial' > 4 de Junho de 2009 > Apresentação de livro de contos Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa > Na primeira fila, o meu querido amigo e camarada José Martins (*).
Lisboa > Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > 4 de Junho de 2009 > 2º Ciclo de Conferências 'Memórias Literárias da Guerra Colonial' > Apresentação, pelo autor, Alberto Branquinho, do seu livro de contos Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa, 2ª ed. revista (Lisboa: SeteCaminhos, 2009). Na mesa, o autor, à esquerda, e o moderador, à direita.
Neste vídeo, o autor lê uma nota, manuscrita, em português, enviada por um guerrilheiro do PAIGC, Júlio M. Silva, para outro companheiro, Adelino Martins, combinando um encontro no ponto de cambança... A folha, em papel quadriculado e escrita a lápis, tinha sido dobrada várias vezes para permitir a sua dissimulação no vestuário (enfim, uma velha técnica da clandestinidade revolucinária) (Nota reproduzida em imagem, no livro, nas pp. 9-10).
O nosso Alberto foi um dos construtores do quartel de Gandembel (esteve, pelo menos, no seu início) e do de Gubia /Empada. Foi, além disso, um homem de andanças & cambanças, com "várias movimentações terrestres, fluviais e costeiras para outros quartéis-base de operações conjuntas (por ex., Bambadinca, Buba, Bedanda, Bafatá, Banjara)". A sua companhia andou por mais de 2/3 da então Guiné Portuguesa...
Vídeo (2' 57'') e fotos: © Luís Graça (2009). Direitos reservados
A malta da sua antiga companhia, CART 1689, não se reconhece nem tem que se reconhecer nessas histórias. São situações em ambiente de guerra, por onde perpassa tudo ou quase tudo o que é gerado pela guerra: as tensões entre os militares, a conflitualidade e a cumplicidade com a população local, a omnipresença da Pide, a administração colonial, entregue aos caboverdianos, que não tinha já qualquer capacidade de intervenção directa, o padre capelão, voluntário, franciscano, o médico 'desalinhado', as misérias e as grandezas dos homens, a morte, a deserção, o jogo, o medo, a paixão, o sexo, o doença, a coragem, o pensamento mágico, etc.
O Alberto também sabe utilizar, muito bem, as expressões correntes, coloquiais, do crioulo da Guiné e a vivacidade das falas da gente local, para dar autencidade, cor e até sabor às suas histórias. Veja-se , por exemplo, Feitiço (pp. 39-40) ou esta que é curtíssima e é uma pequena obra-prima (Paternidade instantânea, p. 25):
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Em sentido contrário aproximava-se uma mulher em adiantado estado de gravidez, caminhando com dificuldade, amparada ao muro.
O sargento, que estava a observá-la:
– Ó meu alferes, escute lá esta.
Então, dirigindo-se à mulher grávida:
– Eh mulher! Bô tem sanju na bariga…
Ela disparou imediatamente:
– É, noss’ sargenti. Fidju di bô.
[Sanju é macaco... LG]
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Agradeço a oferta que o autor me fez, do seu livro, com a respectiva dedicatória: " Para o 'Grande Chefe' Luís Graça com um abraço do Alberto Branquinho. 4 Jun 2009".
Outras publicaçõies do Alberto Branquinho:
PreTexto (edição de autor); SobreVivências (Lisboa, SeteCaminhos); e Contos com encontros (Lisboa, SeteCaminhos).
Terminamos com a reprodução de alguns comentários sobre as shorts stories do Alberto, já publicadas no nosso blogue, nestes últimos meses:
(...) A forma como escreves, (suave riacho escorrendo as palavras), é duma realidade extraordinária; simples e concisas, as tuas descrições são uma força e beleza desta Tabanca Grande. Continua e a Nossa Tabanca maior se tornará (...) (Mário Fitas, 28/10/2008)
(...) Alberto! Não te conhecia essa faceta de poeta. Estás a ser uma revelação. Aliás, é para isso que serve o nosso blogue, para nos conhecermo-nos melhor e para nos darmos a conhecer uns aos outros... Passei, em tempo de paz, por Gandembel, há uns vezes atrás, mas - esquisito! - senti o mesmo que tu, que lá estiveste em tempo de guerra: Gandembel (...) terra / ávida de sangue de sangue e água / prenhe de chumbo e cinza.
Obrigado, camarada! (...) (Luís Graça, 4/11/2008)
(...) Branquinho! Cinco linhas! Cinco estrelas! Genial! Vamos ter livro [... não imaginava que o livro já estava publicado, e que ia ser feita uma 2ª edição, revista]...
Amigos e camaradas: Eu sei que o talento (literário), a capacidade de, através das palavras, exprimir ideias e emoções, contar histórias, etc., não está distribuído de maneira equitativa por todos nós... Todos diferentes, todos iguais, mas todos importantes e imprescindíveis... Eu, por exemplo, não sei pregar um prego...
Por outro lado, o talento (literário) não tem posto nem galões... Saramago, o nosso Prémio Nobel da Literatura, foi operário metalúrgico...Mas o que importa é tentar ousar escrever, coisas simples, pequenas histórias, do nosso quotidiano da Guiné... Aprendamos com os melhores de nós... (Luís Graça, 21/11/2008)
(...) Perdeu-se o 1º comentário. Repito parte, dizendo ao homem que não fala dele nem do seu umbigo: Parece que um dia fiz um comentário um pouco agreste. Mas gosto muito deste e de outros escritos. Gosto e sinto-os, Camarada.
Dupla desculpa pelo hipotético e epidérmico comentário e pelo tratamento. Quando li o texto vieram-me à mente recordações de homens que nunca tiveram férias. Era duro. Recordei um do meu Grupo que, depois de muitas horas debaixo de fogo, com vinte e um meses de comissão veio até Bissau. Estava 'rebentado'. Era um dos bazuqueiros. Faleceu, pouco depois em acidente de viação. Nâo conheceu a filha... 'Visitei-o', talvez em Maio, numa aldeia próximo de Beja. Faço-o se por lá passo. Não tenho coragem de ver a filha. Que diabo de homens somos nós ou alguns de nós??? (...) (Torcato Mendonça, 26/11/2008)
(...) Alberto, estás um mestre: em duas pinceladas desenhas uma personagem e um contexto, e contas uma história com tensão dramática ... E, lacónico, sabes, com magia, falar de emoções que nos eram proibidas... Os nossos medos, a nossa angústia, a nossa culpa, os nossos ódios...
Quantos capitães, sobretudo milicianos (mas também do QP), não pensaram, no seu íntimo, seguir os passos do Silvério ? A maior parte não desertou... Mas quem, deles, se atreve a atirar a primeira pedra contra o Silvério, os Silvérios que, nas férias, foram para a França ou para a Suécia, não tendo regressado â Guiné ?
Não sei se haverá muitas histórias dessas, de companhias órfãs, que ficaram sem o seu capitão, a meio da comissão ou até mais cedo... Sei que muitas companhias, na Guiné, tiveram mais do que um comandante, algumas até três e quatro capitães... Havia outros recursos menos dolorosos, mais cómodos, do que a vergonhosa (para a família...) deserção: a psiquiatria, a cunha, o compadrio, a corrupção, etc.
Já aqui falámos de algumas dessas companhias: a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Torcato Mendonça; a CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) do Sousa de Castro... Haverá muitas mais...
O que não deixa de ser motivo de interrogação e inquietação: porquê tão elevada taxa de turnover (rotação) de capitães, milicianos [e do QP], na Guiné ?
Eis um bom assunto para a nossa série Controvérsias... Talvez o Jorge Picado, que foi até agora o único capitão miliciano, se não me engano, a dar a cara e a contar a sua história de vida [, sem esquecer o Vasco da Gama!...], queira e possa abordar este tema-tabu, escaldante, incómodo...
Alberto, vamos ter livro! Parabéns! Esta é uma das histórias que vou pôr na nossa antologia, quando um dia tivermos que fechar o blogue... (Luís Graça, 2/12/2008)
(...) Continua... continua os teus maravilhosos escritos, sem o teu umbigo. São estas de facto a verdade da História de um povo que, passados quarenta anos, continua ignorante do que foi a passagem de seus jovens de antanho por uma guerra.
Parabéns! Um abraço do tamanho de um AirBus (...) (Mário Fitas, 3/1/2009)
(...) Porra! Se eu não tivesse o azar de ter passado pela Guiné, diria este tipo está a mangar comigo.
Depois de começar a ler, revi-me no cabo Tomé, até ao ponto da reviravolta, quando eles, os nossos amigos entraram na festa e fiquei arrepiado.
Veio-me à memória o Conceição Caixeiro. Era de Lisboa, não bebia em demasia, era pacato e pachorrento, mas passava o tempo a cantar e a cantar morreu, sabes aonde? Na cagadeira, simplesmente porque estava a cagar, cantando como sempre e não ouviu a saída da granada que o vinha matar, nem o grito de vários colegas - Aí estão eles! Ficou-se, com a nuca desfeita de encontro à parede da rectaguarda e só meia hora depois, quando à porta da enfermaria eu gritava de contente - Filhos da puta ! cabrões ! não há feridos..., aparece o Pedro, que faleceu há dias e me disse: - Teixeira, vem comigo - e eu fui, para ficarmos os dois agarrados um ao outro a chorar, de desespero.
Ainda bem que escreveste. Quanto me ajudaste ! (Zé Teixeira, 5/2/09)
(...) São estes momentos, Alberto, Zé, Mário, que nenhuma televisão do mundo (muito menos a nossa RTP) conseguiu filmar... É um quadro portentoso sobre as nossas misérias e grandezas. Obrigado, Alberto, pelo teu talento, delicadeza, ternura e compaixão com que falas, não de ti, mas de todos nós, camaradas da Guiné. E viva a nossa Tabanca Grande, que nunca será nem poderá ser política, social e literariamente correcta... Nem nunca precisará de pôr um bolinha vermelha ao canto superior direito... Que o nosso quotidiano também era feito de merda, umbigos, cus, caralhos, tomates, nervos, fel, coração, massa encefálica, medos e coragens, alegria e tristeza, vida e morte... E, acima de tudo, camaradagem, o cimento que nos unia, para lá de todas as nossas diferenças, reais e imaginárias... (Luís Graça, 5/2/09)
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4448: Agenda Cultural (15): 2º Ciclo de Conferências “Memórias Literárias da Guerra Colonial”, em 4 de Junho (Alberto Branquinho)
27 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4592: Bibliografia de uma guerra (51): "Cambança" de autoria de Alberto Branquinho (José Martins)
(**) Joana Ruas, autora do romance A Pele dos Séculos:
"A Pele dos Séculos narra a lenta e dolorosa caminhada dos Africanos pela conquista de uma Pátria. O romance constrói-se sobre a densa trama de ideais com que se vão desenhando, em sangue e lágrimas, os novos rumos do futuro de África: encruzilhada de Povos e de Séculos. Através dos seus personagens, Joana Ruas analisa, numa Guiné Portuguesa dilacerada pela guerra movida contra o movimento nacionalista, as forças que se agitavam no seio da sociedade guineense e que se iam aglutinando no PAIGC liderado por Amílcar Cabral. Do riquíssimo mosaico de culturas e de religiões da região nos vão chegando os personagens com os seus sonhos de liberdade, a sua história e os seus dramas. A romancista capta a vigorosa e fecunda esperança dos guineenses no devir da Guiné como nação africana nascida da Luta de Libertação Nacional". (Sinopse da responsabilidade da editora)
Editora: Caminho. Local: Lisboa. Ano: Julho de 2001 (1ª ed.). Colecção: O Campo da Palavra, 120. Nº pp: 375. Preço: c. 21 €
(***) Vd. postes da série:
30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2903: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (1): Palavras e expressões do crioulo
12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2931: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (2): Da solidão de pides, padres, administradores, mascotes...
1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3011: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (3): Fornilhos e despojos humanos
22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3081: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (4): Os meninos à volta da fogueira...
1 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3160: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (5): (Des)temor...
3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3166: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (6): Tempos Modernos.
22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...
28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3368: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (8): Navegações...
3 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3395: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (9): Tempo de Gandembel...(Alberto Branquinho)
21 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3493: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (10): Eh mulher! Bó tem sanju na barriga... (Alberto Branquinho)
26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3521: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (11): Um cabo que conheceu Bissau vinte e três meses depois... (Alberto Branquinho)
2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...
11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3603: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (13): Quatro actos para um ponto de vista...
22 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3663: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (14): Jubi, bô tem dos ôbo na mão?
29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3680: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (15): Uma história real.
7 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3708: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (16): Uma retirada ordeira e silenciosa.
17 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3753: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (17): com a arma na mão e o credo na boca. (Alberto Branquinho)
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3805: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (18): O doutor não tem um remédio para a guerra?
5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3845: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (19): O aniversário do Cabo Tomé
3 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4138: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (20): Vultos na noite
24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4243: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (21): Poema à volta do umbigo
Neste vídeo, o autor lê uma nota, manuscrita, em português, enviada por um guerrilheiro do PAIGC, Júlio M. Silva, para outro companheiro, Adelino Martins, combinando um encontro no ponto de cambança... A folha, em papel quadriculado e escrita a lápis, tinha sido dobrada várias vezes para permitir a sua dissimulação no vestuário (enfim, uma velha técnica da clandestinidade revolucinária) (Nota reproduzida em imagem, no livro, nas pp. 9-10).
O nosso Alberto foi um dos construtores do quartel de Gandembel (esteve, pelo menos, no seu início) e do de Gubia /Empada. Foi, além disso, um homem de andanças & cambanças, com "várias movimentações terrestres, fluviais e costeiras para outros quartéis-base de operações conjuntas (por ex., Bambadinca, Buba, Bedanda, Bafatá, Banjara)". A sua companhia andou por mais de 2/3 da então Guiné Portuguesa...
Vídeo (2' 57'') e fotos: © Luís Graça (2009). Direitos reservados
Cambança deriva de cambar, v. intr., passar para o outro lado (do rio); termo náutico: mudar (as escotas das velas) para o lado oposto quando se muda a direcção da embarcação (Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Curiosamente, o substantivo cambança, vocábulo crioulo da Guiné, não consta do Houaiss... Imperdoável...
O livro, de menos 100 pp., é apresentado como "um conjunto de pequenas histórias em tempo de guerra colonial, na Guiné"... Cerca de 30, ao todo. Meia dúzia são de antologia. O livro lê-se de um trago.
Algumas dessas histórias, embora não necessariamente com o mesmo título, já foram aqui reproduzidas no nosso blogue, na série Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (série que esteve activa durante quase um ano, de 30 de Maio de 2008 a 21 de Abril de 2009), e de que se publicaram 21 postes (***).
Recordo, a título de exemplo ou a talhe de foice, reportando-me ao livro:
- Paternidade instantânea (p. 25) (vd. poste de 21/11/08);
- O aniversário do Cabo Tomé (pp. 26.-29) (vd. poste de 5/2/09)
- Nosso cabo Abel bai na Bissau (pp. 33-35) (vd. poste de 26/11/08)
- Vultos na noite (pp. 30-32) (vd. poste de 3/4/09).
- Fuga para lá (menor ?) (pp. 36-38) (vd. poste de 2/12/08)
O Alberto não escreveu estas histórias na Guiné, mas sim muito mais tarde, em Lisboa onde fez a sua vida profissional. Faz questão de sublinhar que são ficção, pura e simples. Os lugares, os rios e as personagens não existem (O que não é inteiramente verdade: não é difícil reconhecer Catió, no conto Bene trovato / male trovato (pp. 74-77. Ou Bafatá... A única cidade que é referida explicitamente é Bissau).O livro, de menos 100 pp., é apresentado como "um conjunto de pequenas histórias em tempo de guerra colonial, na Guiné"... Cerca de 30, ao todo. Meia dúzia são de antologia. O livro lê-se de um trago.
Algumas dessas histórias, embora não necessariamente com o mesmo título, já foram aqui reproduzidas no nosso blogue, na série Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (série que esteve activa durante quase um ano, de 30 de Maio de 2008 a 21 de Abril de 2009), e de que se publicaram 21 postes (***).
Recordo, a título de exemplo ou a talhe de foice, reportando-me ao livro:
- Paternidade instantânea (p. 25) (vd. poste de 21/11/08);
- O aniversário do Cabo Tomé (pp. 26.-29) (vd. poste de 5/2/09)
- Nosso cabo Abel bai na Bissau (pp. 33-35) (vd. poste de 26/11/08)
- Vultos na noite (pp. 30-32) (vd. poste de 3/4/09).
- Fuga para lá (menor ?) (pp. 36-38) (vd. poste de 2/12/08)
A malta da sua antiga companhia, CART 1689, não se reconhece nem tem que se reconhecer nessas histórias. São situações em ambiente de guerra, por onde perpassa tudo ou quase tudo o que é gerado pela guerra: as tensões entre os militares, a conflitualidade e a cumplicidade com a população local, a omnipresença da Pide, a administração colonial, entregue aos caboverdianos, que não tinha já qualquer capacidade de intervenção directa, o padre capelão, voluntário, franciscano, o médico 'desalinhado', as misérias e as grandezas dos homens, a morte, a deserção, o jogo, o medo, a paixão, o sexo, o doença, a coragem, o pensamento mágico, etc.
O Alberto também sabe utilizar, muito bem, as expressões correntes, coloquiais, do crioulo da Guiné e a vivacidade das falas da gente local, para dar autencidade, cor e até sabor às suas histórias. Veja-se , por exemplo, Feitiço (pp. 39-40) ou esta que é curtíssima e é uma pequena obra-prima (Paternidade instantânea, p. 25):
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Em sentido contrário aproximava-se uma mulher em adiantado estado de gravidez, caminhando com dificuldade, amparada ao muro.
O sargento, que estava a observá-la:
– Ó meu alferes, escute lá esta.
Então, dirigindo-se à mulher grávida:
– Eh mulher! Bô tem sanju na bariga…
Ela disparou imediatamente:
– É, noss’ sargenti. Fidju di bô.
[Sanju é macaco... LG]
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Agradeço a oferta que o autor me fez, do seu livro, com a respectiva dedicatória: " Para o 'Grande Chefe' Luís Graça com um abraço do Alberto Branquinho. 4 Jun 2009".
Outras publicaçõies do Alberto Branquinho:
PreTexto (edição de autor); SobreVivências (Lisboa, SeteCaminhos); e Contos com encontros (Lisboa, SeteCaminhos).
Terminamos com a reprodução de alguns comentários sobre as shorts stories do Alberto, já publicadas no nosso blogue, nestes últimos meses:
(...) A forma como escreves, (suave riacho escorrendo as palavras), é duma realidade extraordinária; simples e concisas, as tuas descrições são uma força e beleza desta Tabanca Grande. Continua e a Nossa Tabanca maior se tornará (...) (Mário Fitas, 28/10/2008)
(...) Alberto! Não te conhecia essa faceta de poeta. Estás a ser uma revelação. Aliás, é para isso que serve o nosso blogue, para nos conhecermo-nos melhor e para nos darmos a conhecer uns aos outros... Passei, em tempo de paz, por Gandembel, há uns vezes atrás, mas - esquisito! - senti o mesmo que tu, que lá estiveste em tempo de guerra: Gandembel (...) terra / ávida de sangue de sangue e água / prenhe de chumbo e cinza.
Obrigado, camarada! (...) (Luís Graça, 4/11/2008)
(...) Branquinho! Cinco linhas! Cinco estrelas! Genial! Vamos ter livro [... não imaginava que o livro já estava publicado, e que ia ser feita uma 2ª edição, revista]...
Amigos e camaradas: Eu sei que o talento (literário), a capacidade de, através das palavras, exprimir ideias e emoções, contar histórias, etc., não está distribuído de maneira equitativa por todos nós... Todos diferentes, todos iguais, mas todos importantes e imprescindíveis... Eu, por exemplo, não sei pregar um prego...
Por outro lado, o talento (literário) não tem posto nem galões... Saramago, o nosso Prémio Nobel da Literatura, foi operário metalúrgico...Mas o que importa é tentar ousar escrever, coisas simples, pequenas histórias, do nosso quotidiano da Guiné... Aprendamos com os melhores de nós... (Luís Graça, 21/11/2008)
(...) Perdeu-se o 1º comentário. Repito parte, dizendo ao homem que não fala dele nem do seu umbigo: Parece que um dia fiz um comentário um pouco agreste. Mas gosto muito deste e de outros escritos. Gosto e sinto-os, Camarada.
Dupla desculpa pelo hipotético e epidérmico comentário e pelo tratamento. Quando li o texto vieram-me à mente recordações de homens que nunca tiveram férias. Era duro. Recordei um do meu Grupo que, depois de muitas horas debaixo de fogo, com vinte e um meses de comissão veio até Bissau. Estava 'rebentado'. Era um dos bazuqueiros. Faleceu, pouco depois em acidente de viação. Nâo conheceu a filha... 'Visitei-o', talvez em Maio, numa aldeia próximo de Beja. Faço-o se por lá passo. Não tenho coragem de ver a filha. Que diabo de homens somos nós ou alguns de nós??? (...) (Torcato Mendonça, 26/11/2008)
(...) Alberto, estás um mestre: em duas pinceladas desenhas uma personagem e um contexto, e contas uma história com tensão dramática ... E, lacónico, sabes, com magia, falar de emoções que nos eram proibidas... Os nossos medos, a nossa angústia, a nossa culpa, os nossos ódios...
Quantos capitães, sobretudo milicianos (mas também do QP), não pensaram, no seu íntimo, seguir os passos do Silvério ? A maior parte não desertou... Mas quem, deles, se atreve a atirar a primeira pedra contra o Silvério, os Silvérios que, nas férias, foram para a França ou para a Suécia, não tendo regressado â Guiné ?
Não sei se haverá muitas histórias dessas, de companhias órfãs, que ficaram sem o seu capitão, a meio da comissão ou até mais cedo... Sei que muitas companhias, na Guiné, tiveram mais do que um comandante, algumas até três e quatro capitães... Havia outros recursos menos dolorosos, mais cómodos, do que a vergonhosa (para a família...) deserção: a psiquiatria, a cunha, o compadrio, a corrupção, etc.
Já aqui falámos de algumas dessas companhias: a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Torcato Mendonça; a CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) do Sousa de Castro... Haverá muitas mais...
O que não deixa de ser motivo de interrogação e inquietação: porquê tão elevada taxa de turnover (rotação) de capitães, milicianos [e do QP], na Guiné ?
Eis um bom assunto para a nossa série Controvérsias... Talvez o Jorge Picado, que foi até agora o único capitão miliciano, se não me engano, a dar a cara e a contar a sua história de vida [, sem esquecer o Vasco da Gama!...], queira e possa abordar este tema-tabu, escaldante, incómodo...
Alberto, vamos ter livro! Parabéns! Esta é uma das histórias que vou pôr na nossa antologia, quando um dia tivermos que fechar o blogue... (Luís Graça, 2/12/2008)
(...) Continua... continua os teus maravilhosos escritos, sem o teu umbigo. São estas de facto a verdade da História de um povo que, passados quarenta anos, continua ignorante do que foi a passagem de seus jovens de antanho por uma guerra.
Parabéns! Um abraço do tamanho de um AirBus (...) (Mário Fitas, 3/1/2009)
(...) Porra! Se eu não tivesse o azar de ter passado pela Guiné, diria este tipo está a mangar comigo.
Depois de começar a ler, revi-me no cabo Tomé, até ao ponto da reviravolta, quando eles, os nossos amigos entraram na festa e fiquei arrepiado.
Veio-me à memória o Conceição Caixeiro. Era de Lisboa, não bebia em demasia, era pacato e pachorrento, mas passava o tempo a cantar e a cantar morreu, sabes aonde? Na cagadeira, simplesmente porque estava a cagar, cantando como sempre e não ouviu a saída da granada que o vinha matar, nem o grito de vários colegas - Aí estão eles! Ficou-se, com a nuca desfeita de encontro à parede da rectaguarda e só meia hora depois, quando à porta da enfermaria eu gritava de contente - Filhos da puta ! cabrões ! não há feridos..., aparece o Pedro, que faleceu há dias e me disse: - Teixeira, vem comigo - e eu fui, para ficarmos os dois agarrados um ao outro a chorar, de desespero.
Ainda bem que escreveste. Quanto me ajudaste ! (Zé Teixeira, 5/2/09)
(...) São estes momentos, Alberto, Zé, Mário, que nenhuma televisão do mundo (muito menos a nossa RTP) conseguiu filmar... É um quadro portentoso sobre as nossas misérias e grandezas. Obrigado, Alberto, pelo teu talento, delicadeza, ternura e compaixão com que falas, não de ti, mas de todos nós, camaradas da Guiné. E viva a nossa Tabanca Grande, que nunca será nem poderá ser política, social e literariamente correcta... Nem nunca precisará de pôr um bolinha vermelha ao canto superior direito... Que o nosso quotidiano também era feito de merda, umbigos, cus, caralhos, tomates, nervos, fel, coração, massa encefálica, medos e coragens, alegria e tristeza, vida e morte... E, acima de tudo, camaradagem, o cimento que nos unia, para lá de todas as nossas diferenças, reais e imaginárias... (Luís Graça, 5/2/09)
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4448: Agenda Cultural (15): 2º Ciclo de Conferências “Memórias Literárias da Guerra Colonial”, em 4 de Junho (Alberto Branquinho)
27 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4592: Bibliografia de uma guerra (51): "Cambança" de autoria de Alberto Branquinho (José Martins)
(**) Joana Ruas, autora do romance A Pele dos Séculos:
"A Pele dos Séculos narra a lenta e dolorosa caminhada dos Africanos pela conquista de uma Pátria. O romance constrói-se sobre a densa trama de ideais com que se vão desenhando, em sangue e lágrimas, os novos rumos do futuro de África: encruzilhada de Povos e de Séculos. Através dos seus personagens, Joana Ruas analisa, numa Guiné Portuguesa dilacerada pela guerra movida contra o movimento nacionalista, as forças que se agitavam no seio da sociedade guineense e que se iam aglutinando no PAIGC liderado por Amílcar Cabral. Do riquíssimo mosaico de culturas e de religiões da região nos vão chegando os personagens com os seus sonhos de liberdade, a sua história e os seus dramas. A romancista capta a vigorosa e fecunda esperança dos guineenses no devir da Guiné como nação africana nascida da Luta de Libertação Nacional". (Sinopse da responsabilidade da editora)
Editora: Caminho. Local: Lisboa. Ano: Julho de 2001 (1ª ed.). Colecção: O Campo da Palavra, 120. Nº pp: 375. Preço: c. 21 €
(***) Vd. postes da série:
30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2903: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (1): Palavras e expressões do crioulo
12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2931: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (2): Da solidão de pides, padres, administradores, mascotes...
1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3011: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (3): Fornilhos e despojos humanos
22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3081: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (4): Os meninos à volta da fogueira...
1 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3160: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (5): (Des)temor...
3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3166: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (6): Tempos Modernos.
22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...
28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3368: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (8): Navegações...
3 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3395: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (9): Tempo de Gandembel...(Alberto Branquinho)
21 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3493: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (10): Eh mulher! Bó tem sanju na barriga... (Alberto Branquinho)
26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3521: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (11): Um cabo que conheceu Bissau vinte e três meses depois... (Alberto Branquinho)
2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...
11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3603: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (13): Quatro actos para um ponto de vista...
22 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3663: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (14): Jubi, bô tem dos ôbo na mão?
29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3680: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (15): Uma história real.
7 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3708: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (16): Uma retirada ordeira e silenciosa.
17 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3753: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (17): com a arma na mão e o credo na boca. (Alberto Branquinho)
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3805: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (18): O doutor não tem um remédio para a guerra?
5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3845: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (19): O aniversário do Cabo Tomé
3 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4138: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (20): Vultos na noite
24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4243: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (21): Poema à volta do umbigo
Guiné 63/74 - P4626: Estórias avulsas (37): Quando um cabo da PM me deu ordem de prisão, em Bissau (Armandino ALves)
1. O Armandino Alves que foi 1º Cabo Enf da CCAÇ 1589 (1966/68), em Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, enviou-nos mais uma interessante estória, em 30JUN2009:
Camaradas,
Tenho-me dedicado a ler os vários postes publicados e admiro-me como existem camaradas, que conseguem contar ao pormenor factos passados há tantos anos.
Quando foi necessário escrever a História da Companhia de Caçadores 1589, desde a sua formação, embarque, desembarque, operações efectuadas e quejandos, o Capitão da Companhia incumbiu o Alferes Leitão de o fazer.
Só que o referido Alferes não sabia escrever à máquina e teve de arranjar uma “vítima”.
Tocou-me a mim essa tarefa, que só era feita depois do jantar na secretaria da unidade e com tudo fechado, pois era considerado “sigilo militar”.
Os textos eram dactilografados em quintuplicado, e era necessário estar sempre a mudar os químicos, senão a 4ª e 5ª cópias ficavam ilegíveis.
Foram dias e dias nesta azáfama e que custavam ao alferes, 1 “bazuca” e duas sandes de atum por dia.
Mas lá me desenrasquei e conseguimos dar o serviço pronto, a tempo e horas, para ser entregue no QG.
Agora os meus amigos acreditam que eu não me lembro de nada do que escrevi então?
Bem sei que naquele tempo uma ordem para esquecer, era mesmo para esquecer.
O que hoje eu escrevo é sobre o que me lembro e basicamente por aquilo que passei, pois a Companhia realizou várias operações, de que eu não sei sequer os nomes de código e as datas, quanto mais o que nelas aconteceu, pois naquela altura quanto menos pormenores soubéssemos melhor.
Uma vez em Bissau, num domingo, fui dar uma volta, beber umas “bazucas”. Quando achei que eram horas de regressar ao 600, lá vinha eu no meu vagar a pé por ali fora, devidamente uniformizado a pensar na minha vida e, ao passar na Praça do Império, não reparei que estavam a arriar a bandeira nacional no Palácio do Governador.
Surgiu então ali, em grande velocidade, um jipe da PM, do qual saltou um Cabo e me interpelou sobre o motivo, porque é que eu não tinha parado e feito a continência à nossa bandeira.
Expliquei-lhe que não tinha ouvido o toque, porque vinha a pensar noutras coisas, e nem sequer tinha reparado que estavam a arriar a bandeira. O Cabo não esteve com meias medidas e deu-me voz de prisão.
A minha sorte, foi que, em vez de me levarem para o QG, levaram-me para o 600 onde estava como oficial de dia o meu Capitão.
Foi estes último que me safou de uns dias de detenção.
Armandino Alves
1º Cabo Enf CCAÇ 1589
_____________
Notas de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
29 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4601: Estórias avulsas (36): O insólito aconteceu (Rui A. Ferreira)
Guiné 63/74 - P4625: Tabanca Grande (157): Constantino Costa (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/74)
1. Mensagens de Constantino Costa, ex-Sold, CCav 8350 (Guileje e Gadamael, 1972/73), residente em São João da Madeira:
16 de Junho de 2009:
Caro Luís Graça;
Cá recebi o teu e-mail e de imediato passo a reenviar o texto e as fotos por ti pedidas.
Luís, tive conhecimento dos teus telefonemas, mas como não me encontrava em casa foi-me impossível falar contigo.
Oportunamente teremos a oportunidade de falar e esclarecer algum mal entendido.
Recebe um forte abraço deste teu camarada.
Constantino
2. Resposta, a 17 de Junho, do editor L.G.:
Caro Constantino, meu camarada:
Finalmente consegui ler o teu texto, que vou naturalmente publicar. Fico feliz por saber que aceitas o meu convite para integrar o nosso blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (*). Devo dizer-te que nunca condicionei a publicação deste teu texto à tua adesão à nossa Tabanca Grande e à entrega das fotos da praxe...
É verdade que há camaradas em falta, mas devo dizer-te
que a nossa fotogaleria não está actualizada por razões técnicas...
Somos hoje mais de 340... As fotos servem para isso mesmo, dar a cara, quando alguém é apresentado como novo membro da Tabanca Grande e sempre que se publica um novo texto (poste) do autor...
Em breve terás mais notícias. Depois telefono-te. Não queres aparecer no nosso IV Encontro Nacional, no sábado dia 20 [, de Junho,] na Ortigosa, Monte Real ? Um Alfa Bravo (abraço). Luís
3. A 15 de Junho tinha-lhe pedido que me mandasse um ficheiro compatível com o meu sistema operativo:
Meu caro Constantino:
Já estamos a comunicar melhor e a fazer progressos... Infelizmente não consigo abrir o teu ficheiro Constantino Costa (direito de resposta).odt
Deve ser por causa da extensão.odt... Não podes mandar noutro formato ? Doc, text, rff..
Tento falar contigo por duas ou três vezes no domingo... Não está em causa "o teu direito de resposta"... Vou publicar o teu longo texto, mas com os necessários comentários... Devolve-me, rápido, o ficheiro.odt. Recebe uma abraço (sem ressentimentos...) do Luís Graça...
4. O texto que o Constantino me enviou, para publicação (e que vai ser publicado em duas partes na série Dossiê Guileje / Gadamael 1973), começa assim:
Camarada Luís Graça,
Tal como me solicitaste, apresento a minha versão dos factos (por mim vividos no presente do indicativo), em Guileje e Gadamael.
Também penso ser correcto tratar-vos por tu, pedindo a minha adesão como tertuliano, para o que enviarei as fotos pedidas.
Relativamente aos comentários, críticas e direi mesmo insultos, que me foram dirigidos (**), sinto-me no direito de tecer algumas considerações que, espero, tenhas a amabilidade de publicar também no blogue.
Constantino
P.S. Permito-me estranhar o facto de alguns dos tertulianos não necessitarem de enviar fotos aquando da sua admissão.
Nota: Junto anexo duas fotografias.
Constantino Costa,
Soldado nº. 127935,
Ccav 8350, Piratas de Guileje,
Guileje/Gadamael
(Indica, além do e-mail, o endereço postal e os contactos telefónicos, que vamos aui divulgar, sendo informação reservada, disponível apenas na nossa base de dados)
5. Comentário de L.G.:
Constantino:
As nossas dificuldades iniciais de comunicação e relacionamento estão ultrapassadas. Estás apresentado à nossa Tabanca Grande, mesmo que a tua entrada tenha sido feita de maneira menos ortodoxa do aquela que seria de esperar... O que importa é que aqui estamos, sem ressentimentos, de parte a parte. Este é um espaço de partilha, e não de ruptura.
Agora já podes sentar-te à sombra do poilão e começares a contar a tua história... A tua versão é importante para reconstituir o puzzle dos acontecimentos de Guileje / Gadamael Maio/Junho de 1973... Os teus amigos e camaradas da Guiné irão, de certo, ler-te com particular atenção e interesse. Aguarda, a partir de agora, a publicação do teu texto, que dividi em duas partes por razões técnicas.
Espero que te sintas em casa. Recebe um Alfa Bravo do editor, e teu camarada, Luís Graça.
___________
Notas de L.G.:
(*) Último poste da série Tabanca Grande > 28 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4596: Tabanca Grande (156): O açoriano Tomás Carneiro, ex-1º Cabo Cond Auto, CCAÇ 4745 (Binta, 1973/74)
(**) 5 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4282: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (11): Heróis... (Constantino Costa, Sold CCav 8350, 1972/74)
16 de Junho de 2009:
Caro Luís Graça;
Cá recebi o teu e-mail e de imediato passo a reenviar o texto e as fotos por ti pedidas.
Luís, tive conhecimento dos teus telefonemas, mas como não me encontrava em casa foi-me impossível falar contigo.
Oportunamente teremos a oportunidade de falar e esclarecer algum mal entendido.
Recebe um forte abraço deste teu camarada.
Constantino
2. Resposta, a 17 de Junho, do editor L.G.:
Caro Constantino, meu camarada:
Finalmente consegui ler o teu texto, que vou naturalmente publicar. Fico feliz por saber que aceitas o meu convite para integrar o nosso blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (*). Devo dizer-te que nunca condicionei a publicação deste teu texto à tua adesão à nossa Tabanca Grande e à entrega das fotos da praxe...
É verdade que há camaradas em falta, mas devo dizer-te
que a nossa fotogaleria não está actualizada por razões técnicas...
Somos hoje mais de 340... As fotos servem para isso mesmo, dar a cara, quando alguém é apresentado como novo membro da Tabanca Grande e sempre que se publica um novo texto (poste) do autor...
Em breve terás mais notícias. Depois telefono-te. Não queres aparecer no nosso IV Encontro Nacional, no sábado dia 20 [, de Junho,] na Ortigosa, Monte Real ? Um Alfa Bravo (abraço). Luís
3. A 15 de Junho tinha-lhe pedido que me mandasse um ficheiro compatível com o meu sistema operativo:
Meu caro Constantino:
Já estamos a comunicar melhor e a fazer progressos... Infelizmente não consigo abrir o teu ficheiro Constantino Costa (direito de resposta).odt
Deve ser por causa da extensão.odt... Não podes mandar noutro formato ? Doc, text, rff..
Tento falar contigo por duas ou três vezes no domingo... Não está em causa "o teu direito de resposta"... Vou publicar o teu longo texto, mas com os necessários comentários... Devolve-me, rápido, o ficheiro.odt. Recebe uma abraço (sem ressentimentos...) do Luís Graça...
4. O texto que o Constantino me enviou, para publicação (e que vai ser publicado em duas partes na série Dossiê Guileje / Gadamael 1973), começa assim:
Camarada Luís Graça,
Tal como me solicitaste, apresento a minha versão dos factos (por mim vividos no presente do indicativo), em Guileje e Gadamael.
Também penso ser correcto tratar-vos por tu, pedindo a minha adesão como tertuliano, para o que enviarei as fotos pedidas.
Relativamente aos comentários, críticas e direi mesmo insultos, que me foram dirigidos (**), sinto-me no direito de tecer algumas considerações que, espero, tenhas a amabilidade de publicar também no blogue.
Constantino
P.S. Permito-me estranhar o facto de alguns dos tertulianos não necessitarem de enviar fotos aquando da sua admissão.
Nota: Junto anexo duas fotografias.
Constantino Costa,
Soldado nº. 127935,
Ccav 8350, Piratas de Guileje,
Guileje/Gadamael
(Indica, além do e-mail, o endereço postal e os contactos telefónicos, que vamos aui divulgar, sendo informação reservada, disponível apenas na nossa base de dados)
5. Comentário de L.G.:
Constantino:
As nossas dificuldades iniciais de comunicação e relacionamento estão ultrapassadas. Estás apresentado à nossa Tabanca Grande, mesmo que a tua entrada tenha sido feita de maneira menos ortodoxa do aquela que seria de esperar... O que importa é que aqui estamos, sem ressentimentos, de parte a parte. Este é um espaço de partilha, e não de ruptura.
Agora já podes sentar-te à sombra do poilão e começares a contar a tua história... A tua versão é importante para reconstituir o puzzle dos acontecimentos de Guileje / Gadamael Maio/Junho de 1973... Os teus amigos e camaradas da Guiné irão, de certo, ler-te com particular atenção e interesse. Aguarda, a partir de agora, a publicação do teu texto, que dividi em duas partes por razões técnicas.
Espero que te sintas em casa. Recebe um Alfa Bravo do editor, e teu camarada, Luís Graça.
___________
Notas de L.G.:
(*) Último poste da série Tabanca Grande > 28 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4596: Tabanca Grande (156): O açoriano Tomás Carneiro, ex-1º Cabo Cond Auto, CCAÇ 4745 (Binta, 1973/74)
(**) 5 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4282: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (11): Heróis... (Constantino Costa, Sold CCav 8350, 1972/74)
Guiné 63/74 - P4624: Blogoterapia (112): Saudades de outra idade (Juvenal Amado)
1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74 (*), com data de 28 de Junho de 2009:
Caros Luis, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca Grande
Após a festa maravilhosa na Ortigosa, voltamos aos nossos afazeres com mais ânimo.
Esteve de parabéns a organização. Fez roer de inveja os que não puderam ir. Mas para o ano há mais, não fiquem tristes.
Quanto aos nossos passados junto com as minhas recordações, aproveito para enviar algumas fotos, que me foram dadas pelo Médico Vieira Coelho e o ex-Alf Mil Vasconcelos.
Tenho mais mas vou enviar a pouco pouco.
Sem mais.
Abraços
Juvenal Amado
Catedral de Bissau
Rua de Bissau
Avenida de Bissau. Ao cimo o Palácio do Governador
Rua de Bafatá
Da esquerda para a direita: Dr P. Coelho, Alf Mil Vasconcelos, Veiga e Parente
A caminho do Dulombi
Picagem para o Dulombi
Padre Nuno, e os ex-Alf Mil Brás, Farinha e Vasconcelos
Fotos (e legendas): © Vieira Coelho e Vasconcelos (2009). Direitos reservados
SAUDADES DE OUTRA IDADE
Hoje olhei ao espelho e não me reconheci
O rosto reflectido é de um desconhecido, na minha cabeça ainda habita outro homem e outra imagem.
Recordei outro tempo e tive saudade.
Saudade dos remoínhos de vento
Das chuvas que se seguiam
Dos corpos jovens, que corriam para essas primeiras chuvas em busca de uma pretensa frescura.
Ficávamos todos sujos de terra mas não fazia mal.
Saudade dos enormes cogumelos apanhados pelo piriquito algarvio.
"Parecem os mesmos lá da terra, só que são maiores", amanhã acordamos todos mortos sentenciava o Aljustrel.
Depois daquela primeira vez, desapareceram todos os cogumelos de Galomaro.
Saudade do Tenente Raposo e da sua ingenuidade.
Da Jarulema da mancarra. "Jarulena parte punho, parte mancarra" - "heinnnn nosso cabo cátem cabeça! Manga de calabanta! Filho di puta eu finta cadera a bó".
Dos risos.
Da pequena Mariama que essa sim tinha a certeza de gostar de mim. Os pés pequeninos vaidosos com chinelos cor de laranja.
Saudades do Teixeira, a rir-se de me ver com os tomates quase em sangue de tanto os coçar. Momentos depois desceu da Berliet e morreu naquele local, que possivelmente ninguém sabe onde fica.
As marca do sangue e o cheiro, já desapareceu à muito.
Saudade das cervejas de litro, bebidas quase de um trago só com o desespero da sede, que não se acalma.
O bife no Regala.
Das bajudas quase nuas qual estátuas de pele acetinada e seios como laranjas sumarentas.
Saudade do restaurante do Libanês em Bafatá.
Do mercado
Saudades dos cheiros, aventura e talvez da incerteza.
Estar deitado e ouvir o desarme da G3, quando a patrulha nocturna regressava. Estavam todos em casa, tudo tinha corrido bem.
Saudades da algazarra do pelotão de sapadores, que discutiam horas a fio por tudo e por nada.
Saudades do Mota, foi evacuado para não mais voltar.
Foi para a guerra e morre de doença, que não perdoou àquele homem afável e culto.
Saudades do pão do Léio, que carteiro na vida civil veio a morrer atropelado em Lisboa já depois de regressado.
Saudades do Sertã do Pel Rec com o seu sorriso simples, que emprestava dinheiro a mim e ao Ivo quando pré ficava curto. Há pessoas que nunca chega e a outros que nunca falta.
Os meninos com barriga grande da fome, a alegria nos seus olhos por um pouco dos nossos restos.
Saudade da lavadeira, que me trazia os botões cozidos com linha um de cada cor.
Não tenho saudade da guerra mas sim de outra idade.
Juvenal Amado
28.06.009
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 11 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4509: Estórias do Juvenal Amado (17): Ataque a Campata
Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4617: Blogoterapia (111): Divulgando o nosso blogue junto de Camaradas que combateram em Angola (Valentim Oliveira)
Caros Luis, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca Grande
Após a festa maravilhosa na Ortigosa, voltamos aos nossos afazeres com mais ânimo.
Esteve de parabéns a organização. Fez roer de inveja os que não puderam ir. Mas para o ano há mais, não fiquem tristes.
Quanto aos nossos passados junto com as minhas recordações, aproveito para enviar algumas fotos, que me foram dadas pelo Médico Vieira Coelho e o ex-Alf Mil Vasconcelos.
Tenho mais mas vou enviar a pouco pouco.
Sem mais.
Abraços
Juvenal Amado
Catedral de Bissau
Rua de Bissau
Avenida de Bissau. Ao cimo o Palácio do Governador
Rua de Bafatá
Da esquerda para a direita: Dr P. Coelho, Alf Mil Vasconcelos, Veiga e Parente
A caminho do Dulombi
Picagem para o Dulombi
Padre Nuno, e os ex-Alf Mil Brás, Farinha e Vasconcelos
Fotos (e legendas): © Vieira Coelho e Vasconcelos (2009). Direitos reservados
SAUDADES DE OUTRA IDADE
Hoje olhei ao espelho e não me reconheci
O rosto reflectido é de um desconhecido, na minha cabeça ainda habita outro homem e outra imagem.
Recordei outro tempo e tive saudade.
Saudade dos remoínhos de vento
Das chuvas que se seguiam
Dos corpos jovens, que corriam para essas primeiras chuvas em busca de uma pretensa frescura.
Ficávamos todos sujos de terra mas não fazia mal.
Saudade dos enormes cogumelos apanhados pelo piriquito algarvio.
"Parecem os mesmos lá da terra, só que são maiores", amanhã acordamos todos mortos sentenciava o Aljustrel.
Depois daquela primeira vez, desapareceram todos os cogumelos de Galomaro.
Saudade do Tenente Raposo e da sua ingenuidade.
Da Jarulema da mancarra. "Jarulena parte punho, parte mancarra" - "heinnnn nosso cabo cátem cabeça! Manga de calabanta! Filho di puta eu finta cadera a bó".
Dos risos.
Da pequena Mariama que essa sim tinha a certeza de gostar de mim. Os pés pequeninos vaidosos com chinelos cor de laranja.
Saudades do Teixeira, a rir-se de me ver com os tomates quase em sangue de tanto os coçar. Momentos depois desceu da Berliet e morreu naquele local, que possivelmente ninguém sabe onde fica.
As marca do sangue e o cheiro, já desapareceu à muito.
Saudade das cervejas de litro, bebidas quase de um trago só com o desespero da sede, que não se acalma.
O bife no Regala.
Das bajudas quase nuas qual estátuas de pele acetinada e seios como laranjas sumarentas.
Saudade do restaurante do Libanês em Bafatá.
Do mercado
Saudades dos cheiros, aventura e talvez da incerteza.
Estar deitado e ouvir o desarme da G3, quando a patrulha nocturna regressava. Estavam todos em casa, tudo tinha corrido bem.
Saudades da algazarra do pelotão de sapadores, que discutiam horas a fio por tudo e por nada.
Saudades do Mota, foi evacuado para não mais voltar.
Foi para a guerra e morre de doença, que não perdoou àquele homem afável e culto.
Saudades do pão do Léio, que carteiro na vida civil veio a morrer atropelado em Lisboa já depois de regressado.
Saudades do Sertã do Pel Rec com o seu sorriso simples, que emprestava dinheiro a mim e ao Ivo quando pré ficava curto. Há pessoas que nunca chega e a outros que nunca falta.
Os meninos com barriga grande da fome, a alegria nos seus olhos por um pouco dos nossos restos.
Saudade da lavadeira, que me trazia os botões cozidos com linha um de cada cor.
Não tenho saudade da guerra mas sim de outra idade.
Juvenal Amado
28.06.009
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 11 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4509: Estórias do Juvenal Amado (17): Ataque a Campata
Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4617: Blogoterapia (111): Divulgando o nosso blogue junto de Camaradas que combateram em Angola (Valentim Oliveira)
quarta-feira, 1 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4623: Histórias de Juvenal Candeias (3): Um Manjaco em chão Nalú
1. Terceira história de Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde, 1971/74.
UM MANJACO EM CHÃO NALÚ
A estória seguinte gira à volta da Palmeira Dendê (ou dendém) e de um dos seus principais produtos: o vinho de palma.
O vinho de palma é a seiva da própria palmeira e obtêm-se com incisões transversais na árvore, a partir do topo, de forma a libertar a seiva que escorrerá para um recipiente devidamente acondicionado e preso à palmeira com cordas.
Bebido fresco, logo pela manhã, é uma bebida irrecusável. Passadas algumas horas, sujeito ao calor tórrido, fermenta e transforma-se numa bebida do diabo, capaz de fazer desprender a língua ao homem mais calado.
A exploração intensiva do vinho de palma apresenta, contudo, o inconveniente de enfraquecer a palmeira, provocando o seu envelhecimento precoce.
Da palmeira dendê é possível extrair ainda outros produtos:
Dos cachos (chabéu) extrai-se o óleo de palma, produto saboroso utilizado nos mais diversos pratos.
Das sementes - o coconote - obtém-se o óleo de coconote (ou de palmiste) e o sabão, sendo os resíduos usados como combustível.
As folhas da palmeira servem para fazer cordas, cestos e vassouras e o tronco utiliza-se na construção de casas e canoas.
A região de Cacine dispunha de enormes recursos em vinho de palma, embora a etnia Nalú, predominante na zona, efectuasse uma tímida exploração deste produto. Razão suficiente para que, esporadicamente, aparecessem membros de outras etnias que viam no vinho de palma de Cacine, uma oportunidade de negócio a explorar.
Assim surgiu um Manjaco em chão Nalú!
Etnias diferentes eram recebidas em chão Nalú, com pouca simpatia e alguma indiferença, o que não impedia que pudessem ter alguma actividade - como no caso da nossa estória - ou realizar algum comércio.
Havia mesmo comércio através da fronteira, desenvolvido pelos gilas, oriundos da Guiné Conacri, algumas vezes Nalús – o chão Nalú estendia-se para lá da fronteira – muitas vezes de etnias diferentes, que vinham negociar os seus produtos em Cacine e, – quase sempre?! – Utilizar esta actividade como pretexto para recolher informações para o PAIGC.
Mas voltemos aos Manjacos!
Os Manjacos eram os maiores especialistas na exploração da Palmeira Dendê, em todas as suas vertentes! Nesta perspectiva, o nosso manjaco iniciou a sua actividade subindo às palmeiras, mais rápido e seguro do que um macaco, permanecendo no topo apenas auxiliado por uma corda que o envolvia, a si e ao tronco da palmeira, extraindo o vinho que negociava em plena tabanca de Cacine!
O negócio progredia sem crise! Até ver!...
Em Cacine havia um PIDE – eles andavam por todo o lado – que mantinha uma má relação com o Exército e que não gozava da simpatia da população. Dispunha de um grupo especial, operacional, de nativos – os GE’s – que efectuavam operações, normalmente sem conhecimento do exército.
O líder deste grupo, um matulão vaidoso e arrogante, ter-se-à apercebido dos ganhos do manjaco e que estaria ali a oportunidade de sacar uns significativos pesos, sem grande risco!
Terá preparado cuidadosamente a acção e, quando o manjaco se encontrava em cima de uma palmeira, no mato, perto da tabanca, G3 em punho… pum! Já está! Manjaco redondo no chão de uma altura de 10 metros, pesos a mudarem de bolso e ala que se faz tarde!...
Só que… a cena tinha sido presenciada por dois nativos, que mostrando a sua indignação, mas sobretudo a antipatia que tinham para com o matulão GE, de imediato denunciaram o ocorrido à Administração Civil e ao Exército!
O GE foi ouvido, confessou, embora considerasse que não tinha cometido qualquer crime uma vez que apenas tinha morto um manjaco, foi preso e enviado para Bissau!
Depois de alguma indecisão sobre quem deveria continuar o processo concluiu-se que seria a Administração Civil – o crime tinha, efectivamente, sido cometido por um civil – com o apoio do Exército!
Foram ouvidas as testemunhas… faltava apenas a autópsia! Não havia médico em Cacine!... Ele só passava por lá de vez em quando…como iríamos resolver este problema para podermos concluir o processo com sucesso?
Foi enviada uma mensagem ao Comando, em Catió, onde havia médico, solicitando a sua presença em Cacine para realização do acto em falta!
O médico nunca mais chegava! O manjaco tinha sido enterrado provisoriamente, isto é, com uma folha de zinco a proteger o cadáver, não havia outra forma de conservar o corpo, e já lá iam dois dias!
Ao fim do terceiro dia chegou, finalmente a resposta:
- Façam a autópsia com os vossos próprios meios!
Porra! Porra! O que é isto?! Estes gajos estão malucos! Foram estas as melhores expressões! As outras… inibo-me de as referir!...
E agora?! Que vamos fazer?
Bom! Tratando-se de um processo civil cabe à Administração Civil garantir a situação! (parece-me que me vou safar desta!). Só há uma possibilidade: o enfermeiro civil!...
O enfermeiro civil – o Armando – era um nativo de cerca de 35 anos, estatura média, pele muito negra, atlético, olhar esperto, simpático, comunicativo, não tinha o curso de enfermagem nem teria sequer a 4ª classe, mas tinha aprendido bem a profissão ao longo de muitos anos de experiência! Ele tinha todas as especialidades… era parteiro, dentista, gastro, grande especialista na arte de tratar o paludismo, enfim, um verdadeiro médico de clínica geral!
Cabia agora ao Administrador de Posto, o bacalhau (magricela cabo-verdeano de quem não consigo lembrar o nome!) o trabalho de convencer o Armando a completar a sua formação com a especialidade de medicina legal!... O bacalhau desfez-se em desculpas, que era mais fácil o Armando não recusar ao exército e tal… bréu… bréu … (caraças que não me safo!).
Chamemos então o Armando! Apresentado o problema com a maior diplomacia e jeito que jamais pensei ter, foi mais fácil do que imaginei! Veio de lá, apesar da originalidade da situação, a sua simpática habitual resposta: conta comigo nosso 2º comandante!
Marcou-se então a autópsia para a manhã seguinte. O acto deveria ser testemunhado pelas autoridades civil e militar (quem teria inventado esta?), pelo que, cerca das 10H 30M lá vamos nós: o bacalhau, o Armando – completamente equipado de bata, luvas, máscara e as ferramentas necessárias – dois ajudantes nativos e este vosso humilde contador de estórias!
A operação iniciou-se com o desenterrar do morto, e logo aí as camisas saíram das calças para poderem tapar o nariz! O cheiro era horrível, pestilento, pior que suinicultura, e apenas o Armando tinha máscara!
Apesar disso o acto continuou… o Armando cortou… cortou… cortou… falou… falou… falou… numa linguagem técnica que, provavelmente, só ele perceberia!...
Finalmente ouvimos o nosso técnico de medicina legal dizer, com pompa e circunstância, o que melhor percebemos: e agora vamos suturar!
A nossa odisseia chegara, enfim, ao seu epílogo!
Pela tarde, depois de muito bem preparado, o Armando apresentou o relatório da autópsia a anexar ao processo!
Era um manuscrito delicioso, com erros naturais em indivíduo com escolaridade elementar, recheado de termos técnicos, certamente nem sempre bem aplicados e que hoje lamento não ter copiado por não ser capaz de transcrever!
Contudo, jamais esquecerei a conclusão do relatório da autópsia:
O morto, foi, efectivamente morto com um tiro, disparado de baixo para cima, tendo a bala atravessado o fígado e o baço, provocando muitas feridas esquirilosadas.
Ah grande Armando! És um dos meus heróis! Homens como tu deveriam viver eternamente!
Juvenal Candeias
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Notas de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4323: Histórias de Juvenal Candeias (2): Incêndio no Rio Cacine
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