quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4995: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (5): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – O meu Bura… ko em Banjara!

1. Continuamos a publicar as memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Este é o 5º poste desta sua série, continuando os postes P4877, P4890, P4924 e P4948:

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

(Continuação)

Começando as escavações para o abrigo subterrâneo da minha Secção.
Da esquerda para a direita: Valter, Paixão, 1º. Cabo Manuel (mais conhecido pelo Cabo lateiro), o Autor, Leonel, Sold Condutor Santos, Guerreiro e 1º Cabo Vitorino.

Mais uma saída com passagem por Tumania. Tudo como dantes nem população vimos. Enveredamos pela picada à direita, em direcção a Sambulacunda. Uma vez ali chegados cercamos a tabanca, mas, mais uma vez, não vimos qualquer nativo.

Teriam com certeza sentinelas bem atentos, pelo que, apenas encontramos um deficiente locomotor que ali havia ficado.

Como a fome apertava comemos mandioca crua, após o que seguimos em direcção a Bantajá, onde entramos e, mais uma vez, nem populares vimos.

O pessoal foi distribuído por sectores nos arredores da tabanca e alguns dentro da mata, para observarem se havia algum movimento suspeito.

Repentinamente ouvem-se alguns tiros na retaguarda, que foram disparados pelo IN, que tinham trepado para cima de algumas árvores, quando se aperceberam da nossa presença.

Felizmente sem consequências para a nossa tropa. O Zé, soldado nativo, foi o único que os viu, mas com a velha Mauser não pôde fazer nada, só o ouvia a dizer: “Se eu tivesse uma G3 matava-os!”.

Mais tarde regressamos normalmente a Banjara.

Continuamos as escavações. Chega o dia de Natal e ofertaram-nos vários aerogramas amarelos e um isqueiro a cada um. Na noite de consoada comemos costeletas com batatas, bebemos uns copos e cada um regressou ao seu sector.

Depois das escavações, fomos cortar diversas palmeiras, ao lado do pontão e transportamo-las às costas até à estrada, onde estava uma viatura. A ideia era levá-las para o destacamento e colocá-las em cima do abrigo (à laia de tecto), abrimos uns tantos bidões vazios, endireitamos as chapas e colocamo-los em cima dos troncos, após o que cobrimos tudo com uma grande camada de terra compactada, para o tornar mais sólido, protegido e seguro, contra eventuais ataques do IN.

Concluído o abrigo que servia de dormitório e tinha capacidade para catorze ou quinze pessoas, que assim deixaram de dormir nas tendas de campanha, seguiu-se a inauguração efectuada pelo Alferes Soeiro - Comandante do meu Pelotão.

Este abrigo, mal ou bem, serviria até a casa ser reconstruída.

Continuamos as nossas acções, montando emboscadas na estrada Mansoa - Bafatá para segurança das colunas que por ali passavam.

Em Janeiro de 66, apanhei uma infecção nas virilhas que mal podia andar. O enfermeiro comunicou o sucedido ao capitão, e disse-lhe que eu tinha de ir ao médico a Bafatá. Tal só possível no dia 21, porque só nesse dia é que houve uma coluna. Lembro-me exactamente deste dia, porque foi precisamente o dia em que nasceu o meu filho.

O telegrama chegou a Banjara e eu parti sem que ninguém me o tivesse entregue com a outra correspondência. Esta é uma das consequências da guerra.

Fui ao médico, que me receitou uns medicamentos, tratamentos e repouso em Camamudo. Sobre o nascimento do filho nada. Todos os dias pedia ao radiotelegrafista que ligasse para Geba e perguntasse se tinha algum telegrama. Nada!

No dia 27JAN65, voltei ao médico a Bafatá. O condutor disse-me que se a consulta fosse antes da chegada do avião, íamos ao aeroporto buscar o correio para o destacamento.

A consulta foi mesmo antes e lá fomos nós. Separamos o correio por destacamentos e quando estávamos a ordenar o nosso, diz-me o cabo: “Meu furriel tem aqui uma carta para si.”

Era a certidão de nascimento. Então não é que esta me chegou primeiro, do que o telegrama em que me era comunicado que eu era pai! Vim depois a saber que o telegrama tinha ficado em Banjara e nunca me chegou às minhas mãos.

Foi um dia de festa, para mim e para a rapaziada, que beberam e festejaram até caírem de cabeça “grande”… como diziam os nativos.

Os dias foram passando e fui-me curando da infecção nas virilhas. Uma bela noite acompanhado pelo Furriel Vargas, fomos dar uma volta pelas tabancas e lembramo-nos de ir para casa do Chefe de Posto, cada um levando uma garrafa de whisky. Conversa daqui, conversa dali, bebemos as duas garrafas e, como fosse pouco, ainda acabamos com meia garrafa que o Chefe tinha em casa.

Com a conversa em dia e bebido o wiskezinho, saímos da casa dele, por volta das duas ou três da manhã. Quando íamos a entrar no destacamento estava o 1º Cabo 147 Alfredo a sair de serviço.

Juntamo-nos os três e fomos fazer uma ronda pela Tabanca do Régulo, porque havíamos visto lá uma luz. Estavam dois miúdos a estudar àquela hora e fizemo-los deitar.

Dissemos então ao 1º Cabo para destapar uns cestos que estavam dentro da tabanca. Sabem o que estava dentro dos cestos, galinhas. Tivemos que torcer o pescoço a três, após o que regressamos, para nos deitarmos a dormir. A “alvorada” foi por volta das dez horas da manhã, porque o 1º Cabo me foi chamar, dizendo que o Chefe de Tabanca ia a caminho do Chefe de Posto, com as 3 cabeças das galinhas nas mãos.

Momentos depois regressou o Chefe de Tabanca. Fui ter com o Chefe de Posto para me responsabilizar pelo pagamento das galinhas e pedir desculpa aos lesados. A resposta deste foi: “Nem pensar o culpado fui eu e está tudo resolvido.”

Não foi preciso eu fazer mais nada. À tarde fez-se uma petiscada onde apareceu também o Chefe de Posto. Ao fim de mais umas cervejas… nova cabeça “grande”.

Era assim a vida em Camamudo, passear pelas Tabancas, psico aos nativos, levar medicamentos para os doentes mais necessitados e receber uns ovos e galinhas em troca.

Quando não tínhamos nada para oferecer… pagávamos a mercadoria com escudos, ou pesos.

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: © Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

1 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4890: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (2): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Escolta a barco para Farim

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4924: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (3): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação em Mansoa

14 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4948: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (4): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Sector de Bafatá/Op. AURORA

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4994: Notas de leitura (23): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte I (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 21 de Setembro de 2009:

Saúde e prosperidade para todos.
Levei as memórias do sargento Talhadas para férias e não estou nada arrependido. Afinal, ainda há muito a esperar da memória da geração combatente.

Dividi os elementos desta recensão em vários textos, para evitar ser mais enfadonho do que é usual.

Um abraço do
Mário


Um guerreiro colonial na primeira pessoa do singular
Beja Santos

Chama-se José da Conceição Gomes Talhadas, é Sargento-mor Fuzileiro Especial, tem uma folha de serviços invejável, desde condecorações a louvores.

Em Abril de 1964, com apenas 17 anos, pediu para ser incorporado na Marinha. Pediu uma especialidade, deram-lhe outra, a de fuzileiro. Foi primeiro para a Angola, fez duas comissões na Guiné-Bissau e com o 25 de Abril foi novamente destacado para a Angola onde viu os prelúdios da Guerra Civil. Resolveu passar todas as suas recordações a escrito, e o mínimo que se pode dizer do seu registo é que se trata de um relato de referência obrigatória para o conhecimento do papel dos fuzileiros em Angola e na Guiné-Bissau. Acresce que nas duas comissões que prestou na Guiné-Bissau profere considerações altamente polémicas que certamente merecerão aos estudiosos um exame muito atento para o conhecimento do moral das forças do Exército (Memórias de um guerreiro colonial, José Talhadas, Âncora Editora, 2009).

Uma questão prévia é posta pelo editor com todo o destaque. A colecção ora encetada com as memórias do sargento Talhadas têm o objectivo de dar voz aos que, tendo algo para contar, se refugiaram sempre na dificuldade de expor, de escrever, ou de serem pessoas “sem importância” em tudo o que se passou. Esta nova colecção acolherá todos aqueles que queiram dar a sua versão, a sua visão, e que tantas vezes não houve a coragem de as pôr por escrito. É este o desafio que eventualmente a Âncora Editora lança a todos nós.

O sargento Talhadas participou de uma forma activa na Guerra Colonial durante cerca de dez anos. O seu depoimento é de um homem que não quer esconder nos ideais que acreditou, assumindo-os com convicção. Toda a sua prosa espelha o sentido da disciplina e uma elevada consideração pela hierarquia militar. Começou por ser conhecido pelo Baixa da Banheira ou o 22, o que se prende com as suas origens humildes de que ele tanto se orgulha. Nascido em Moura, em 1947, veio com os pais para a Baixa da Banheira, era na cintura industrial de Lisboa que os pais buscaram melhores condições de vida. Depois da quarta classe, tinha o mundo do trabalho à sua espera: aprendiz de balcão numa loja de venda de tecidos, depois ajudante electricista, mais tarde operário corticeiro, por fim empregado de escritório em Alfama. Depois sonhou ir para a Marinha tirar um curso de electricista ou radarista. Mas o médico na inspecção foi bem claro: “Esse dá um bom fuzileiro”. Seguiu para a Escola de Fuzileiros de Vale do Zebro, feita a recruta tirou o curso geral de fuzileiro e depois foi convidado para o curso de fuzileiro especial. Aos 17 anos foi mobilizado para a Angola, onde esteve de 1965 a 1967, mobilizado para um destacamento de fuzileiros especiais. Regressa a Portugal e dois meses depois junta-se a outro destacamento de fuzileiros especiais embarcando para a Guiné onde esteve desde finais de 1967 a Outubro de 1969. Nos finais de 1969 volta à Guiné de onde regressou em Dezembro de 1971. Com quase 24 anos é um combatente veterano. Depois do 25 de Abril regressa à Angola com uma missão especial: fazer a entrega aos guerrilheiros dos postos ao longo do rio Zaire.

O sargento Talhadas manifesta (e escreve repetidamente) que na sua ideia de nação, Portugal ia do Minho a Timor. Quando chega a Luanda, em 1965, como simples grumete, deslumbra-se, descobre o camarão e a lagosta, os bordéis, a ânsia de viver o mundo. Mas descobre também a camaradagem e o fascínio da mata, na região dos Dembos. O seu relato é tocante pela simplicidade, o verdor e a brutalidade das experiências da morte, a dor dos feridos e dos mortos. Sentiu sensações dúbias no Zaire, entre o deslumbramento e a decepção.

O registo das memórias torna-se mais intenso, viril e doloroso na primeira comissão da Guiné onde, diz ele, se tornou um guerreiro colonial. Foi na Guiné que adquiriu a capacidade de respeitar os guerrilheiros que lutavam sem desfalecimentos e enfrentando o inimigo sem virar a cara. A adaptação não foi fácil, nada se comparava a Luanda, em Bissau ouviam-se perfeitamente as armas do PAIGC. A primeira operação foi na região de Tombali. Não a esqueceu, tal a impressão que lhe deixou, um inferno de metralha e tiros, gritos lancinantes, ordens que não conseguia perceber, a fúria de um envolvimento, e o primeiro morto, o Escritas, o grumete que tinha a especialidade de escriturário e que foi atingido com um tiro na testa. Abandonado o local, avançou-se em ciclo, um truque para despistar o inimigo. Seguiram depois para o rio Cacheu, para a base de Ganturé. Nunca se esqueceu de quartéis constituídos por improvisadas habitações e a real falta de controlo da fronteira por parte das tropas portuguesas. A missão dos fuzileiros era fazer patrulhamentos de bote diários no rio Cacheu. Era a partir daqui que se faziam operações em locais tão ásperos como Sambuiá, Cumbamory ou Morés. As operações em Canjaja Mandinga revelaram-se um êxito: é apanhado um comandante, o PAIGC sofre mortos, os fuzileiros foram obrigados a retirar, seguiu-se a desforra, que foi brutal.

Em certos momentos, o sargento Talhadas deplora a falta de qualidade do comando, mas depois contém-se, era um militar altamente disciplinado, aprovou e promoveu as virtudes da estrutura hierarquizada. Em Bissau, no desfastio do guerreiro, os fuzileiros envolvem-se à porrada com civis, logo a seguir vem a guerra, novas patrulhas no rio Sambuiá, de vez em quando as minas matavam ou feriam gravemente os fuzileiros. “Ganturé era um campo de arame farpado, encostado ao rio Cacheu. Do outro lado do rio, a 100 metros, mais metros, menos metro, estendia-se uma extensa zona que ficava em permanência à mercê da guerrilha. Quando se saía desse quartel pela via fluvial, a primeira preocupação era estar atento ao que podia surgir da margem sul. E dela surgiu fogachal muitas vezes”. A vida em Ganturé era feita de muita tensão, dali se partia para o interior das matas, à procura dos santuários do PAIGC. É nestas operações que o sargento Talhadas é considerado um herói. Naquela guerra, diz ele, o que contava eram os guerrilheiros mortos e as armas capturadas. Chega o Natal, ele aí revive a camaradagem e recorda todos aqueles que viveram essa época em quartéis e acampamentos. São sempre os seus camaradas que ele recorda com carinho e saudade em todas as passagens do Natal.

Em finais de 1967, surge a ameaça de infiltração de guerrilha nos arredores de Bissau, os fuzileiros recebem a missão de patrulhar o rio Mansoa. Surgem novas refregas, o sargento Talhadas descobre a população que dramaticamente tem que conviver com a presença do inimigo e com a vigilância das tropas portuguesas. E deixa uma nota emotiva de um desses desenlaces dramáticos:

“De todos os episódios que me ficaram desse combate, houve um momento marcante que ainda hoje me persegue como tragédia de guerra: o choro convulsivo de um miúdo dos seus 4 anos, completamente assarapantado no meio de rebentamentos, tiros e gritos.

Já tinha atravessado o curso de água, os tiros a convergirem para a posição onde nos encontrávamos, quando me apercebi da criança, acanhada, desorientada, apanicada, gritando junto à água. Mexeu-me com os nervos e, não estive com meias medidas, corri e consegui retirá-lo da linha de fogo e meti-o detrás de um tronco, que também me abrigou.

Chorou, chorou, mesmo depois do tiroteio terminado. Procurei acalmá-lo, fiz-lhe festas, falei-lhe suavemente. Nada teve efeito. Lembrei-me então de lhe dar de beber da água do meu cantil. Sofregamente, empanturrou-se de água e, remédio santo, apaziguou-se.
Desliguei-me dele... nunca mais vi o miúdo, mas a sua recordação perdurou todos estes anos”

(Continua)
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4913: Notas de leitura (22): Gilberto Freyre na Guiné, em 1951 (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P4993: Memória dos lugares (44): Cuntima, na fronteira com o Senegal (Ex-1º Cabo Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > Na fronteira com o Senegal, a nordeste de Farim, longe de Lisboa e ainda mais do Porto (e do RAP2)... Junto à árvore, o 1º Cabo Vitor Silva.

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > "Todas as manhãs bem cedo Cuntima tinha visitantes do Senegal. Uns para fazerem comércio, outros para partir mantenhas com familiares e amigos e muitos outros para serem assistidos no Posto de Socorros pelo Médico e Enfermeiros da Companhia. Estas duas bajudas senegalesas prestaram-se para a fotografia à distância conveniente, da máquina e dos militares".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > "Posto avançado nº 9. Estive lá de serviço no dia 31 de maio de 1971, no que foi considerado o maior flagelamento IN a Cuntima. As tropas do IN vieram mesmo ao arame farpado".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Um dos três obuses que existiam em Cuntima".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Vista panorâmica de Cuntima. Uma povoação com gentes de várias origens (não faltavam os comerciantes libaneses e os gilas)".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Cuntima: Reservatórios de água, as duas professoras ao fundo e a casa do agente da PIDE/DGS"

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > Instalações civis ocupadas pela tropa.

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > À hora do rancho...

Fotos e legendas: © Vitor Silva (2008). Direitos reservados.

Breve historial da CART 3331 (Os Tigres de Cuntima, Cuntima, 1970/72):

(i) Mobilizada pelo RAP 2 (Vila Nova de Gaia), chega à Guiné a 19 de Dezembro de 1970;

(ii) No dia 21 de Dezembro embarcou na LDG Alfange com destino ao Centro de Instrução Militar de Bolama, para treino de adaptação ao mato e 2ª parte da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO);

(iii) A 25 de Janeiro de 1971, de novo na Alfange, ruma para Farim onde chegou no dia 28 de Janeiro;

(iv) Em Farim participa em algumas acções no mato e na estrada Farim-Jumbembem.

(v) A 20 de Fevereiro, desloca-se em coluna-auto, rumo a Cuntima, dependente do BCAÇ 2879, onde vai render a CCAÇ 14;

(vi) A ZA do subsector de Cuntima era extenso: delimitada a Norte, numa extensão de aproximadamente 30 km, pela República do Senegal, a Este pelo rio Corlá (Sare Dambé Badoral, Sitató, Sinchã Fogã e Sare Tombom), pela bolanha de Sinchã Massa e a Sul pela bolanha de Sinchã Massa e bolanha do rio Norobanta e pelo marco 107

(vii) Na sua maioria a população era de etnia Fula, de religião muçulmana; havia uma pequena minoria Mandinga;

(viii) As acções do IN não irradiavam sempre do Senegal, pelo tradicional corredor de Sitató;

(ix) As acções contra as NT manifestavam-se especialmente por ataques ou flagelações ao aquartelamento, implantação de minas na estrada Farim-Cuntima e, esporadicamente às colunas de reabastecimentos;

(x)Havia duas unidades de quadrícula no Sector, a CART 3331 e a CCAÇ 2547, ambas instaladas em Cuntima. Para além da ocupação e defesa do Sector, a sua missão princiapl era evitar a infiltração do IN para dentro do TO da Guiné;

(xi) A CART 3331 regressou, num avião dos TAM à Metrópole no dia 25 de Novembro de 1972, com orgulho do dever cumprido;

(xii) Teve três comandantes: Cap Mil Art Manuel Sena Boleo, Cap Inf Máriop José Fernandes Jorge Rodrigues, e Cap Mil Art Armando Pimenta Cristóvão.


Letra da canção Soldado:

Partiu num qualquer navio,
Numa leva de soldados,
Ia calado e sombrio
Entre prantos desolados.

Sabia o itinerário
E o rumo antecipado,
Mas ignorava o fadário
Que lhe estava reservado.

Desembarcou na Guiné,
Em manhã enevoada,
E sentiu, ao pôr do pé
Naquela terra molhada,

Que o destino o lançava
Rumo ao desconhecido,
Sem uma ideia formada,
Numa guerra sem sentido.

Fio destacado p’ró mato,
Lá p’ra terra de Cuntima,
Tinha a fronteira a um passo
E os guerrilheiros em cima.

Sofreu ataques cerrados,
Abafou medo em trincheira,
Sentiu os dias contados,
Viu a hora derradeira.

Fez desumanas picadas,
Padeceu de sede e fome,
Viu cair em emboscadas
Camaradas de uniforme.

Chupou água na bolanha,
Rebolou-se em pó ardente,
Deixou sangue em terra estranha,
Veio-se embora doente!

E depois de tal fadário
Deram-lhe o golpe final:
- Chamaram-lhe Mercenário,
Soldado colonial.


Versos enviados pelo Vitor Silva
Revisão de texto: L.G.

Autor desconhecido,
presumivelmente um militar da CART 3331 (Cuntima, 1970/72).


[Fotos seleccionadas e reeditadas por L.G.; enviadas em Maio de 2007, num lote de 27] (*)

____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2657: Cuntima nos tempos da CART 3331 (1970/72) (Vítor Silva)

6 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2245: Cancioneiro de Cuntima (Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)

Guiné 63/74 - P4992: Ser solidário (37): Carta Aberta em prol dos ex-combatentes sem abrigo do Concelho de Odivelas (José Martins)

1. O nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, enviou-nos uma mensagem contendo esta Carta Aberta, mais uma iniciativa de solidariedade para com o menos afortunados, particularmente para com os ex-combatentes da Guerra Colonial, que por aqui e por ali vão vegetando perante a indiferença da maioria das pessoas que nem dão por eles.





Carta Aberta

Exm.º Sr. Presidente da Liga dos Combatentes

Exm.ª Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Odivelas

Meu General e Exm.ª Sr.ª Presidente

Permito-me remeter, a V. Exªs. a presente Carta Aberta, no sentido de, pela sua divulgação, congregar à volta da ideia que proponho, o maior conhecimento assim como o envolvimento do maior número de cidadãos e, logicamente, de antigos combatentes.

Com o passar do tempo, a cidade de Odivelas tem vindo a albergar, cada vez mais, um crescente número de habitantes que, naturalmente, incluiu naturais do município ou outros cidadãos que, como o meu caso pessoal, escolheram fixar residência no concelho.
Obviamente que me dirijo, concretamente:
No caso da Liga, ao meu General, na sua qualidade de Presidente do Centro de Estudos, dos Centros de Apoio Médico, Psicológico e Social (CAMPS) e do Centro de Apoio à Inclusão Social (CAIS).
No caso da Câmara, por o caso em presença existir dentro do concelho de Odivelas.

Tivemos conhecimento dos sem-abrigo, cujo caso pretendemos abordar, através de uma peça jornalística do Jornal de Odivelas, já há algum tempo, situação que apenas evoluiu com a mudança de local do acampamento, mas manteve, na prática, a mesma localização: o cruzamento da Avenida D. Dinis com a Rua Dr. Manuel Gomes Coelho, em Odivelas [assinalado no mapa junto como local sem abrigo], junto do Centro Comercial Oceano.

Vista parcial de Odivelas – Foto Google

© Foto do Autor (12/9/09)

No texto do jornal citado, informavam que os mesmos não falavam, não desenvolvendo se por deficiência (auditiva e/ou oral), se por vontade própria, se desinteresse pela vida, se por outras causas. Mesmo sabendo dessa hipótese, arriscamos e aproximando-nos de um que se encontrava sentado na encherga, saudamo-lo e questionamos:

P - Posso fazer-lhe uma pergunta?
R – Se quiser…
P – Foi combatente do Ultramar?
R – Na Guiné.
P – Qual era a sua Companhia?
R – Cavalaria 7.
P – Onde esteve?
R – Bissau… Bafatá…
P – Não se lembra da sua unidade?
R – Nunca devia ter ido para lá!

Pelo teor da conversa acima reproduzida, verificamos que as respostas eram rápidas e, após esta frase, a única obtida nesta breve conversa, voltou ao seu mutismo, baixando a cabeça e curvando o corpo sobre si mesmo, voltando à posição em que estava quando o interpelamos.

Temos aqui um ex-combatente da Guiné, que vegeta na companhia do seu irmão gémeo, vive na rua, num amontoado de peças velhas a servir de residência, abrigado pelas varandas dos prédios, encostados à montra de uma casa comercial que ostenta, como mote na publicidade, 24 horas a servir com conforto.

© Foto do Autor (12/9/09)

É um camarada de armas, que com alguns de nós, unidos num único esforço colectivo, secando as lágrimas e contendo gritos de raiva, servimos a Pátria num local que nos era desconhecido e que nos era adverso, e do qual, muitos de nós, só sabiam o que tínhamos aprendido na escola primária, e para muitos, a única escola que tinham conhecido.

Com os breves dados recolhidos, não pudemos obter, quer por via directa quer por pesquisa documental, qualquer informação do seu passado militar.

Mas, observando o mapa já referido (quase no canto superior esquerdo), está indicado uma casa que tem a indicação palacete.

O referido palacete fica à distância de cerca de 250 metros do local onde se encontram os ex-combatentes/sem abrigo. Pesquisando na página da Internet da Câmara Municipal Odivelas, encontramos uma breve descrição desse palacete que nos permitimos reproduzir, ainda que a informação peque por desactualizada:

Foto do Site da Câmara Municipal de Odivelas

http://www.blogger.com/www.cm.odivelas.pt/Concelho/Locaisinteresse/PalaceteSecXIII

Localizado em Odivelas, este palacete urbano foi construído no século XVIII. De arquitectura barroca e neoclássica, constitui-se como um espaço de lazer e de ligação à natureza, com um logradouro e fontes tipicamente de estilo barroco.
No interior, encontram-se pinturas neoclássicas, onde predominam motivos pompeianos, característicos do séc. XIX, altura em que o palacete vê remodelado o seu interior. Encontramos igualmente, uma certa elegância dos frisos de folhas e flores, laçarias e medalhões.
É imóvel de Valor Concelhio, pelo Dec. n.º 2/96.
Actualmente é um lar para idosas, pertencente à Associação das antigas alunas de Odivelas.
Localização: Rua Dr. Alexandre Braga, n.ºs 6 e 6 A, Odivelas


Consultamos, também, a obra da Dr.ª Maria Máxima Vaz “O CONCELHO DE ODIVELAS – Memória de um Povo” (Edição do Município de Odivelas), no capítulo Quintas de Odivelas ficando a saber que a casa a que nos referimos fica situada na antiga Quinta do Espírito Santo. Porém, numa outra obra e referida pela Dr.ª Máxima Vaz, da autoria do Dr. João Maria Bravo, aquele casarão é indicado como o local onde fixou residência o seu trisavô Manuel Maria Bravo, em 1852, quando este se retirou dos negócios. A propriedade deste edifício em 1959, já liberto da quinta em que estava incluída pela construção imobiliária, mas mantendo os jardins, pertencia a um particular, Sr. Manuel Henriques, que pretendia vendê-la.

Foto do Site da Câmara Municipal de Odivelas (Jardim nas traseiras do palacete)

Qual a relação entre os sem abrigo e o palacete? Muito simples!

Ao ler o texto do site da Câmara de Odivelas, constatamos que é um imóvel de interesse concelhio, desde o início de 1996 (Decreto n.º 2/96). Ou seja: há que manter o edifício em bom estado de conservação e com utilidade para o concelho, para a cidade e para os cidadãos.,

© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.

Não conhecemos o imóvel no seu interior, mas pela visita ao site acima referido, é uma casa senhorial, como era hábito à data sua construção.

Assim, e tendo em conta a utilização que lhe foi dada num passado recente, consideramos que seria de criar um grupo de trabalho, incluindo representantes da Câmara Municipal de Odivelas e da Liga dos Combatentes, com o objectivo da assinatura de uma parceria, no sentido de iniciar a afectação do edifício, cada vez mais degradado pela sua paralisação e desocupação, a um uso comunitário, começando por recuperar o piso térreo e os jardins, criando um centro para reunião e apoio social a antigos combatentes que, naturalmente como noutras localidades, são bastantes e com idade cada vez mais avançada, dando-lhes um local onde, inclusivamente, poderiam desfrutar dum serviço de refeições económicas, em consonância com os seus rendimentos, e, desta forma, alterar hábitos sedentários que, com a chegada da reforma, foram confrontados.

© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
Numa segunda fase, recuperar-se-iam os pisos superiores, com vista a criar condições para a instalação de alojamento, temporário e/ou permanente, para os que chegam à Idade de Ouro, incorporando esta ideia na Liga Solidária.

Neste objectivo poderão/deverão ser incorporados pessoas singulares e colectivas, bastando que, para o efeito, a obra fosse considerada abrangida pela Lei do Mecenato e/ou Benefícios Fiscais, não só no que concerne a doações monetárias, em materiais ou em mão de obra, necessárias à realização da ideia.

E porque não instalar, simultaneamente, uma delegação do Núcleo de Lisboa da Liga dos Combatentes? Seria, também, uma homenagem a João Ramires, companheiro de armas de D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa em 1147, que incluiu os termos (territórios limítrofes) de Lisboa, onde se situava e situa Odivelas, pelo que deve ser considerado, com toda a justiça, o Primeiro Combatente de Odivelas. Foi, também, o Prelado da Paróquia de Odivelas, tendo falecido em 13 de Fevereiro de 1183.

Também seria uma homenagem a todos os combatentes, que ao longo da nossa história, ou daqui partiram para o combate, ou nesta terra se albergaram após terem cumprido a sua missão patriótica.

Também poderia ser pensada, e executada, a colocação de um monumento em homenagem a todos os Odivelenses que, ao longo da história deste país, trocando as suas alfaias de trabalho por uma arma, acorreram ao chamamento da Pátria, ignorando todas as canseiras, penas e sacrifícios, que tal facto lhes acarretaria.

© Foto do Autor (17/10/2008) – Loures – Pormenor do monumento aos Mortos da Grande Guerra.
E, porque sempre existiu um elo de ligação com a cidade de Loures, onde se encontra um dos mais belos monumentos ao sacrifícios dos nossos avós – combatentes e mortos da I Grande Guerra – porque não unir esforços com esse município, tornando ainda mais viável a obra que aqui, humildemente, sugiro.

E não poderia terminar esta já longa carta, sem lançar um repto a todos os camaradas combatentes que trabalham e residem nesta zona (Odivelas/Loures), para que unamos esforços no sentido de, para no caso desta ideia ser acolhida pelas entidades a quem prioritariamente se destina a carta aberta, proporcionarmos a quem precisa um local onde, calmamente, possa desfrutar de tranquilidade de espírito e a companhia de camaradas e amigos.

De V. Exªs.
Atenciosamente

José Marcelino Martins
Ex-combatente da Guiné
josesmmartins@sapo.pt
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4922: Blogoterapia (125): No dia dos meus anos, brindei à amizade e à camaradagem forjadas em tempo de guerra (José Martins)

Vd. último poste da série de 28 de Agosto de 2009 < Guiné 63/74 - P4873: Ser solidário (36): Assoc. Humanitária Memórias e Gentes reconhecida como ONG desde 26 de Junho de 2009 (José Moreira)

Guiné 63/74 - P4991: FAP (34): A heli-evacuação do malogrado Cap Cav Luís Rei Vilar em 18/2/1970 (Jorge Félix)


Reprodução da caderneta de voo do ex-Alf Mil Pil Heli Al III, Jorge Félix, do mês de Fevereiro de 1970: no dia 18, fez um transporte de evacução (TEVS) da zona operacional (ZOPS) de Susana, para Bissau (BS) ... TEVS -BS - ZOPS - SUSANA - BS, com 4 aterragens...


1. Mensagem de Jorge Félix, com data de 17 de Setembro:


Caro Luís, como vai a nossa malta ?

Tenho andado um pouco afastado, assuntos relacionados com o meu Pai, Senhor com 90 anos...

Passei os olhos por o nosso Blog e li o P4962 (*). Não estou com jeito para narrativas.

Junto uma foto da minha caderneta de voo do dia 18 de Fevereiro de 1970 onde consta uma evacuação á Zops de Susana. Foi há 39 anos ....

Se achares conveniente envia ao Miguel Vilar a imagem que te enviei. Estou sem jeito para contar seja o que for.

Um abraço Jorge Félix

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4962: In Memoriam (31): Cap Cav Luís Rei Vilar, meu irmão e meu herói (Miguel Vilar)

Guiné 63/74 - P4990: Agenda Cultural (28): 20 de Outubro de 2009 - Dia do Veterano de Guerra em Aljubarrota/Alcobaça (José Eduardo Oliveira)



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos o programa e um convite para o Dia do Veterano de Guerra em Aljubarrota/Alcobaça, que vai decorrer em Aljubarrota e Alcobaça em 20 de Outubro de 2009:






CONVITE

A.P.V.G. - Uma pouca de história da Delegação de Alcobaça

A APPVG está representada na região de Alcobaça desde 23 de Novembro de 2007.

Nestes dois anos tem feito um trabalho paciente e regular no sentido de se dar a conhecer aos ex-combatentes deste populoso concelho, com 18 freguesias.

Estima-se em cerca de 700 os ex-combatentes da região, a quem temos tentado chegar com a ajuda da maior parte dos Presidentes das Juntas de Freguesia.

Em Alcobaça, sede do concelho, já fizemos diversas acções de sensibilização, nomeadamente no que diz respeito à informação sobre cancro na próstata e diabetes,
conseguindo trazer à cidade especialistas médicos reputados, que fizeram as suas comunicações no Auditório Adâes Bermudes.

Fizemos o acompanhamento de ex-combatentes a Consultas de Psiquiatria e Psicologia no Hospital de Coimbra.

Temos também ajudado diversos ex-combatentes com problemas de stress pós traumático junto de diversos Centros de Saúde da região no preenchimento do “Modelo 1” que, embora existindo às centenas nas estantes dessas instituições, eram praticamente desconhecidos.

Desde há dois anos a esta parte que temos tido um stand de informação durante a Feira de S.Bernardo, que decorre durante uma semana em Agosto (de 20 a 27), e que é visitada por milhares de pessoas."

Já visitámos escolas onde fizemos comunicações sobre a Guerra do Ultramar.

Temos tido o apoio da C.M. de Alcobaça e contamos dentro em breve ter uma sede para a Delegação de Alcobaça.

Actualmente estamos presentes uma vez por semana para atendimento de ex-combatentes na Sede da Junta de Freguesia de Alcobaça.

Embora tentando estar presentes no maior número de convívios pretendemos como principal prioridade ajudar no terreno os que têm problemas e precisam de ajuda enquanto estão vivos.

Valorizamos as lápides de homenagem àqueles que já morreram mas privilegiamos a ajuda enquanto em vida.

Alguns elementos da actual Direcção-
Ø PRESIDENTE: José António Lopes Fialho, associado n.º 10015
Ø VICE-PRESIDENTE: Jorge Conceição Feliciano, associado n.º 44846
Ø SECRETÁRIO: António Damásio de Campos, associado n.º 44847
Ø TESOUREIRO: José Luís dos Santos, associado n.º 44849
Ø VOGAL: José Coelho Marques Maria, associado n.º 44848
Ø SUPLENTE: José Eduardo Reis de Oliveira, associado n.º 44845
Ø SUPLENTE: João Gomes Cordeiro Marques, associado n.º 45207.

Aljubarrota

Vila antiquíssima, o seu nome está ligado à célebre Batalha que deu a vitória ao rei D. João I, em 14 de Agosto de 1385, contra o invasor castelhano. Tornou-se um dos mais fortes símbolos de independência, coesão e orgulho nacional.

A povoação conserva a traça antiga de natureza histórico-medieval, com prédios caracterizados pelo uso de cantarias, colunas, janelas de geometria vária, cor branca nas paredes e volumetria que não ultrapassa o primeiro andar.

A vila é rica em motivos arquitectónicos, memórias históricas e pedras ancestrais, que constituem um museu vivo da História portuguesa.

Ex-libris de Aljubarrota, o Largo do Pelourinho, verdadeira sala de visitas da Vila, conjuga a harmonia da sua dimensão e equilíbrio com a notoriedade dos monumentos que a preenchem.

O conjunto constituído pelo pelourinho, torre sineira isolada e casas das Juntas, é um dos mais belos exemplares arquitectónicos, no seu género, existentes no País.

A Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres constitui o mais antigo monumento de Aljubarrota e o de maior relevo histórico. A Casa dos Capitães, situada junto ao Largo de Nossa Senhora dos Prazeres, é um belo edifício do século XVIII com belíssimas janelas aventaladas, cuja reconstrução, constante de uma lápide é de 1779.

Situada na Rua Direita fica a Casa dos Carvalhos, edifício do século XVIII, de acordo com a data de 1778 que encima uma das portas.

Na praça Brites de Almeida, enquadrada pelo conjunto constituído pela Casa do Celeiro e ruínas da Casa da Padeira, fica a estátua de Brites de Almeida ("a estátua da Padeira").

Sobre a parede do Celeiro, motivos de azulejaria lembram os oragos e vários motivos de Aljubarrota.

O povo de Aljubarrota guarda religiosamente a sua pá em ferro martelado coevo. Pode ser vista na casa solarenga da família Carreira, descendente dos Capitães de Aljubarrota, na Rua Direita.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4989: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71)(3): De Bissau a Bambadinca, a cova do lagarto

1. Texto enviado pelo Arsénio Puim, em 13 de Julho último (Foto à esquerda, o autor de O Povo de Santa Maria – Seu Falar e Suas Vivências, apresentando o seu livro no Salão Nobre da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, em 12 de Dezembro de 2008):

Luis Graça:

Mando mais um 'Recordando', antes de ir passar alguns dias para Santa Maria, a minha santa terra.

Quero-te dizer que talvez não seja necessário remeteres-me por mail os meus trabalhos publicados, uma vez que já consigo aceder ao blogue. Assim, evitas este trabalho a mais, pois imagino que o tempo de que dispões nunca é muito, já que o blogue me parece ser um trabalho que deve aborver bastante tempo.

Os meus rapazes, o Pedro ainda está em Lisboa a fazer exame de cadeiras atrasadas e também adiantando a dissertação do mestrado integrado. O Miguel, que acabou Economia na Nova, está agora cá até Setembro, altura em que começará a trabalhar na Price Waterhouse Coopers, em Lisboa.

As minhas saudações à Alice.
Um abraço amigo
Arsénio Puim


2. RECORDANDO ... III - DE BISSAU A BAMBADINCA
por Arsénio Puim


Às duas horas da manhã do dia 31 de Maio de 1970 deixámos Bissau, numa LDG, e continuámos a subir o Rio Geba, em geral bastante largo e de margens baixas e arborizadas, pela calada da noite, estranhamente muito fria. Cinco horas de viagem, sem qualquer incidente, até ao Xime, onde ficou já a Companhia 2715.

No dia anterior tinha-se realizado a entrega das armas aos membros do Batalhão. Todos em fila, um por um. Quando chegou a minha vez, recusei receber a G3. Uma questão, simplesmente, de missão específica do capelão e de consentaneidade com as suas funções, enquanto sacerdote ao serviço da Igreja - expliquei.
- Você é testemunha de Jeová? – atalhou um oficial superior que superentendia ao acto.
- Não, sou padre católico – retorqui.

Acrescentei ainda que assumia a responsabilidade de não ter arma.

E sobre o assunto não houve mais questão alguma. De resto, tive sempre a impressão que os companheiros do Batalhão souberam interpretar a minha atitude pessoal como normal e condizente com a condição do sacerdote capelão.

Um dia, já em Julho [de 1970], numa ocasião em que eu seguia numa coluna de Bambadinca para o Xitole, num camião civil velho, sem portas nem vidros, o condutor, que era africano e me olhava com curiosidade de vez em quando, numa altura disse-me muito delicadamente:
- O sr. alfero não traz arma?!

O facto era estranho para ele. E para mim era difícil explicar-lho. Mas achei graça à observação.

A partir do Xime, e em face do estreitamento do rio que se processa para montante, a nossa viagem prosseguiu por terra, através duma estrada má e bem escoltada pelas forças nativas, até Bambadinca, palavra indígena que significa «cova do lagarto», segundo a informação que me foi prestada.

O aquartelamento de Bambadinca, que, para mim, me pareceu dotado de boas condições e com uma dimensão apreciável, fica situado, juntamente com a Administração, a escola e a igreja da Missão Católica, num pequeno planalto, rodeado duma tabanca, e com vista para um grande arrosal, dividido pelo rio.

A trinta quilómetros para leste fica Bafatá e, para o sul, havia comunicação, por uma picada, com Mansambo e Xitole, onde ficaram instaladas as Companhias 2714 e 2716.

É neste teatro, sinalizado pelas quatro localidades referidas e ainda ponteado por vários Destacamentos, que se vai desenrolar a comissão de serviço do Batalhão 2917 na Guiné e a minha própria vivência como alferes capelão – uma função que não considero fácil nem isenta de contradições numa situação de guerra.

Arsénio Puim
______

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4521: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (1): No RAP 2, V.N. Gaia, onde fez mais de 60 funerais10 de Julho de 2009 >

Guiné 63/74 - P4666: Memorias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (2): De Viana do Castelo a Bissau

Guiné 63/74 - P4989: FAP (33): Correio ao Domicílio (Miguel Pessoa)

1. Mensagem de Giselda e Miguel Pessoa (*), ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado, com data de 18 de Setembro de 2009:

Carlos, Luís:
Para compensar o nosso afastamento do blogue por um período de férias dilatado (na verdade ainda continuam...) envio-vos duas pequenas histórias - uma minha ("Correio ao domicílio"), outra da Giselda ("Fartote de legumes").

Como é habitual são ligeirinhas, mas talvez não faça mal, para compensar a caloraça que este Verão trouxe ao blogue...

Um abraço
Giselda e Miguel Pessoa



CORREIO AO DOMICÍLIO

Nas missões que efectuavam por todo o território da Guiné os pilotos sabiam da importância que a chegada do correio tinha para o pessoal exilado nos locais mais recônditos, por ser o principal (às vezes o único) elo que tinham com a civilização.

Sucedeu comigo por várias vezes quando voava no DO-27 que, sobrevoando o território no percurso para o aeródromo de destino, ao passar sobre um aquartelamento, era interpelado por um operador de rádio mais ansioso, de que geralmente resultava uma conversa encriptada, mais ou menos nestes termos:

- Águia, Águia (ó aviador), aqui XX (código do quartel), informe se tem Sierra (serviço) para este?

- XX, Águia, negativo

- OK. Confirme que não tem Charlie (correio) para este?

- XX, Águia, negativo

- OK, Águia, Óscar Bravo (obrigado), o Charlie (comandante) manda um Alfa Bravo (abraço) e uma Bravo Victor (boa viagem)

- XX, Águia, um Alfa Bravo para vocês. Terminado. (**)

E lá continuava eu para o meu destino deixando para trás um interlocutor desiludido.

Deve-se reconhecer que os SPM (Serviços Postais Militares) tinham em consideração, sempre que possível, a necessidade que o pessoal tinha de receber notícias fresquinhas - das famílias, das namoradas, dos amigos. Por isso, estava bem organizada a distribuição dos sacos do correio, de modo a embarcarem no primeiro avião disponível para o local.

Para além de embarcarem o correio de acordo com as missões planeadas, sempre que surgiam missões inopinadas (como as evacuações ou um transporte inesperado), as Operações do GO1201 alertavam os SPM e estes, na medida do possível, levavam à placa onde se encontrava o AL-III ou o DO-27 o correio para o aquartelamento em causa, por vezes também para outros aquartelamentos próximos, a quem o correio seria enviado por terra, a partir do primeiro.

Também por vezes os pilotos tinham a iniciativa de mandar embarcar os sacos de correio dirigidos a outros locais em que não iríamos aterrar, mas que sobrevoaríamos; claro que não se adequava levar encomendas frágeis, que se pudessem partir, pois a ideia era desembarcarmos o saco pela porta lateral quando passássemos a baixa altitude por cima da área do aquartelamento. Mas para o simples correio era uma boa solução de recurso, principalmente em locais isolados sem pista.

Claro que por vezes as coisas podiam não correr tão bem como gostaríamos - o correio podia cair mais longe do que pretendíamos (e o pessoal do quartel também...) e alguns incidentes também ocorreram: por exemplo, um dos sacos que o meu ajudante de carga atirou levou consigo uma antena lateral do DO, outro piloto levou aguerridamente a antena de rádio do quartel. Enfim, foi tudo por uma boa causa, que era afinal a de mitigar as saudades dos nossos camaradas em terra por tudo aquilo que tinham deixado lá longe.


Um Dornier, DO 27, na pista, de terra batida, do aquartelamento.
Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2006)


Uma vez, um aviador de Fiat G-91, depois de executar uma missão no sul do território onde largou o ferro que levava, quando regressava a Bissalanca detectou uma anomalia suficientemente grave para o fazer dirigir-se de imediato para o sítio mais próximo que fosse apropriado para pôr o estojo no chão. Lá fez uma aproximação cuidadosa à pista, conseguindo parar o avião dentro do espaço disponível, sem mais problemas para além do susto inicial.

Ainda a recuperar do stress, enquanto saía do avião, vê que a capacidade de apoio do aquartelamento era superior à que esperaria, pois de imediato se aproximam rapidamente do local vários militares. Só então se apercebe das suas intenções quando um deles lhe dispara a pergunta sacramental:

- Traz correio?!

Miguel Pessoa

Fiat G-91 da FAP
Foto de Soares da Silva, com a devida vénia

__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4676: FAP (32): Defendendo a minha dama (Miguel Pessoa)

(**) Código Fonético Internacional

A - Alfa
B - Bravo
C - Charlie (lê-se tchar-li)
D - Delta
E - Eco (lê-se: é-cô)
F - Foxtrot (lê-se: focs-trote)
G - Golf
H - Hotel
I - Índia
J - Juliet (lê-se: dju-liete
K - Kilo (lê-se: qui-lô)
L - Lima
M - Myke (lê-se: mai-que)
N - November
O - Oscar
P - Papa
Q - Quebec (lê-se: qué-beque)
R - Romeo (lê-se: ró - mi - ou)
S - Sierra
T - Tango
U - Uniform
V - Victor
W - Whisky (lê-se: uís-qui)
X - Ex-Ray (lê-se: ecs-rei)
Y - Yankee (lê-se: ian-que)
Z - Zulu