1. O nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5,
Gatos Pretos,
Canjadude, 1968/70, enviou-nos uma mensagem contendo esta Carta Aberta, mais uma iniciativa de solidariedade para com o menos afortunados, particularmente para com os ex-combatentes da Guerra Colonial, que por aqui e por ali vão vegetando perante a indiferença da maioria das pessoas que nem dão por eles.
Carta Aberta
Exm.º Sr. Presidente da Liga dos Combatentes
Exm.ª Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Odivelas
Meu General e Exm.ª Sr.ª Presidente
Permito-me remeter, a V. Exªs. a presente Carta Aberta, no sentido de, pela sua divulgação, congregar à volta da ideia que proponho, o maior conhecimento assim como o envolvimento do maior número de cidadãos e, logicamente, de antigos combatentes.
Com o passar do tempo, a cidade de Odivelas tem vindo a albergar, cada vez mais, um crescente número de habitantes que, naturalmente, incluiu naturais do município ou outros cidadãos que, como o meu caso pessoal, escolheram fixar residência no concelho.
Obviamente que me dirijo, concretamente:
No caso da Liga, ao meu General, na sua qualidade de Presidente do Centro de Estudos, dos Centros de Apoio Médico, Psicológico e Social (CAMPS) e do Centro de Apoio à Inclusão Social (CAIS).
No caso da Câmara, por o caso em presença existir dentro do concelho de Odivelas.
Tivemos conhecimento dos
sem-abrigo, cujo caso pretendemos abordar, através de uma peça jornalística do Jornal de Odivelas, já há algum tempo, situação que apenas evoluiu com a mudança de local do
acampamento, mas manteve, na prática, a mesma localização: o cruzamento da Avenida D. Dinis com a Rua Dr. Manuel Gomes Coelho, em Odivelas [assinalado no mapa junto como local sem abrigo], junto do Centro Comercial Oceano.
Vista parcial de Odivelas – Foto Google
© Foto do Autor (12/9/09)
No texto do jornal citado, informavam que os mesmos não falavam, não desenvolvendo se por deficiência (auditiva e/ou oral), se por vontade própria, se desinteresse pela vida, se por outras causas. Mesmo sabendo dessa hipótese, arriscamos e aproximando-nos de um que se encontrava sentado na encherga, saudamo-lo e questionamos:
P - Posso fazer-lhe uma pergunta?
R – Se quiser…
P – Foi combatente do Ultramar?
R – Na Guiné.
P – Qual era a sua Companhia?
R – Cavalaria 7.
P – Onde esteve?
R – Bissau… Bafatá…
P – Não se lembra da sua unidade?
R – Nunca devia ter ido para lá!
Pelo teor da
conversa acima reproduzida, verificamos que as respostas eram rápidas e, após esta frase, a única obtida nesta breve conversa, voltou ao seu mutismo, baixando a cabeça e curvando o corpo sobre si mesmo, voltando à posição em que estava quando o interpelamos.
Temos aqui um ex-combatente da Guiné, que
vegeta na companhia do seu irmão gémeo, vive na rua, num amontoado de peças velhas a servir de residência, abrigado pelas varandas dos prédios, encostados à montra de uma casa comercial que ostenta, como mote na publicidade, 24 horas a servir com conforto.
© Foto do Autor (12/9/09)
É um camarada de armas, que com alguns de nós, unidos num único esforço colectivo, secando as lágrimas e contendo gritos de raiva, servimos a Pátria num local que nos era desconhecido e que nos era adverso, e do qual, muitos de nós, só sabiam o que tínhamos aprendido na escola primária, e para muitos, a única escola que tinham conhecido.
Com os breves dados recolhidos, não pudemos obter, quer por via directa quer por pesquisa documental, qualquer informação do seu passado militar.
Mas, observando o mapa já referido (quase no canto superior esquerdo), está indicado uma casa que tem a indicação
palacete.
O referido palacete fica à distância de cerca de 250 metros do local onde se encontram os ex-combatentes/sem abrigo. Pesquisando na página da Internet da Câmara Municipal Odivelas, encontramos uma breve descrição desse palacete que nos permitimos reproduzir, ainda que a informação peque por desactualizada:
Foto do Site da Câmara Municipal de Odivelas
http://www.blogger.com/www.cm.odivelas.pt/Concelho/Locaisinteresse/PalaceteSecXIII
Localizado em Odivelas, este palacete urbano foi construído no século XVIII. De arquitectura barroca e neoclássica, constitui-se como um espaço de lazer e de ligação à natureza, com um logradouro e fontes tipicamente de estilo barroco.
No interior, encontram-se pinturas neoclássicas, onde predominam motivos pompeianos, característicos do séc. XIX, altura em que o palacete vê remodelado o seu interior. Encontramos igualmente, uma certa elegância dos frisos de folhas e flores, laçarias e medalhões.
É imóvel de Valor Concelhio, pelo Dec. n.º 2/96.
Actualmente é um lar para idosas, pertencente à Associação das antigas alunas de Odivelas.
Localização: Rua Dr. Alexandre Braga, n.ºs 6 e 6 A, Odivelas
Consultamos, também, a obra da Dr.ª Maria Máxima Vaz “O CONCELHO DE ODIVELAS – Memória de um Povo” (Edição do Município de Odivelas), no capítulo Quintas de Odivelas ficando a saber que a casa a que nos referimos fica situada na antiga Quinta do Espírito Santo. Porém, numa outra obra e referida pela Dr.ª Máxima Vaz, da autoria do Dr. João Maria Bravo, aquele casarão é indicado como o local onde fixou residência o seu trisavô Manuel Maria Bravo, em 1852, quando este se retirou dos negócios. A propriedade deste edifício em 1959, já
liberto da quinta em que estava incluída pela construção imobiliária, mas mantendo os jardins, pertencia a um particular, Sr. Manuel Henriques, que pretendia vendê-la.
Foto do Site da Câmara Municipal de Odivelas (Jardim nas traseiras do palacete)
Qual a relação entre os sem abrigo e o palacete? Muito simples!
Ao ler o texto do site da Câmara de Odivelas, constatamos que é um imóvel de interesse concelhio, desde o início de 1996 (Decreto n.º 2/96). Ou seja: há que manter o edifício em bom estado de conservação e com utilidade para o concelho, para a cidade e para os cidadãos.,
© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
Não conhecemos o imóvel no seu interior, mas pela visita ao site acima referido, é uma casa senhorial, como era hábito à data sua construção.
Assim, e tendo em conta a utilização que lhe foi dada num passado recente, consideramos que seria de criar um grupo de trabalho, incluindo representantes da Câmara Municipal de Odivelas e da Liga dos Combatentes, com o objectivo da assinatura de uma parceria, no sentido de iniciar a afectação do edifício, cada vez mais degradado pela sua paralisação e desocupação, a um uso comunitário, começando por recuperar o piso térreo e os jardins, criando um centro para reunião e apoio social a antigos combatentes que, naturalmente como noutras localidades, são bastantes e com idade cada vez mais avançada, dando-lhes um local onde, inclusivamente, poderiam desfrutar dum serviço de refeições económicas, em consonância com os seus rendimentos, e, desta forma, alterar hábitos sedentários que, com a chegada da reforma, foram confrontados.
© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
Numa segunda fase, recuperar-se-iam os pisos superiores, com vista a criar condições para a instalação de alojamento, temporário e/ou permanente, para os que chegam à
Idade de Ouro, incorporando esta ideia na
Liga Solidária.
Neste objectivo poderão/deverão ser incorporados pessoas singulares e colectivas, bastando que, para o efeito, a obra fosse considerada abrangida pela Lei do Mecenato e/ou Benefícios Fiscais, não só no que concerne a doações monetárias, em materiais ou em mão de obra, necessárias à realização da ideia.
E porque não instalar, simultaneamente, uma delegação do Núcleo de Lisboa da Liga dos Combatentes? Seria, também, uma homenagem a João Ramires, companheiro de armas de D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa em 1147, que incluiu os termos (territórios limítrofes) de Lisboa, onde se situava e situa Odivelas, pelo que deve ser considerado, com toda a justiça, o Primeiro Combatente de Odivelas. Foi, também, o Prelado da Paróquia de Odivelas, tendo falecido em 13 de Fevereiro de 1183.
Também seria uma homenagem a todos os combatentes, que ao longo da nossa história, ou daqui partiram para o combate, ou nesta terra se albergaram após terem cumprido a sua missão patriótica.
Também poderia ser pensada, e executada, a colocação de um monumento em homenagem a todos os Odivelenses que, ao longo da história deste país, trocando as suas alfaias de trabalho por uma arma, acorreram ao chamamento da Pátria, ignorando todas as canseiras, penas e sacrifícios, que tal facto lhes acarretaria.
© Foto do Autor (17/10/2008) – Loures – Pormenor do monumento aos Mortos da Grande Guerra.
E, porque sempre existiu um elo de ligação com a cidade de Loures, onde se encontra um dos mais belos monumentos ao sacrifícios dos nossos avós – combatentes e mortos da I Grande Guerra – porque não unir esforços com esse município, tornando ainda mais viável a obra que aqui, humildemente, sugiro.
E não poderia terminar esta já longa carta, sem lançar um repto a todos os camaradas combatentes que trabalham e residem nesta zona (Odivelas/Loures), para que unamos esforços no sentido de, para no caso desta ideia ser acolhida pelas entidades a quem prioritariamente se destina a carta aberta, proporcionarmos a quem precisa um local onde, calmamente, possa desfrutar de tranquilidade de espírito e a companhia de camaradas e amigos.
De V. Exªs.
Atenciosamente
José Marcelino Martins
Ex-combatente da Guiné
josesmmartins@sapo.pt
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 8 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4922: Blogoterapia (125): No dia dos meus anos, brindei à amizade e à camaradagem forjadas em tempo de guerra (José Martins)
Vd. último poste da série de 28 de Agosto de 2009 <
Guiné 63/74 - P4873: Ser solidário (36): Assoc. Humanitária Memórias e Gentes reconhecida como ONG desde 26 de Junho de 2009 (José Moreira)