Foto: © Carlos Fortunato (2007) (Reproduzida, com a devida vénia, da sua excelente página pessoal > Guiné - Os Leões Negros, CCAÇ 13, 1969/71).
Guiné > Bissorã / Mansoa > Duas fotos tiradas pelo ex-Furriel Miliciano da CCAÇ 13, Carlos Fortunato (1969/71), quando um dia passou por Braia-Infandre a escoltar uma coluna. O Carlso que esteve sobretudo em Bissorã, é uma apaixoanda pela terra e pelas gentes da Guiné-Bissau, que revisitou recentemente, em Novembro de 2006. Tenciona lá voltar em 2011.
Fotos: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Afonso M. F. Sousa (subtítulos da responsabilidade do editor do blogue):
Com que emoção recebo e leio esta excelente notícia! Há quanto tempo que eu e a irmã do meu conterrâneo José Mamede procuramos saber aonde e em que circunstâncias ele terá tombado em combate (1).
Com todas as entreajudas, boas-vontades, persistências e com esta ferramenta extraordinária que é a Internet, hoje chegámos ao objectivo pretendido.
Todas as peças do puzzle foram sendo sucessivamente montadas e o intuito foi atingido. Sempre pensei que depois de ter chegado à descoberta do local onde se deu a ocorrência fatídica (Infandre), mais tarde ou mais cedo chegaria à localização de alguém que nesse 12/10/70 a tenha acompanhado de perto ou mesmo integrado. Tinha essa esperança e hoje, dia 1 de Abril de 2007, isso, finalmente, concretizou-se, mesmo coincidindo com o dia das imaginações férteis. É assim que se faz a memória da Guerra Colonial e, em particular da Guiné. Com o contributo e empenhamento de todos (2).
Envolvo todos os meus amigos num abraço de sincero agradecimento e permitam-me que dê também conhecimento deste resultado final ao Senhor Director do Arquivo Histórico Militar do Exército - Sr. Tenente-Coronel Aniceto Henrique Afonso e agradecer-lhe a sua nota nº 691/2006, de 3 de Outubro de 2006 e a sua disponibilidade para uma continuação da investigação rumo ao objectivo que agora se atingiu.
Um obrigado também ao Carlos Fortunato pelos mails que comigo trocou há dias, pelas dicas que me deu e pela sua disponibilidade e empenho. A especulação que o Carlos Fortunato chegou a fazer apontava para a morte deste meu amigo e conterrâneo através de um ataque ou numa patrulha. E a verdade aí está: emboscada numa picagem e protecção a coluna, no itinerário Braia-Infandre (apenas 2 Km). E a sua percepção foi mais longe, quando me referiu: (desculpem a transcrição já que alguns dos amigos não tiveram acesso ao teor destes mails):
Mito e realidade do Morés
«Penso que a função deste aquartelamento, em Braia, era fundamentalmente defensiva, pois assegurava que a ponte não era destruída, e também dava proteccção à zona entre a ponte e Mansoa, pois o rio Braia dificultava a fuga aos guerrilheiro que actuassem nessa zona. Este sistema defensivo permitia que, entre Braia/Infandre e Bissorã, o PAIGC podia facilmente movimentar-se, pois não existia (naquela altura) mais nenhum quartel entre Braia/Infandre e Bissorã, e colocava Braia/Infandre na linha da frente. Infandre gozava do apoio das armas pesadas de Mansoa, e mais tarde também de Bissorã, e poderia ser socorrida por Mansoa, que ficava a pouca distância.
"Na estrada que seguia para Bissorã, depois de Infandre, tínhamos do lado direito da estrada, a uns 10 Kms, o Morés, onde estava o QG do PAIGC para a zona norte, era um dos seus santuários, e era considerado zona libertada; do lado esquerdo da estrada, tínhamos o Queré, nele existia um bigrupo, reforçado com uma unidade de artilharia (60 a 80 guerrilheiros).
"Na altura o que se pensava do Morés, era que existiam ali estacionados 900 guerrilheiros do PAIGC, nos quais se incluiam cubanos, possuindo armas pesadas (morteiros 82). A CCAÇ 13 foi lá uma vez, com 70 homens, e não ficou com saudades de lá voltar (Operação Jaguar descrita no site da CCAÇ 13 - Os Leões Negros). O que acontecia aos aquartelamentes estacionados naquela zona eram ataques pontuais do PAIGC, e confrontos durante as patrulhas ou operações que fazíamos.
"Poder-se-à dizer que existia um aquartelamento em Braia e outro em Infandre, não me lembro de tal (*), apenas me lembro de existir aquele. Especulando poderíamos imaginar que a tarefa do Pelotão de Caçadores Nativos 58 (1) seria a de assegurar a defesa da ponte e servir de tampão para a zona entre a ponte e Mansoa, pois face ao poderio inimigo na zona não tinha capacidade atacante, provavelmente faria patrulhas de proximidade, junto ao aquartelamento.
"Quando tiver oportunidade vou tentar reduzir um outro filme que fiz sobre Braia e envio-lhe por e-mail, o filme completo ocupa 356 MB, é demasiado grande para o conseguir enviar. As fotos foram tiradas na zona de Mansoa, mas já não me lembro se são do quartel que estava em Braia (eu penso que sim), ou se foram tiradas à entrada de Mansoa. Penso que o aquartelamento de Infandre ficava em Braia, quando se passava a ponte, era do lado direito.
"Quando estive em Braia (3), ainda havia algumas paredes de pé, mas à sua volta era um mato cerrado, que quase não dava para as visualizar. Junto envio-lhes 2 fotos tiradas por mim quando passei por Braia (Quartel de Infandre ?) a escoltar uma coluna. Na que tirei para a frente vê-se a ponte e o quartel à direita, e na que tirei para trás a bolanha e a enorme coluna de viaturas civis. O único problema, como lhe referi é que neste caso a minha memória não é clara, tenho a certeza absoluta que é na zona de Mansoa, mas já não tenho a certeza absoluta de ser Infandre, embora creia que sim, pois não me lembro de outro local ou aquartelamento assim. Talvez outros camaradas possam ajudar a confirmar o que descrevi (*).
"Em 2011 conto voltar à Guiné, e vou estar novamente nessa zona, caso não se consiga nenhuma informação até lá, talvez eu encontre alguém do Pelotão de Caçadores 58".
Houve festa na aldeia à minha chegada da Guiné
E já agora, permitam-se abusar da vossa paciência para lhes deixar esta confidência que, no fundo, justifica, de alguma forma, o meu interesse neste assunto e na sua clarificação quanto aos pontos que acima referi.
Era usual, na minha terra natal, a população homenagear todo aquele filho que regressava após o cumprimento do serviço militar no ultramar. A mim também me surpreenderam e, praticamente, exigiram-me esse acolhimento. Lá tive que fazer os 80 Km de distância que separavam a terra de residência, após o casamento [Ovar], e a terra de origem [Casal Comba, Mealhada] para ser recebido no centro cultural da aldeia e assistir, durante a noite, à exibição de uma banda musical, onde o povo manifestou a seu contentamento pela minha chegada da Guiné.
Para mim era tudo muito exagerado, mas a espontaneidade e pureza deste povo simples não me permitiu dizer não. Eu fui o último militar a quem, na minha terra, fizeram este tipo de manifestação de júbilo. Cinco meses depois da minha chegada, aquela aldeia estava a viver um momento de grande tristeza. O José da Cruz Mamede (1º cabo) chegava da Guiné mas jamais para voltar ao convívio dos vivos. Como alguém disse, a implacável lei da vida tornou-lhe o caminho mais curto. E quanto o Zé era estimado por aquelas gentes. No ultramar, tinha morrido o 1º militar oriundo daquela terra. Foi o fatídico 12 de Outubro de 1970, algures, num qualquer sítio da Guiné. Hoje fiquei a saber aonde e em que circunstâncias.
Afonso Sousa
PS - Mando em anexo as 2 magníficas fotos da autoria do Carlos Fortunato. É pena que ainda não possamos ver (com total definição) a zona Infandre-Mansoa, através do Google Earth. Talvez só dentro de um ano.
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Nota do Carlos Fortunato:
(*) O César Dias poderá confirmar ?
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Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1641: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58 (1): Onde e em que circunstâncias ? (Afonso M. F. Sousa)
3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1642: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, Pel Caç Nat 58 (2) : Em Infandre, a 13 km de Mansoa (Afonso M. F. Sousa)
3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1643: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, do Pel Cacç Nat 58 (3): 10 mortos em emboscada com luta corpo a corpo (César Dias)
(2) É de registar o mail que o Joaquim Mexia Alves mandou, em tempo oportuno (20 de Março de 2007) ao Afonso, e que passo a transcrever:
Caro Afonso Sousa: Tenho pena mas não te posso ajudar no que me pedes.
Fui para Mansoa em meados de 1973 (Julho ou Agosto), para a CCAÇ 15 e, por falta de Capitão, mal cheguei, e porque era o mais velho, passei a comandar a Companhia. Estive lá até Dezembro de 1973, tendo regressado à Metrópole.
Não me recordo, sinceramente, de ter ouvido falar no Pel Caç Nat 58. Aliás aquela zona, por força das colunas para Norte, o Morés, etc., falava-se apenas da situação do momento [e não do passado].
Espero que consigas saber o que procuras. Lembro-me que no meu tempo a CCAÇ 13 13 era comandada pelo Oliveira, Cap Miliciano, que tinha o Curso de Rangers. Talvez pela Associação de Operações Especiais, em Lamego, consigas localizá-lo e fazer-lhe as perguntas que desejas.
Abraço amigo do Joaquim Mexia Alves
(3) Vd. post de 17 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1533: De regresso a Bissorã: Uma viagem fantástica (Carlos Fortunato)