segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20432: Notas de leitura (1244): “Missão na Guiné, Cabedu, 1963-1965”, por António José Ritto e Norberto Gomes da Costa, com a colaboração de José Colaço; DG Edições, 2018 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Não é propriamente a história da CCAÇ. 555, são depoimentos soltos e o do então Capitão António José Ritto é de uma extraordinária beleza, lê-se com comoção, é o respigar daquilo que se vincou na sua memória. E o que escreve desvela a Guiné de 1963: a impreparação com armamento adequado, a existência de uma população sujeita ao duplo controlo, a mata do Cantanhez tornara-se num eixo vital para o abastecimento das diferentes bases de guerrilha: lê-se o que foi uma empolgante adaptação ao terreno, cuidando da segurança e de dar mais conforto e assistência sanitária às populações locais.
Tudo escrito sem uma nesga de farronca, prosápia ou a jeito de grandiloquência para basbaque agradecer.
Documentos de grande simplicidade. E quando se lê que foi preciso esperar por Spínola para fazer ação psicossocial a sério, temos que reconhecer que só é novo aquilo que foi esquecido, para alimentar os mitos.

Um abraço do
Mário


Cabedu


A CCAÇ 555 em testemunhos pujantes de fraternidade

Beja Santos

A obra intitula-se “Missão na Guiné, Cabedu, 1963-1965”, escrevem António José Ritto e Norberto Gomes da Costa, a colaboração é de José Colaço, DG Edições, 2018. Lê-se com profunda admiração tudo quanto registou António José Ritto, um oficial octogenário que serviu na Índia, na Guiné e em Moçambique. A CCAÇ 555 era independente, fez a sua preparação só dispondo das Mauser. Logo na mobilização vem uma pincelada de humor: “Aproveitámos estar em Lisboa para arranjar quatro conjuntos de cartas militares de toda a Guiné, e como o nosso médico informou que se ajeitava a arrancar dentes, ainda conseguimos material próprio, que foi muito utilizado nas dores de dentes do pessoal da companhia, no da zona vizinha que era Bedanda, e que ali se deslocou de avioneta, e pela população de Cabedu”.
Chegaram a Bissau e houve que lidar com a G3, após oito dias de treino partiram para Cabedu em barcaça. Cabedu, ao tempo, resumia-se a quatro pequenas casas, sendo uma da Casa Comercial Gouveia e outra da Ultramarina e as duas restantes de dois libaneses que tinham abandonado a região e que a companhia aproveitou.

Mal chegados, encetam os patrulhamentos e as emboscadas, António José Ritto não é parco nos elogios, logo destaca a equipa das Transmissões. Havia igualmente muito a fazer no interior do quartel, lançaram mãos à obra, empreenderam a desmatação, fez-se um cano de aviação, aproveitando-se as palmeiras para criar abrigos. Segue-se uma pincelada de ternura: “Com tanta atividade operacional e tanto trabalho realizado, as energias estavam gastas ao fim de cada dia. Em dois anos nunca houve atritos ou discussões. Só amizade e camaradagem”. Pintou-se a tinta branca no telhado em letras garrafais “Visite Cabedu”. Agora que se fala tanto em descarbonização, veja-se como a tropa era bem ecológica: “Fizeram-se cadeiras com as aduelas das barricas e uma mesa com o tampo suportado por um tronco de palmeira, porque não havia cadeiras, nem mesas”. O diálogo com a população era ativíssimo, vivia-se então uma época em que era usual o duplo controlo. A três quilómetros havia uma tabanca com gente de etnia Nalu e Sossa. Os jovens tinham partido para a mata do Cantanhez, mas o relacionamento com os mais novos foi excelente, davam-se aulas de carpintaria, de mecânica-auto e um intenso apoio médico às populações. O resultado era bem o espelho do estado de espírito daquele povo: confiavam na cooperação da tropa mas davam arroz à guerrilha, a par disso também davam informações à tropa dos locais de passagem dos guerrilheiros. O autor justifica que era a única maneira de se poder manter a população naquela tabanca, sem proteção militar, sem arames farpados, tratando da subsistência. E deixa-nos um detalhe sobre o seu primor de caráter: “Entrámos uma vez numa palhota de onde saía um fumo que não permitia ver nada, mas com lanternas vi que tinha acabado de nascer uma criança e era assistida por uma velha feiticeira, que usava o fumo para anestesiar a parturiente e servia-se das cinzas para cauterizar o umbigo e ia utilizar uma agulha que era só ferrugem para cozer o umbigo. O médico agiu trazendo para o ar puro aqueles seres que já estavam desmaiados, tratou do bebé e da mãe. Comovi-me ao pensar nos meus filhos que tinham um e três anos e que já não via há um ano”.

1963 no Sul da Guiné é o mesmo que dizer acontecimentos explosivos, foi aqui, e na região do Morés, que se instalou o laboratório experimental do novo armamento do PAIGC: “Tivemos a sorte em detetarmos e desativarmos as primeiras minas antipessoal que colocaram na Guiné. Tratava-se das minas POMZ de fabrico soviético, constituídas por uma granada explosiva de fragmentação, fixas ao solo por um espeto de madeira e detonadas através de arame de tropeçar. Tinham colocado seis minas com os arames interligados entre elas”. Com o tempo, foram chegando as beneficiações, construiu-se o cais acostável, veio um pelotão de reforço com três bocas de fogo, e um importante gerador elétrico. Houve tentativas de a administração colonial praticar disparates que podiam deitar por terra todo o diálogo estabelecido com as populações. E o autor conta: “Quase no final da comissão, chega, numa avioneta, um indivíduo acompanhado por dois sipaios. Apresentou-se como o novo chefe de Posto para Cabedu; disse-me que tinha sido Cabo numa companhia que tinha regressado ao continente. Quando lhe perguntei qual era a sua missão, informou-me que queria que a CCAÇ 555 lhe desse proteção, porque queria cobrar impostos na povoação vizinha e não tinha qualquer outro objetivo. Rapidamente pensei que ele iria destruir dois anos de trabalho, realizado num apoio àquela população. Nuns segundos, mandei dizer ao piloto que não levantasse, porque o dito chefe de Posto ia ser recambiado no mesmo avião. Assim, com protestos e ameaças de que se iria queixar, lá se foi”.

Quanto ao episódio de um soldado que desvairou, embrenhando-se no mato, lá se foi no seu encalço e um helicóptero recolheu-o numa ilhota, tinha ganho consciência do enorme disparate que cometera, ajoelhou-se: “Perdão, meu capitão, eu não faço mal a ninguém”. E segue-se um comentário: “Compreendi que o soldado andara, andara sempre e com o tempo as águas subiram uns 200 metros e ele ficou isolado e perdido naquele espaço que a água não ocupou. Teria morrido se não fosse encontrado e eu ficaria traumatizado toda a vida se não o trouxesse de regresso à família”. Tocantes recordações, que serão completadas com as de Norberto Gomes da Costa, ao tempo furriel da companhia, que elenca as ações militares, entre operações e flagelações, enaltece o bom senso do Comandante da Companhia que nunca arrastara levianamente os seus militares para situações que poderiam ser desastrosas. Recorda Seco Aidara, provavelmente a pessoa que o Comandante mais ouvia, dá conta dos jogos de futebol e da caça, os momentos empolgantes da chegada do correio, as avionetas e os barcos de abastecimento, os soldados que completaram a instrução primária, os abastecimentos e a comida, e é bem comovente o que escreve sobre a despedida da companhia, em setembro de 1965: “Vi gente a chorar, parecendo já antever o drama que se haveria de abater sobre eles, a partir de 1974. Aquela comunidade identificou-se muito connosco, provavelmente pela política da companhia, sempre lesta para resolver ou ajudar a resolver as dificuldades e a dar um pouquinho de bem-estar a quem precisava".

Junta-se um conjunto de documentos com o cabeçalho “Cabedu visto do lado do PAIGC” e José Colaço procede à narrativa de uma escolta em que havia um guia que intentou uma traição, foi denunciado e entregue a João Bacar Djaló, em Catió. Colaço escreve: “O João reprimia as traições com bastante dureza. Ele mostrou o pau com que agredia os traidores no estômago, mas a resposta do falso guia foi: - Mim murre… mas não diz nada”.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20420: Notas de leitura (1243): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (35) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20431: Feliz Natal de 2019 e Bom Ano Novo de 2020 (1): João Crisóstomo e Vilma Kracun (Nova Iorque)




João Crisóstomo & Vilma Kracun: o lindo par luso-esloveno-americano que nos escreve de Nova Iorque, desejando boas festas à Tabanca Grande

Foto: © João Crisóstomo (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de João Crisóstomo, fazendo "prova de vida" e desejando-nos boas festas de 2019/2020:

De: João Crisóstomo
Date: sábado, 7/12/2019 à(s) 09:44
Vilma Kracun e João Crisóstomo,
no 10 de Junho de 2018, Dia de Portygal,
em Mineola, Nova Iorque. Cortesia de
Henrique Mano Luso-Americano

Subject: Mensagem de Natal (e mais...)

[ João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), nosso camarada da diáspora, a viver desde 1975 em Nova Iorque, conhecido ativista social (de causas como as Gravuras de Foz Coa, Timor Leste ou Aristides Sousa Mendes); casado com a nossa amiga eslovena, Vilma Kracun; régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona]



Meus caros camaradas,

Gostaria de poder  enviar um abraço individual e directo de Boas Festas  a cada um de vocês, via E mail ou mesmo por telefone se o tivesse!  É que... um  presente de  Natal que  "que    me exijo e me ofereço   a mim  mesmo" é um contacto quanto possível  pessoal e directo com os  que me concedem o favor da sua amizade. 

Se  não houvessem mais razões, esta seria  suficiente para eu   esperar  sempre com muita antecipação esta feliz quadra do ano.  E, embora  eu evidentemente nem conheça pessoalmente  a maior parte dos "camaradas da Guiné", o facto de termos vivido igual ou semelhantes experiências em terras africanas,  leva-me a sentir que, sem olhar a diferenças de opiniões e outras que existem sempre entre membros de qualquer família,  mais do que camaradas,  todos eles são meus irmãos.

E irmãos não se esquecem de dar um abraço nesta época festiva.    
E portanto , e só  porque a distância e outras razões não me permitem  fazê-lo pessoalmente, associo-me a  todos  os familiares e amigos de cada um  nos votos de que tenham um Natal e um Ano Novo tão bons quanto possam desejar. E a minha esposa  Vilma que nunca esteve  na Guiné, mas porque é a melhor metade de mim mesmo e faz sempre questão de ser e agir como tal,   junta-se a mim neste  grande abraço de amizade.

Permito-me esta ocasião  para uma explicação àqueles a quem por vezes devo uma resposta que fica sem ser feita: 

Para os que não me conhecem ainda esta infeliz faceta,  eu tenho muita dificuldade em tudo o que é de natureza digital, sejam eles os novos telefones, facebooks, blogues e outras redes sociais…  até parece que tudo o que é máquina  agora tem de ser digital senão "não presta"... (Até o raça do automóvel agora tem de ter meia dúzia de coisas  digitais que me  leva a pedir à  minha  Vilma, que até gosta de o fazer, que seja quase sempre ela a conduzir …). 

E isto sucede-me mesmo neste  nosso querido  blogue, "Luís Graça & camaradas da Guiné", onde eu  por vezes "me sinto perdido",  embora seja uma das poucas coisas que, salvo raras excepções alheias à minha vontade, eu  tento seguir religiosamente todos os dias.

Recentemente enviei uma informação ao Luis Graça (,um dos muitos camaradas como o saudoso Eduardo Jorge, o Rui Chamusco, o Horácio Fernandes, a "Helena do Enxalé", o  Henrique Matos   e outros "irmãos  de coração" que    me concedem o privilégio de os poder contactar pelo telefone  frequentemente),  sobre um "Monumento das Descobertas" que fui visitar. 

Dias depois o Luís Graça pelo telefone disse-me que a ia publicar. E fiquei esperando, mas não vi esse "poste"  e não insisti: " outras coisas mais  relevantes apareceram e este vai ter de esperar pela sua ocasião"  dizia  eu para os meus botões. E ontem de repente deparei com um comentário, relacionado com o monumento,  endereçado a mim pelo camarada Alberto Branquinho, de há umas três semanas atrás que merecia uma resposta. Intrigado,  comecei a  procurar uma e muitas vezes até que de repente vi o poste, publicado  no blogue quase logo a seguir ao seu recebimento,mas que eu nunca cheguei a ver..., até ontem.

Agradeço a vossa compreensão para estes meus lapsos, bem mais frequentes do que eu desejaria fossem. Aliás eu pergunto-me de vez em quando se esta minha falta de capacidade para isto ou aquilo, esta falta de  organização e concentração  de que muitas vezes  com pesar me apercebo, são  só por causa da idade ou se vêm de há muito tempo  já, talvez  como resultado das muitas experiências duras que como muitos de vocês eu passei na Guiné; se é o caso… ainda me posso considerar muito feliz pois vim de lá  são e salvo, e muitos dos nossos camaradas tiveram pior sorte e quantos deles infelizmente nem de lá  voltaram.  Coração ao alto portanto ! 

Deixo aqui os meus  endereços de  E mail (tenho dois):

crisostomo.joao2@gmail.com
jcrisostomo@earthlink.net

João Crisóstomo, Lourinhã, Porto das 
Barcas, 1 de julho de 2017.
Foto:  Luís Graça (2017)

A minha vontade  é de compartilhar também a minha morada, telefone e tudo o mais (  como já fiz no passado ! ), mas fui fraternalmente avisado de que não é aconselhável deixar toda esta informação no facebook ( que quase não uso) , blogues etc.  E portanto deixo aqui só os meus endereços de E mail, com a promessa  de os  enviar àqueles que me quiserem contactar directamente por E mail, se assim o desejarem, como já faço com  vários  camaradas em Portugal, Brasil, Holanda, Canadá…

Um importante PS - Uma outra ocasião em que gosto de chamar  os meus amigos (por telefone, quando possível)  é no dia do seu aniversário. e por   facebook … não é a mesma coisa!  só mesmo na   falta de outra e  melhor maneira.  

A quem me quiser dar essa informação, eu, quando possível (, pois por vezes não dá mesmo), gosto de corresponder com um abraço nesse dia.  

Um outro fraternal abraço,

João C.

Guiné 61/74 - P20430: Parabéns a você (1719): Amaro Samúdio, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 3477 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20415: Parabéns a você (1718): José Pereira, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 5 (Guiné, 1966/68) e Manuel Carvalho, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 2366 (Guiné, 1968/70)

domingo, 8 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20429: Facebook...ando (55): os valorosos mecânicos de artilharia do GA 7, Bissau, 1972/74 (António Rios / Carlos Marques de Oliveira)


Obus 10.5 > O "recuperador" do obus é esse tubo [,assinalado, com uma seta amarela,] que está por cima do "cano" (, em linguagem dos "infantes"...]


Guiné > Bissau > Grupo de Artilharia nº 7 (GA 7) > c. 1972/74 > Grupo de mecânicos de artilharia

Fotos (e legendas): © António Rios (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Comentário do António Rios, ex-fur nil mecânico e Artilharia (GA 7, 1972/74), na página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça:

Nós, Mecânicos de Artilharia do GA7 [, Grupo de Artilharia nº 7,]  éramos três furriéis,  quatro primeiros cabos e um segundo sargento.  Alinhávamos  para o interior da Guine onde havia obuses. Tínhamos 33 Pelotões de Artilharia de Campanha.

Quando havia avarias,  alinhava o que estava em primeiro lugar na escala.  A minha primeira saída foi a Cabedu [, no sul, região de Tombali,] que tinha o  obus 10.5. Fui  substituir o recuperador em dezembro de 72.  Fiz lá a passagem de ano.

Durante toda a minha comissão,  fiz 12 saídas para  o mato. A minha pior foi em Bigene [, na fronteira com o Senegal, a Norte, região de Cacheu[,  quando deitaram abaxio [, com os Strela,] uma DO 27 e um T6.

Na foto que  junto [, vd. foto acima), pode ver-se uma parte da equipa de mecânicos de artilharia do GA 7: o 1º cabo Carcagueira  [?] era um deles. Estava em Guileje quando fugiram para Gadamael. Era tudo pessoal do Norte. Nunca consegui encontrar nenhum, só o segundo sargento Corrito, que era de Vila Real de Santo António, e  que já faleceu. O chefe de oficina era de Braga, primeiro sargento Moreira.


Legenda para a foto do almoço-convívio do HM 241, em Bissau, em 13 de junho de 1974:

Era um grupo de malta de Vila Real de Santo António. Havia um que estava colocado no Hospital e está um que era vagomestre do GA7 [Grupo de Artilharia nº 7]:  ele desenfiou do refeitório comida e fomos comer ao hospital. Eu sou o que está na fila de cima,  o da direita com bigode. A  cerveja era em lata.

Fotos (e legendas): © António Reis (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Comentário de Carlos Marques de Oliveira  [, ex-alf mil arm pes inf, cmdt Pel Mort 2115 e, depois, do 5º Pel Art e do 7º Pel Art (Catió e Cabedu, 1969/71):  membro nº 796 da nossa Tabanca Grande]

Nos casos de Cabedu e sobretudo Catió os recuperadores era o material mais sacrificado pois fazíamos muito tiro para alcances máximos. Quando avariavam, pedíamos assistência e era com ansiedade que esperávamos a chegada do mecânico de artilharia que normalmente trazia um recuperador "recuperado" para substituir o avariado. Normalmente, depois da reparação ficavam connosco a aguardar transporte de regresso a Bissau. 

Tenho boas memórias dos mecânicos que nos assistiram. Boa gente e óptimos profissionais. Faziam milagres. O material estava muito cansado e sempre se aproveitava para fazer pequenas revisões e manutenção. Era uma ansiedade até que os mecânicos nos chegassem. Cabedu e Catió 69/71. O meu reconhecimento. Bem hajam.

3. Comentário do editor Luís Graça:

António. sê bem vindo!... És recebido de braços abertos, por mim, Luís Graça, fundador, administrador e editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, um blogue que vai fazer 16 anos em 23/4/2020, e que congrega a rapaziada da Guiné, de 1961 a 1974... 

A Tabanca Grande vai-te acolher, com pompa e circunstância: passas a ser o nº 801, que é o teu lugar à sombra do nosso mágico e fraterno poilão... Como sabes, em todas as tabancas da Guiné, de Bigene a Cabedu, havia sempre um ou mais poilões sagrados, centenários, onde os habitantes prestavam o culto aos seus mortos, aos seus antepassados... 

Tu tens o privilégio de ser o primeiro mecânico de artilharia a entrar para as nossas "fileiras"... Temos muitos camaradas de artilharia, incluindo malta que passou pela BAC 1 / GAC 7 / GA 7... Mas faltava-nos um mecânico de artilharia. De infantaria, de armamento de infantaria, já tínhamos... Mecânicos de rádio também já tínhamos. Mecânicos de manutenção aeronáutica também já havia... Agora, quando o obus se avariava, é que era uma gaita!...Felizmente passamos a ter o camarada António Rios, ainda por cima um "tavirense" de adopção... 

Não tenho as melhores recordações do CISMI de Tavira onde tirei, no úkltimo trimestre de 1968, a inútil especialidade de armas pesadas de infantaria, mas hoje adoro a tua cidade adotiva, Tavira, uma das mais belas de Portugal... 

Só preciso de uma foto, do tempo da tropa ou da guerra, ou seja de "menino e moço", para te apresentar à Tabanca Grande... Já fazias parte dos "amigos do Facebook", da nossa página "Tabanca Grande Luís Graça!... Mas não é a mesma coisa... O patamar a seguir, mais exigente, é a Tabanca Grande formada só pelos "amigos e camaradas da Guiné"... Estou seguro que aceitas o meu convite: preciso também do teu endereço de email, se o tiveres, ou em alternativa de um familiar, filho ou neto... Que é para a gente se poder comunicar "em privado"... Podes publicar aqui uma foto tua, do "antigamente"... A foto atual posso ir buscá-la à tua página do Facebook. 

Vejo que és um "jovem idoso" ativo e proativo, fortemente ligado à comunidade onde vives, através da Rádio Gilão e do Grupo Folclórico de Tavira. Dou-te os meus parabéns, és um exemplo salutar para todos nós!...

Mas agora que quero que colabores também no nosso blogue, partilhando mais memórias do teu tempo de Guiné, tu que foste um dos últimos soldados do Império, aqueles que "fecharam a porta da guerra"...

Diz-nos algo mais sobre a tua comissão, quando chegaste, quando regressaste a casa, os sítios por onde andaste como "doutor dos obuses"... A gente quer saber tudo, direitinho... Podes escrever, no Facebook da Tabanca Grande, se te dá mais jeito... Aqui no blogue não podes escrever diretamente, a não ser na caixa de comentários. Mas podes usar o nosso endereço de email: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Um "alfabravo" (ABraço) do camarada, "infante", Luís Graça (ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de dezembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20423: Facebook...ando (54): António Rios, ex-fur mil mecânico de artilharia (GA 7, Bissau, 1972/74), algarvio de Vila Real de Santo António, a viver em Tavira

Guiné 61/74 - P20428: Recortes de imprensa (107): Homenagem, em Ribamar, Lourinhã, aos 23 pescadores, de um total de 38 mortos, que ficaram insepultos no mar nos últimos 50 anos ("Alvorada", 15 de novembro de 2019)




Notícia dado no suplemento "Grito Rural", do jornal quinzenário "Alvorada", Lourinhã, 15 de novembro de 2019. Com a devida vénia... (*)

1. Desde 1960,  38 pescadores de Ribamar, Lourinhã, naufragaram no mar, tendo perdido a vida... Desses, houve 23  corpos que  nunca foram recuperados, encontrando no fundo do mar a sua derradeira sepultura.  

É uma imensa e dolorosa história trágico-marítima para uma terra só... 

Ribamar, terra de que me orgulho por ser berço dos meus antepassados Maçaricos, quis fazer uma homenagem a estes "23 pescadores que o mar guardou", erguendo no cemitério local um "Farol Memorial", inspirado por farol do Cabo Carvoeiro que guia os pescadores desta vila, matriculados na capitania de Peniche (onde, atualmente, a maior parte da frota pesqueira, nomeadamente a do mar alto, é de gente de Ribamar)...

Além dos nomes dos homenageados, há uma inscrição onde se lê: "Não importa a distância que nos separa, há um céu  que nos une".

O monumento ‘Memorial aos que não tornaram’ é um projecto executado pela Junta de Freguesia de Ribamar, presidida pelo meu amigo Pedro Alexandre Rato,  através da edição de 2018 do orçamento participativo, do qual foi responsável Nuno Cruz.  A cerimónia teve a presença (inesperada) do Cardeal Patriarca de Lisboa. Apesar da chuva, por vezes torrencial, que caiu na manhã do dia 2 de novembro último, cerca de 120 pessoas não arredaram pé. (Fonte: Alvorada "on line", 5/11/2019).

De entre esses pobres náufragos, há gente meus parentes, e há seguramente alguns que fizeram a guerra do ultramar, tendo passado pela Guiné (**).

Há cerca de quatro anos atrás, foi inaugurado em Ribamar o monumento aos combatentes do Ultramar (***) que contou com a presença ativa de um dos filhos mais conhecidos da terra, o ten gen ref Jorge Manuel Silvério.

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Guiné 61/74 - P20427: Da Suécia com saudade (62)... E agora também dos States, Florida, Key West... A catarse do Império... O lugar do Portugal de hoje, tanto na Europa como no mundo, é que deveria ser assunto de discussões acaloradas (José Belo)


Anúncio dos Cimentos Liz, no jormal "Acção Colonial - Jornal de Informação e Propaganda das Colónias". Número Comemorativo da Exposição Colonial do Porto, 1934. Diretor: Frederico Filipe. Fonte: Cortesia de Hemeroteca Digital, Câmara Municipal de Lisboa.

"A história da marca dos cimentos Liz inicia-se em Portugal, no ano de 1918, quando o empresário português Henrique Araújo de Sommer funda, na localidade de Maceira-Liz, em Portugal, a Empresa de Cimentos de Leiria.

"Nessa época, ter tecnologia para a fabricação do cimento era fundamental, por isso, a empresa investiu no que havia de mais moderno ao instalar os fornos horizontais rotativos. Em 1923, as obras da fábrica da Empresa de Cimentos de Leiria foram concluídas e a produção entrou em pleno funcionamento.

"O sucesso da empresa permitiu que o empresário António de Sommer Champalimaud expandisse, em 1942, a marca do cimentos Liz e instalasse fábricas e empreendimentos em Moçambique e Angola.

"Outro marco na história da marca Liz foi a instalação do maior forno de cimento do mundo, na Companhia de Cimentos Tejo, em Alhanda, em Portugal. Além disso, foram instalados 19 fornos de cimento nas sete fábricas do grupo que eram responsáveis por produzir sete milhões de toneladas de cimento por ano." 

Fonte: Cimentos Liz > Perfil > Nossa Marca.

1. Mensagem de José Belo:

(i) régulo da Tabanca da Lapónia, membro da Tabanca Grande, tem 135 referências no nosso blogue:

(ii) jurista, vive na Suécia há mais de 4 décadas, e onde constituiu família: continua a ter uma pontinha de orgulho nas suas velhas raízes portuguesas: "Com netos sueco-americanos, o sangue Lusitano vai-se diluindo cada vez mais. Mas, como dizem os Lusíadas... 'Se mais mundos houvera, lá chegara'...".

(iii) foi alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, cap inf ref;

(iv) reparte os dias do ano entre a Suécia, o círculo polar ártico,  e Key West, na Flórida, EUA, onde a família tem negócios.



De: Joseph Belo
Enviado: 6 de dezembro de 2019 14:35
Assunto: Catarse

Meu caro  neo-avô Luís:

Aqui segue um texto escrito como comentário mas aparentemente demasiado longo no contexto.
Fica à...opiniäo dos editores.(*)

Quando o "Mítico Império" é referido no blogue em termos menos ortodoxos (**),  surgem de imediato pontos de vista intempestivos. Intempestivos por desnecessários.

Mais näo se trata do que trocas de ideias e opiniöes entre camaradas que procuram analisar os assuntos,  apresentando autores com diferentes leituras dos mesmos.

As nossas geracöes foram educadas desde os primeiros bancos escolares na ideia, criada por iluminados intelectuais e historiadores do governo da ditadura, de um mítico império constituído unicamente por heróis universais, santos missionários, e comerciantes de honestidade virginal.b  O Infante D.Henrique será um bom exemplo da mitologia de entäo.

Esta bonita, mas menos verdadeira, visão do império foi fácil de incutir nos  n espíritos jovens das nossas gerações.

Mais tarde fomos aprendendo que os que se atreviam a outras leituras da História Oficial (!)......acabavam mal.

Este "acabar mal ", mesmo que näo abertamente consciencializado por muitos, acabou por criar a tal unidade "patrioteira" à volta de um assunto incriticável por.... sacro.

Quem se dê ao trabalho de aprofundar o que foi a expansão (e influência) do pequeno povo de Portugal pelo mundo de entäo, sentirá näo só orgulho pela extensão do mesmo como pelas raízes ainda hoje bem vivas em locais dos mais inesperados.

Ao mesmo tempo surge a curiosidade de se compreender como tal foi possível. Os erros cometidos nesta "gesta" do império foram certamente muitos e graves.. Mas näo se deve esquecer que deverão ser analisados com os "olhos" e valores da época,e não com os valores dados actualmente como correctos para situações täo díspares.

E a vinganca póstuma do "saloiísmo-iluminado" do período da ditadura está no facto de muitos de nós não terem até agora conseguido a tal, e täo saudável ,"catarsis" libertadora dos mitos....por definição... näo factuais.

Continua-se a olhar sempre para o que "teremos sido",  sem nunca desejar-se verdadeiramente olhar para o que "somos" hoje.

Um povo que se respeite,  deverá sentir orgulho na sua História,nos seus heróis,nos seus mortos.
A nossa História é de tal modo rica que näo necessita de mitos e falsidades criados por oportunistas patrioteiros para a "valorizar".

Mas, e ao orgulharmo-nos dos mortos,  näo se deverá também sentir orgulho nos vivos? O lugar do Portugal de hoje (!), tanto na Europa como no mundo, é que deveria ser assunto de discussões acaloradas. 

Os antigos? São factos já gravados nas pedras. Foram o que foram. Não serão leituras revisionistas da História que os vão alterar.

Um abraço do J. Belo


2. Significado de catarse (LG)

catarse | s. f.
ca·tar·se |z|
(grego kátharsis, -eós, purificação)

substantivo feminino

1. [Filosofia] Palavra pela qual Aristóteles designa a "purificação" sentida pelos espectadores durante e após uma representação dramática.

2. [Psicanálise] Método psicanalítico que consiste em trazer à consciência recordações recalcadas.

3. [Psicanálise] Libertação de emoção ou sentimento que sofreu repressão.

4. [Medicina] Evacuação dos intestinos.

"catarse", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/catarse [consultado em 08-12-2019].
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Notas do editor:

(*) Último poste da séruie 2 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20408: Da Suécia com saudade (61)... E agora também dos States, Florida, Key West... Carta aberta aos Editores e Camaradas da Tabanca Grande: o que todos (!) temos em comum é termos participado, cada um de seu modo e à sua maneira, na experiência incrível que foi a guerra da Guiné... Por favor, não caiamos na perigosa tentação de nos dividirmos em operacionais... e não operacionais (José Belo)

Guiné 61/74 - P20426: Blogpoesia (649): "África negra das ventanias e vendavais", "Nem com Wagner..." e "Cataratas da minha terra", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


África negra das ventanias e vendavais

Terra ampla, vermelha e doce.
Das florestas densas e das pradarias.
Das estepes imensas onde poisam aves gigantescas, com garras d’aço e bico adunco.
Onde os ofídios livres se banqueteiam à solta pelas florestas.
Onde, frenéticos, retinem batuques pela noite fora, durante as festas das cubatas.
Se ouvem lúgubres os silvos das feras famintas.
E as famílias percorrem léguas, a pé descalço, dia e noite, pelas sendas sem fim, para visitarem os parentes que os esperam em grande festa.
Onde, tudo é grande, até a vida que decorre lenta e plena de cores.
Quem lá nasceu ou só viveu, sabe bem que é verdade tudo que eu falo...

Berlim, 1 de Dezembro de 2019
13h16m
Jlmg

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Nem com Wagner…

Em vão pedi aos ventos e às ondas do mar duas letras de poesia.
Sedento, orei aos deuses e às ninfas.
Supliquei em preces, chovessem versos ou sistemas.
Baladas doces, ternurentas.
Meu deserto tem sede de oásis.
Me assusta o gelo polar ártico.
As cavernas escuras e os degredos.

Queria voar à solta, sentir a brisa fresca das manhãs de Agosto.
Ouvir ladainhas e promessas sãs.
Inocente refrigério das lamúrias.
Voltar de novo à terra da esperança e da alegria.
Desfraldar a paz com bandeiras do bem-fazer.
Viver de amoras e mel silvestre.
Regar minha alma com o ar puro das florestas.
Adormecer em paz ao tom das Avé-Marias.

Ouvindo Wagner
Berlim, 4 de Dezembro de 2019
8h55m
Jlmg

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Cataratas da minha terra

Que deslumbramento, ali escondido,
Entre rochosas encostas montanhosas!
Corre ao fundo, um ribeiro sinuoso.
Soluçando das cambalhotas que sofreu atrás.
Vou no encalço dele até à sua fonte
E fico espantado.
Suas águas escorrem em catadupa,
Fervendo espuma branca,
Por uma garganta funda e pedregosa,
Entre duas montanhas.
Luta titânica da natureza,
Reclamando seu equilíbrio ancestral.
Acabou em paz tamanha refrega.
Por isso, agora, saltita alegre o ribeirito,
Regando as terras virgens de verdura fértil,
Que tudo converte em vinho e pão.

Saúdam-no festivamente, os cavadores,
De enxada em punho,
Orientando as regas até às raízes.
Quadro belo que Agosto traz.

Ouvindo Schubert
Berlim, 7 de Dezembro de 2019
9h27m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20403: Blogpoesia (648): "O dia a nascer", "O comboio em andamento..." e "Estuário de poesia", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20425: Lições de artilharia para os infantes (9): Os Pel Art, de vez em quando, tinham que "tocar uma punheta" aos obuses, por razões de manutenção... (C. Martins, ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1973/74)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > Agosto de 1972 > Espetacular foto noturna do obus 14 em ação...

Algumas características técnicas do Obus 14 cm m/943:  (i) Origem Reino Unido; (ii) Ano de fabrico: 1941 (entrada ao serviço: 1943); (iii) Calibre: 140 mm; (iv) Guarnição: 10 elementos; (v) Peso do obus 6190 Kg; (vi) Peso da granada HE; 40,5 Kg; (vii) Alcance: 15600 m; (viii) Campo de tiro horizontal:  -530 mil a +530 mil; (ix) Campo de tiro vertical;  -90 mil a 800 mil; (x) Cadência de tiro: 2 TOM; (xi) Locomoção Tração Automóvel... Observ: Foi descontinuado em 1987, é hoje peça de museu...

Foto (e legenda): © Vasco Santos (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do nosso camarada C. Martins (, ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1973/74; hoje médico, reformado), ao poste P20423 (*)

Foto: Cortesia de António Rios (2019)
O GA7 [Grupo de Artilharia nº 7, em Bissau]  tinha uma oficina de reparação de obuses chefiada por um 1.º sargento.

Quando avariava um ou mais obuses,consoante o tipo de avaria, podia-se eventualmente fazer a reparação no próprio local, os Pel Art  tinham material de substituição, ou então deslocava-se um mecânico de Bissau, e em último caso o obus era substituído.

Os tubos (que para os infantes são canos) tinham estrias e, após mil tiros, tinham que ser substituídos porque estas se desgastavam, mas, para evitar isso, aconselhavam avivá-las o que dava uma trabalheira do "caraças".

Os graduados dos Pel Art  tinham uns conhecimentos de mecânica dos obuses não só para a manutenção como para eventuais pequenas reparações.

Algures no sul da Guiné um alferes de um Pel Art  perdeu um "cogumelo", que era uma peça em aço da culatra cujo o formato era isso mesmo, um cogumelo, e como ia ser substituído tinha que fazer o espólio do Pel Art.

Pediu ao Pel Art  da vizinhança, que amavelmente cedeu um. Este por sua vez resolveu a falta do dito incluindo-o no relatório dos estragos feitos por um ataque, evidentemente com mais uma picareta, uma pá e tralhas várias em armazém.

Sabia-se que ninguém lia o dito relatório, e se lessem que fossem lá verificar a veracidade da coisa.

Também se tocava periodicamente uma "punheta" aos obuses que consistia na lavagem dos tubos,  e esta parecia que os tubos estavam a ejacular, daí o respectivo nome.

Mais lições de artilharia, têm que pagar, porque andei eu a queimar os neurónios para vocês passarem a saber tanto como eu, só faltava mais essa!

Ah, na foto [, à esquerda],  está-se a reparar o aparelho de pontaria que era uma avaria frequente.

Saudações artilheiras (**)
C.Martins
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20423: Facebook...ando (54): António Rios, ex-fur mil mecânico de artilharia (GA 7, Bissau, 1972/74), algarvio de Vila Real de Santo António, a viver em Tavira

(**) Último poste da série > 23 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20375: Lições de artilharia para os infantes (8): Algumas características técnicas do obus 14 e da peça 11.4 (C. Martins, ex-cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1973/74; João Martins, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69)

sábado, 7 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20424: Os nossos seres, saberes e lazeres (367): A quintessência do ultrarromantismo: Monserrate (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Quando se fala de Sintra, associa-se imediatamente o Palácio da Vila e o Palácio da Pena, mas na vila há muitíssimo a ver, em museus e casas de elevado valor arquitetónico. E depois a Regaleira, um verdadeiro regalo para quem gosta de neogótico, do exótico e dos antros mágicos, ou aparentados. E mais adiante, o parque e o Palácio de Monserrate, e também o Convento dos Capuchos.
Aqui se deixam imagens daquilo que se designa por quintessência do ultrarromantismo, os jardins de facto são românticos, o palácio é um excesso, mas um belíssimo excesso que nenhum de nós pode ignorar.

Um abraço do
Mário


A quintessência do ultrarromantismo: Monserrate

Beja Santos

Aqui, tanto no palácio como nos jardins, reclama a adjetivação mais hiperbólica, permite todos os excessos: a cortina da bruma, a sobrecarga do neogótico, as atrações edénicas, os excertos de várias proveniências, as imitações de ruínas… Mas nada, absolutamente nada, impede o embevecimento de quem visita este território dos contos de encantar. Atenda-se à bruma, logo ocorre inspiração poética neste território que no século XVI foi propriedade do Hospital de Todos os Santos de Lisboa e que no século XVIII teve o seu primeiro palácio neogótico mandado construir por Gerard de Visme, no fim desse mesmo século William Beckford, um dos homens mais ricos do seu tempo arrendou a propriedade e mandou criar um jardim paisagístico, chegava o tempo das imitações, o ideal romântico era quem mais ordenava.


Pode dizer-se com carga de convicção que Monserrate é uma das mais belas criações paisagísticas do romantismo. Dirá o viandante que é excessivo, é ultra quanto ao palácio, mas rende-se quanto ao conceito de romantismo para o jardim. Olhe-se para este metrosidero que se cobre de flores vermelhas no início do verão, chama-se Árvore-de-Natal-da-Nova-Zelândia, quem está na varanda do palácio tem-no ali ao pé, não é uma casualidade.


Em 1856, outro ricaço, Sir Francis Cook, adquire a quinta, reconstrói o palácio, revoluciona os jardins. O palácio passou a ser a residência de verão, o arquiteto inglês James T. Knowles correspondeu aos desejos de Sir Francis Cook, aproveitou a base, isto é, as ruínas da mansão neogótica edificada por Gerard de Visme, o resultado é espetacular, logo a seguir à escadaria temos a Fonte do Tritão, o átrio é um recinto ortogonal, segue-se um longo corredor que termina na sala de música, e nas faces laterais temos a sala de jantar, a capela, a sala de estar indiana, a sala de bilhar, no meio um átrio principal onde se encontra uma fonte em mármore de Carrara, ali bem perto uma escadaria decorada com um padrão de folhas de hera que leva ao piso superior, onde estão os quartos e a torre sul, onde ficavam os aposentos de Francis Cook.





Comprova o viandante que esta sala de música é de uma excelente acústica, tem cúpula em estuque com motivos florais dourados e friso com representações das Musas e das Graças. Nos saudosos tempos em que havia festival de música em Sintra, escolhia-se esta sala para recitais de piano ou música de câmara, o piano é fabuloso, ouvir aqui Chopin, Rameau ou Liszt numa tarde de outono, e se o intérprete é de primeira plana, pode ser acontecimento inesquecível.


Esta é a galeria, constitui o corredor de ligação entre as três torres do palácio. O arquiteto foi feliz, conseguiu um efeito de profundidade com a sucessão de arcos e colunas e uma delicada infiltração da luz.




Voltemos à história de Monserrate. Os descendentes de Sir Francis Cook venderam o recheio fabuloso da casa, o Estado comprou uma peça, recorreu ao direito de preferência, já houve uma exposição em Monserrate com as peças que fazem hoje parte de coleções e museus nacionais, em 1949 o Estado adquiriu o parque e a tapada, num total de 143 hectares, as obras tardaram, o interior arruinou-se. Nas últimas décadas, tem-se processado a reabilitação. O visitante não deixa de vir à biblioteca, esta porta de madeira trabalhada enche-lhe as medidas, sofre por ver as estantes vazias, tudo fruto do tal leilão que nunca devia ter acontecido.



Em 1995, a UNESCO classificou a Serra de Sintra, onde se localiza Monserrate, como Paisagem Cultural – Património da Humanidade. A classificação fez bem ao palácio e aos jardins, em 2010 as obras de recuperação do palácio foram inauguradas. E vão continuar por muito tempo, espera-se.



Um dia virá para visitar a preceito o parque. Diz-se sumariamente que alberga uma notável coleção botânica com espécies de todo o mundo, há estrelícias, roseirais, araucárias, metrosideros, pinheiros, uma boa porção do parque avista-se da varanda, ali perto há um arco indiano, um arco romano e um tanque, lá em baixo o vale dos fetos. Há para aqui muita encenação teatral, já se disse. É o caso de um falso cromeleque, nem chega a ser kitsch, mas enche o olho.
Em jeito de despedida, veja-se a beleza destas flores de cato, uma especialidade primaveril, deixam-se igualmente imagens do tanque e do arco indiano. Até ao próximo passeio.





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Nota do editor

Último poste da série de 30 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20400: Os nossos seres, saberes e lazeres (366): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20423: Facebook...ando (54): António Rios, ex-fur mil mecânico de artilharia (GA 7, Bissau, 1972/74), algarvio de Vila Real de Santo António, a viver em Tavira




1. Na nossa página do Facebook,  o António Rios escreveu em  4 de dezembro, a propósito da Acção Mabecos (subsetor de Piche, 22-24 de fevereiro de 1971):

"Também por lá andei [, na Guiné],  em  1972/74.  Furriel Mecânico de Artilharia".

2. O editor, Tabanca Grande Luís Graça, comentou:

António, esta foto é um raridade!... Foste furriel mecânico de artilharia... Presumo que no GAC7 (1972/74)... Saías de Bissau ? Se sim, o que é conheceste ? Tens, por certo, histórias para contar, e mais fotos para divulgar... Escreve-nos: luis.graca.prof@gmail.com... Estamos no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Confesso que o António Rios devia ser uma "avis rara" (, sem ofensa)... Eu, pessoalmente, nunca vi nenhum mecânico de artilharia no CTIG... E a havê-los (na BAC 1 / GAC 7 / GA 7), como é caso deste nosso camarada, algarvio,  deviam ser poucos... mas bons.

De qualquer modo, os mecânicos de artilharia tinham também competências raras e a sua arte era imprescindível para o bom andamento da guerra, já que estes "brinquedos de guerra" (os obuses 8.8. 10.5 e 14 e as peças de artilharia 11.4) também se avariavam, danificavam, partiam,  desgastavam, etc.
Pela sua apresentação no Facebook, sabemos que o António Rios:

(i) foi eletrotécnico de energias, hoje na reforma;
(ii)  trabalhou na PT - Portugal Telecom, Faro;
(iii) colabora na Rádio Gilão. e está ligado ao Rancho Folclórico de Tavira;
(iv) andou na escola Escola Técnica de Tavira (1962/69);
(v) vive em Tavira;
(vi) é natural de  Vila Real de Santo António;
(vii) nasceu a 14 de agosto de 1951;
(viii) temos 22 amigos em comum (no Facebook).

Fica aqui o nosso convite para o António Rios  integrar a Tabanca Grande, a tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Sabemos, pela foto abaixo, que só regressou a casa já depois do 25 de Abril de 1974.




Guiné > Bissau > HM 241 > 13 de junho de 1974 > Almoço convívio no hospital militar de Bissau. O António Rios parece-nos ser o primeiro da segunda fila, a contar da direita para a esquerda.

Já agora um desafio ao autor, o nosso camarada António Rios (e aos leitores):

António, nesta foto, de uma almoço-convívio, em 13/6/1974, no Hospital Militar de Bissau, diz-me onde é que tu estás, e o que lá estavas a fazer... (Pareces-me ser o primeiro da 2ª fila, a contar da direita...). Não estavas doente para estar no HM 241... Tinhas lá malta conhecida, é isso ?!... Por mera curiosidade, pergunto-te o que é que vocês estavam a comer ?... Parecem-me bivalves... Ostras, não, não me parecem ser cascas de  ostras, eram  maiores... Ameijoas, não havia na Guiné, que eu saiba... Frango ? Passarinhos ?... Que raio de petisco era esse ?... E a cerveja, em lata, era Sagres, ou não ?... 

Fotos (e legendas): © António Reis (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné 61/74 - P20422: Dossiê cap cav Luís Rei Vilar - Parte III: declarações da primeira testemunha, fur mil op esp , da CCAV 2538, José Vigia Batalha Polaco





Declarações da 1ª testemunha, fur mil op esp José Vigia Batalha Polaco, da CCAV 2538 (Susana, 1969/71) no âmbito do processo por ferimento em combate de que resultou a morte do cap cav Vilar; foi instrutor do processo o cap cav Rogério Silva Guilherme, substituto do cap cav Luís Rei Vilar, no comando da companhia.

Local e data, Susana, 26 de fevereiro de 1970.

Fonte: Cortesia de cor art ref Morais da Silva



1. Mais uma peça do processo do infausto cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970), ex-comandante da CCAV 2538 (Susana, 1969/71), morto em combate em 18/2/1970, no decurso da Op Selva Viva. (*)



Cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970).
Foto: cortesia de cor art ref
Morais da Silva


Sobre as circunstâncias da morte deste intrépido oficial de cavalaria, no TO da Guiné, vamos continuar a publicar, sob a forma de dossiê, os documentos que nos enviou, gentilmente, o cor art ref Morais da Silva, autor de um notável trabalho de pesquisa sobre os 47 oficiais da Escola do Exército / Academia Militar, mortos em combate, na guerra colonial, que também temos vindo a publicar, no nosso blogue (**).

Hoje reproduzimos as declarações do fur  mil op esp,  José Vigia Batalha Polaco, da CCAV 2538 ,  natural da Nazaré, no âmbito do "processo por ferimento em combate de que resultou a morte [do cap cav Vilar]".   Foi instrutor do processo o cap cav Rogério Silva Guilherme, substituto do cap cav Luís Rei Vilar, no comando da companhia.
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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série >


5 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20417: Dossiê Cap Cav Luís Rei Vilar (Cascais, 1941- Susana, 1970) - Parte II: declarações do ex-alf mil op esp, da CCAV 2538, Eurico Borlido

(**) 1 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20402: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXXI: Luís Filipe Rei Vilar (Cascais, 1941 - Susana, região de Cacheu, Guiné, 1970)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20421: (Ex)citações (362): a crise de vocações castrenses: de 1962 a 1969, a quebra é brutal: o nº de admissões ao 1º ano da Academia Militar passa de 266 (em 1962) para 33 (em 1969) (Morais da Silva, cor art ref, investigador, antigo professor da Academia Militar)



Fonte: Morais Silva (2010)



Dois comentários ao poste P20418 (*)


(i) Tabanca Grande Luís Graça:

É impressionante, um militar de carreira [, o major inf Magalhães Osório], aos 40 anos, já tinha 4 comissões de serviço no Ultramar: uma na Índia, outra em Angola, duas na Guiné... 

Por muito que "a fábrica de oficiais" trabalhasse, não conseguia repor o "produto"... E, infelizmente, começou a escassear a "matéria-prima"... Porquê ? Atenção, Morais da Silva e tanto outros camaradas e amigos entraram já para a Academia Militar em plena guerra colonial (ou do Ultramar, como quiserem).


(ii) Morais da Silva:

Vale a pena conhecer o número de admissões para o 1º ano da AM (no final do 1º ano ocorria a escolha do ramo e arma desejadas: inf,art,cav, eng civil, mecânica e electrotécnica, eng aeronautica, força aérea (pilotos), administração militar exército ou força aérea).

Admissão [Vd. Gráfico acima reproduzido]: 



1961:257 
1962:266
1963:180 
1964:137 
1965:129 
1966:90 
1967:90 
1968:58 
1969:33 
1970:62
1971:103
1972:72
1973:88

Os cadetes das Armas e Pilotos entravam para os quadros, com o posto de alferes, 4 anos após a admissão. As engenharias terminavam os cursos 7 anos após a admissão, já com o posto de tenente.

De 1962 a 1969 a quebra é brutal e deu origem à escassez de subalternos para a instrução, de tal modo que, em 1971 e 1972, não houve uma única promoção a capitão e, naturalmente, à queda do "stock" destes para o comando de companhias.

Não há estudos, que eu conheça, sobre o que animava estes jovens que, em plena guerra, acorriam à AM [Academia Militar]. Da minha parte sempre quis, desde menino, ser militar e em boa hora o consegui.


Morais Silva
artilheiro-infante


2. O Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva, natural de Lamego, pertence a uma família de militares.  Foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar. É membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 784, desde 7/3/2019

Foi professor do ensino superior universitário, docente da Academia Militar, do Instituto Superior de Gestão e da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo especialista em Investigação Operacional. Também passou pelo TO da Guiné como oficial do QP: no CTIG, foi instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. É membro da nossa Tabanca Grande,

O Morais da Silva teve a gentileza de, em 2010,  nos facultar, em pdf e em word, um exemplar do seu estudo, de 30 pp., sobre a "Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate" (Março de 2010), que circulou internamente, na nossa Tabanca Grande, através da nossa rede de emails. Foi depois publicado no blogue, na série "Estudos", dividido em 6 partes (**). 

É desse estudo o gráfico que acima reproduzimos, e que merece o devido destaque e reflexão, além dos comentários ( que serão bem vindos...) por parte dos nossos leitores (***).
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(***) Último poste da série > 29 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20285: (Ex)citações (361): Do meu amigo Zé Saúde, com quem estive estes anos todos sem falar da guerra, até ao segredo dos 'Asas Brancas' de Contuboel (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74)