sexta-feira, 16 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1599: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (11): Paulo Salgado


1. Mensagem do Paulo Salgado:

Camaradas Tertulianos,

Este tema (1) é, e será sempre, recorrente e com interpretações várias, segundo perspectivas culturais, sociológicas e políticas diferentes.

Antes de me pronunciar - uma vez mais - sobre o assunto, fazendo-o com prudência e muita humildade, quero reafirmar que os meus contributos raramente se têm localizado, temporalmente, no período da guerra; intervim mais sobre as minhas vivências durante as estadias na Guiné-Bissau, em 1990-1992 (segunda comissão), vários meses entre 1996 e 2005, e de Setembro de 2005 a Setembro de 2006 (terceira comissão de apenas um ano). São quase seis anos de Guiné. Este tempo todo - irei lá mais vezes? - deu para reflectir.

Mas, graças à minha ida à guerra, tive oportunidade de rever aquele pedaço de território encharcadiço, mas com tanta riqueza e espiritualidade, com tanto carinho para dar, não teria oportunidade de ver as crianças com o seu sorriso, e todos com muita esperança...

Outra nota: neste blogue - que em boa hora foi consituído com a dimensão e natureza que apresenta, e que não é fácil gerir! (honra seja feita ao Luís Graça, em primeiro lugar) - permite-nos fazer a catarse, contar e recontar episódios (alguns vividos por camaradas em conjunto que, porventura, os recordarão de maneira diferente porque os sentiram de diversa forma - já se abordou este tema, também), pensar nos bons e maus momentos, nas emboscadas, nos golpes de mão, etc. Se é assim, esta questão da deserção deve ser trabalhada com rigor, deve ser abordada com muita humildade intelectual, sob pena de, por um lado, entrarmos em ressentimentos, e por outro, cairmos no facilitismo histórico.

Tenho lido atentamente as intervenções e, confesso, sinto que muitas afirmações têm sido feitas com racionalidade notável, outras, mais emocionadas, demonstrando alguma - desulpai a expressão! - sobranceria.

Conto-vos um episódio, que o Moura Marques (2) me recordou, pois tal me escapava no fundo da memória. Recordava-me ele:
- Olha, Salgado, tu, em Santa Margarida, diante do grupo de combate que estava a consituir-se, disseste mais ou menos o seguinte: se algum de vós sente que ir para a guerra não está correcto, então ainda está a tempo de recuar.

Bom, não sei se foi isto que eu disse exactamente, mas o Moura Marques é que mo referiu (e eu tenho por ele um respeito total, uma amizade infinda, pois ele é um homem grande, um camaradão, e cuja amizade se fortaleceu aqui (já falei dele num contributo neste blogue).

Estou, pois, confrontado com uma realidade: eu estava a sugerir a deserção? Eu estava a apontar caminhos duvidosos? Colocava os jovens em situação delicada? Tinha diante de mim (eu já tinha feito 24 anos!) rapazes mais jovens do que eu, porventura alguns analfabetos e uns tantos desconhecendo as causas e as consequências da guerra. Mas, de todo, inteligentes como eu, sagazes, mais ainda.

Para uma afirmação como aquela, estaria certamente, no subconsciente, a minha passagem por Coimbra em 1968-1969, as fugas à guarda montada junto à escadaria monumental, algo que perpassou por mim em tempos de estudante voluntário de direito.

Fica-me, pois esta dúvida: de alguma forma, eu estaria a colaborar numa eventual deserção.
Mais ainda: estarei eu aqui a sentir-me um pouco desertor?

Pessoalmente, eu equacionei essa hipótese. Ir para Paris, onde o meu Pai tinha um amigo (não digo o nome dessa Figura porque já faleceu) seria um caminho que se me colocou, digo-o com toda a franqueza. Mas, confesso-vos que o não fiz por duas razões: a primeira porque não queria enfrentar a situação de não voltar a ver a rever a minha mãe e a minha namorada- aquela era adorada e ficaria triste se tal acontecesse; esta porque de facto foi e é a minha paixão, o meu amor.

A segunda razão parece infantil e contraditória (embora politicamente eu não acreditasse em soluções militares): eu tinha a ideia que estava psicológica e militarmente preparado (tinha andado em Lamego em Operações Especiais) e, tendo muito medo, como mais tarde vim a sentir imensas vezes, algo me dizia que voltaria.

Hoje, como diz o A. Marques Lopes, ficaria novamente com grandes dúvidas.

Quanto a mim, a palavra poderia ser dada aos desertores, se assim entendessem (fossem quais fossem as razões da sua atitude), eles poderiam dar-nos o seu testemunho, poderiam - penso - ajudar-nos, também com a sua humildade, a compreender melhor este fenómeno da deserção e das suas causas (que aliás, como sabeis, aconteceu com muitos jovens frnaceses na Argélia, e com belgas, no Congo).

Dêmos-lhes a palavra, se assim o entenderem. De outro modo, nunca chegaremos a saber o que os moveu. Tenham eles a humildade de nos contar por que razão o fizeram.

Mantenhas

Paulo Salgado
Ex-Alf Mil Cav

CCAV 2712
Olossato e Nhacra (197o/72)
________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1596: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (9): Humberto Reis

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1597: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (10): Idálio Reis

(2) Vd. post de 2 de Março 2006 > Guiné 63/74 - DCI: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato

quinta-feira, 15 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1598: Conto(s) do barqueiro do Geba (Luís Graça)



Africanidades > 8 de Março de 2007 > Do Casamança ao Cacheu

Foto: © Jorge Rosmaninho (2007). (Com a devida vénia...). Extraído do seu blogue Africanidades (Vivências, imagens e relatos sobre o grande continente África vista pelos olhos de um branco... que, por sinal, é também um grande português do pós-império)


Jorge: Roubei-te o teu barqueiro, o teu belíssimo homem da piroga no Cacheu, que eu não conheço. Conheci o Geba, o Corubal, o Udunduma, outros rios, a mesma humanidade, a mesma africanidade...

Revisito de tempos a tempos o teu/nosso blogue, o Africanidades, as tuas vivências, imagens e relatos sobre o grande continente África (re)visto, sentido, cheirado, apalpado, (red)escrito, fotografado, amado por um grande português do pós-império, errante, inquieto, solidário, meridional, global...

Olha, em troca, deixo-te aqui um poema, uma lengalenga que um dia ouvi a um barqueiro do Rio Geba. Não sei fula, nem mandinga, nem balanta. Mas - imagino - a língua dos barqueiros não deve diferir muito de rio para rio, do Geba ao Tejo, e até ao rio da nossa aldeia, como diria o Alberto Caeiro/Fernando Pessoa (O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia /Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia)...

Ao Jorge e ao todos os portugueses errantes, de ontem, de hoje e de amanhã. A todos os barqueiros do mundo. A todos os rios sem ponte. A todos os que querem cambar um rio e não têm barqueiro, nem barca, nem ponte, nem margens, nem pontos de cambança ou de referência... Por fim, ao senhor barqueiro de Caronte para que, quando nos levar, de vez, na sua barca, nos leve com cuidado, com jeito, não vá a gente... acordar. (LG).


Conto(s) do barqueiro do Geba
por Luís Graça (1)


Um homem passa o rio,
a nado.
Um homem atravessa a ponte
sobre o rio.
Um homem cai ao rio,
baleado.

Há uma piroga
no tarrafo.
Metralhada.
E flamingos brancos,
tingidos de vermelho.

Um homem pensa na jigajoga
da vida e da morte.
Um homem olha-se ao espelho.
Um homem porfia,
e nem sempre alcança.
Um homem tem uma crise,
de confiança.

Um homem do norte
camba o rio.
A sul.
A vau.
O Geba Estreito.
Que a última coisa a perder
é a esperança.

Um homem desenha uma ponte,
imaginária,
entre dois pontos
de cambança.
Um homem farda-se,
a preceito.
Um homem põe-se a pau,
a caminho do Mato Cão.
O inferno em frente,
o rio serpente,
e Lisboa ali tão longe,
tão azul,
tão gregária.
Lisboa, o cais
de Alcântara,
uma multidão de pontos negros.
Outra ponte,
outro rio.
Saudades a mais.
Um nó na garganta.

Um homem do norte
faz o corte
epistemológico
dos pré-conceitos etnocêntricos.
Quem sou eu, viajante ?
Quem és tu, barqueiro ?

O homem é o mal escatológico
que atravessa o céu,
de bronze.
O homem é o jagudi
em voos concêntricos.
O homem é a hiena que ri.
O homem é o pássaro-bombardeiro.
O animal alado.
O helicanhão.
O falo de fogo.
O obus catorze.
O RPG Sete.

Um homem é apanhado pelo macaréu
da história.
Como um cão.
Sem glória.
E na bolanha de Finete
descobre que não há ponte
nem salvação,
que há terra e céu,
mas não há elo de ligação.

Um homem perde a memória,
ao afundar-se no tarrafo do Geba.
Um homem chama o barqueiro
da outra margem.
Em vão.
O barqueiro faz contas
à vida
que custa manga de patacão.
E ao progresso que não chega,
ao motor de explosão,
ao motor da Yamaha,
à explosão dos cinco sentidos,
aos Strella,
aos Katiusha,
ao cimento e ao aço,
à liberdade de circulação.

Um homem passa a ponte,
a passo,
a peso pluma.
A ponte armadilhada.
O barqueiro conta um conto
em cada viagem.
O barqueiro de Caronte.
Um peso, irmão.
Um bilhete de ida,
Sem regresso.

Um homem exorta o soldado
a que leve a guerra a peito.
É o capitão,
medalhado,
que nunca irá chegar a oficial general.
O fantasma do capitão-diabo,
vagueando pelo Cuor.
Estatuado,
na capital.

Vou no Bissau,
num barco à vela,
no barco da Gouveia.
Aproveito a maré-cheia
e o cacimbo sobre Ponta Varela.

O milícia, número tal,
vai morrer,
exangue,
como a última estrela
da manhã.
E eu espreito o rio,
da minha torre de Babel.
Um terceiro homem pára.
No semáforo.
Vermelho.
De sangue.
A caminho de Madina/Belel.

__________

Notas do editor do blogue:

(1) Vd. outros poemas do autor, de temática guineense ou africana:


5 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1342: Poema: os meninos da Ilha de Luanda (... pensando nos meninos de Bolama, de Chamarra, de Mansambo ou de Saré Ganá) (Luís Graça)

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1047: Alá não passou por aqui (Luís Graça)

1 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P930: O Relim não é um Poema (a propósito da Op Tigre Vadio) (Luís Graça)

10 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau (Luís Graça)

17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - LIX: Esquecer a Guiné...por uma noite!(Luís Graça)

11 de Julho de 2004 > Blogantologia(s) - XVI: Luanda revis(i)tada (Luís Graça)

Outros textos poéticos disponíveis em:

Blogue-Fora-Nada e... Vão Dois

Guiné 63/74 - P1597: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (10): Idálio Reis

1. Mensagem do Idálio Reis:

Caro Luís e demais companheiros da Tertúlia:

Tentamos fazer com o nosso editor um fraternal grupo que detém uma particularidade comum: o de nos terem coagido a fazer uma guerra, subjacente à prestação de um serviço militar obrigatório. Fomos compulsivamente mobilizados para uma longínqua terra, de que tínhamos conhecimento que por lá morriam ou ficavam estropiados muitos dos nossos contemporâneos.

Mas então, perante a cruel realidade de tais notícias, porque não nos escusámos a tomar parte nessa odisseia?

Mas como? Éramos jovens de 22 - 23 anos, vigiados por uma polícia política com regras de um País fascista, de todo impedidos de sair de Portugal sob qualquer pretexto, o viço da idade a embaçar-nos uma consciência deveras imatura, um forte apego familiar aditado pelo afago das nossas prometidas e amigos, o rincão natal que nos grudava, uma situação financeira que não propiciava qualquer aventura. A fuga à guerra de África estava vedada à grande generalidade da nossa geração. Os factos são bem demonstrativos.

Jamais tive qualque pretensão de fugir à guerra colonial, porque os laços sentimentais que me prendiam a este bocado de terra e aos meus eram demasiado fortes para me ver afastados deles permanentemente. Nada disto está absorvido por um qualquer amor pátrio, porque na verdura da minha idade, conseguia reconhecer que ela me escusava o amparo a que tinha direito.

Fui, porque fortemente esperançado que regressaria ao aconchego dos meus maternos lugares. Fui, e não estou arrependido de assim ter procedido. Mas, se por absurdo, me obrigassem a repetir a façanha, preferiria o ónus da prisão. Sem margem para quaisquer dúvidas.

Mas houve alguns que fugiram? Certo, mas são excepções raras. Aos poucos que o fizeram, nada tenho a apontar, pois quando transpuseram a fronteira, eram conhecedores que jamais poderiam regressar. Depararam-se-lhes facilidades para o fazerem, e felizmente que o 25 de Abril lhes abriu as portas.

Reconheço contudo, que uma substancial parte foi considerada herói. Sempre menosprezei essa aura, porque a dar crédito, aviltava-me. E não o mereci.

Quanto aos que, como no caso em análise (1), se entregaram aos movimentos independentistas, deixando os seus camaradas, merecem o meu repúdio. Saem junto dos seus, e passam para o outro lado da barricada, porque a guerra definia-se somente entre dois contendores. Vão lutar pela parte antagónica, sem minimamente se importarem nos que neles acreditaram.

Eu, que vivi a guerra da Guiné, de uma forma cruenta e dolorosa, nada me move contra o PAIGC. E até tenho uma particular simpatia pela grande figura política de Amílcar Cabral, como pelo enorme guerrilheiro que foi Nino Vieira. E os meus locais da Guiné-Bissau, tenho fé em revê-los, pois o peso acentuado dos anos apela-me a isso de um forma extraordinariamente viva. E esta minha ambição, faz-me sonhar e ... deixa-me feliz.

E este blogue é bem significativo disto mesmo. Como, passadas 4 décadas, conseguimos narrar tão emotivamente esses momentos do desespero e da dor? Porque, fundamentalmente, criou-se um sentido gregário tal que só um acrisolado amor mútuo é capaz de concretizar.

A união faz a força, e o comprometimento que partilhava com o meu companheiro de armas, ninguém o ousasse desfazer. E é numa união similar a esta que aderi com grande entusiasmo à Tertúlia, porque estivemos continuamente do lado que nos competia.

Um cordial abraço para todos.

Idálio Reis
Ex- Alf Mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835,
( Gandembel e Ponte Balana 1968/69)

____________


Nota de L.G.:

(1) Vd post de
3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha
13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes

Guiné 63/74 - P1596: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (9): Humberto Reis

1. Mensagem do Humberto Reis:

Luís:

Ficas desde já autorizado a publicitar, como entenderes, a minha opinião sobre este complicado tema dos desertores, objectores de consciência ou o que lhe queiram chamar (1).

Quando em 1968 cursei no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego, o curso de Rangers, constava que os melhores classificados seriam os últimos a ser mobilizados, e no caso de o serem, iriam para melhores locais. Fiz bem o meu papel e no meio de umas dezenas de militares, fiquei classificado em 3º lugar com uma média de 15,23 valores.


Santa ignorância a minha! Então o Estado gastava um pipa de massa a formar militares de elite e depois ia colocar esta gente nos QG e EM ? Só se fosse estúpido ou a minha cunha fosse do tamanho da de um Fur Mil Op Esp. que conheci em 1970 e que estava colocado no SPM no QG em Bissau. Até usava aquele boné redondo (não era a boina) que, julgo, só se usava em ocasiões especiais.


Claro que os 5 primeiros classificados foram os primeiros a ser mobilizados. Infelizmente, sei que o primeiro ficou sem uma perna e o quarto, meu amigo de infância, morreu com uns estilhaços de rocket, ambos lá na Guiné.

Em Fevereiro de 1969 estava a dar no RI 5, Caldas da Raínha, uma recruta ao CSM, quando saiu à ordem o meu nome como mobilizado para o CTIG. Teria de me apresentar no CIM (Campo Militar de Santa Margarida) no dia tal. Perguntei a alguns camaradas o que queria dizer CTIG pois eu não conhecia o termo. Para mim eram Angola, Guiné, Moçambique. Como devem calcular fiquei bastante preocupado.

Reparem que estamos na década de sessenta. Eu, em termos políticos, era - e ainda quase que o sou - um zero à esquerda, como se costuma dizer. Haverá muito boa gente que naquela altura já era desenvolvida politicamente? Eu não era.

Costumo dizer no meu círculo de amigos que fui colaborador do antigo regime. Perguntam-me logo se fui da Pide, ou da Legião. Respondo calmamente que não, mas que não foi preciso a Polícia Militar ir lá a casa procurar-me para me apresentar no dia 24 de Maio de 1969, no cais de Alcântara, para embarcar no Niassa com destino à Guiné. Chamo a isto COLABORAR com o antigo regime, mesmo que mais passivamente.

Não ataco, nem defendo, o que vulgarmente se denomina de desertores. Mas tenho uma opinião muito própria sobre este assunto. Essa é que ninguém me pode tirar por mais direitistas ou esquedistas que sejam. Uma GRANDE PARTE FUGIU POR MEDO E NÃO POR CONVICÇÕES POLÍTICAS.

Medo, eu também tive, pois não sou mais nem menos que os outros. Heróis ptré-fabricados não existem, a não ser nos filmes. Só os que tiveram o azar de estar debaixo de fogo, mas ao mesmo tempo a felicidade de estarem vivos para o contar, podem saber o que é a reacção de um ser humano naquelas circunstâncias. Pode dar-lhe para correr direito às balas e escapar, poderá vir a ser um herói, ou ter o azar de se cruzar com uma e vir a ser enfiado numa caixa de madeira (quando as havia, pois nem sempre assim aconteceu).

Cada um fez a sua opção mas ninguém pode obrigar a outra parte a ter a mesma opinião. Para isso já chegou o que tivemos.

Resumando e concluando, não estou de acordo com regimes especiais para NINGUÉM.

Aquele abraço a TODOS os bloguistas e continuemos a contar as nossa estórias para que a história enriqueça.

Humberto Reis

Ex-Fur Mil Op Espec

CCAÇ 2590/CCAÇ 12


(1969/71)

____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:

Guiné 63/74 - P1595: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (3): minas, tornados, emboscadas, flagelações e acção... psicossocial

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Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Aspecto do Edifício do Comando após o tornado de 25 de Abril de 1971.



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Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Seis minas A/P detectadas na região de Padada e recuperadas pelas NT.



Fotos: Fernando Barata (2007). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.



III parte do resumo da história da CCAÇ 2700 (Dulombi, Maio de 1970/ Abril de 72), unidade que pertenceu ao BCAÇ 2912, e foi render a CCAÇ 2405 do BCAÇ 2852 (1968/70). O autor do texto é o ex-Alf Mil Fernando Barata, da CCAÇ 2700 (1).


2.4 – Incidentes

A 14 de Dezembro [dce 1970] são detectadas 6 minas antipessoal (A/P) em Padada,enquanto decorria a Operação Diamante Indiano.

Em Fevereiro de 1971, é detectada e neutralizada uma mina A/C, em Padada e accionada uma mina A/P, sem consequências pessoais, já que foi accionada por uma viatura. Foram, também, encontradas 50 munições de PPSH [costureirinha].

A 18 de Fevereiro, a 300 metros do aquartelamento, foi accionada por uma viatura uma mina A/C da qual resultaram 2 mortos, António Vasconcelos Guimarães e José Augusto Dias de Sousa e 3 feridos.

A 25 de Abril, pelas 17 horas, forma-se violento tornado, que na sua plenitude arranca a cobertura de zinco do pavilhão que servia de Secretaria, Quarto dos Oficiais e Quarto dos Sargentos bem como da Caserna. Debaixo desta pesada estrutura ficam o Furriel Moniz e dois soldados, tendo um destes sofrido uma fractura exposta da perna.


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Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Aspecto da caserna após o tornado de 25 de Abril de 1971.

Na noite de 1 de Outubro, quando 2 secções da CCS executavam um patrulhamento nas Duas Fontes, foram emboscadas por um grupo inimigo estimado em 50 homens, causando 5 mortos às nossas tropas. Dois destes, pertenciam à nossa Companhia e estavam destacados no Batalhão [, sedeado em Galomaro]. Eram o Rogério António Soares e o José Guedes Monteiro.

A 5 de Outubro, quando uma coluna se deslocava para Galomaro, uma das viaturas accionou uma mina A/C, causando 1 morto, Luís Vasco Fernandes e 3 feridos.

Não posso precisar no tempo, mas houve um incidente que muito me marcou pela sua brutalidade. Certa noite vem ter ao quarto dos Oficiais um sentinela dizendo que tinha ouvido rebentar uma armadilha provavelmente accionada por qualquer animal, pois ouvia gemidos. Mal o sol raiou uma secção deslocou-se ao local da deflagração dando então com dois gilas (2) feridos, um ligeiramente, mas o segundo com graves ferimentos numa perna. Perante tal cenário interroguei-me como foi possível ter ficado toda a noite a esvair-se em sangue não tendo sucumbido.

Levados para a Enfermaria, aí lhes foram prestados os socorros possíveis, sendo de imediato evacuados para Bissau num helicóptero. Embora um dos nossos milícias, que os interrogava em determinado dialecto, me asseverasse que "eram turras de verdade", eu naquele olhar, para além do sofrimento óbvio, vi também uma certa candura, de não comprometimento. Estaria a ser ingénuo? Na realidade, não faria muito sentido utilizar uma zona de conflito como corredor de passagem. Numa entrevista dada por Pedro Pires ao Jornalista do Diário de Notícias (12/9/2000, pag. 7), aquele referia que a informação que obtinham era "mandada por .... ou pelos célebres djilas, os comerciantes que iam e vinham".

Estaríamos mais ou menos a meio da nossa comissão de serviço, quando vejo chegar ao aquartelamento os dois pelotões que horas antes tinham saído para uma operação que deveria durar 2 dias como quase todas as outras. Logo adivinhei que algo de grave se estaria passar. O grupo de combate tinha sido atacado por enxame de abelhas que deixaram alguns dos militares em estado lastimoso (recordo o estado em que chegou o nosso Capitão!), tendo mesmo dois ou três desmaiado.


2.5 – Flagelações

Sofremos algumas flagelações (nove) ao aquartelamento com uma duração muito curta, nunca excedendo os dois minutos e executadas a longa distância sempre com armas ligeiras (costureirinhas) e ao cair da noite, o que permitia aos grupos debandar, a coberto da escuridão, na expectativa de que não seriam perseguidos.

No dia seguinta à nossa chegada a Dulombi (*), estávamos a sofrer a primeira flagelação (6 de Maio), mantendo-se uma certa pressão durante os primeiros 6 meses de permanência no território. Inexplicavelmente, ou talvez não, estivemos praticamente um ano sem ser flagelados (de Setembro de 70 a Agosto de 71). Contudo foi durante este período que accionámos 1 mina A/C (18 de Fevereiro).
Se nos primeiros tempos houve um certo receio, por de início desconhecermos qual a amplitude que a flagelação iria ter, com o tempo fomo-nos habituando e praticamente já ninguém corria para os abrigos quando se ouvia a costureirinha lá ao longe. Só o Russo saltava para o morteiro de longo alcance, garantindo peremptoriamente que alguma das ameixas com que tinha presenteado o inimigo, teria alcançado o seu objectivo.


Datas das flagelações

1970 > 6 de Maio - 28 de Junho - 3 de Julho - 11 de Julho - 20 de Agosto - 23 de Setembro
1971 > 3 de Agosto - 15 de Outubro - 15 de Novembro



2.6 - Contacto com a população

A população civil de Dulombi rondaria os 250 habitantes. Era abúlica por natureza, na linha da filosofia fatalista característica do povo fula. A agricultura era a sua única actividade produtiva e limitada, de forma incipiente, ao cultivo de mancarra, milho e arroz, produtos que não chegavam para satisfazer as suas necessidades.

Digno de registo na área social terá sido a construção de moradias para cada uma das famílias indígenas, inserida na política de reordenamento da população idealizada por Spínola, a construção duma mesquita e dum posto escolar e respectivo apoio didáctico através de professor recrutado entre um dos elementos da Companhia (o Márinho), assistência sanitária dada pelos nossos enfermeiros e pelo médico do Batalhão, sempre que este se deslocava ao aquartelamento, bem como apoio alimentar através da distribuição regular de arroz pela população.

Sempre que uma coluna militar se deslocava, quer a Galomaro quer a Bafatá, havia o cuidado de proporcionar à população alguns lugares nas viaturas para que pudessem visitar os seus familiares que se encontravam nestas localidades, para fazerem as suas compras (embora o seu poder de compra fosse quase nulo), ou mesmo para darem a simples passeata. Só quando se sabia, à partida, que as viaturas no regresso viriam superlotadas com toda a espécie de géneros, aí essa benesse era banida mas explicada a razão.

Podemos considerar que os militares, após terem terminado os trabalhos de construção do aldeamento, passaram a ser a única entidade empregadora da população feminina, que prestava o serviço de lavagem de roupa.

Tudo isto contribuiu para que entre população e tropa se tivesse construído um ambiente de familiaridade sem incidentes de qualquer espécie.

2.7 - Análise da actividade

É digna de registo a forma sacrificada como todos vivemos, no início da campanha, em abrigos subterrâneos e por vezes alagados na companhia de alguns répteis, sem quaisquer condições de vida. Mesmo assim, conseguiu a nossa Companhia entregar-se de forma denoda à construção do aldeamento para a população ao mesmo tempo que decorria a construção do nosso aquartelamento e sem descurar a actividade operacional. Relembro que a equipa de pedreiros e carpinteiros que ajudaram a levantar tanto o nosso quartel como o aldeamento, foram recrutados entre os operacionais de cada um dos pelotões, do que resultou um emagrecimento em efectivos para a actividade operacional.

Na época das chuvas as estradas eram de difícil transitabilidade o que dificultava os nossos movimentos logísticos.

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Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Troço de ligação Dulombi/Galomaro na época das chuvas.


Durante os primeiros 6 meses (até 10 de Novembro 1971), o 4.º Pelotão esteve a reforçar o subsector de Galomaro e durante algum tempo, e de forma rotativa entre pelotões, assegurámos a protecção à aldeia de Cansamba [, entre Galomaro, a noroeste, e Dulomni, a sudeste]. Por tudo isto, o nosso Comandante de Batalhão salientou no seu relatório final "a maneira estóica" como suportámos as adversidades, quer através das frequentes flagelações, quer com o rebentamento das 3 minas a/c que nos causaram 5 mortos, "o que de modo algum quebrou a sua determinação de cumprir a Missão que lhe fora imposta, não afectando o seu moral nem a sua capacidade de resistência e de valor combativo".

Também por parte da Repartição de Operações do Comando Chefe das Forças Armadas a apreciação da nossa actividade operacional nos é favorável, sendo por várias vezes referida pelo Tenente-Coronel Mário Firmino Miguel (**), a "boa e bem orientada actividade geral", salientando a amplitude de algumas operações realizadas "com efectivos perfeitamente ajustados à missão e à região" onde se desenvolveram.

Mas como nem tudo são rosas, também no período entre 12 e 19 de Dezembro de 1971, notaram "precária actividade nocturna". É que o Natal aproximava-se, e nestas alturas o instinto de defesa fica mais apurado. Ou então: "ausência de emboscadas sobre os eixos de aproximação IN". Pergunto, alguém saberia quais eram os eixos de aproximação IN? Entre 15 e 22 de Novembro de 1970, "não foi efectuada qualquer acção de reconhecimento ao Rio Corubal" (3). Para quê, se nós já o conhecíamos tão bem?!

A 7 de Abril de 1971, fez o General Spínola uma visita de inspecção ao nosso aquartelamento. O mesmo discordou da forma como estava construído o torreão de defesa que "não estava de acordo com o torreão-tipo aprovado para todo o território"!. No seu relatório, em relação a Cancolim, referia: "notei um mau ambiente humano talvez derivado da pouca dedicação do Comandante da Companhia" ... "parece ser uma pessoa doente". A que tipo de doença se estaria a referir o General Spínola?

A 23 de Janeiro de 1972 chega a Dulombi a CCAÇ 3491 para nos render. Pouco mais de uma semana passada, a 1 de Fevereiro decorre a Operação Varina Alegre compartilhada por um pelotão da 2700 e outro da nóvel Companhia. Embora fosse uma operação para que os periquitos se ambientassem ao cheiro do capim, recordo as preocupações que dela advieram.

No regresso alguns militares atearam fogo ao capim, resultando uma queimada de tais proporções, que gerou a desorientação entre alguns dos novos elementos. Depois de muitos esforços de reunião, não se consegue detectar um dos alferes, adivinhando-se que o mesmo tivesse morrido carbonizado. Imagine-se o alívio que todos sentimos quando pelo alvorecer do dia seguinte ele, exausto, nos aparece junto ao arame farpado. Foi uma dupla sorte: o ter aparecido e não ter accionado nenhuma das armadilhas colocadas à volta do quartel.

A 10 de Março [e 1972] termina a responsabilidade da nossa Companhia no subsector de Dulombi. Dia 11 de Março a Companhia parte com destino ao Cumeré para aí aguardar transporte aéreo para a Metrópole, o que vem a acontecer a 22 de Março.


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Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Chegada da CCAÇ 3491, os periquitos.

__________

Notas de F.B.:

(*) Não podemos dizer que o inimigo não estivesse bem informado das nossas movimentações.


(**) Chegou a Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, e mesmo a Ministro da Defesa.

_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:
4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1494: Tertúlia: Apresenta-se o ex-Alf Mil Fernando Barata, CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912

22 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1541: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (1): Introdução: a 'nossa Guiné'

26 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1550: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (2): A nossa gente
(2) Gilas (pronuncia-se dgilas): vendedores ambulantes, em geral da etnia futafula, que pecorriam a Guiné, e falavam bem o francês, dadas as ligações aos dois países vizinhos: o Senegal e a Guiné-Conacri.

(3) Sobre o Rio Corubal, a sul e a sudeste de Dulombi: vd. cartas de Contabane e de Padada.

quarta-feira, 14 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

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Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Brasão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/79)

Foto: © Carlos Marques Santos (2005). Direitos reservados.

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Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > O terceiro e penúltimo Comandante da Companhia (um Capitão do QP, de artilharia, com o seu metro e oitenta e tal de altura, assinalado com um círculo a amarelo). Atrás de si, o comandante do Batalhão 2852, Tenente-Coronel Pimentel Bastos, também conhecido por Pimbas. Ao todo, a CART 2339 teve seis comandantes, sendo três capitães, um miliciano e dois do QP, um tenente do QP graduado em capitão, e ainda dois alferes milicianos, nos interregnos... (LG)

Foto: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados

Início de mais uma série de estórias do Torcato Mendonça que foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69. Vamos chamar-lhe estórias de Mansambo, aquartelamento construído heroicamente, de raíz, pelo pessoal da CART 2339 (1).

Começo então pela… Dança dos Capitães. Uso as iniciais dos nomes. O nome completo será enviado ao Luís Graça, no fim de cada estória. Não é medo. Creio que muitos estão vivos e, devido a um texto recente, achei preferível fazer assim. Assunto a resolver quando do envio. Assumo tudo o que escrevo e, uma vez enviado, deixa de ser meu. Ou seja, o Luís Graça publica ou não da forma que entender.

Conto, procurando ser o mais fiel possível, a experiência vivida por mim e pela minha Companhia há 40 anos.

A Companhia Independente de Artilharia 2339, foi formada em Setembro de 1967. A Unidade mobilizadora foi o RAL 3 de Évora. Na mesma data, para não ficar só, teve uma irmã gémea, a CART 2338. Ambas foram para a Guiné e para o Leste. Nós, CART 2339, dependentes de Bambadinca (sede do Sector L1) e de Bafatá (sede do Agrupamento nº 2959), eles para a zona de Nova Lamego (Gabu).

Em Évora, eram comandadas, aquando da formação, por Capitães Milicianos.

O primeiro capitão, miliciano e arquitecto...

O meu comandante teria cerca de trinta anos ou um pouco mais, arquitecto de profissão, casado. Era o Capitão Mil M. de C. Não pretendia ter grande profissionalismo militar. Procurava o convívio aberto, próprio de quem era uma excelente pessoa na vida civil. Sentia-se que, o ser militar não lhe agradava. Também não tinha grande apreço, estou a ser leve, pelo regime. Nem eu. Soube-o, porque nas escolhas dos nomes para a companhia sugeriram, Centuriões ou Pretorianos. Influências dos livros de Jean Laterguy, sobre as guerras na Indochina e Argélia. O Capitão M. de C. disse-me:
- Olhe que isso tem a ver com Roma mas também com Mussolini.

Falava-se com cuidado. O assunto também seria tratado do mesmo modo. Procurou-se outro nome. Surgiu, sabe-se lá como, o nome do Chefe Guerrilheiro Lusitano Viriato. Ficou a Companhia com o nome Os Viriatos. Como diria Bocage, foi pior a emenda que o soneto. Os portugueses que ajudaram Franco tinham esse nome (2).

Um dia o Capitão informou-nos:
- Devido a doença vou ser internado e, pelos exames já feitos, as doenças de pele, que é o meu caso, não se dão bem em climas tropicais...

Foi internado e não mais voltou. Ficamos assim órfãos do 1º Comandante. Pouco tempo depois ficámos sem um aspirante. Uma lesão num pé e tornozelo levou-o ao Hospital Militar Principal. Não mais regressou também.

2ª Comandante: Um tenente com uma comissão em Angola

Veio o 2º Comandante. Era um Tenente, mais tarde graduado em Capitão. Já tinha feito uma comissão em Angola. Após o regresso continuou como militar. Mais tarde, por razão que desconheço, foi mobilizado e enviado para a CART 2339.

Ainda participou connosco na instrução e fez a semana de campo. Estávamos acampados, próximo de Évora em Novembro de 1967 (2), quando das grandes cheias mais sentidas, principalmente na periferia de Lisboa. A imprensa livre de então relatou bem o que se passou. País amordaçado!

O 2º Comandante da 2339, Capitão L., foi connosco para a Guiné. Por lá andou talvez até Agosto de 68. Se consultarmos o Historial da Companhia vemos que os castigos ou punições terminaram com a saída dele. Posteriormente, uma ou outra, sem intervenção directa de ninguém da Companhia.

O nosso Comandante um dia regressou à Metrópole. Veio, segundo creio, frequentar a Academia Militar. Não sei nem me interessa a carreira militar por ele seguida.

Enquanto esteve connosco, quantas operações fez? Duas ou três? Não sei. Não falo mais dele. Gostei do 1º Comandante pois era uma óptima pessoa. Deste não gostei e não me dei bem com ele.

3º Comandante: um tipo alto, com o seu metro e oitenta e tal...

Ficou a Companhia a ser comandada pelo Alferes Cardoso.

Um dia, no início de Outubro de 68, regressava eu de uma operação e, na subida para o aquartelamento de Bambadinca, sentido Rio Geba ou estrada de Bafatá para o aquartelamento, uma viatura negou-se a cumprir a missão e não subiu. Salta militar e o Unimog recua, desgovernado. Percorre curta distância, entra na valeta e pára meio virado.

Veio gente e gera-se o burburinho do costume. A situação estava controlada. No meio das tropas surge um Capitão, camuflado novo, voz forte e ordem pronta vinda do alto do seu metro e oitenta e muito. Não sabia quem ele era e achei que devia pertencer a outro filme. Dirigi-me a ele, pus-me em sentido e disparei:
- Meu capitão, sou o comandante da coluna, tenho a situação controlada e se precisar de ajuda trato disso.- A resposta veio rápida:
- Sei quem você é, já me falaram de si e esperava-o. As ordens dou-as eu. Sou o seu comandante de Companhia.

Melhor apresentação não podia ter acontecido. Se com o 2º Capitão tinha corrido mal, com o 3º prometia!

Aí estava o terceiro comandante da 2339, Capitão do Quadro Permanente (QP), quase a passar a major e a iniciar a sua terceira comissão, a primeira na Guiné, o seu nome era M. S. A apresentação não foi pacífica mas o relacionamento foi bom. Meses depois, quando o Capitão M. S. comandava a Bataria de Artilharia em Bissau, ajudou alguns militares da sua ex-companhia que continuava com a base em Mansambo.

Foi curta a passagem do 3º Comandante. A Companhia, em Outubro de 68 atravessava um período menos bom. As condições do aquartelamento em tempo de chuvas eram péssimas e a parte militar também não ia bem. O desastre da fonte (4), dois mortos e vários feridos graves, estava bem presente. Cedo o Capitão disso se apercebeu. Tentou e em parte conseguiu, melhorar as condições de vida da companhia.

Operacionalmente, cedo se apercebeu também, haverem muitas diferenças entre os dois teatros de operações – Angola/Guiné. Creio ter feito só uma operação. Bem falava dos seus feitos em Angola. A operação que fez foi ao Burontoni. Azar do Capitão. Correu mal, demasiado mal e foi abortada. Adoeceu, pouco tempo depois, com um problema doloroso e veio até Bambadinca. Assim se finou a passagem do 3º Comandante da 2339. Convenhamos que perder tanto capitão é obra.

O 4º, o último e o verdadeiro comandante da companhia

Passado algum tempo, finalmente, aparece o verdadeiro Comandante da nossa Companhia.

Recebemos, em Dezembro de 68, a visita do nosso antigo Comandante, acompanhado de um outro Capitão. Viemos a saber ser o Capitão L.H. do QP, também na sua 3ª comissão. Era mais novo, vinte e oito anos creio eu, mais baixo na estatura, mais alto na operacionalidade e não só. Um verdadeiro profissional, mesmo com alguma mazela provocada pelas duas comissões anteriores. Era o Comandante que uma Companhia com o perfil da nossa necessitava. Comandou a 2339 em cerca de metade da comissão.

A ele se deveu o elevar da moral, da auto-estima, operacionalidade e um novo ritmo na construção do aquartelamento. Melhoraram os aspectos sanitários, de saúde, alimentação. Logicamente tivemos, a partir daí, uma melhor qualidade de vida. Mesmo assim, foi-nos difícil manter aquele ritmo de operacionalidade, apoio à construção de Manssambo, autodefesas e não só.

Apesar de um melhor comando, não foi fácil. No final da comissão deixou-me saudades. Certamente aos outros militares também. Tinha menos tempo de comissão e ficou em Bissau.

O último comandante fui eu, o sexto se contarmos com o Alf Cardoso. Já a terminar a comissão, o Cardoso veio para o Hospital em Bissau. O estômago atraiçoou-o. Felizmente esperava-nos à chegada em Lisboa.

Se bem me lembro, quarenta anos depois, os acontecimentos ora relatados passaram-se assim. Claro que havia muito mais a relatar. Talvez não tenha interesse. Fica para outras estórias.
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Luís Graça / Carlos Marques dos Santos)

(2) Vd. Fundação Mário Soares > Arquivo & Biblioteca > Guerra Civil de Espanha 1936/39

(3) Na noite de 25 para 26 de Novembro de 1967 registou-se, na região de Lisboa, precipitação intensa e concentrada, tendo atingido, na estação de São Julião do Tojal, no concelho de Loures, 111 mm em apenas 5 horas (entre as 19h e as 24 h do dia 25). As estações da região de Lisboa registaram, nesta data, cerca de um quinto do total da precipitação anual. A dimensão da tragédia foi ocultada pelo regime de Salazar, através da censura: cerca de 500 pessoas perderam a vida, e cerca de 1100 ficaram desalojadas ou viram as suas casas serem seriamente danificadas, muitos quilómetros de estradas ficaram destruídos... Estimaram-se os prejuízos em mais de milhões de dólares, preços da época. Fonte: Geologia Ambiental > Cheias > Casos de Estudo > As Cheias de Novembro de 1967 em Lisboa

(4) Sobre a fonte de Mansambo e as suas tragédias, vd. posts de:

5 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1248: Monteiro: apanhado à unha na fonte de Mansambo em 1968, retido pelo IN em Conacri, libertado em 1970 (Torcato Mendonça)

2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)

14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)

Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes


1. Post do A. Marques Lopes > Ir ou desertar

Caro Luís:

Pensei, primeiramente, não entrar nesta discussão da aceitação, ou não, de desertores na nossa tertúlia (1). Mas entro porque me parece que estamos a falar calmos e serenos, cada um com as suas ideias, o que é natural e bom que seja. E eu penso assim:

(i) Os 2.179 mortos na Guiné (centenas dos quais nem de caixão regressaram), os oficialmente reconhecidos como tal (houve mais...), não foram para lá simbolicamente nem eram filhos de reis - sabemos, aliás, que a maioria dos nossos reis da altura nem sequer por uma questão simbólica quiseram enviar os seus filhos.

Todos eles, e nós que regressámos em cima de duas pernas - ou numa só ou em cima de dois cotos - e pudémos abraçar os nossos queridos com os dois braços - ou com um só ou com dois cotos - e conseguimos rever a nossa terra - ou cheirá-la apenas, porque nos tiraram os olhos -, todos nós e todos esses mortos fomos para lá por imposição de serviço. Houve quem terá ido galhardamente para cumprir um dever sagrado, mas a grande maioria foi com o coração apertado de receios e afogado nas lágrimas dos pais e das mulheres, todos obrigados ou para cumprir um dever profissional. O meu grande respeito e consideração por todos.

Os casos que se falam de aproveitamento oportunista da guerra, da guerra no ar condicionado, não podem ser generalizados, meu caro amigo David Guimarães (2), e fazer esquecer os sacrifícios próprios e os dos familiares dos militares profissionais que também deram o litro na guerra. Todos sabemos do Pedro Lauret e do Lema Santos. Os meus respeitos também por eles.

Creio que é todo este panorama que nos faz estar aqui unidos nesta tertúlia, num só sentido de troca de vivências, na recordação de factos com um fundo comum, na recordação de amigos, de dificuldades partilhadas.

(ii) E isto é política, a discussão da vida naquela nossa cidade distante. Mas, mesmo quando lá estávamos, apercebo-me que a maioria de nós já punha em dúvida ou não estava já de acordo com a vivência nela. Já púnhamos em causa a justeza e os objectivos de quem governava a cidade (3) . Começámos a reflectir politicamente, e houve quem decidisse tomar os caminhos que as suas reflexões lhe indicavam. Desertaram, como já tinham desertado outros antes de partir, bastantes mais, porque já tinham antecipadamente reflectido sobre a falta de justeza e maus objectivos dos governantes.

Houve também os que desertaram por medo. E quem, operacional, não teve medo na Guiné? Não posso por em causa os desertores. Até porque, confesso, essa ideia também passou pela minha cabeça quando estava deitado numa cama do HMP. Só que havia outra opção, mais dolorosa e mais arriscada, sem dúvida, e que era continuar lá junto de todos, partilhar e influenciar a vida de todos, falar com todos sobre a falta de justeza da guerra e dos seus objectivos, criando condições para a aceitação da mudança. Foi o que pensei, eu e muitos outros. Generalizando, agora, todos tivémos uma ideia comum: acabar e voltar vivos.

(iii) E a questão fulcral desta discussão: penso que não faz sentido a presença de desertores neste blogue. Não por serem desertores e escorraçá-los por isso, mas unicamente porque acho que não podem minimamente contribuir nesta troca de experiências que só nós vivemos. Não poderão dizer-me: é verdade porque eu também conheci os fulas, os mandingas, os balantas... lembro-me bem porque eu também estive lá... ou também passei por isso... ou não foi bem assim... ou o Pilão, ah!...
Todos nos percebemos porque vivemos uma experiência comum.

Abraços
A. Marques Lopes
Ex-Alf Mil At Inf (Hoje Cor DFA, reformado)
CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro)
1967/69
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho

(2) Vd. posts de:

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1590: O sacrifício dos oficiais do quadro permanente (Pedro Lauret)

(3) Recorde-se a etimologia da palavra Metrópole: do grego metropolis, que significava cidade-mãe, metrópole, cidade natal > metra (matriz, útero, ventre) + polis (cidade).

Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho


Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé e da esquerda para a direita, o Raul Albino, o Francisco Silva e o Medeiros Ferreira, aspirantes milicianos. O João Bonifácio, que pertenceu à CCAÇ 2402, evoca aqui o exemplo do Medeiros Ferreira que, como é publicamente sabido, não compareceu ao embarque, para a Guiné. Ele é, das nossas figuras públicas, talvez o mais conhecido dos desertores da guerra colonial (1). Na foto, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares (I Governo Constitucional, 1976/78) aparece assinalado com um círculo a vermelho .


Foto: © Raul Albino (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do João Bonifácio:

Olá, Amigo LuÍs;

A minha opinião, e em resposta ao nosso amigo Torcato (2), é apenas aquilo que penso à distância de 7 mil kms. A Guerra do Ultramar já passou e a verdade é que apenas nós, os que por lá andamos, compreende a verdade. Compreendo a frustração do nosso amigo Torcato, e também eu desejava que isto não se tivesse passado, mas do mesmo modo também não podemos fazer nada. Afinal, o Ex-Alferes Miliciano Medeiros, hoje Dr. Medeiros Ferreira, uma figura conhecida na política socialista, também não compareceu ao embarque em Julho de 1968, como parte integrante da CCAÇ 2402, a que eu próprio pertencia.

Pessoalmente, acho que cada um de nós tem o direito a demonstrar o seu ponto de vista, mesmo que negativo. Depois do 25 de Abril, penso que todos os que foram obrigados pelo antigo regime de Salazar e Marcelo Caetano, a refugiar-se em certos países da Europa, puderam todos, ou quase todos, regressar a Portugal e restabelecer as suas vidas junto aos seus familiares.

Por isso, penso que este tema, por muito complicado que seja, deverá ser discutido abertamente por todos os que sintam ter as suas ideias quanto aos chamados desertores. Hoje, e depois de ler neste blogue que o Amigo Luís em tão boa hora iniciou, ter lido das dificuldades de tantos militares, que por pouco não foram apanhados à mão e até fugiram para o mato, para não falar do abandono total por parte dos chefes da guerra em abandonar estes nossos irmãos, até já fiz a pergunta se eu não deveria ter feito o mesmo.

Esta foi a Guerra da mentira, e sinto-me envergonhado de que o Governo actual do Eng Sócrates não tenha dado resposta ao e-mail que lhes enviei, para o Gabinete do Primeiro Ministro, em que solicitei que, pelo menos, reconhecesse este erro grave e publicamente pedisse, em nome do Governo da altura, as desculpas a todos os ex-combatentes e seus familiares, pela afronta de uma guerra sem justificação e um fim sem negociações.

Afinal, meu amigo Torcato, quem estará mais em pecado? Um Governo de arrogantes ou uma meia dúzia que apenas demonstraram a sua revolta em não participar nesta guerra, refugiando-se no estrangeiro ? (...).

Um grande Abraço a todos os que lerem esta minha resposta. E, como vivemos em Liberdade e Democracia, e há 33 anos que vivo no Canada, parece que sei o significado da pura igualdade de pensamentos.

Fiquem todos bem.

João Gomes Bonifácio
Ex-Fur Mil do SAM
CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851
, Mansabá, Olossato
1968/70


2. Comentário do Paulo Raposo:

Caro Luís: Um bom dia para ti e todos os teus. Podes passar este mail ao Bonifácio?

Meu caro Bonifácio, eu era da CCAÇ 2405, ou seja, fomos juntos no Uíge para a Guiné.

Vivemos em Sociedade, e ela tem regras. Se o bombeiro não apaga fogos, se o médico não executa a cura, se o lixo não é apanhado, mesmo que discorde do chefe então estamos a viver na selva. Na Guiné um rapaz que queria ser homem, tinha de dar provas.

Quem fugiu, foi por medo, conveniência, comodismo, etc. Uma coisa é certa, por política é que não foi. Esta de, à ultima da hora, vir dizer que se era antifacista, não cola. Se havia assim tantos, então no tempo da outra senhora onde andavam? Andavam a mamar à custa do regime e, para se branquearem, viraram resistentes para aranjarem novos tachos. Cambada de oportunistas.

Atenção, não me compete criticar ninguém, mas galos e perús não são todos uns. Bem me custou o embarque, fugir era mais fácil.

Quanto à legitimidade da guerra, a história é outra. Se a nossa não era legítima então, que andam os americanos a fazer no Iraque, os ingleses em Gibraltar, os franceses nas Iguanas, os russos na Mongólia, etc., etc.

O Alentejo e o Algarve também foram conquistados e povoados, então em que ficamos ? África era pertença de todos nós, agora vai ser dos chineses. E por cá somos invadidos por espanhois. Então, no fim tínhamos razão.

Onde está a nossa auto-estima?

Um abraço amigo

Paulo Raposo
Ex-Alf Mil CCA 2405 / BCAÇ 2852
Mansoa, Galomaro, Dulombi (1968/70)
Herdade da Ameira
Montemor-O-Novo

3. Comentário de J.L. Vacas de Carvalho


Carissímos:Tenho lido (e confesso, não muito interessado) os pontos discutidos: Membros honorários e desertores.

Sobre o 1º : O blogue é um local onde se trocam ideias, situações vividas, memórias, encontro de amizades, etc, etc. Os que por lá ficaram ou como se costumava dizer, lerparam, podemos, melhor, devemos, lembrá-los e honrá-los. Lamentamos sempre as suas ausência e somos solidários com as suas famílias. Infelizmente não estão entre nós. Não contribuem para as nossas conversas. Nem sei, como alguns que por aqui já passaram, se gostariam de pertencer à nossa família. Quando muito, e quando algum de nós partir desta para melhor ou pior (quanto mais tarde, melhor, falo por mim) podemos sim, considerá-lo Tertuliano Honorário ad eternum.

2º Ponto: Uma parte da minha consciência diz que não devemos fazer juízos de valor sobre as causas que levaram um português a desertar. Pode ter sido por razões familiares, razões de consciência ou por outras razões que não me compete a mim julgar ou criticar.Outra parte de mim diz-me que eles simplesmente fugiram, tiveram medo, acobardaram-se. Ponto final. Admiti-los no nosso blogue é uma traição a quem lá esteve e que por quem lá morreu. No entanto o nosso Presidente no seu mais alto critério assim o decidirá.
Abraços
Zé Luís

Ex-Alf Mil
Pel Rec Daimler 2206
Bambadinca (1969/71)
Lisboa

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

(2) Vd. post de 13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

terça-feira, 13 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret

1. Comentário do Pedro Lauret, Capitão de Mar e Guerra, na reforma, antigo imediato do NRP Orion, Guiné (1971/73)

Caros Camaradas e Companheiros,

O problema dos desertores tem sido colocado recorrentemente na nossa tertúlia e, de forma quase unânime, a opção pela deserção tem sido condenada (1).

Nas observações que se seguem vou colocar num mesmo saco os desertores e os refractários. Sei bem que juridicamente constituem actos diferenciados e com punições distintas, no entanto no âmbito da nossa discussão penso não constituir diferença ética assinalável a não apresentação para o cumprimento do serviço militar e o acto de deixar ilegalmente o mesmo serviço militar após a incorporação. Excluo desta simplificação os desertores em teatro de operações que passam para o inimigo, situação, essa sim, de contornos claramente diferentes e que não são abrangidos pelas observações que abaixo me permito fazer.

Em primeiro lugar gostaria de afirmar que considero que o problema é complexo e que os motivos para a deserção são muito variados:

(i) Nalguns casos podem inserir-se numa lógica de medo e cobardia;

(ii) Noutros inserem-se em opções egoístas de reconstrução de vida noutros países, fugindo à guerra, normalmente com recursos financeiros de suporte apreciáveis, e fazendo-se passar, oportunisticamente, por opositores à guerra e lutadores políticos.

Claro que critico estas opções.

Analisemos agora alguns enquadramentos da nossa realidade nas décadas de 60 e 70.

Portugal nos anos 50 e 60 crescera e desenvolvera a sua indústria num modelo baseado em mão-de-obra barata e pouco qualificada, numa lógica de substituição de importações e não desenvolvendo uma estratégia exportadora.

A Europa, por seu turno, encontrava-se em pleno período de ouro de desenvolvimento necessitando de importar mão-de-obra.

A guerra vai impor um orçamento com 40% da despesa dedicada à defesa e com a necessidade de aquisições múltiplas ao estrangeiro. Havia que encontrar mecanismos de entrada de divisas para equilibrar a balança comercial. A emigração surge como solução.



Gravura (belísssima, de resto, dentro da estética do Estado Novo... ) do famoso Livro da Terceira Classe, Ed. Domingos Barreira, 4ª Ed., 1958, por onde todos estudámos e aprendemos a amar a Pátria. Era, no entanto, um manual profundamente ideológico... servindo o propósito de um Estado, sem legitimidade democrática, de educar o povo, do berço à tumba....

Foto: Luís Graça ( 2007).


O Estado Novo desenvolve uma política de difícil equilíbrio entre a necessidade de ter jovens disponíveis para o serviço militar por 4 anos, e a necessidade de exportar mão-de-obra.

Este equilíbrio vai ocasionar que 18% de mancebos faltem à incorporação, um número que no seu total oscila entre os 150 000 e 200 000.

Muitos destes jovens, do interior, em situações de extrema pobreza, acabam por ser, directa ou indirectamente aliciados para emigrarem com o beneplácito das autoridades.

Meditemos: como foi possível, num estado policial um tão elevado número de emigrantes clandestinos?

Coloco à nossa tertúlia a seguinte questão: serão estes nossos compatriotas merecedores da nossa critica e julgamento? Por mim, decididamente não.

Podemos ainda colocar o problema da deserção noutro nível. A legitimidade da guerra e a legitimidade do poder.

O problema da legitimidade do poder é um problema filosófico antigo e difícil. Não pretendo aqui teorizar sobre a matéria, até porque não é área da minha especialidade, o que não me impede de não ter dúvidas em qualificar o Estado Novo como um poder ilegítimo. Emergiu de um golpe de estado e nunca desencadeou mecanismos da sua própria legitimação. Assim se manteve durante quase cinco décadas. Para mim este é um facto evidente.

O outro problema que se coloca é o da legitimidade da guerra. Todos fomos para a guerra em nome de uma nação pluriterritorial e pluricontinental. Um povo único, do Minho a Timor, como nos ensinaram desde os bancos da escola. Esta construção é falsa e não me vou alongar na sua demonstração. Penso que basta analisar o Acto Colonial de 1933 e a sua evolução (1950-1961) para nos apercebermos da mentira e da hipocrisia que aquela formulação significava.

Por outro lado o direito internacional, através da carta das Nações Unidas reconhecia desde 1945 o direito dos povos a se autodeterminarem.

Por estes motivos para mim a guerra colonial era ilegítima e injusta, pelo que era legítima a deserção.

Quando em 1971 embarco para a Guiné já era para mim clara esta visão. Decidi ir, pois considerei que servia melhor o meu País indo que desertando.

Este é um pequeno contributo numa matéria difícil. Se a tertúlia considerar, útil poderei voltar ao tema.

Com um abraço amigo
Pedro Lauret
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

Guiné 63/74 - P1590: O sacrifício dos oficiais do quadro permanente (Pedro Lauret)


Guiné > Zona Leste > Estrada Xime- Bambadinca > 1969 > O Cap do QP Carlos Brito, da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Era uma um homem afável e civilizado no trato, como poucos, não tendo nada a ver com a imagem (negativa) que eu tinha dos oficiais do QP que eu havia conhecido até então, na Metrópole. Com os seus 37 anos, e três comissões no Ultramar (Índia, Moçambique e Guiné), foi tão explorado pelo comando do Sector L1 (no tempo do BCAÇ 2852 e do BART 2917) como os seus milicianos e os seus soldados, da Metrópole ou do TO da Guiné.
No final da comissão, lá ganhou, com justiça, os galões de major. Em Fevereiro de 1971, se não me engano. À pala disso, também apanhei um louvor: de facto, dava jeito ao meu capitão, em vésperas de ser promovido a major, mostrar-se grato e reconhecido aos seus rapazes, incluindo este gajo porreiro, que era eu, que se dava bem com os guinéus, e que era o seu pião de nicas (substituindo todos os camaradas furriéis, com baixa, lerpados, cacimbados, em férias em Lisboa, desenfiados em Bissau), embora às vezes imprevisível e inconveniente nas suas bocas, alcunhado de Soviético pelo sargento Piça...
Devo dizer que, hoje, o louvor não me envergonha. Não o escondi mas também não o emoldurei. Nunca me serviu para nada. Mas um dia destes fui à velha caderneta militar, copiei-o e escarrapachei-o no meu currículo... É um simples louvor, não pelas qualidades bélicas que nunca tive, mas pelo meu trato humano e por ter feito a história... da unidade (que ele não aprovou).
É a ele - o bom do major Brito - que se refere o nosso camarada Jorge Cabral, ao evocar o episódio em que, sendo comandante do Pel Caç Nat 63, foi avisado pelo major Brito da chegada do novo comandante do BART 2917, com fama de militarista, e aconselhando-o a cortar as farfalhudas suíças, antirregulamentares, que trazia das férias em Lisboa...
Carlos Brito é hoje coronel e vive em Braga. Creio que passou pela GNR. Já em tempos formulei o desejo - que hoje reitero - de o voltar a ver, bem de saúde e, até por que não, como membro desta tertúlia... Revi-o apenas em 1994, em Fão, Esposende (1) (LG).
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do Pedro Lauret:

Caros companheiros e camaradas,

Sobre a proposta do João Tunes (2) também não me parece ter muito sentido.

Ainda voltarei a escrever sobre refratários e desertores, mas hoje quero fazer um comentário sobre uma frase do David Guimarães (3) quando se referia a militares que faziam quatro comissões numa mesma colónia, apontando que a sua motivação seria apenas ganhar dinheiro.
Em minha opinião é uma afirmação perigosa, pela generalização.

Qualquer oficial saído da Academia Militar em 1961 , ou nos anos imediatamente seguintes, fizeram 4 comissões na mesma colónia ou em várias.

A vida dos meus camaradas do Exército foi de enorme esforço e sacrifício. Quem fez 4 comissões tem pelo menos um ida como subalterno e duas como capitão, eventualmente uma última como major. A vida de um oficial do QP eram dois anos em comissão, um ano no continente.

Como é sabido, o número de oficiais que entravam na Academia Militar começou a diminuir a partir de 1961. A Guerra nos três teatros de operações aumentou sempre em área operacional e em consequente número de efectivos, pelo que foi exigido um esforço muito grande aos oficiais dos QP, que a partir de certa altura já eram insuficientes, pelo que começaram a ser formadas capitães milicianos, como todos sabemos.

A tese de que havia guerra porque os oficiais dos QP a fomentavam para ganhar mais, e que praticamente a vitoória militar estava garantida, foi posta a circular pela propaganda do Estado Novo tendo tido acolhimentos diversos, nomeadamente nos colonos em Angola e Moçambique.

Não quero dizer o nosso companheiro David Guimarães tenha querido aderir a esta tese, mas considero que alguma generalização pode ser perigosa. Não quero dizer que não tenham existido casos como os que são referidos, não foram no entanto a regra, foram a execepção. A Guerra Colonial, como qualquer guerra, deu oportunidades de ganhar dinheiro a muita gente, alguns de forma legítima, outros ilegitima.

Das centenas de oficiais que fizeram várias comissões permitam-me que vos evoque dois de duas gerações: Carlos Fabião, uma comissão em Angola e, penso, quatro na Guiné; e Salgueiro Maia, que em 1974 tinha 28 anos, com uma comissão nos Comandos em Moçambique e outra na Guiné.

Caro David, estas palavras destinam-se apenas a que este tema seja abordado com alguma profundidade adicional.

Um abraço

Pedro Lauret
Capitão de Mar e Guerra, na reforma,
antigo imediato do NRP Orion, Guiné (1971/73)

2. Resposta do David Guimarães:


Nessa matéria, Pedro, peço desculpa... Efectivamente pode haver um perigo de generalização que não era a minha intenção... Perigoso, sim, quando dito alto numa caserna - muito mais quando se tratam de amigos...

Talvez que nem sempre sejamos felizes nos ditos e aí teremos que estar calados somente, ou então encobrir aqueles que o fizeram, omitindo também com receio de ferir os não culpados... Emotivamente falei... Sim, em caso conhecido. Não o deveria ter feito e, sendo certo o que penso e vi, mal é efectivamente qualquer generalização. Por aí peço desculpa... Foram palavras do entusiasmo e o sangue português que me fez falar... Desculpa então, se puderes...

Sei do esforço que todos fizemos quadros e milicianos - isso não ponho dúvidas....

Um abraço, David Guimarães

3. Comentário do Pedro Lauret:

Caro David Guimarães,

Calculei que tivesse sido o entusiasmo das palavras que provocaram o disparar daquela frase que, como todos muito bem sabemos, tem fundo de verdade. O problema único é a generalização.

Voltarei em breve ao problema das deserções e não só … ao problema dos refractários. Posso deixar este dado para a tertúlia, nos 13 anos de guerra a percentagem de refractários foi de aproximadamente de 18%, ou seja, faltaram às incorporações 18% dos mancebos convocados, não é de forma alguma um número residual.

Um grande abraço
Pedro Lauret
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)

(2) Vd. post de 3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

(3) Vd. post de 13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha


1. Mensagem do David Guimarães:
Camaradas:

Li com bastante apreço este comentário de João Tunes (1) que emotivamente fala de um facto... Isso, sim, e em jeito de comentário parece-me bem. Aliás o que ele escreve, está correctíssimo e decerto que nos inclinamos sobre exemplos como esse... Mas a nível da proposta feita pelo Tunes, partilho exactamente da opinião do Vinhal - e concordo com a sua opinião pela negativa (2)...

João: O António Pinto, está no Blogue por ti e por quem o conheceu, mas que mereça estar é outra coisa... Não pelos princípios já aqui falados anteriormente - e com os quais estamos de acordo - mas pela injustiça que poderíamos eventualmente cometer para com outros que se baldaram à guerra e apareceram como heróis e alguns (heróis mesmo o foram) e outros que foram para a guerra e até foram mauzinhos...

Sabemos que nessa altura havia três hipóteses: (i) de alta voz dizer não vou - e ia ou ia preso; (ii) outra era fugir e tentar não ser apanhado; (iii) e a outra, que foi a da maioria, era ir mesmo e enfim ter sorte... (digo ter sorte porque no fim quem saiu das balas limpo, teve mesmo sorte)...

Agora havia uma subdivisão daqueles que fugiam, em duas classes: os que fugiam por convicções políticas; e os outros que fugiam porque a guerra era morte e havia medo... Não fomos nós os heróis que fomos para a guerra, não, mas decerto fomos porque muitos de nós não conseguimos fugir e outros tivemos medo das cadeias e represálias, sendo que outros foram por convicção de estarem certos e que efectivamente iam defender a Pátria...

Ainda havia outra classe que ia voluntariamente e os objectivos eram bem definidos: ganhar dinheiro. Infelizmente... Não é por acaso que se faziam quatro comissões na mesma colónia....

Entendo-te, João, mas quantos de nós não gostariam de ter amigos nossos e ex-combatentes - como tu queres colocar o Pinto - aqui junto de nós? Ai, João, vamos deixar estar tudo como está... Honrar, sim ... E se politizamos a situação, porque isso acontece, então alto, estragamos o belo que estamos a fazer... Apesar de sermos muito amigos na caserna...

Mais não sei dizer porque não necessito no momento - é a minha opinião...

Um abraço.
David Guimarães
Ex-Fur Mil At Artilharia Minas e Arm
CART 2716 / BART 2917
Xitole (Bambadinca)1970/72

Porto e Espinho

2. Mensagem do António Rosinh:
Luis Graça e tertulianos:

A rainha da Inglaterra viu um neto ir para a guerra do Iraque. Mesmo que seja um acto simbólico ainda é mais significativo.

Luis, espero que desistas de pedir um referendo.

António Rosinha

Ex-Fur Mil (Angola, 1961) / Ex-topógrafo da TECNIL (Guiné-Bissau, 1979/84)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

(2) Vd. posts anteriores:

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

1. Mensagem do Torcato Mendonça (1):

Caros Tertulianos


Luís Graça: Este Blogue Luís Graça & Camaradas tem um título e normas de conduta. Dele, fazem parte pessoas que com isso se identificam. Trazer á colacção temas como o da inclusão de desertores, não é correcto ou incorrecto, não é fracturante ou não. É perca de tempo. Tem certamente lugar e merece mesmo ser discutido, noutros espaços.

O valor que mais prezo é a Liberdade. É utópico pensarmos que somos seres livres. Há sempre condicionantes que vão limitar essa nossa liberdade. Mas, se a queremos para nós, então respeitemos a liberdade dos outros. Pratico-o!

Isso não me diz, salvo melhor opinião, que inclua ou, pessoalmente, pertença a grupo de pessoas com as quais não me identifico. Entrar em explicações é, como já disse, perca de tempo. Não pretendo ser mais explícito. Respeito todos nas suas opiniões e tomadas de posição ou opções políticas, religiosas, sexuais, ou outras… Exijo que, para comigo, tenham o mesmo comportamento.

Por isso ponto final em determinados assuntos. Por respeito a todos os que comigo lá estiveram. Por respeito aos que não voltaram. Por respeito a todos – mulheres e homens – que no Ultramar, Colónias ou o que entenderem chamar – deram o melhor de si e perderam os melhores anos das suas vidas. Independentemente das suas convicções… mas sempre, ontem e hoje, em solidariedade para com os seus camaradas… até ao limite ou seja, a arriscar a própria vida. Muitos perderam-na na ajuda ao camarada…

Que perca de tempo neste final de tarde. Sejamos livres nalgumas coisas… neste caso o pertencer ou não a um determinado grupo! O aceitar ou não determinadas inclusões, mesmo respeitando a tomada de posição ou opção. A maioria decide. Eu já o fiz!

Forte, mas mesmo forte, abraço para ti do

Fá Mandinga e Mansambo (Bambadinca)
Fundão


2. Comentário do Mário Bravo:

Caríssimo Luís Graça:

Estou perfeitamente de acordo com o Torcato Mendonça. Não quero menosprezar as razões de alguns, que decidiram e com o seu direito próprio, tomar outro rumo que não o daqueles que foram para as colónias, numa guerra que era descabida ( ?!).

Sim, mas com limites. Esses, os que não estiveram no teatro de guerra, que se limitem à sua posição de anti-regime e ponto final neste tipo de observação, de conteúdo duvidoso, em termos de sacrifício pessoal e familiar. É que morreram alguns camaradas, na dita guerra colonial.

Mário Bravo Ex-Alf Mil Médico, CCAÇ 6 (Bedanda, 1971/72)
Porto


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Nota de L.G.:

(1) Vd. post anteriores:

3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro