Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > s/d > Amílcar Cabral em reunião com combatentes nas Regiões Libertadas. Distinguem-se Constantino Teixeira, Aristides Pereira, Bacar Cassamá, José Turé e André Gomes.
Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Abril de 1972 > Região de Tombali > "Visita da Missão Especial da ONU a Cubucaré [, a sul do Rio Cacine,] distinguindo-se Fidelis Cabral de Almada e José Araújo. Com a inscrição manuscrita a lápis no verso: Recebida, com entusiasmo pela população, a missão especial chega ao local de um grande meeting popular, em Cubucaré". Guiné-Bissau, 2 a 8 de Abril de 1972."
Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Região de Tombali > "Missão Especial da ONU visita uma tabanca destruída pela aviação portuguesa. 2 a 8 de Abril de 1972."
Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Rgeião de Tombali > "Grupo de diplomatas do Comité de Descolonização da ONU visita quartel destruído. 2 a 8 de Abril de 1972."
Fotos e legendas: Cortesia de Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral (2003)
1. No 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral (1924-1973), que se celebra hoje, tanto na Guiné-Bissau como em Cabo Verde, vale a pena evocar aqui a célebre (e inédita) visita da de uma missão da ONU, a convite do PAIGC, às então chamadas Regiões Libertadas, missão essa que correu no sul, à actual região de Tombali entre 2 e 8 de Abril de 1972. Foi uma maiores vitórias diplomáticas de Amílcar Cabral. A Região de Tombali engloba, hoje, os sectores de Bedanda, Catió, Como, Quebo e Quitafine, tendo um total de cerca de 3700 km2 e 90 mil habitantes.
Segundo Carlos Matos Gomes e Aniceto Afomo (Os Anos dfa Guerra Colonial, Vol 13, 1972 - Negar uam solução política para a guerra, Matosinhos, QuidNovi, 2009, pp. 20-21), "a missão que visitou a Guiné era constituída por três membros efectivos, representantes do Equador, Suécia e Tunísia e por dois funcionários da ONU"...
Os diplomatas estiveram nas zonas de Catió e Quitafine onde, segundo o relatório observaram "estuturas militares, escolas e aramazéns". Mais concretamente, do relatório "constam apreciações sobre a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional".
Segundo os autores citados, "esta visita (...) contribuiu decisivamente para uma crescente aceitação daquilo que veio a tornar-se inevitável - a declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau", em 24 de Setembro de 1973, na região do Boé.
Ainda de acordo com os mesmos autores, entre 2 de Novembro e 14 de Dezembro de 1972, a Assembleia Geral da ONU produziu 11 resoluções condenando abertamente a política africana do regime de Marcelo Caetano. "As mais significativas foram as 2 e 14 de Novembro e a de 12 de Dezembro" (op. cit., p. 97)
Qual foi, entretanto, a resposta das autoridades portuguesas à visita da missão da ONU de 2 a 8 de Abril de 1972 ?
Sabe-se que "enquanto decorreu a visita, as forças portuguesas tentaram perturbá-la com acções militares, mas sem porem em em risco a a vida dos membros das ONU" (sic)... Escrevem Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso:
"As grandes acções ocorreram após a visita. Para demonstrar a inexistência de regiões libertadas, condição essencial para a Guiné viessse a ser reconhecida como Estado independente, foram realizadas várias operaçõe no Cantanhez e nas zonas onde o PAIGC tinha uma forte componente militar - regiões de Bedanda, Cabolol, Tombali, Guileje".
A 23 de Novembro de 1972, é a vez de uma missão da OUA - Organização para a Unidade Africana, tendo à frente o seu secretário executivo, o major Mbita, visitar as mesmas regiões, durante cinco dias. Desse dia é a Directiva 23/72, de Spínola, com ordens para a reocupação do Cantanhez...
A Op Grande Empresa, conduzida pelo recém-criado COP 4, teve início em 8 de Dezermbro, com desembarque de forças e a sua instalação nas tabancas de Cadique Ialala, Caboxanque e Cadique. "Seria tmbém ocupada a região de Jemberém e construída uma estrada táctica a ligar as duas margens da península do Cantanhez" (op. cit., p. 70). Na sua mensagem de Ano Novo 1973, Amílcar Cabral denuncia e reconhece as tentativas de reocupação do Cantanhez, aos microfones da Rádio Libertação, três semanas antes de ser assassinado (Oiça-se o registo aúdio, disponível no Dossier Amílcar Cabral, da Fundação Mário Soares).
Um dos diplomatas que visitou o sul da Guiné, de 2 a 8 de Abril de 1972, foi o equatoriano Horácio Sevilla Borja, neste momento em visita a Cabo Verde.
No Arquivo de Amílcar Cabral, a cargo da Fundação Mário Soares, e em boa hora disponível em linha, não há infelizmente muitas imagens desta visita. Selecionamos alguns, reproduzidas acima, com a devida vénia. A missão da ONU integrava um fotógrafo japonês... Se alguém souber como se chamava, que nos diga... Acho que já vi fotos dele tiradas no âmbito dessa visita... E, já agora, seria interessante localizar o relatório da missão, ou obter um cópia, em inglês ou espanhol....
A propósito desta efeméride (o vil asssassínio de um grande intelectual, dirigente africano, homem e cidadão do mundo), e sobre as circunstâncias e o móbil do crime - nunca totalmente esclarecidos -, leia o poste da Diana Andringa Conversas sobre Cabral, com data de hoje, no blogue Caminhos da Memória (de cuja redacção ela faz parte, juntamente com o nosso camarada João Tunes e outros). (LG).
2. Mensagem de 18 do corrente, do nosso amigo Nelson Herbert, guineense, jornalista da Voz da América, enviando-nos o seguinte recorte de imprensa:
Embaixadores da ONU que visitaram as zonas libertadas da Guiné-Bissau em Cabo Verde
No âmbito das comemorações do dia dos Heróis Nacionais, a 20 de Janeiro, estará em Cabo Verde, a convite do Presidente da República, Pedro Pires, os embaixadores Horácio Sevilla Borja, equatoriano, e Folke Lofgren, sueco, para participarem na palestra intitulada "A Diplomacia ao Serviço da Luta de Libertação Nacional", que se realiza no próximo dia 19, pelas 17 horas na Biblioteca Nacional, tendo como oradores a antropóloga Irosanda Barros e o Professor da Universidade de Santiago, Aquilino Barbos.
Os embaixadores Horácio Sevilla Borja e Folke Lofgren são os únicos sobreviventes da missão especial da ONU enviada às áreas libertadas da Guiné-Bissau, em 1972, até então sob a administração colonial portuguesa.
(Fonte: Expresso das Ilhas, Cabo Verde > 18 de Janeiro de 2010 )
3. Mensagem de 19 do corrente, do nosso Nelson Herbert, com envio de outro recorte, que se publica em parte, com a devida vénia ao jornal A Semana, e para o competente conhecimento dos leitores deste blogue.
(...) Retratos > Horácio Sevilla Borja, observador da ONU às zonas libertadas da Guiné: 'Com a nossa missão tudo mudou'
Entrevista de JVL. A Semana, 19 Janeiro 2010 (Excertos, com a devida vénia)
Quase 40 anos depois, Sevilla Borja [, foto à esquerda,] relembra nesta entrevista os significados da missão. (...)
Para os portugueses, na altura, vocês não entraram nunca na Guiné. Tudo não passou de uma ficção.
Isso realmente foi dito por eles, nomeadamente, pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício. Mas, claro, a nossa missão estava documentada, fotografada, de maneira firme. Fomos perseguidos pelos portugueses, que nos bombardearam quase o tempo todo. Mesmo assim, caminhamos oito dias pelas zonas libertadas pelo PAIGC.
Num dado lugar, Quedanda [, Bedanda ?], se não me engano, passámos ao lado de um quartel português, a dois quilómetros. Portanto, a missão foi real, não foi uma ficção, como quiseram fazer crer. Uma decisão revolucionária,
Como é que se deu a sua escolha para essa missão?
A decisão aconteceu no âmbito do Comité dos 24, da ONU, que se ocupava da descolonização. A proposta, quando submetida à Assembleia Geral, foi aprovada por uma larga maioria. Tratou-se de uma missão inédita, um passo em frente, se quiser, uma revolução nos anais da ONU. Na altura deveríamos ir também a Angola e a Moçambique, também convidados pelo MPLA e pela Frelimo. Mas o primeiro convite surgiu do PAIGC.
Por que diz que foi uma "revolução"?
Foi uma revolução porque, pela primeira vez, na ONU, um movimento de libertação convidou a comunidade internacional a visitar um território. Até aí eram as potências administrantes a convidar as missões de visita da ONU, nelas procuravam mostrar os passos que estavam a dar em benefício dos povos por elas tutelados, com vista à sua autodeterminação e independência.
Com o convite do PAIGC, romperam-se todos os moldes, as formas de trabalho da ONU no processo de descolonização. E dada a tenacidade de Portugal de conservar as suas colónias, negando a realidade, a ONU deu um passo em frente, com a abstenção de uns poucos países que o apoiavam, dentre eles os EUA, a França, etc. Portugal se opôs por todos os meios ao seu alcance.
Vocês eram quantos?
Éramos três e estávamos apoiados por dois membros da secretaria da ONU. O secretário-geral na altura era o austríaco Kurt Waldeim. No caso do Equador a escolha recaiu sobre mim, mas também estavam os meus colegas da Tunísia [, Kamel Belkhiria, ] e da Suécia [, Folke Lofgren]. A distribuição era geográfica. Um dos elementos de apoio era do Senegal, o Sr. Gaye, e o fotógrafo era japonês. Portanto, havia gente de todos os continentes.
E foi com base no vosso relatório que o PAIGC pôde declarar a independência da Guiné-Bissau, não?
Sim. No nosso regresso dissemos que efectivamente o PAIGC controlava a maior parte do território da Guiné-Bissau. Mais do que isso, tinha organizado a sociedade. Era incrível como um movimento de libertação, em condições tão difíceis e precárias, tinha conseguido montar escolas, serviços de saúde, de abastecimento às populações, etc. Com base nisso, a ONU declarou que o único movimento representante desse povo era o PAIGC e não a potência colonial.
Diante disso também, recomendou-se a todos os estados para que reconhecessem o PAIGC como o único representante dos povos da Guiné e Cabo Verde, e se instruiu também a todas as agências da ONU a ter em conta nos seus programas esses dois territórios. A missão mudou totalmente o quadro político na Guiné-Bissau e por isso foi uma tremenda vitória diplomática do PAIGC e dos seus líderes.
Fora isso, também fizemos uma série de recomendações militares. Do nosso ponto de vista, os portugueses estavam entrincheirados nos seus quartéis e apenas por via aérea conseguiam mover-se, destruindo muitas vezes o que o PAIGC tinha construído ou estava a construir. Lembro-me que, depois da missão, um dia, Amílcar Cabral nos enviou um telegrama a dizer que uma dada escola no interior, que chegámos a visitar, tinha sido bombardeada e destruída, com morte de várias crianças.
Com base nisso tudo, se pediu aos Estados que ajudassem a luta do PAIGC, com as armas necessárias, para enfrentar os helicópteros e outros meios aéreos utilizados pelos portugueses. Ou seja, com a nossa missão, tudo mudou, e isso acelerou e permitiu a independência da Guiné que foi logo reconhecida por dezenas de outros países.
E pressões, tiveram muitas?
Portugal, sobretudo, exerceu muita pressão sobre o Equador. As autoridades portuguesas consideravam que a missão era um ataque a Portugal, a uma província autónoma sua, e que, portanto, um país amigo, como Equador, não devia estar numa missão a favor da independência de um dos territórios que supostamente eram parte de Portugal. Mas houve também pressões directamente contra a minha pessoa, nomeadamente, no meu Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Mas a posição do Equador era muito clara. Se lutamos há 200 anos atrás pela nossa independência, através de uma luta armada conduzida pelo nosso Amílcar Cabral – Simon Bolívar – , entendíamos que devíamos apoiar outros povos no mesmo sentido.
Mas a posição do Equador era muito clara. Se lutamos há 200 anos atrás pela nossa independência, através de uma luta armada conduzida pelo nosso Amílcar Cabral – Simon Bolívar – , entendíamos que devíamos apoiar outros povos no mesmo sentido.
Convém recordar que nessa época estávamos a viver na segunda metade do século passado, em 1972, e já em 1960 a ONU havia aprovado a resolução 1542 dizendo que tinha de terminar o colonialismo.
Nessa missão à Guiné o que é que mais o marcou?
Nessa missão à Guiné o que é que mais o marcou?
Duas coisas. Primeiro, o povo. Na missão pudemos ver e contactar pessoas, às vezes, em grandes aglomerados, vimos e falámos com responsáveis dos vários sectores (mulheres, jovens, etc.) que, apesar de muitas carestias, estavam determinadas, queriam ser independentes, para conseguirem melhores condições de vida. A outra coisa era a capacidade dos líderes do PAIGC. E não me refiro só a Amílcar Cabral.
Quem em particular?
Refiro-me, por exemplo, a Pedro Pires. Tivemos a oportunidade de falar duas vezes com ele na altura, à chegada e no fim. Mas também me recordo do José Araújo, Fidélis Cabral Almada, Nino Vieira... Lembro-me que numa noite, depois de uma longa marcha, exaustos, em plena selva, ouvindo os bombardeios, conversámos sobre filosofia, literatura, etc. com algumas desses dirigentes. Eram pessoas que tinham ideias claras, uma capacidade humana extraordinária. Nessa noite, ao mesmo tempo que ouvíamos ao fundo o som de bombardeios e discutíamos literatura, filosofia, através de um aparelho, ouvimos um concerto de J.S. Bach.
Continuou a acompanhar o processo guineense?
Sim, na medida do possível, com preocupação, os seus altos e baixos. Infelizmente, vários dos seus lideres que conheci durante a missão morreram ou foram mortos. Quem me protegeu durante toda a missão foi o Constantino Teixeira, comandante Tchutcho. Ele morreu em circunstâncias trágicas, eu soube, e isso me deixou triste. E é também com muita tristeza o que vejo o que se passa na Guiné. Em contrapartida, sinto-me confortado com Cabo Verde. (...)
[ Revisão / fxação de texto / selecção / bold: L.G.]
Recorde-se a sequência dos acontecimentos (LG):
1972 - 2 de Fevereiro
Perante o Conselho de Segurança da ONU, reunido na sua 163ª sessão, em Adis Abeba, Cabral convida a Assembleia Geral das Nações Unidas a enviar uma delegação às 'zonas libertadas'.
4 de Fevereiro
Resolução 312 do Conselho de Segurança sobre a situação dos territórios sob a administração portuguesa. É autorizada uma missão às regiões libertadas da futura Guiné-Bissau.
2 a 8 de Abril
Visita de um grupo de Diplomatas do Comité de Descolonização da ONU aos territórios libertados.
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