quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5680: Efemérides (41): No 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral, recordando o sucesso diplomático que foi a visita da missão da ONU às regiões libertadas, no sul, 2-8 de Abril de 1972


Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > s/d > Amílcar Cabral em reunião com combatentes nas Regiões Libertadas. Distinguem-se Constantino Teixeira, Aristides Pereira, Bacar Cassamá, José Turé e André Gomes.


Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Abril de 1972 > Região de Tombali > "Visita da Missão Especial da ONU a Cubucaré [, a sul do Rio Cacine,] distinguindo-se Fidelis Cabral de Almada e José Araújo. Com a inscrição manuscrita a lápis no verso: Recebida, com entusiasmo pela população, a missão especial chega ao local de um grande meeting popular, em Cubucaré". Guiné-Bissau, 2 a 8 de Abril de 1972."



Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Região de Tombali > "Missão Especial da ONU visita uma tabanca destruída pela aviação portuguesa. 2 a 8 de Abril de 1972."



Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Rgeião de Tombali > "Grupo de diplomatas do Comité de Descolonização da ONU visita quartel destruído. 2 a 8 de Abril de 1972."

Fotos e legendas: Cortesia de Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral (2003)


1. No 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral (1924-1973), que se celebra hoje, tanto na Guiné-Bissau como em Cabo Verde, vale a pena evocar aqui a célebre (e inédita)  visita da de uma missão da ONU, a convite do PAIGC, às então chamadas Regiões Libertadas, missão essa que correu no sul, à actual região de Tombali  entre 2 e 8 de Abril de 1972. Foi uma maiores vitórias diplomáticas de Amílcar Cabral. A Região de Tombali engloba, hoje, os sectores de Bedanda, Catió, Como, Quebo e Quitafine, tendo  um total de cerca de 3700 km2 e 90 mil habitantes.

Segundo Carlos Matos Gomes e Aniceto Afomo (Os Anos dfa Guerra Colonial, Vol 13, 1972 - Negar uam solução política para a guerra, Matosinhos, QuidNovi, 2009,  pp. 20-21), "a missão que visitou a Guiné era constituída por três membros efectivos, representantes do Equador, Suécia e Tunísia e por dois funcionários da ONU"... 

Os diplomatas estiveram nas zonas de Catió e Quitafine onde, segundo o relatório  observaram "estuturas militares, escolas e aramazéns". Mais concretamente, do relatório "constam apreciações sobre a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional".

Segundo os autores citados, "esta visita (...) contribuiu decisivamente para uma crescente aceitação daquilo que veio a tornar-se inevitável - a declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau", em 24 de Setembro de 1973, na região do Boé.

Ainda de acordo com os mesmos autores, entre 2 de Novembro e 14 de Dezembro de 1972, a Assembleia Geral da ONU produziu 11 resoluções  condenando abertamente a política africana do regime de Marcelo Caetano. "As mais significativas foram as 2 e 14 de Novembro e a de 12 de  Dezembro" (op. cit., p. 97)

Qual foi, entretanto,  a resposta das autoridades portuguesas à visita da missão da ONU de 2 a 8 de Abril de 1972 ?

 Sabe-se que "enquanto decorreu a visita, as forças portuguesas tentaram perturbá-la com acções militares, mas sem porem em em risco a a vida dos membros das ONU" (sic)...  Escrevem Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso:

"As grandes acções ocorreram após a visita. Para demonstrar  a inexistência de regiões libertadas, condição essencial para a Guiné viessse a ser reconhecida como Estado independente, foram realizadas  várias operaçõe no Cantanhez e nas zonas onde o PAIGC  tinha uma forte componente militar - regiões de Bedanda, Cabolol, Tombali, Guileje".

A 23 de Novembro de 1972, é a vez de uma missão da OUA - Organização para a Unidade Africana, tendo à frente o seu secretário executivo, o major Mbita,   visitar as mesmas regiões, durante cinco dias.  Desse dia é a Directiva 23/72,  de Spínola, com ordens para a reocupação do Cantanhez...

A Op Grande Empresa, conduzida pelo recém-criado COP 4, teve início em 8 de Dezermbro, com desembarque de forças e a  sua instalação   nas tabancas de Cadique Ialala, Caboxanque e Cadique. "Seria tmbém ocupada a região de Jemberém e construída uma estrada táctica a ligar as duas margens da península do Cantanhez" (op. cit., p. 70). Na sua mensagem de  Ano Novo 1973, Amílcar Cabral denuncia e reconhece as tentativas de reocupação do Cantanhez, aos microfones da Rádio Libertação, três semanas antes de ser assassinado (Oiça-se o registo aúdio, disponível no Dossier Amílcar Cabral, da Fundação Mário Soares).

Um dos diplomatas que visitou o sul da Guiné, de 2 a 8 de Abril de 1972,  foi o equatoriano Horácio Sevilla Borja, neste momento em visita a Cabo Verde. 

No Arquivo de Amílcar Cabral, a cargo da Fundação Mário Soares, e em boa hora disponível em linha, não há infelizmente muitas imagens desta visita. Selecionamos alguns, reproduzidas acima, com a devida vénia. A missão da ONU integrava um fotógrafo japonês... Se alguém souber como se chamava, que nos diga... Acho que já vi fotos dele tiradas no âmbito dessa visita... E, já agora, seria interessante localizar o relatório da missão, ou obter um cópia, em inglês ou espanhol....

A propósito desta efeméride (o vil asssassínio de um grande intelectual, dirigente africano, homem e cidadão do mundo), e sobre as circunstâncias e o móbil do crime - nunca totalmente esclarecidos -, leia o poste da Diana Andringa Conversas sobre Cabral, com data de hoje, no blogue Caminhos da Memória  (de cuja redacção ela faz parte, juntamente com o nosso camarada João Tunes e outros). (LG).

2. Mensagem de 18 do corrente, do nosso amigo Nelson Herbert, guineense, jornalista da Voz da América, enviando-nos o seguinte recorte de imprensa:

Embaixadores da ONU que visitaram as zonas libertadas da Guiné-Bissau em Cabo Verde



No âmbito das comemorações do dia dos Heróis Nacionais, a 20 de Janeiro, estará em Cabo Verde, a convite do Presidente da República, Pedro Pires, os embaixadores Horácio Sevilla Borja, equatoriano, e Folke Lofgren, sueco, para participarem na palestra intitulada "A Diplomacia ao Serviço da Luta de Libertação Nacional", que se realiza no próximo dia 19, pelas 17 horas na Biblioteca Nacional, tendo como oradores a antropóloga Irosanda Barros e o Professor da Universidade de Santiago, Aquilino Barbos.


Os embaixadores Horácio Sevilla Borja e Folke Lofgren são os únicos sobreviventes da missão especial da ONU enviada às áreas libertadas da Guiné-Bissau, em 1972, até então sob a administração colonial portuguesa.

(Fonte: Expresso das Ilhas, Cabo Verde >  18 de Janeiro de 2010 )


3. Mensagem de 19 do corrente, do nosso Nelson Herbert, com envio de outro recorte, que se publica em parte, com a devida vénia ao jornal  A Semana, e para o competente conhecimento dos  leitores deste blogue.

(...) Retratos >  Horácio Sevilla Borja, observador da ONU às zonas libertadas da Guiné: 'Com a nossa missão tudo mudou'

Entrevista de JVL. A Semana, 19 Janeiro 2010  (Excertos, com a devida vénia)




Há 38 anos a ONU enviou uma missão de observadores às zonas libertadas pelo PAIGC na Guiné-Bissau. Chefiada pelo equatoriano Horácio Sevilla Borja, integrada pelo tunisino Kamel Belkhiria e pelo sueco Folke Lofgren, o grupo percorreu durante oito dias o interior daquele território cujo domínio (em dois terços) era reivindicado pelo PAIGC.


Quase 40 anos depois, Sevilla Borja [, foto à esquerda,] relembra nesta entrevista os significados da missão.  (...)

Foto e texto: Cortesia de A Semana


Para os portugueses, na altura, vocês não entraram nunca na Guiné. Tudo não passou de uma ficção.

Isso realmente foi dito por eles, nomeadamente, pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício. Mas, claro, a nossa missão estava documentada, fotografada, de maneira firme. Fomos perseguidos pelos portugueses, que nos bombardearam quase o tempo todo. Mesmo assim, caminhamos oito dias pelas zonas libertadas pelo PAIGC.

Num dado lugar, Quedanda [, Bedanda ?], se não me engano, passámos ao lado de um quartel português, a dois quilómetros. Portanto, a missão foi real, não foi uma ficção, como quiseram fazer crer. Uma decisão revolucionária,

Como é que se deu a sua escolha para essa missão?

A decisão aconteceu no âmbito do Comité dos 24, da ONU, que se ocupava da descolonização. A proposta, quando submetida à Assembleia Geral, foi aprovada por uma larga maioria. Tratou-se de uma missão inédita, um passo em frente, se quiser, uma revolução nos anais da ONU. Na altura deveríamos ir também a Angola e a Moçambique, também convidados pelo MPLA e pela Frelimo. Mas o primeiro convite surgiu do PAIGC.

Por que diz que foi uma "revolução"?

Foi uma revolução porque, pela primeira vez, na ONU, um movimento de libertação convidou a comunidade internacional a visitar um território. Até aí eram as potências administrantes a convidar as missões de visita da ONU, nelas procuravam mostrar os passos que estavam a dar em benefício dos povos por elas tutelados, com vista à sua autodeterminação e independência.

Com o convite do PAIGC, romperam-se todos os moldes, as formas de trabalho da ONU no processo de descolonização. E dada a tenacidade de Portugal de conservar as suas colónias, negando a realidade, a ONU deu um passo em frente, com a abstenção de uns poucos países que o apoiavam, dentre eles os EUA, a França, etc. Portugal se opôs por todos os meios ao seu alcance.

Vocês eram quantos?

Éramos três e estávamos apoiados por dois membros da secretaria da ONU. O secretário-geral na altura era o austríaco Kurt Waldeim. No caso do Equador a escolha recaiu sobre mim, mas também estavam os meus colegas da Tunísia [, Kamel Belkhiria, ] e da Suécia [, Folke Lofgren]. A distribuição era geográfica. Um dos elementos de apoio era do Senegal, o Sr. Gaye, e o fotógrafo era japonês. Portanto, havia gente de todos os continentes.

E foi com base no vosso relatório que o PAIGC pôde declarar a independência da Guiné-Bissau, não?

Sim. No nosso regresso dissemos que efectivamente o PAIGC controlava a maior parte do território da Guiné-Bissau. Mais do que isso, tinha organizado a sociedade. Era incrível como um movimento de libertação, em condições tão difíceis e precárias, tinha conseguido montar escolas, serviços de saúde, de abastecimento às populações, etc. Com base nisso, a ONU declarou que o único movimento representante desse povo era o PAIGC e não a potência colonial.

Diante disso também, recomendou-se a todos os estados para que reconhecessem o PAIGC como o único representante dos povos da Guiné e Cabo Verde, e se instruiu também a todas as agências da ONU a ter em conta nos seus programas esses dois territórios. A missão mudou totalmente o quadro político na Guiné-Bissau e por isso foi uma tremenda vitória diplomática do PAIGC e dos seus líderes.

 
Fora isso, também fizemos uma série de recomendações militares. Do nosso ponto de vista, os portugueses estavam entrincheirados nos seus quartéis e apenas por via aérea conseguiam mover-se, destruindo muitas vezes o que o PAIGC tinha construído ou estava a construir. Lembro-me que, depois da missão, um dia, Amílcar Cabral nos enviou um telegrama a dizer que uma dada escola no interior, que chegámos a visitar, tinha sido bombardeada e destruída, com morte de várias crianças.

Com base nisso tudo, se pediu aos Estados que ajudassem a luta do PAIGC, com as armas necessárias, para enfrentar os helicópteros e outros meios aéreos utilizados pelos portugueses. Ou seja, com a nossa missão, tudo mudou, e isso acelerou e permitiu a independência da Guiné que foi logo reconhecida por dezenas de outros países.

E pressões, tiveram muitas?

Portugal, sobretudo, exerceu muita pressão sobre o Equador. As autoridades portuguesas consideravam que a missão era um ataque a Portugal, a uma província autónoma sua, e que, portanto, um país amigo, como Equador, não devia estar numa missão a favor da independência de um dos territórios que supostamente eram parte de Portugal. Mas houve também pressões directamente contra a minha pessoa, nomeadamente, no meu Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Mas a posição do Equador era muito clara. Se lutamos há 200 anos atrás pela nossa independência, através de uma luta armada conduzida pelo nosso Amílcar Cabral – Simon Bolívar – , entendíamos que devíamos apoiar outros povos no mesmo sentido.

Convém recordar que nessa época estávamos a viver na segunda metade do século passado, em 1972, e já em 1960 a ONU havia aprovado a resolução 1542 dizendo que tinha de terminar o colonialismo.

Nessa missão à Guiné o que é que mais o marcou?

Duas coisas. Primeiro, o povo. Na missão pudemos ver e contactar pessoas, às vezes, em grandes aglomerados, vimos e falámos com responsáveis dos vários sectores (mulheres, jovens, etc.) que, apesar de muitas carestias, estavam determinadas, queriam ser independentes, para conseguirem melhores condições de vida. A outra coisa era a capacidade dos líderes do PAIGC. E não me refiro só a Amílcar Cabral.

Quem em particular?

Refiro-me, por exemplo, a Pedro Pires. Tivemos a oportunidade de falar duas vezes com ele na altura, à chegada e no fim. Mas também me recordo do José Araújo, Fidélis Cabral Almada, Nino Vieira... Lembro-me que numa noite, depois de uma longa marcha, exaustos, em plena selva, ouvindo os bombardeios, conversámos sobre filosofia, literatura, etc. com algumas desses dirigentes. Eram pessoas que tinham ideias claras, uma capacidade humana extraordinária. Nessa noite, ao mesmo tempo que ouvíamos ao fundo o som de bombardeios e discutíamos literatura, filosofia, através de um aparelho, ouvimos um concerto de J.S. Bach.

Continuou a acompanhar o processo guineense?

Sim, na medida do possível, com preocupação, os seus altos e baixos. Infelizmente, vários dos seus lideres que conheci durante a missão morreram ou foram mortos. Quem me protegeu durante toda a missão foi o Constantino Teixeira, comandante Tchutcho. Ele morreu em circunstâncias trágicas, eu soube, e isso me deixou triste. E é também com muita tristeza o que vejo o que se passa na Guiné. Em contrapartida, sinto-me confortado com Cabo Verde. (...)

[ Revisão / fxação de texto / selecção / bold: L.G.]


Recorde-se a sequência dos acontecimentos (LG):

1972 - 2 de Fevereiro

 Perante o Conselho de Segurança da ONU, reunido na sua 163ª sessão, em Adis Abeba, Cabral convida a Assembleia Geral das Nações Unidas a enviar uma delegação às 'zonas libertadas'.

 4 de Fevereiro

Resolução 312 do Conselho de Segurança sobre a situação dos territórios sob a administração portuguesa. É autorizada uma missão às regiões libertadas da futura Guiné-Bissau.

2 a 8 de Abril

Visita de um grupo de Diplomatas do Comité de Descolonização da ONU aos territórios libertados.
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Guiné 63/74 - P5679: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (7): Álbum fotográfico de 1995 (Miguel e Giselda Pessoa)

1. O nosso Camarada Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74) e a sua querida esposa e nossa Camarada de armas Giselda Pessoa (ex-Srgt Enf Pára-quedista), enviaram-nos a seguinte mensagem, com data de 17 de Janeiro:
Camaradas,

A propósito da próxima inauguração do Núcleo Museulógico Memória de Guileje vieram-me à memória algumas fotos que tirei quando da nossa visita (minha e da Giselda) àquele local, integrados numa equipa que em 1995 ali filmou um documentário sobre a retirada de Guileje (realizado pelo José Manuel Saraiva).


Uma delas já foi publicada, mas não foi muito elucidado que se tratava de uma foto da antiga placa de helicópteros, então já inundada de uma vegetação frondosa, fruto de 20 anos de abandono...

As outras três, que nunca cheguei a enviar-vos, testemunham o crescimento de uma árvore através de uma viatura militar ali abandonada (uma Berliet?).

A árvore atravessou a estrutura da viatura e só não levantou mais esta porque outra vegetação à volta o impediu... Para se ver a força da natureza! Provavelmente a viatura agora já desapareceu...

Enfim, se acharem de interesse publiquem. Sempre mata as saudades a uns tantos...

Um abraço de,
Miguel Pessoa (Cor Pilav Ref), e
Giselda Pessoa (ex-Srgt Enf Pára-quedista)

Fotos: © Miguel Pessoa (1995). Direitos reservados
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5678: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (34): O turra branco "Capitão G3" (Mário G R Pinto)

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 34ª mensagem, em 17 de Janeiro de 2010:
Camaradas,

Eu não perfilo com desertores, mas a lenda, o carisma sentimental e o infortúnio do fuzileiro de que vos vou falar, fez-me pesquisar a estória da sua vida e trazê-la ao nosso convívio, por achar de interesse geral.

O TURRA BRANCO CAPITÃO G3

António Tavares Trindade era um rapaz simples, filho da cidade de Lisboa, onde cresceu e aprendeu a viver. Ficou órfão de pai na adolescência, ainda bastante novo.

Sua mãe, ainda jovem, veio a casar em segundas núpcias com um indivíduo, que o veio a marcar negativamente para o resto da sua vida, pois pertencia à mórbida organização da PIDE.

Aos 17 anos, desagradado com o seu padrasto, começou a ver a sua vida a complicar-se, plena de hostilidade em casa e, revoltado, resolveu ingressar na Marinha como voluntário.

Nesta altura, inicio do ano 1962, a guerra em Angola estava no auge e a necessidade de tropas para o Ultramar fez com que o recém marujo incorporado fosse direitinho parar aos fuzileiros.

A dura recruta e a cultura castrense, que se vivia naquela altura em todas as unidades militares, não contribuíram em nada para melhorar o carácter do jovem fuzileiro. Apenas com 18 anos e acabada a sua formação militar, foi enviado para a Guiné e despejado num teatro de guerra, que não lhe despertava qualquer sentimento em particular.

Órfão de afectos e desiludido com a vida, que tinha sido compelido a escolher, não o satisfazia de modo algum. As ligações com a sua mãe eram dificultadas pelo seu padrasto, com quem se não dava de modo nenhum e cada vez odiava mais. A PIDE, organização a que, como já disse, o seu padrasto pertencia, era outra espinha no seu coração.

É, nessa altura, que conhece a sua femme fatale, que o ajuda a transformar a sua vida num autêntico inferno.  Nas suas andanças pela cidade de Bissau e pelos seus bares, onde eram férteis as meninas da vida nocturna, veio a conhecer uma brasa por quem se embeiçou. Segundo rezam as crónicas da época, era mesmo uma bonita mulher.

A femme fatale fazia parte da organização do PAIGC e, tendo descoberto a tristeza e o descontentamento do fuzileiro, decidiu convencê-lo a desertar para o outro lado, o que ele acabou por fazer, mais tarde, após uma discussão com um superior.

O fuzileiro Lisboa - António Tavares Trindade - o G3, como era conhecido pelos seus camaradas da altura, era um exímio artista com o LGF (Lança Granadas Foguete), que disparava com muita precisão.

Há quem afirme que o PAIGC, ao ter conhecimento desta destreza do Lisboa, o fez instrutor de RPG 2, para ensinar os seus guerrilheiros, vindo a ser baptizado por Capitão G3.
A Frente Patriótica Nacional, em Argélia, mantinha uma estreita ligação com os movimentos de libertação das colónias, nomeadamente com o PAIGC.

Na sua luta contra o Salazarismo absorvia no seu seio todos os dissidentes do regime, e é neste contexto que o PAIGC em 1964 entrega em Argel 5 desertores do nosso exército, onde o Capitão G3 ia integrado.

Em 1965, o governo de Argel entra em desavenças com a FPN e prende 16 dos seus membros onde se encontrava o G3.

Os mesmos são libertados após o golpe de estado que, nesse mesmo ano, derrubou Ben Bella. O G3 saiu então livre da Argélia, atravessando Marrocos, com destino a Espanha.

Posteriormente, tornou-se combatente anti-fascista, apoiando a candidatura do General Humberto Delgado (foto ao lado), tornando-se seu segurança pessoal até à sua morte.

Na clandestinidade viveu até 1968, altura que foi preso pela PIDE, por denúncia do seu padrasto, quando visitou sua mãe doente,  internada no hospital.

Foi torturado violentamente pelos seus carcereiros, nos calaboiços da polícia política do regime, que não lhe perdoaram a sua deserção da CF3 na Guiné, a colaboração prestada ao PAIGC, bem como as posteriores ligações á FNP e, pior ainda, a sua ligação ao PCP (Partido Comunista Português), a que aderira entretanto.

Como desertor foi julgado pelo tribunal da Marinha e cumpriu a sua pena no Forte de Elvas.

Posto em liberdade, depois da pena cumprida, teve de regressar ao Corpo Fuzileiros. Marginalizado e perseguido, por uns e por outros, arrastou-se penosamente pelos quartéis até cumprir o tempo de serviço na Marinha, que lhe faltava.

Na vida civil, empregou-se na CUF/QUIMIGAL do Barreiro, onde fixou residência depois de casar no Lavradio.

Nunca deixou de ser militante do PCP/Barreiro, pelo que era frequentemente preso pela ex-PIDE, que passou a designar-se, naquela época, por DGS (Direcção Geral de Segurança).

Depois do 25 de Abril, era membro destacado do PCP/Barreiro. Nos anos 1975 a 77 formou a célula do seu partido no Lavradio, após ter frequentado em Moscovo, por ordem do Partido, a formação em política apropriada.

Hoje, pouco mais se sabe do Capitão G3, apenas que frequenta esporadicamente a Sede da Associação dos Fuzileiros, no Barreiro.

Nota final: Todos estes dados recolhidos foram pesquisados na NET em, http://companhia2fz.blogspot.com/search?q=Ant%C3%B3nio+Tavares+Trindade e junto de camaradas de armas do G3, residentes no Lavradio.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

17 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5669: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (33): Até os babuínos eram contra nós (Mário G R Pinto)

Guiné 63/74 - P5677: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (6): Júlia Neto em Bissau, com a família do Dauda Viegas (Pepito)























Guiné-Bissau > Bissau >  18 de Janeiro de 2010 > As primeiras da Júlia Neto, com destaque para a sua emocionada e emocionante visita à família do Dauda Viegas, já falecido, e que era uma criança que o José Neto tratava com um verdadeiro amor de pai.. O Dauda foi o filho  (adoptivo) que ele nunca teve... A Júlia e o José Neto tiveram 3 filhas... Todas elas, de resto, reconhecem o amor que o pai tinha por Guileje... Recorde-se que o nosso Zé Neto pertenceu à CART 1613 (Guileje, 1967/68). Amanhã a Guiné-Bissau vai fazer-lhe uma pequena homenagem, com a inauguração da capela (reconstruída) de Guileje... A Júlia, membro recente da nossa Tabanca Grande, vai representar-nos também nesta singela homenagem ao Zé e a os militares portugueses que viveram, lutarem e morreram (alguns) em Guileje.

Fotos: © Pepito / AD - Acção para o Dsenvolvimento (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem enviada onem pelo nosso amigo Pepito, dando-nos notícia do 1º dia de estadia, em Bissau,  da nossa amiga Júlia Neto, viúva do Cap Art Ref José Neto (1929-2007), convivada pela AD - Acção para o Desenvolvimento para a cerimómia de inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje

Amigo Luís


Chegou esta madrugada a Bissau, Júlia Neto, esposa do nosso capitão José Neto.

É para nós uma grande alegria acolhê-la nesta terra que pertenceu ao coração do marido.

É uma pessoa extraordinária. Simples e muito humana. Parece que já conhecia a Guiné-Bissau há muitos anos, e é bem capaz disso, pelos relatos e escritos do Capitão Neto.

Esteve esta manhã num encontro muito emotivo com a Djenabu Fati, mulher do famoso Dauda Viegas, criança que ele adoptou em Guiledje e a quem ele sempre considerou como um filho. Morreu recentemente e deixou três filhas, a Paula de 12 anos, a Segunda de 10 e a Fátima de 8, "netinhas" da Júlia Neto.

Trouxe-lhes recordações formidáveis, desde roupa, calçado, material escolar e brinquedos.

Confesso que me emociono com facilidade, pelo que tive que "fugir" para não assistir aos momentos comoventes de ternura recíproca.

A Paula já vai tratar do Bilhete de Identidade para ir passar férias no Algarve com a família Neto (assim as autoridades portuguesas não criem os entraves habituais de visto... e que nada contribuem para a amizade natural e espontânea entre portugueses e guineenses).

Depois visitou algumas instalações da AD, como o centro de Animação Infantil, o Estídio de Gravação BISSOM e a Escola de Artes e Ofícios.

Acabou por almoçar em família, na escola de Hotelaria da AD, com o pessoal da nossa ONG.

Amanhã às 8h00 partimos para Guiledje e na 4ª Feira será o grande dia da inauguração do Museu e da Capela.

Abraço

pepito
 
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série: 18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5671: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (5): Recordando o brilhante improviso de Luís Moita, na sessão de encerramento do Simpósio Internacional de Guileje, em 7 de Março de 2008 

(**) Vd. poste de 21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas



Dauda, o Viegas


Como já escrevi, eram todos de etnia fula, de raça negra, com excepção de um menino mestiço.


Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa.


Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas…


Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros.


Ao correr para o abrigo ouvi o choro duma criança. O Viegas tinha jantado connosco, como de costume, e tive a quase certeza de que era ele. Retrocedi e apanhei-o junto ao coberto que servia de messe de sargentos. Arrastei-o até à entrada do abrigo e, uns instantes depois, uma granada explodiu no monte de lenha a menos de quatro metros de distância, projectando cavacas em todas as direcções.


Dos meus troféus faz parte a empenagem que sobrou dessa granada, que nunca limpei, e que a minha mulher resmunga que só serve para sujar o móvel onde está. Não é que suje, mas também nunca me apeteceu contar-lhe a história desse bocado de ferro com alhetas e terra empastada. (...)

Guiné 63/74 - P5676: Agenda cultural (56): Beja Santos e Luís Graça, hoje, às 15h, em Oeiras, em colóquio-debate sobre Fim do Império - Olhares Civis




Tal como já foi anunciado (*), realiza-se o 4.º Encontro do 2.º Ciclo de Colóquios-debates Fim do Império - Olhares Civis, hoje,  dia 19 de Janeiro de 2010,  às 15 horas na Livraria-Galeria Municipal Verney / Colecção Neves e Sousa, em Oeiras:

Apresentação do  Diário da Guiné, 1968-1969, na Terra dos Soncó, do Dr. Mário Beja Santos (Circulo de Leitores; Temas & Debates, 2008, 365 pp.), com o autor e o Dr. Luís Graça, fundador e editor principal do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Entrada livre.


Livraria-Galeria Municipal Verney (Imagem à esquerda)
Rua Cândido dos Reis, nº 90/90A
2780 – 211 Oeiras
Tel. 21 440 83 91 / Fax 21 440 84 81
e-mail: verney@clix.pt

Acessibilidades:

Estações da C.P. – Santo Amaro e Oeiras

Autocarros – 106, 111, 112, 115, 122, 467, 471 e 482

Parque de estacionamento:

Traseiras da Verney, entrada pela Av. Copacabana, gratuito de sábado às 13h00 até final de domingo.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5582: Agenda cultural (52): 4.º Encontro do 2.º Ciclo de Colóquios-debates "Fim do Império-olhares civis", dia 19 de Janeiro em Oeiras

Guiné 63/74 – P5675: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (28): Baptismo de fogo - Parte 2



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos uma mensagem (a 28ª), com a 2ª parte do seu baptismo de fogo, com data de 16 de Janeiro de 2010:

«Baptismo de fogo» - Parte 2

Rescaldo da operação «Lenquetó»

6 de Julho de 1964

Com a Companhia reunida foram lidos pelo nosso Capitão dois “rádios” com louvores à Companhia pelo êxito da operação de Lenquetó, que a seguir transcrevemos:

«PARA CMDT C. CAÇ. 675
DE CMDT B. CAV. 490
64815JUL64
N.º 2 1/0
ESTE COMANDO TEM MUITA SATISFAÇÃO EM TRANSCREVER
(MENSAGEM N.° 2532/CP 333. 1 DO CHEFE DO ESTADO MAIOR
DE 51155JUL64):
QUEIRA TRANSMITIR C. CAÇ. 675 MUITO APREÇO SATISFAÇÃO
SEXA COMILITAR ÊXITO ACTUAÇÃO LENQUETÓ MERECEDOR
CONFIANÇA COMANDO DEMONSTRATIVO NOTÀVEL ESPÍRITO
MILITAR COM VOTOS CONTRIBUA MODIFICAÇÃO SITUAÇÃO SECTOR.»

COMANDO TERRITORIAL INDEPENDENTE DA GUINÉ
NOTA N.° 42 P.° 103.6
BISSAU, 6 DE JULHO DE 1964
AO SR. COMANDANTE DO B. CAV. 490.
ASSUNTO: - SAUDAÇÕES
GOSTOSAMENTE ENDEREÇO A ESSE COMANDO PEDINDO PARA TRANSMITIR
A TODOS OS OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DA COMPANHIA 675 QUE
TOMARAM PARTE NA ACÇÃO SEU SITREP N.° 193 (LENQUETÓ); AS MINHAS
MELHORES SAUDAÇÕES E FELICITAÇÕES PELO ÊXITO OBTIDO.
O CMDT DO AGR 16
AS) J. A. PINTO SOARES
COR. DE INF.ª

À distância no tempo parece-nos de particular relevância transcrever as memórias na “primeira pessoa” do então Capitão Tomé Pinto (FREIRE Antunes, José. A Guerra de África (1961-1974), "Tomé Pinto - Capitão do Quadrado"; Vol. II; p.819;Lisboa; Círculo de Leitores):

(...) "Uma vez estive cercado e para sair do cerco foi complicado. Foi logo das primeiras vezes. Eu vinha com o tal “quadrado” mas eles eram em maior número porque tinham vindo reforços e tinham uma companhia muito boa. Tenho de elogiar os meus adversários porque eles eram, de facto, muito bons.

Eram os chamados bigrupos, muito bem treinados. Fiz um ataque numa determinada zona e quando vinha a caminho, depois de ter colocado postos de recolha e de reforço a caminho, e de empenhar todo o efectivo, comecei a ter tiros de todo o lado, já muito próximo do primeiro posto de reforço.

Pensei que estava cercado. Os homens do PAIGC fizeram bem: sentiram o meu dispositivo, viram que ali não iriam só por um dos lados e decidiram provocar ali qualquer coisa, esperando, deitados. Houve logo uns feridos, alguns com uma certa gravidade, e aí começou o drama.

Comecei aos gritos: «Alarga, alarga, alarga.» Isto para alargarem o quadrado. Eles tentaram romper o quadrado mas não conseguiram.

A certa altura, eu disse para um soldado: «Cuidado com os tiros, estás quase a dar-me um tiro.» E ele disse-me: «Meu capitão, não sou eu, é um que está ali à frente.»

Eu saí dali para ir dar outras indicações e, passado um bocado, veio ter comigo esse soldado, com uma arma ao lado, e disse-me: «Era esta a arma que estava a fazer fogo contra si.»

Eu nem lhe disse nada.

(Nota do “cronista”:Está claro que o nosso Capitão não de esqueceu de mais tarde louvar o Soldado Chita Godinho pelo seu acto de bravura).

Então, pedi o apoio da Força Aérea e vieram dois T-6.

O meu batalhão era o do tenente-coronel Fernando Cavaleiro, que aparecia sempre no meu estacionamento nos momentos mais difíceis, e que pensou: «É desta que o Tomé Pinto não se safa.»

Mas eu consegui entrar em contacto com os T-6 e disse-lhes que tinha um ferido muito grave que teria que ser evacuado em helicóptero. Eles disseram-me: «Nós estamos a ver o teu dispositivo mas à volta há muita gente.»

E iam levando uns tiros nos aviões. Eu respondi-lhes: «Tem que ser, não há outra hipótese. Eu vou identificar o nosso dispositivo.»

Consegui identificar o nosso dispositivo, levantando um e depois outro, e depois fiz um tiro à nossa volta, para que o helicóptero pudesse aterrar no meio do quadrado, que eu fui alargando.

O piloto foi excepcional, conseguiu aterrar no meio do quadrado, eu meti dois soldados feridos, um deles muito grave, e o helicóptero levantou.

Aí pensei: «A partir de agora é connosco.»

Contactei os T-6 e disse-lhes: «Eu tenho um grupo que está em tal lado. Vocês vão até ao meu estacionamento e vejam se está um grupo aqui e outro ali.» «Sim, estão identificados», disseram eles. «Então, ninguém mexa porque eu estou em ligações com eles. Agora, vais bombardear esta zona entre aquela árvore e aquela árvore, para abrir um caminho», pedi-lhes.

Eles perguntaram: «E se acertamos em vocês?»

Respondi que eles tinham mesmo de bombardear e eles usaram só tiros de metralhadora.

Então alertei o pessoal e saímos imediatamente atrás dos tiros de metralhadora.

Nessa altura, o piloto, entusiasmado, dizia-me: «Já percebi o que querias!» Consegui fazer o torneamento. Depois, saímos de lá com algumas dificuldades, fomos até ao primeiro posto de recolha, que tinha ficado a assegurar-nos a retaguarda, chegaram viaturas e fomos para o estacionamento. Foi um desgaste físico, um cansaço muito grande. Foram muitas horas... das duas da madrugada até perto da uma da tarde.

Quarenta e alguns anos depois...

O «baptismo de fogo» é um dos momentos mais marcantes da vida de um militar.

Ninguém sabe como irá reagir.

Alguns «heróis» das paradas dos quartéis agarram-se ao chão que nem lapas e outros, até ali mais discretos, conseguem dominar o medo e portam-se como Homens.

Há um momento decisivo.

Ou fazemos o que é o nosso dever ou perdemos o respeito dos outros.

E passamos a (con)viver mal com nós próprios...

Na operação Lenquetó, no norte da Guiné nos primeiros dias de Julho de 1964, fomos emboscados e tivemos vários feridos. O mais grave foi o 1º. Cabo Marques, que foi atingido no baixo-ventre.

Aguentou as dores que nem um valente.

Nos seus poucos queixumes julgo que só lhe ouvimos dizer... «Meu furriel, estou feito. Não vou voltar ser um homem normal...»!

«Está claro que vais, Marques. Aguenta só mais um bocado.»

Quando o helicóptero chegou para o evacuar estávamos cercados e debaixo de fogo.

O Alferes Tavares aproximou-se para levar ao colo o Marques.

Antecipei-me. Era eu o Enfermeiro.

Era eu que o tinha de levar até ao helicóptero.

O capitão Tomé Pinto e o Alferes Tavares deram-me protecção.

Os metros que percorri com o Marques ao colo, até ao helicóptero, foram bem compridos.

Só me recordo de ouvir as pás do helicóptero e... as batidas do meu coração.

Não mais esquecerei aqueles minutos. Foram 5 minutos muito coooompriiidoos!

Mais de 20 anos depois... conheci numa reunião de ex-combatentes... as filhas do Marques.

A maneira como me abraçaram deu para entender que sabiam “alguma coisa “do papel que eu teria tido em relação ao seu nascimento...

Foram minutos de intensa emoção.

A expressão do seu afecto foi uma «medalha»... para toda a vida. Uma recompensa... eterna.

E já estive com o Marques e uma sua neta em 2008!
(foto da esquerda)

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675


Fotos: © Jero (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: