1. Vigésimo oitavo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 15 de Fevereiro de 2011:
NA KONTRA
KA KONTRA
28º EPISÓDIO
Continuam a andar pela mata, pouco densa nessa zona, calcando o capim que já atingia quase um metro de altura. O Samba ao lado do Alferes nada dizia, continuando de olhos baixos.
- Samba, se eu me divorciasse da Asmau estavas na disposição de casar com ela?
Nesta altura, pela primeira vez, o milícia levanta a cabeça e encara o Alferes. Admite que a Asmau ainda pode ser sua.
- Mas meu “Alfero” não tenho “patacão” que chegue para dar ao pai dela.
- Já falei sobre isso com o Adramane e podes crer que de alguma forma se há-de resolver o nosso assunto. Vou pensar bem sobre isso e depois tornamos a falar.
O nosso Alferes estava decidido a resolver a situação. Chegado do patrulhamento, tomou outro banho, almoçou com os seus homens e “dormiu” o que pensava ser a última sesta com a Asmau.
À noite no “bentem” conversou com todo o pessoal mas sobretudo com o João, tendo com ele sido abordada a questão do divórcio.
Acabou por ir dormir e, como é costume dizer-se, dormir com um problema debaixo do travesseiro é meio caminho andado para o resolver.
Mais uma vez dormiu ao lado da sua mulher sem nada acontecer. Desta vez pesava o problema que de momento o afligia. Por um lado queria divorciar-se da Asmau, “passando-a” ao Samba, por outro não queria perder muito dinheiro com a “transacção”.
Deitado ia pensando no problema. Por mais que o tentasse resolver de outra maneira acabava sempre por chegar à mesma conclusão. Achando que teria que ser assim, acabou por adormecer ao lado da mulher africana mais espectacular da Guiné.
Acordou cedo, como era costume quando andava preocupado. Foi tomar o seu banho e dirigiu-se à mesa de refeições para tomar o pequeno almoço. Só estava presente o “legionário” que começava a preparar as coisas para o “café” do resto da tropa. O Alferes apenas saudou o cozinheiro com um bom dia. Não estava para grandes falas e o “legionário”, que estava mais ou menos a par da situação, respeitou o laconismo do seu chefe.
Passado pouco tempo o pessoal tinha tomado o pequeno almoço e estava reunido para se ir fazer o patrulhamento dessa manhã. Todos já sabiam quem desta vez ia. Os que iam num dia não iam no seguinte. Dos presentes fazia parte o Samba, apesar de no dia anterior ter participado. O Alferes sabia muito bem o porquê da sua presença. Quereria saber se o Alferes já tinha algo a dizer-lhe que lhe possibilitasse o juntar-se com a Asmau. Para não haver equívocos o Alferes dirige-se-lhe:
- Samba, como sabes, hoje não vais na coluna. Sobre a nossa conversa, podes ter a certeza que ainda hoje falo contigo e tudo se há-de resolver pelo melhor. Podes ir.
O nosso Alferes já sabia como ia resolver o assunto mas queria assentar bem as ideias. Além de não querer falhar em algum procedimento, não queria, acima de tudo, que algum dos intervenientes saísse “ferido”.
Foram fazer o patrulhamento. Os guerrilheiros ainda não tinham andado por aquelas bandas. O capim era agora um óptimo indicativo da presença humana. A uns três quilómetros de Madina Xaquili, ao passarem junto da picada para Padada no local onde esta cruzava uma linha de água, o alferes verifica que ali seria um óptimo local para montar uma emboscada se se viessem a notar intenções de aproximação por parte do PAIGC. Era um local em que, a partir de uma zona arborizada e protegida, se podia “varrer” uma larga área do outro lado da linha de água. Podia ter-se perfeitamente debaixo de fogo um “bigrupo” inteiro, embora se soubesse que eram mandados à frente um ou dois elementos incaracterizados com funções de reconhecimento.
Regressaram à hora de almoço sem terem, mais uma vez, detectado quaisquer vestígios. Todo o pessoal se sentia aliviado com isso. Depois de almoço o nosso Alferes não vai dormir a sesta. A Asmau já não o motivava como antes e também queria trocar algumas impressões com o Furriel. Fica pois à conversa com ele à medida que iam esgotando o resto de uma garrafa de bagaceira e fumando mais que o costume, sobretudo o Alferes.
Estavam assim os dois graduados, descontraídos, quando para os lados de Padada, onde se situavam as sentinelas metidas na mata, se ouve um tiro aparentemente de arma automática.
Conforme as instruções que havia e que envolviam toda a população da tabanca, um dos militares foi percutir uma velha jante de viatura que se tinha pendurado numa árvore. Era o sinal de alarme para todos o pessoal ir para os abrigos que lhe estavam destinados. Como já havia abrigo para a população civil, aí se reuniram todas as mulheres, crianças e os poucos homens que não pertenciam à milícia. Deve aqui referir-se que a jante, neste caso, desempenhava as funções do “Grande Tambor” existente em quase todas as tabancas ou o característico tronco oco utilizado pelos balantas, maior que os utilizados nos batuques e por isso de som cavo. Todos eles eram tocados sempre que, por motivo importante, era necessário reunir toda a população.
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7787: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (63): Na Kontra Ka Kontra: 27.º episódio