domingo, 18 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2279: Bissorã: As rondas nocturnas (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 1: Furriéis da 816 à porta da sua casa em Bissorã – Julho de 1966.

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 2 > Furriéis da 816 numa rua de Bissorã – Julho de 1966 ( Ludgero, Rui Silva, Vieira, Baião, Martins e o Silva - este falecido em combate em Agosto seguinte, na estrada do K3).

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 3 > À porta de uma morança furriéis da 816 - Julho de 1966.

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 4: No Campo de futebol do Atlético de Bissorã uma equipa da 816. Eu seguro a bola - Agosto de 1966.

Guiné > Região do Óio > Bissorã > CCAÇ 816 > Foto 5 > Ao almoço na casa de pasto do Sr. Maximiano, em Bissorã, Agosto de 1966: De pé, o Vieira (o açoreano da Terceira) e o Fontes; sentados e da esquerda para a direita, o Doutor, o Baião, o Coutinho, o Belchior, o Carneiro, o Domingues (de garfo na boca) e eu.

Fotos e legendas: © Rui Silva (2007). Direitos reservados.


1. Texto de Rui Silva, ex-Fur Mil,
CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa
1965/67),
e que vive hoje em Vila da Feira (1).
Enviado em 4 de Maio de 2007 .

Assunto - Das rondas nocturnas em Bissorã. Que pincel!!!

À noite em Bissorã havia ronda. Alternávamos com a outra Companhia - a [CART] 643 dos Águias Negras - , isto é, um dia pertencia a nós fazê-la, outro pertencia a eles.

Era um prato pouco pretendido, pois a ronda, que era feita aos postos de sentinela exteriores, alguns ainda bastante longe do quartel, eram feitos sempre no mesmo itinerário todos os dias e sensivelmente à mesma hora.

Esta rotina era um acicate para o inimigo nos preparar alguma emboscada, como aliás ia acontecendo certa vez.

Estes postos de sentinela eram feitos pelos nativos das milícias, que sempre, e ainda bem, se mostravam vigilantes e denotavam raro destemor. Metia impressão o isolamento destes: um homem só na escuridão da noite, atrás de uma árvore,… com uma Mauser!

Todas as noites faziam esta ronda dois grupos: um das 21 horas até às 2 da madrugada, e o outro a partir desta hora até ao alvorecer. Cada grupo era constituído por 2 soldados, um cabo, um furriel, este na qualidade de comandante da ronda, para além ainda do condutor do jipe.

O roncar da viatura fazia-se ouvir, inevitavelmente, no silêncio da noite, o que nos fazia desesperar, pois para além de nos tirar a hipótese de possivelmente detectarmos algum movimento inimigo, concomitantemente alertava este da nossa presença. Acontecia muitas vezes pararmos a viatura e o motor desta, sempre que alguém dizia ter ouvido qualquer coisa. Nestas alturas ficávamos petrificados, silenciosos, com o dedo no gatilho ou na argola da granada de mão tentando ver (e/ou) ouvir mais do que era humanamente possível.

De olhos extasiados e entreolhando-nos, aguardávamos assim uns segundos, prontos a saltar da viatura numa fracção de segundo, caso o inimigo atacasse.

Depois de concluirmos que o ruído, se o houve, foi provocado por qualquer animal dos muitos que abundam naquelas paragens ou até pelo vento que sibilava no capim, o condutor punha novamente a viatura em marcha. Era tudo automático. Não era preciso falar.

Éramos cinco mas parecia estarmos ligados à mesma mola. O coração deixava então de bater tão fortemente, os músculos descontraíam-se e a ronda prosseguia. Era uma jornada bastante temerosa esta da ronda pois, uma vez isolados do quartel, em plena obscuridade da noite, em terreno muito estranho, tínhamos a plena consciência que o inimigo, com mais ou menos dificuldade podia abafar uma ronda. É certo que havendo tiroteio, logo (…) surgiriam reforços do quartel, mas o certo, é que o inimigo, em tais circunstâncias, não precisava de muito tempo para aniquilar uma ronda.

Preferíamos uma operação no mato, mesmo das mais difíceis, do que aquele biscate. O jipe baloiçava muito sempre que entrava em terreno acidentado o que acontecia para se chegar a certos postos de sentinela. Era muito incomodativo, pois por vezes dava a sensação de ir virar o que fazia-nos mesmo desequilibrar dentro da viatura.

Outros postos, no entanto, eram de acesso mais ou menos fácil. Estes eram por coincidência, ou talvez não, os mais temerosos, aqueles virados à mata do Oio.

Era a estrada para a pista, ou seja aquela com continuava para Maqué e Olossato; era a que dava par Mansoa, e por fim a que dava para Mansabá, esta no entanto já muito acidentada também, muito escura durante largas dezenas de metros, marginada por alto e denso capim o que nos obrigava a redobrar de atenção. E a base de Morés ali tão perto…

Aqui o instinto aconselhava a pôr um dedo na argola da cavilha da granada. Seria uma fracção de segundo o accionar da granada e essa fracção de tempo ganha, naquela situação, podia dar muito a ganhar no confronto. Muitas das vezes cheguei a segurar uma granada na mão esquerda e com o dedo indicador da mão direita experimentar a pressão da cavilha.

Para a estrada para Barro e para a outra banda também; aqui atravessávamos a ponte do rio Armada.

É com alguma emoção que descrevo as rondas nocturnas de Bissorã, e sinto mesmo algum suor frio percorrer o corpo, dada a temorosidade de tal operação. Ainda hoje me interrogo, e dado que o inimigo conhecia por certo todos os nossos passos, ou Bissorã não estivesse cheia de espiões, como é que as rondas não eram atacadas.

No entanto, enquanto estivemos em Bissorã, não houve qualquer percalço com a ronda a não ser uma vez e por circunstâncias nada tendo a ver directamente com a guerra, que um condutor menos cuidadoso, não viu a quantidade de gasolina que tinha no "jeep" antes de sair do quartel, e o Sargento Silva e os seus homens tiveram que andar a empurrar o jipe ainda a uma boa distância do aquartelamento.

2. Comentário dos editores:

Rui, vais desculpar o atraso de meses, na publicação deste teu texto, mas também tu foste vítima da nossa reestruturação editorial... De qualquer modo, o teu mail e as tuas fotos não se perderam,como vês. Volta sempre.

Um abraço dos editores, Luís, Carlos e Virgínio.

__________


Nota dos editores:

(1) Vd. posts de:

13 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2103: Gente do Olossato (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)

3 de Junho de 2007> Guiné 63/74 - P1810: Convívios (14): CCAÇ 816 (Oio, 1965/67), em Joane, Famalicão, em 5 de Maio de 2007 (Rui Silva)

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1809: Base do PAIGC, em Iracunda, Oio: Eram quatro horas e meia da madrugada... (Rui Silva)

30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1711: Tertúlia: Apresenta-se o Fur Mil Rui Silva, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67)

Guiné 63/74 - P2278: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (1): A triste sorte do sapador Quaresma... morto por aquela maldita granada vermelha

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 716 (1970/72) > Abrigo onde estavam alojados a maior parte dos furriéis da companhia. Na foto, o David, cronologicamente o nosso tertuliano nº 3...

Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > O Fado da Guerra ou... das Minas e Armadilhas ? Os Fur Mil Guimarães (tocando viola) e Quaresma, sapadores...
Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Os Fur Mil Guimarães e Quaresma, sapadores, junto ao abrigo de sargentos.
Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.


Texto do David J. Guimarães, ex-furriel miliciano da CART 2716 (Xitole, 1970/1972). Originalmente publicado em 10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (David Guimarães)


Estórias do Xitole (1): A morte do sapador Quaresma...

por David Guimarães


O RAP 2 (Gaia) semppre fez parte da minha família



Sempre me preocupei, durante a guerra, em contar cá para a Metrópole (era assim que então se dizia) não propriamente as peripécias da nossa vida militar mas as coisas mais belas que encontrava na Guiné: os mangueiros carregados de mangas, os milhares de morcegos que povoavam o céu ao escurecer e ao amanhecer e que dormiam nas árvores, os macacos, as galinhas de mato, etc.

Eu achava que deveria poupar a minha família e que esta não teria que ouvir e até viver a guerra em directo: bastava para isso o sofrimento de saber que eu andava por lá...

Foi assim que eu senti e vivi a guerra. Lembro-me um dia, quando alguém me disse:
- Guimarães, este batalhão [BART 2917] vai para a Guiné (ainda estávamos no RAP 2 em Gaia). E eu exclamei:
- Ainda bem, é a província mais próxima de Portugal para vir de férias...

Não será aqui o sítio certo para falar do RAP 2. Mas na minha vida pessoal foi um marco importante. Foi de lá que foi mobilizado o meu pai, militar de carreira, para ir servir em França… na 1ª Grande Guerra (Ele nasceu em 1893 e eu nasci quando ele tinha 54) (1). É de lá mobilizado o meu irmão que parte, com o BART 525, para Angola e sou eu mobilizado, no BART 2917, para servir na Guiné...

Ironias do destino ou coincidências de graus de parentesco... É que, entre o meu irmão e o meu pai, também é mobilizado para África um primo meu, em 1º grau. Não há dúvida, aquele Regimento entrou na nossa casa, muito antes de eu ter nascido... Se fosse isto um romance serviria para dizer que a minha existência como que começou ali. Mas isto é outra história que, não sendo menos curiosa, não vem agora a propósito...


O soldado Almeida: a nossa primeira baixa


Uma noite, no início da comissão no Xitole, ainda estava eu de serviço, de sargento de dia... O Leones, furriel miliciano, meu camarada, informa-me:
- Guimarães, um teu soldado está mal…

E estava mesmo: quando lá cheguei vi a equipa de enfermagem em volta dele mas já nada havia a fazer... O soldado Almeida tinha morrido no seu posto de sentinela, fulminado por um ataque... de coração!

Foi a nossa primeira baixa. No dia a seguir chega um médico à Companhia e lá vai autopsiar o Almeida... Confirma o óbito: enfarte do miocárdio. Assina: Alferes miliciano médico Horta e Vale. Curioso, este médico (quem o conheceu teve sorte, contava cada história!), hoje é um distinto médico dentista da Clínica da Circunvalação, aqui junto à cidade do Porto.

Bem, nada como pegar no pessoal mais chegado, eu era um deles, pois o Almeida era meu soldado (meu, e aí surge o termo militar de posse, meu). Mas como dizia, aquando da evacuação - e tudo foi rápido, mesmo! - aí fomos nós fazer patrulhamento para as zonas próximas de Seco Braima [vd. mapa do Sector L1, Zona Leste]. Nos céus do Xitole levantava um helicóptero e lá levava o Almeida: tinha adormecido no seu posto… Para sempre.... Deus o guarde!






Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BART 2917 (1970/72) > Monumento aos mortos do batalhão e unidades adidas (este monumento foi destruído a seguir à independência da Guiné-Bissau). O Fur Mil Quaresma e o Sold Almeida pertenciam à CART 2617.

A vida lá volta à rotina, os patrulhamentos, as acções psico e a ida à Ponte dos Fulas... Ui, aqueles 3 a 4 Km que todos os dias eram picados e onde se ia sempre levar os géneros!... A Ponte dos Fulas, onde fiz o primeiro mês da minha comissão, a Ponte dos Fulas!...

Era o local onde efectivamente o repouso era enorme, mas cansativo. Ali é que não havia ninguém a não ser o pelotão de serviço... Comia-se, bebia-se e mais nada, além da missão de vigilância permanente, que consistia em guardar aquela ponte de origem militar sobre o Rio Pulon...


Era uma vez um granada instantânea com fio de tropeçar

O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas A/P m/966 (2)...

Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole (*) ... Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento.

Resolveu-se então que todas as noites essa entrada do quartel fosse armadilhada... Essa operação era sempre feita ao cair do dia. O material era simples: uma granada instantânea e arame de tropeçar, do mesmo tipo daquela granada que um dia matou o macaco.... Lembram-se dessa estória que eu aqui já contei [vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas ]

E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!

Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…

O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado (**), o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!!

Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida (3)...

David J. Guimarães

Notas do D.G.:


(1) Não pensem que há algum anacronismo quando eu refiro que o meu pai foi mobilizado, pelo RAP 2, para servir a Pátria, em França, em 1917... O meu pai nasceu em 1893 e eu em 1947, o que quer dizer que nos separam 54 anos... 2º Sargento de Artilharia de Campanha, segue para França integrado no Corpo expedicionário, comandado pelo General Gomes da Costa. Como mera curiosidade, sou eu que tenho a caderneta militar e as condecorações de meu pai: guardo com toda a estima sete medalhas sendo uma delas a da Vitória... Por outro lado, e como sabem, nós estivemos na 1ª Guerra Mundial e não na 2ª.
(2) Não sei se sabiam, aqueles que não eram de artilharia, mas uma CART como a 2716 tinha três Furriéis de Minas e Armadilhas e um Alferes. Todos levantámos uma PMD-6 do IN em diversos locais: o Alferes Sampaio, o Furriel Quaresma, 0 Furriel Ferreira e eu. A PMD-6 é exactamente aquela mina que se encontra já documentada em fotografia (vd. acima). De fabrico russo com espoleta MUV. Esta espoleta tinha uma particularidade curiosa: poderia funcionar por pressão ou tracção...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Mina antipessoal PDM-6 reforçada com uma carga de trotil de 9 kg (as barras do lado direito). Detectada e levantada na estrada Bambadinca-Xitole pelo furriel de minas e armadilhas Guiimarães da CART 2716 ("Bem, ia uma GMC ao ar, isso sim!!!".

Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.


Amigos, este caso que aqui relato foi, e ainda é, bastante doloroso para mim. Confesso que, ao evocá-lo trinta e tal anos depois, não consegui conter uma lágrima...

As grandes batalhas eram travadas nestas pequenas guerras surdas, que quase não se davam por elas. Muitos diziam que eram acidentes e não contabilizavam estas baixas como mortes em combate. Sempre tive opinião diversa, porque o combate estava exactamente sempre que havia necessidade de manusear uma arma de fogo, preparando-a para a defesa ou ataque...

Centenas, talvez milhares de indivíduos morreram a armadilhar… mas não morreram em combate, segundo as estatísticas. Dá-me vontade de perguntar:
- Terá sido a brincar ? E será que armadilhávamos os terrenos para apanhar gazelas, cabritos e cabras?
Pois, não era para caçar e muito menos para nos matarmo-nos a nós próprios....

Tive um amigo, alferes (antes andava embarcado, a tropa foi lá buscá-lo com 30 anos)... Isso é pouco interessante. O que eu quero referir, em concreto, é que, já no nosso tempo, na estrada de Mansoa - Mansabá ele levantou uma mina PMD-6 e… morreu a olhar para ela. Rebentou-lhe na mão!!!
- Como é que isso aconteceu ? ...
Ele já não está cá, entre nós, para contar o que aconteceu... Chamava-se Couto... Talvez haja alguém que um dia apareça na nossa tertúlia e saiba contar melhor esta estória…

(3) O Leones ainda hoje é vivo, está cego e trabalha na Previdência em Lisboa. O Rebelo, furriel sapador do BART 2917, escolhido para delegado do Batalhão em Bissau, era quem tomou conta do espólio do Quaresma. Quando estava doente com paludismo, assaltaram-lhe o espólio do Quaresma. Bem, acontece que eu, como estava de férias, lá fui a Algés (onde morava os pais do Quaresma) tentar negociar...

Sabem o que a mãe me perguntava? Se o filho estava interinho... E eu lá tive que mentir, dizendo que sim... Como é que eu podia contar-lhe a verdade, dizendo de chofre que ele ficara sem a cabeça no local onde armadilhava com uma granada instantânea, aquela maldita granada vermelha com espiras de aço !?... É claro que não podia contar essa história a uma mãe. Mais me perguntava ela pelo fio de ouro que ele usava...Eu tive que lhe dizer que possivelmente alguém tinha guardado, não se sabia aonde...

Mais tarde, o pai tentou negociar o espólio, tentando sei lá o quê (ganhar algum junto da tropa no Quartel General, extorquir o desgraçado do Rebelo...). Não conseguiu, mas o Rebelo passou uns maus bocados.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)

(**) Joaquim Manuel da Palma Quaresma, Fur Mil do Exército, morreu a 20 de Outubro de 1970... por acidente. É assim que consta, para a posteridade nos registos da tropa...

Guiné 63/74 - P2277: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) - Anexo II: Gandembel/Balana, Março de 2007 (Pepito)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 1 > Restos do brazão da CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969), Os Dragões Dourados....

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 2 > Um antigo abrigo, vendo-se restos das estruturas metálicas que sustentavam o tecto.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 3 > Mais restos do aquartelamento

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 4

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 5

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 6

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 7

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 8

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 9

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 10>

Imagens de vestígios do antigo aquartelamento de Gandembel, outrora guarnecido pela CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69), tendo sido abandonado em 28 de Janeiro de 1969 (1).


Fotos: © Pepito / AD - Acão para o Desenvol vimento (2007). Direitos reservados


1. Imagens que nos foram enviadas pelo Pepito, fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, em 13 de Março de 2007:


Caro Luís Graça:

Seguem 10 fotos do antigo aquartelamento de Gandembel/Balana, que tirei há dois dias no sul.

Se todos estarão interessados, o Idálio Reis, mais ainda. Ele terá é que redescobrir o aquartelamento, pois o que sobrou foi pouco.

Abraços

Pepito


2. Comentário do Idálio Reis,


Meu caro Luís


Há itinerários pessoais particularmente difíceis de definir e perceber, quando reclamam o fulgor da plenitude, porquanto muito poucos a conseguem atingir. É o caso do Pepito, que um dia teve um forte apelo, para dar cumprimento a uma singular missão. Este seu apego à Guiné, um dos países mais pobres do Mundo, para se empenhar em acções de ajuda filantrópica aos seus naturais, sem nada reivindicar, merece um hino de louvor. Para ele, uma dedicação muito carinhosa, e que possa continuar por muitos anos, esse seu aliciante e abnegado préstimo ao povo-irmão guinéu.

As imagens que se revelam ante o meu olhar, sufocam de estupefacção. Causam-me um pesado sentimento de perda, ainda que reconheça que elas são circunstanciadas pela voragem avassaladora do binómio tempo/homem.

Passaram-se já 4 decénios, é certo, mas o que apenas resta, são fantasmas de uma obra tecida com muito sofrimento. Soerguida por um denodado esforço braçal, sofrida e chagada pelo fenecimento de tantos.

Reassumem estas fotos, a quem agradeço muito sensibilizado ao Pepito, também uma incontida emoção, porque me confrontei com aqueles recônditos, onde sobrevivi uma parte bastante curta, mas crucial da minha vida. A acção de existir é uma dádiva, e esta minha passagem por Gandembel/Ponte Balana, teve a particularidade de sublimar num jovem, a verdadeira dimensão da vida e o real significado da sua importância.

Com as fotografias que em tempos te enviei, tentarei inserir estas que como o Nuno Rubim me referiu, são “fresquinhas...acabadas de chegar”.


Eis então:

Foto 1 > [Minha foto 412] (1)

Sobre uma camada de betão fresco, pode surgir um mosaico gravado, que pode ser essoutro ou um bastante similar.

O que nos interessa é que possa e deva ser uma lápide a colocar no museu de Guileje, de forma a perpetuar no interminável, a presença dos Dragões Dourados da CCaç 2317.

Foto 2 > [Minhas fotos 301 a 308] (1).

Há uma visualização das estruturas metálicas que sustentavam as casernas-abrigo, e que na sua parte exterior eram colocadas: como paredes laterais, troncos de árvores justapostos e uma camada de pedras (bem visíveis), e na parte superior, uma forte camada de betão assente em aplainadas chapas aproveitadas dos bidões, as quais assentavam sobre cibes.

Há ainda uma parede adobada, que julgo ser parte integrante do forno, e que teve de ser refeito parcialmente pelo menos 2 vezes (as minha recordações!), em virtude de ataques ao aquartelamento.

Foto 3 > [Minhas fotos 419 a 421] (2)

Um achado mais complexo. Mas, porque o Pepito também refere o destacamento de Ponte Balana, a minha inclinação propende para este belo sítio. Este destacamento tinha 2 entradas: a nascente, a própria ponte; do outro lado, vislumbro os restos de um pequeno fortim aí situado.


Foto 4 > Uma inscrição, como a de milhares que devem estar espalhados por esse País. Consigo ler: VISEUS,..., GLOB-TROTTERS.

O que se me afigura dizer?. Havia cerca de uma vintena de militares deste distrito, que como se testemunha, se consideravam vagamundos de um destino cruel e incerto.

Mas estes Viriatos também se dignaram fazer a sua história, à maneira do seu antepassado, deixando as suas marcas ao tempo, numa terra tão diferenciada da que os viu nascer.

Foto 5 > Numa outra qualquer parede, um paraquedista também quis deixar o seu registo. Foi um Barreto. E também os que por aqui tiveram uma passagem mais efémera, mas de uma enorme valia, dedicados, valentes e intemeratos, quiseram deixar gravado que Gandembel também lhes foi ponto de passagem e encontro.

Foto 6 > Parece que esta infra-estrutura tomou a intenção de melhor resistir, onde inclusive, na parte superior de uma parede lateral, sobressai ainda a concavidade onde assentava a trave mestra.

Era o armazém dos víveres, uma das últimas construções a substituir uma tenda de campanha.

Foto 7 > Sombras do passado..., mas há aqui restos de uma caserna-abrigo. E à sua direita, um muro de formato circular, que me leva a apontar que era aqui que esteve postado o ninho da metralhadora pesada Browning.

Foto 8 > Parece manifestamente ser o resto de uma edificação mais isolada, a brotar do subsolo. E por isso, só pode ser o paiol, onde milhares munições de todo o tipo, foram guardadas.

Já não espera nenhum SOS, para que um helicóptero se desloque de Bissau, a aportar mais uns cunhetes em falta.

Foto 9 > Uma estrutura metálica que servia de viga, o que indicia que aqui se implantou mais uma das 8 casernas-abrigo.
De pé, eventualmente o resto da parede posterior, que ainda resiste, porventura como cofre-forte a resguardar alguma mágoa mais dolente.

Foto 10 > Trata-se de uma outra perspectiva do local da Foto 2. Esta caserna-abrigo parece tenazmente guardar as suas estruturas metálicas. E como se trata da última fotografia, deixem-me exorcizar os meus fantasmas, e digam da vossa justiça. Aqueles 3 pilares mais seguidos, hoje colocados numa rotunda de uma nossa qualquer cidade ou vila, não daria um belo monumento aos combatentes da guerra colonial?

E se fosse possível transmutá-las, tal e qual, para a nossa Guileje?

É tudo caro Luís. Em nome da minha Companhia, ficam estes 2 pedidos. Sê o mediador com o Pepito, a quem reitero os meus agradecimentos.

E o resto por lá ficará!

Com uma imensa cordialidade, Idálio Reis.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

(2) Vd. post de 18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2276: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) - Anexo I: Destacamento da Ponte Balana

Guiné 63/74 - P2276: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) - Anexo I: Destacamento da Ponte Balana

Guiné <> CCAÇ 2317 (1968/69) > O pequeno destacamento de Ponte Balana, foi um bastião na defesa de uma ponte que a engenharia militar recuperaria, mas que também acabaria por ruir

Foto 422 > Aproveitando os restos da antiga ponte, davam-se belos mergulhos para banhos retemperadores



Foto 419 > Ponte Balana: Uma visão do destacamento

Foto 420 > Um aspecto interior de Ponte Balana

Foto 421 > Uma vista da entrada contrária à ponte

Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) >

Foto 423 > A retirada de Gandembel, deixa para a posterioridade, este facto pungente, ainda que nenhum documento oficial o revele: 372 ataques e flagelações ao aquartelamento...

Nota de L.G.: Na parede, o seguinte grafito: 17-1-68. [CCAÇ] 2317, A Velhice de Gandembel. 372 ataques. É Pouco ? É!...

Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados (1).
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Nota dos editores:

(1) Idálio Reis, engenheiro agrónomo, reformado, foi Alf Mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)
Vd. post de 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

sábado, 17 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2275: Estórias avulsas (11): Saídas frequentes para o mato (Albino Silva)

Albino Silva,
ex-Soldado Maqueiro,
CCS/BCAÇ 2845
Teixeira Pinto,
Jolmete,
Olossato,
Bissorã,
1968/70


Começaram as saídas frequentes para o mato

Teixeira Pinto era um Sector bastante difícil, porque era de lá que se abastecia quase sempre, e através de Escoltas, vários destacamentos, designadamente, Có, Pelundo, Jolmete, Bachile, Bassarele, Cacheu e Caió.

As colunas faziam-se em itinerários complicados devido à acção do IN que minava as estradas e abria buracos enormes pela acção de rebentamentos, e só com o apoio do Héli-canhão e Bombardeiros é que se conseguia chegar ao destino.

Por isso e devido à escassez de Enfermeiros, a partir de certa altura da comissão, era a CCS do BCAÇ 2845 que fornecia às outras Companhias, sempre que requisitado, o pessoal do Serviço de Saúde. Havia uma Escala na Enfermaria, mas quase sempre me tocava a mim a alinhar, talvez porque o meu número era baixo ou então por começar na letra A, sei lá.

Se foi verdade que durante sete meses nem do Quartel saí, a partir dessa data fui o que mais vezes saiu, na minha Companhia, como já disse a CCS.

Era o apoio de camaradas operacionais que me encorajavam e faziam com que eu fosse perdendo o receio e que aos poucos me fosse habituando a andar pelo mato.

Entre outras saídas, participei em acções de psico com camaradas da CÇAC 2368 que era do meu Batalhão, bem como em outras missões onde tinha contacto com a população no exterior, dando assistência sempre que era necessário e nisso tinha orgulho e até sentia vaidade.

Alinhei com um pelotão da CCAÇ 2313 em missões de reconhecimento, escoltas, picagens de estrada e até na capinagem, na estrada de Teixeira Pinto-Cacheu, logo após a Ponte Alferes Nunes, entre Teixeira Pinto e o Bachile.


Foto 1> Guiné> Ponte Alferes Nunes entre Teixeira Pinto e Bachile

A minha primeira participação em escoltas foi com o pelotão da CCAÇ 2313 aquartelada em Teixeira Pinto, e para o Bachile, com a duração de 7 horas sem problemas.

No dia 11 de Abril de 1969 participei noutra para Jolmete com a duração de 6h30 sem haver contacto nem se ter encontrado vestígios.

Foto 2> Guiné> Jolmete> Aquartelamento

Em 27 de Maio de 1969, participei numa escolta com o itinerário Teixeira Pinto-Jolmete-Teixeira Pinto, que teve a duração de 8 horas e segurança montada pela CCAÇ 2585, recentemente chegada a Jolmete, e por um pelotão da CCAÇ 2313 onde eu ia integrado. Tratava-se de uma escolta de reabastecimento à CCAÇ 2585, em Jolmete desde 17 de Maio 1969, e para transporte da CCAÇ 2366 que deixava Jolmete e regressava a Teixeira Pinto, de onde partiria para Bissau e depois Quinhamel.

Nas primeiras horas, cerca das 9 da manhã, foram encontrados detonadores de minas anti-carro numa curva da estrada e em zona onde já tinham havido emboscadas, mas devido à presença das NT, não chegaram a montar nenhuma mina, tendo o IN refugiado-se na mata, que por acção do Héli-Canhão e Bombardeiros que batiam a zona, a escolta não teve problemas. Tanto a CCAÇ 2366, como a CCAÇ 2313, onde eu me integrava, regressaram a Teixeira Pinto.

Momentos depois e já dentro do Quartel, chega a informação via rádio que na CCAÇ 2585 também já dentro do Quartel em Jolmete, tinha havido um acidente com arma de fogo que causou as seguintes baixas:

Feridos graves evacaudos para o HM 241

1.º cabo - 19983868 - Francisco Inácio da Paz
Soldado - 15606668 - José Martins de Almeida
Soldado - 18119468 - António Antunes Lopes
Soldado - 18457168 - Henrique Pinto Araújo
Soldado - 18450068 - António Fernandes Barbosa, que viria a falecer pouco depois
Soldado Mil - 50/67 - João da Silva - PEL MIL 128

Nós que tínhamos feito a escolta com eles, ficamos muito chocados com este triste acontecimento, pois sabíamos que iria ser bastante difícil levantar o moral daqueles camaradas que choravam a morte do camarada morto, que não sendo em combate complicava mais a situação. Sabia-se que o descuido por vezes era fatal e infelizmante eram muittos os casos.

Lembro-me ainda do dia em que o Comandante do Batalhão visitou o Pelundo.

O Comandante tinha ido ao Pelundo para participar no funeral de um Soldado Milícia. Terminadas as cerimónias, regressou a Teixeira Pinto para logo de seguida lhe ser comunicado que no regresso de uma acção de rotina nos arredores do destacamento de Pelundo, realizada pelo 3.º GCOMB/CCAÇ 2313 se tinha verificado, já no Aquartelamento, um acidente com arma de fogo (LGF 6 cm) de que resultaram as seguintes baixas:

Mortos:

Soldado - 04366267 - Orlando da Silva Lopes - CCAÇ 2313
Soldado Mil - 100/64 - Possu Djabu - Pel Mil 127
Soldado Mil - 104/64 - José Upá - Pel Mil 127

Feridos evacuados para o HM 241:

1.º cabo - 04556567 - Albino de Oliveira Coelho - CCAÇ 2313
Soldado - 04258467 - Custódio Videira Passos - CCAÇ 2313

Este foi o primeiro caso grave que vivi na Guiné em que tive de intervir com muita coragem. Desejei não mais ter de passar por situações semelhantes, pois era doloroso ver partir jovens como eu, na força da vida.

Albino Silva

Fotos e texto: © Albino Silva (2007). Direitos reservados.
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Notas de CV:

Vd. posts de:

3 de Novembro de 2007> Guiné 63/74 - P2236: Estórias avulsas (9): Um soldado que não queria sair do quartel (Albino Silva)

10 de Novembro de 2007> Guiné 63/74 - P2254: Estórias avulsas (10): 8 de Dezembro de 1968 - Dia da Mãe (Albino Silva)

Guiné 63/74 - P2274: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (6): Luís Cabral, os assimilados e os indígenas (António Rosinha)

1. Texto do membro da nossa tertúlia Antonio Rosinha , enviado em 14 de Novembro de 2007 (1):

Assunto:
Luís Cabral na RTP, e os assimilados e indígenas

Luís, penso que nunca escrevi tanto em tão pouco tempo, como por tua causa. Primeiro, porque não tenho jeito, segundo porque não gosto.

Penso que nunca tive madrinha de guerra porque era preciso escrever. Peço-te que faças o melhor, quando vires alguma calinada embrulha e manda para o cesto.

Queria falar de uma pessoa, guineense, que vi governar e cumprimentei mais que uma vez, pois ele fazia questão de cumprimentar toda a gente, Luís Cabral. E de um assunto que ele abordou n[o 5º episódio da sére documental, de Joaquim Furtado] A Guerra, que é o assunto dos assimilados e indígenas (2).

Eu, que era um apolítico completíssimo, achava naturalíssimo na altura que uma pessoa que nunca tivesse calçado uns sapatos, que nunca tivesse vestido umas calças, nem pegado num lápis ou papel, deveria ter um estatuto diferente daquela que vestia e calçava como eu, embora os dois fossem negros. Depois das explicações na RTP, não percebi se era errado ou certo fazer a destrinça.

Luís Cabral falou em quarta classe e mais alguma coisa que não entendi bem, mas não sei se chegou a condenar ou a aprovar essa discriminação colonial.

Mas uma coisa eu posso afirmar: Ele, Luís Cabral, enquanto governante, não distinguia muito bem uns e outros, desde que fossem povo, e principalmente rapazes.

E o que vou dizer, sei que temos tertulianos que podem corrigir ou desmentir aquilo que me foi dado observar e que relato. Passou-se pouco antes de Luís Cabral ser deposto em 14 de Novembro de 1980:

Com a Independência, bastante fresca, todos os jovens afluíam a Bissau.. Trabalho a zero, desorganização a mil, qual a solução?

Muito facilmente o governo resolveu o problema: Grandes camiões Volvo à entrada das principais vias de acesso à praça... Logo pela manhã, umas dezenas de polícias de cacetete e armas de fogo, junto a cada camião, e lá iam os camiões carregados para uma esquadra perto do Alto Crim, de onde, com cunhas e alguns pesos, eu consegui tirar 3 ajudantes meus que não possuíam um documento em como trabalhavam para a Tecnil.

Isto é, aquele pessoal era recambiado para as tabancas de origem pois, quer fosse rural ou não, soubesse ler ou analfabeto, se não tivesse trabalho ia para a tabanca. Sem mais comentários.

Passados alguns tempos, Luis Cabral foi substituído. Para melhor? para pior? Melhor, sem comentários, tal a situação a que chegou a Guiné.

Luis, parece que a RTP, com o programa sobre A Guerra, não conseguirá sair do óbvio de há 30 anos para cá. Talvez dê para umas achegas nesta tertúlia.

Um abraço,
António Rosinha

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Nota dos editores:

(1) Vd. posts de:

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2201: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (2): Eu estava lá em 1961 e lá fiquei até 1975 (António Rosinha)

11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1358: Nostalgias (1): No cais do Xime, dois velhos Unimog pedindo boleia a algum barco (António Rosinha, ex-topógrafo da TECNIL)

29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(2) Vd. posta anterior desta série > 1 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2234: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (5): Os bons, os maus e os vilões (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P2273: E As Nossas Palmas Vão Para... (1): Sara Peres Dias e o seu microfilme Dizer a Guiné-Bissau em Três Minutos


Guiné-Bissau > Região de Tombali > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 21 de Outubro de 2007 > Em Iemberém, em plena zona de Cantanhez, onde foram criadas as primeiras regiões libertadas durante a luta pela independência da Guiné-Bissau, foi projectado o filme documentário de Diana Andringa e Flora Gomes As Duas Faces da Guerra [ estreado em Lisboa em 19 de Outubro de 2007].

Um numeroso público interessado e atento, muitos deles participantes activos dos dois lados do conflito, sentaram-se lado a lado a recordar o seu passado enquanto jovens envolvidos na guerra. No dia seguinte, em toda a tabanca esse foi o tema dominante das conversas.

Foto: © Victor Ramos / AD - Acção para o Desemvolvimento (2007)


1. Mail da Sara Dias, amiga do meu filho, que acaba de regressar da Guiné-Bissau, e que nos convida a ver um microfilme, de três minutos, que ela realizou... Vejam como a geração dos nossos filhos está a descobrir os valores da solidariedade e da cooperação, nomeadamente com a CPLP... Devemos também dar-lhe o nosso apoio e carinho (LG)

Mensagem da Sara Dias:

Gente della mia vita:

Ele há um vídeo que eu fiz aqui (1), que é muito curto muito rápido e é um mergulho na Guiné-Bissau .

Vão lá ver e se gostarem dele toca a votar que o prémio é bom e é para o ISU - Instituto de Solidariedade e Cooperação Universitária que foi quem nos mostrou e deixou conhecer este país bonito (2)

ijos, abraços e saudades

Sara


2. Microfilme:


Título: Dizer a Guiné em três minutos (Clicar aqui para ver o microfilme)
Autora: Sara Peres Dias
Data: 15/11/07
Duração: 2' 53''
Feito com: Máquina fotográfica

Sinopse: Ests são memórias ainda frescas de uma terra imensa, muito maior que trê minutos. Aui um mergulho pouco enxugado neste país de contrastes. Um país com a força das ondas que nos fica na pele como o sal. Depois de um banho de mar.

Vota neste vídeo

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Notas de L.G.:

(1) Sítio do Festival de Microfilmes de Lisboa

(2) Vd. também o blogue do ISU

Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

Guiné-Bissau > Bissau, capital do país. Planta da cidade, pós-independência. O bairro do Cupelon fica(va) à esquerda da nossa conhecida estrada de Santa Luzia... Para os tugas, era o Pilão, tout court... Ainda espero vir a encontrar um Fado do Pilão para ombrear com o do Bairro Alto... (LG) 

 Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados. 

1. Mensagem do Helder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72): 

 Caro Luís: Se calhar é uma dúvida bizantina mas sempre a vou colocar .... Relativamente à Sondagem 2 o que é que é para concordar ou discordar, nas suas variantes graduais ? Se concordo que é verdade que nos era dito para não "ir sozinho à noite ao Pilão que os gaijos são todos turras" ou se era mesmo verdade que "não se devia ir sozinho ao Pilão, sobretudo à noite, por os gaijos serem todos turras"? 

 É que realmente a mim também me foi passada a "informação/recomendação", já não me lembro se foi coisa formal ou se foi por ser corrente entre as conversas da nossa malta, por isso, nesse sentido, terei que colocar a cruzinha na concordância. 

 Agora se é para corroborar a verdade que está subjacente às recomendações, já não posso concordar inteiramente porque cheguei a andar sozinho no Pilão (ou era Cupilão ?), embora essas visitas culturais e de prospecção etnográfica fossem feitas de dia, pois à noite (e cheguei a ir lá a um alfaiate que me fez umas calças com tecido que comprei por lá...) ia normalmente acompanhado e apenas em duas ou três ocasiões e para ir ao tal alfaiate. 

 Cumprimentos 
 Hélder Sousa 

2. Comentário do editor LG:

Helder, a tua questão é pertinente e muito mais pertinentes ainda são as respostas que tu próprio dás... de resto, com excelente sentido de humor... Com que então ias ao Alfaiate do Cupilão ?! 

 Comecemos pela dúvida mais simples: Cupilon, Cupilom, Cupelon ou Pilão ? 

No meu tempo (1969/71), eu dizia, nós dizíamos, Pilão... Na planta da cidade de Bissau, capital da Guiné-Bissau, que nos foi fornecida pelo A. Marques Lopes (vd. imagem no topo) , vem Cupelon (de Cima e de Baixo),na parte setentrional, ladeada à direita pela npssa conhecida Estrada de Santa Luzia... Cupelon é, pois, o terno correcto, em crioulo... Cupilão é um aportuguesamento... Pilão é uma corruptela... Mas era o termo mais frequente usado pelas NT... É a minha interpretação, claro. 

 Quanto à dúvida, de fundo, metodológica, tens toda a razão: a pergunta está mal formulada, não é clara concisa e precisa, como mandam os manuais... Cito o proxeneta (no norte, diria: azeiteiro) de um furriel miliciano fotocine que conheci na espelunca do Chez Toi

"Ao Pilão nunca vás sozinho, sobretudo à noite: os gajos são todos turras"... 

 Ao citá-lo, fi-lo intencionalmente como um mero estímulo, positivo ou negativo, para a nossa malta manifestar-se, escrever, opiniar, etc. O assunto, como sabes, é delicado. 

Eu tenho tentado pôr a malta a falar destas coisas ditas marginais do nosso quotidiano de guerra... A frase não é falsa nem verdadeira, mas é óbvio que contem duas ou até três proposições, o que a torna confusa ou, no mínimo, ambígua:
 - Ao Pilão nuncas vás sozinho [, porque é perigoso];
 - Ao Pilão nunca vás sozinho [, porque é perigoso], sobretudo à noite [, o que é ainda mais perigoso];
 - Os gajos [do Pilão, os chulos] são todos turras... 

 A fala do fotocine é primária, grosseira, racista, estereotipada, típica de um boçal representante de um exército de ocupação. Ora a verdade é que o Cupelon era um bairro popular, de gente séria e trabalhadora, habitada também por raparigas que fugiam da guerra (as guineenses) ou da miséria de Cabo Verde (, as caboverdianas, ditas pretas de 1ª )... e tiravam o partido possível da presença massiça de militares, uns em trânsito para o Vietname (mato), outros aquartelados em Bissau e arredores (malta do QG, tropas especiais...). 

 O Pilão era um mito... Alguns dos nossos camaradas - sobretudo os que estavam sedeados em Bissau e Bissalanca - até tinham lá os seus amores... Que eu saiba, nunca ninguém ficou lá sem a cabeça, embora alguns de nós a tenham perdido por lá... Pergunto: Quem não ficou lá pelo menos uma noite, vindo do Vietname (sic), em trânsito, na véspera da partida do avião para férias ou no regresso das férias ? Ou pelo menos, ido lá noite, desenfiado em Bissau, à procura de sexo ? 

 Julgo que o Pilão não era mais perigoso do que o Bairro Alto ou o Cais do Sodré, em Lisboa, naquela época... O que o tornava perigoso era o excesso de álcool da malta da tropa, da nossa tropa, que, às tantas da noite, andava a procura das verdianas ou pretas de 1ª (sic)... 

 Mas eu não sou o mais qualificado para falar do Pilão... Não sou sequer qualificado de todo: nunca lá vivi, falta-me a vivência, o conhecimento empírico... Confesso que passei lá uma noite. Por curiosidade e solidão. Fui lá com um alferes miliciano da CCAÇ 12, na véspera de ir de férias... Não tínhamos nada para fazer em Bissau, estávamos já apanhados do clima, com um ano de guerra pura e dura... E dois já formavam um... pelotão !... 

 Estávamos hospedados numa espelunca: se a memória não me atraiçoa, dessa vez era mesmo no Chez Toi... (onde, por sinal, um dia, já no final da minha comissão, me arrombaram a mala e fanaram-me uma das garrafas de uísque velho que eu levava; o gordo do dono acabou por pagar o prejuízo)... 

 Enfim, a noite no Pilão foi uma experiência deprimente, daquelas que se fazem, nos nossos verdes anos, apenas para experimentar e pôr no currículo... Passei a noite a ouvir a filha da cabo-verdiana a chorar... Às cinco da manhã, zarpei, com a morte na alma... 

 Por outro lado, é bom lembrar que somos da geração em que os jovens ainda se iniciavam nas casas de passe (ilegalizadas por Salazar em 1962) ou seus sucedâneos... Fomos educados dentro dos cânones da moral sexual dominante, a do Cardeal Cerejeira e do Dr. Salazar. 

O exército colonial, esse, era mais pragmático: os serviços de saúde militar na Guiné estavam bem fornecidos de caixas de pomada antivenérea (eram um luxo os preservativos!) e de penicilina!... Quem não apanhou uns milhões de penicilina na Guiné ? ! Aos vinte anos, e para mais na situação-limite que era a guerra, em todas as gerações, fazem-se pequenas loucuras só para transgredir os padrões da moral dominante... Ir ao Pilão fazia parte dos nossos rituais de transgressão... Ia-se até por bravata... Com mais medo ou menos medo, muitos de nós passaram por lá... E outros até - mais felizardos do que nós - tinham lá cama, mesa e roupa lavada... 

 Enfim, respondam à sondagem como quiserem... E sobretudo depois comentem, escrevam, mandem as vossas estórias! 
 ___________ 

 Nota de L.G.: 

 (1) Sobre o Pilão (ou Cupilão ou Cupelon), e as nossas (a)(des)venturas por lá, vd posts de: 14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça) 

(..) Quanto ao Pilão, como escrever-to ? É a grande tabanca, o grande muceque de Bissau, um verdadeiro gueto, um enorme abcesso putrefacto produzido pelo colonialismo e pela guerra, e onde frequentemente explodem as tensões raciais e étnicas. O Pilão é o lumpen… 

Daí as recomendações que te fazem ao chegares aqui - lembras-te ? -, à mistura com histórias mirambolantes, pouco ou nada verosímeis, de cabeças cortadas à catanada:
- Ao Pilão nunca vás sozinho, sobretudo à noite. Os gajos são todos turras. E com as verdianas, muito cuidado, menino, que as filhas da puta já nasceram todas esquentadas! - avisou-me um furriel fotocine, no Chez Toi, uma espelunca de 3ª classe com pretensões a night club, onde os tropas de galões dourados redescobrem o gosto civilizado do champagne francês (marado…), bebido com uma pin-up ao colo, como em qualquer bar rasca, de alterne, na Reboleira do J. Pimenta (...) 


Do meu diário: 14 de Agosto de 1972 > Um dia que nunca mais vou esquecer, pois o Crachá que recebi será o simbolo COMANDO até à minha morte. Foi uma cerimónia bonita com muitos copos, muitas fotos e de tarde fui para Bissau, direitinho ao Pilão, porque o corpo não é de ferro e a Antónia é um mimo. (...). 


Depois de acomodado no Cumeré, uma das minhas primeiras prioridades era vir à cidade encontrar-me com um colega que tinha a informação de estar na Manutenção Militar. E então, quando me encontrei com o velhinho, meu amigo, pedi-lhe para me levar ao Pilão, às bajudas... 

 Então lá fomos os dois, e no caminho fui avisado sobre os preços que na altura eram praticados: 
- Se for guineense, são 50 pesos; se for caboverdiana, são 100 pesos. 

 (...) Entretanto, a companheira furtiva, ao ver notas de 50 e 100 escudos, vendo que eu era periquito, pede-me 100 escudos... Aí eu disse: 
- Não, se quiseres são 50 escudos; se não quiseres, vou-me embora. 

 Ela disse que não, e aí eu vim embora a seco.O meu amigo. quando chego à beira dele tão rápido ficou admirado, e disse:

 - Já ?! ... Nem deu tempo para tirar a roupa!... Então, eu contei-lhe o sucedido e ele disse-me: 
- Fizeste bem, vamos a outro bar. Ora bares era o que não faltava no Pilão ou Cupilon... Eu respondi-lhe: 
- Agora já perdi a vontade, amanhã eu venho cá outra vez para saciar o desejo... 

E assim aconteceu. Cambiei os escudos por pesos, a diferença não era assim muito mas era alguma coisa, e lá fui com a caboverdiana por cem pesos. (...)


(...) E as escapadelas ao Bairro do Cupelon [ou Pilão], e as noitadas da cerveja e das ostras no Café Portugal? E as codornizes fritas do Zé da Amura? Que será feito do célebre Hotel Berta, onde se comiam os melhores gelados do Mundo? Mas o que mais me emocionou foi ver, através das fotos, o estado de ruína desta cidade de terra vermelha. 

Ao lembrar-me de tudo isto e ao escrever estas linhas não consegui travar algumas lágrimas. Sobretudo, porque à distância de quarenta anos no tempo, não mais consegui reunir todos os camaradas desse tempo, todos esses amigos que, como muito bem sabe, eram a nossa família de afinidade durante 24 os 25 meses de comissão. (...). 


Seguimos em direcção ao Pilão, com o Tomás a fazer uma condução à maluca. Falou numa cabo-verdiana que nenhum de nós conhecia, que ficaria perto da casa da Eugénia, essa conhecia eu bem. Corremos imensas ruas e ruelas do Pilão, eram tantos os saltos que o carro dava que o Rita já dizia estar a apanhar mais pancada que numa tempestade no mar. 

A determinada altura, uma das rodas do carro cai num buraco com grande violência, ouve-se um barulho de latas e ficamos com menos luz. O Tomás pára o Peugeot e símos para verificar o sucedido. Com a pancada, um dos faróis saltara do encaixe, ficando virado para o solo, preso pelos fios de ligação. Nenhum problema, continuamos às voltas, à procura das gaijas que nenhum conseguia dizer onde ficavam e o farol acabou por cair, ninguém soube onde. Aí pelas três da manhã, chegamos a um local do Pilão onde se encontrava um grande aglomerado de pessoas, em estado de grande exaltação. Paramos, saímos do carro e vemos no meio daquele maralhal o Alf Mil Domingos, de braço engessado ao peito, prestes a levar, na melhor das hipóteses, uma grande carga de pancada.

 O Comandante Rita, graças à sua estatura, vai furando, connosco atrás até chegarmos ao Domingos, também de cabeça perdida. O que se passara? - O caralho do Oliveira trouxe-me para aqui, bateu à porta daquela gaja, ela diz que está ocupada, o cabrão manda um pontapé na porta, rebenta-a, a tipa grita, começa a juntar-se este maralhal e o gajo deixou-me sózinho. (...) 


(...) De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. 

Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. 

Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho. A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. 

Que melhor despedida podia eu, então, ter programado? Para sempre ficou marcada na memória a cena dessa noite. No chão a ressonar e de pistola à cinta, um grande fuzileiro e, encostado a ele, todo enrolado em panos, um bebé. Na cama, ela, semi-adormecida, ordenando uma actuação silenciosa (...). 


Óptimas lembranças da Fátima, uma fula do Pilão, em cuja casa (um quarto apenas...) dormi algumas noites, numa cama onde dormia também o bébé de um ano. Boa rapariga, que fazia pela vida e que, por isso, me fez, uma noite a proposta de eu trazer umas quantas cervejas do QG para ela vender aos seus visitantes: 
- Estou doido, filha, mas não tanto. Nem penses nisso. Boas noites lá passei, uma ou outra com emoção, quando os comandos ou os fuzos batiam à porta e ela respondia:
- Está ocupado! - e eu a ajudava dizendo: 
- Estou eu, vão pra outra! Houve uma noite, não nenhuma destas nem a da proposta dela, que tive de sair a meio. É que o bébé borrou-se todo. Enquanto ela tirava água do pote para lavar o filho e os lençóis, tive de lhe dizer: 
- Fatinha, já não dá. Vou-me embora. (...) 


(...) Cupilon: Bairro tabanca da população, geralmente na periferia, eram um misto de atractivo irresistível e de perigo potencial mas nós, os militares recém-chegados, ignorávamos que a guerrilha tinha apoio em todo o lado, e assim todos os militares chegados a esta querida terra africana procuravam saber onde era e onde ficava (local de africanização e de gozo sexual) sempre apinhado de militares, dado que nele permaneciam lindas bajudas sem cabaço e partiam catota a toda a força: desprendidas da vida teriam nos prazeres da carne sustento bastante para fazerem vida desafogada, que de uma outra forma não conseguiam.

O convívio com aquela gente de população fascinava. Fosse pelo exótico dos usos, fosse pela atracção das raparigas, que designávamos por bajudas, independentemente de o serem. E só o eram enquanto virgens. Os seus erectos seios, tensos de jovem e dos nossos apetites, não escapavam ao despudorado atrevimento dos militares brancos. (...)

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2271: Tabanca Grande (40): Joaquim Gomes de Almeida, O Custóias, bazuqueiro, CCAÇ 817 (Canquelifá e Dunane, 1965/67)



Joaquim Gomes de Almeida
Soldado
CCAÇ 817
Canquelifá e Dunane
1965/67






Guiné> Canquelifá> O nosso camarada Joaquim Almeida em concorrência desleal e descarada ao nosso companheiro Joaquim Mexia Alves, pois em Canquelifá as condições Termais eram péssimas, embora os preços fossem económicos.


1. Mail de 7 de Novembro de 2007 dirigido ao nosso Editor

Exmo. Sr. Luís Graça,

Venho por este meio prestar uma grande homenagem ao incondicional serviço de informação que o seu blog presta a todos os ex-combatentes.

Passo a apresentar-me: Chamo-me Joaquim Gomes de Almeida, conhecido entre os camaradas por Custóias, sou residente em Guifões-Matosinhos.

Fiz parte do pessoal da CCAÇ 817; soldado de infantaria; operador de bazuca.
Passei maior parte do tempo da comissão em Canquelifá e Dunane, embora tivesse passado anteriormente por outras unidades.

Cheguei à Guiné em 26 de Maio de 1965 tendo regressado à Metrópole em 8 de Fevereiro de 1967.

Faço uma correcção ao que escreveu o camarada Francisco Palma: a CCAÇ é a 817 de 1965/1967 da qual eu fiz parte e não a CCAÇ 187 de 1965/1966 como por lapso mencionou o camarada Francisco Palma (*).

Em relação ao brazão, confesso que fiquei triste por saber que a CCAÇ 1623 destruiu o nosso em favor do deles.

Anexo uma fotografia com informação: Canquelifá-Termas, placa informativa para todo o pessoal que por lá ia passando e entrando para o tratamento adequado.

Sem outro assunto de momento,
Joaquim Almeida (Custóias)


2. Em 7 de Novembro, o co-editor CV respondia:

Caro Joaquim Almeida:

Estou a escrever-te na qualidade de co-editor do Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Recebemos a tua mensagem e registamos a homenagem que prestas ao Luís Graça. Na verdade, é unânime o reconhecimento do seu imenso trabalho para manter vivo o Blogue.

Queremos convidar-te a fazeres parte da nossa Tabanca Grande. Para tal deverás enviar uma foto do teu tempo de guerra (se possível com mais qualidade daquela que já enviaste) e outra actual para figurares na nossa fotogaleria.

Se quiseres e puderes podes mandar estórias que se passaram contigo e com a tua Unidade, assim como fotografias devidamente legendadas para as podermos enquadrar nos teus textos.

As fotos deverão vir em formato JPEG ou, em última hipótese, em Word para as podermos trabalhar.

Poderás consultar a página da nossa Tertúlia onde estão escritos os princípios fundamentais da nossa conduta e convivência. Poderás ver lá também a fotogaleria.

Aqui na Tabanca não há Exmos Senhores nem postos militares. Tratamo-nos todos por tu como deve ser entre camaradas.

Já agora na próxima mensagem dá mais pormenores sobre ti e a tua Unidade e usa preferencialmente o endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Antes de terminar quero dizer-te que temos cá no Blogue um teu conterrâneo de Guifões, o Albano, que é fotógrafo e que tem o seu ateliê em frente à Igreja. Eu moro em Leça da Palmeira e ainda há mais gente do concelho de Matosinhos entre nós.

Recebe um abraço da parte do Luís. De mim o mesmo
O camarada
Carlos Vinhal


3. Em 8 de Novembro o camarada Albano Costa escrevia, em resposta a um mail de CV:

Caro amigo Carlos Vinhal:

Conheço o Custóias há muitos anos, é quase meu vizinho. Durante muitos anos sempre falamos de tudo, menos da Guiné.

Há bem pouco tempo, encontramo-nos e ele falou-me do blogue onde tinha navegado, dizendo que me tinha encontrado lá. Depois desse dia passamos a falar mais vezes e muito sobre a Guiné e o blogue.
Ele por acaso já tinha comentado comigo que ia chamar atenção do Francisco Palma sobre as imperfeições que tinha visto. Eu incentivei-o, porque a função do blogue é contar sempre e só a verdade, e que este era o sítio certo para o fazer, que neste caso era só para rectificar.

Quanto ao apelido Custóias, eu já lhe perguntei como é que sendo ele natural de Guifões, gosta que o tratem assim, ainda hoje no meio guineense. Ele respondeu-me que quando foi para a tropa, tinha ocorrido o desastre ferroviário no lugar das Carvalhas (**), em Custóias, e então o seu comandante possou a chamar-lhe assim. Ele aceitou com agrado e em todo o seu tempo de tropa e ainda hoje pelos seus colegas é tratado por Custóias. Quanto ao entrar no blogue já lhe falei e o Joaquim Gomes está a ganhar coragem, visto que não passa um único dia sem lhe fazer uma visita.

Um grande abraço,
Albano Costa

4. Em 9 de Novembro o Almeida voltava ao nosso contacto

Caro Carlos Vinhal:

Acuso a recepção do teu e-mail de 7 de Novembro de 2007.

Em relação ao Albano Costa, somos amigos e vizinhos. Ele mora na Lomba e eu em Gatões.

Todos os fins-de-semana, nos falamos no seu estabelecimento. Ele foi um grande impulsionador para que eu me metesse nestas andanças.

Relativamente a material fotográfico do tempo da minha estadia na Guiné, é relativamente pouco, porque há uns anos atrás, quando eu fui deslocado para o estrangeiro em serviço, foram-me assaltados os anexos de minha casa e levaram-me tudo, fotografias, o díário da minha Companhia, o diário do meu pelotão e um caderno de apontamentos pessoal. Tudo isto se encontrava dentro de um baú. Todas as fotografias que eu possuo, foram recolhidas na minha família, e alguns amigos.Assim que possível, enviarei as ditas fotografias para o blogue.

Um abraço virtual deste ex-combatente.

Joaquim Gomes de Almeida - Custóias
__________________

Notas de CV:

(*) - No Post de 5 de Novembro de 2007> Guiné 63/74 - P2242: Tabanca Grande (39): Francisco Palma, ex-Condutor Auto, ferido em combate, CCAV 2748/BCAV 2922, Canquelifá (1970/72), o nosso camarada Francisco Palma referia:

(...) Aproveito para informar que a mensagem atingiu o alvo e tenho estado em contacto com o Custóias, operador de bazuca, ex-combatente da CCAÇ 187_(?), Canquelifá 1965/66, que terá sido o obreiro da construção do brazão da sua Companhia. O brazão foi posteriormente aproveitado pelos que vieram a seguir, a CCAÇ 1623 (Canquelifá, 1966/68), tendo sido alterados os dados (...)

(**) - No dia 26 de Julho de 1964, ocorreu um terrível desastre ferroviário na Linha da Póvoa (Porto/Trindade - Póvoa de Varzim), onde houve um número de mortos nunca especificado, pois na única carruagem sinistrada, superlotada, morreram oficialmente 96 pessoas.

O acidente deu-se porque a última de duas carruagens da automotora se soltou da primeira, presume-se que por excesso de peso, e em aceleração livre e desgovernada, ao descrever uma curva apertada, inclinou-se e foi de encontro a um muro suporte de uma passagem superior, que funcionou como uma lâmina. A carruagem foi literalmente cortada ao meio no sentido do comprimento, ferindo e matando principalmente que se encontrava daquele lado.