1. Texto do Mário Fitas, de 2 de Novembro último, relatando-nos o 9º Encontro da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/67). O nosso amigo e camarada Mário Fitas foi Fur Mil Op Esp, da CCAÇ 763 (Cufar 1965/66); é autor dos dois romances sobre a guerra da Guiné (1):
A CCAÇ 763, comandada pelo então capitão Costa Campos, foi mobilizada para o CTIG, por nota confidencial nº 6479/LM da 4ª Rep do EME.
Embarcou em Lisboa no N/M Timor em 11 de Fevereiro de 1965 e desembarcou em Bissau a 17 do mesmo mês, ficando instalada no BCAÇ 600, em Santa Luzia, para os procedimentos administrativos e logísticos habituais.
À medida que ia recebendo o material, os grupos de combate foram sendo deslocados para Cufar por lanchas de Fuzileiros Navais, rendendo a CCAV 703.
Vista aérea de Cufar
Em 17 de Março de 1965, já estava colocada, em quadrícula, em Cufar, adida ao BCAÇ 619, onde permaneceu até 10 de Novembro de 1966, data em que foi transferida para Catió para aguardar o embarque de regresso a Lisboa no Niassa.
Na data da chegada a Cufar a Companhia era formada por 5 Oficiais, 17 Sargentos e 144 praças. Acompanhavam a CCAÇ 763, 8 cães de guerra Pastores Alemães.
Os cães de guerra (pastores alemães) na Guiné com a CCaç 763. Uma experiência, da iniciativa do então cap Costa Campos, que não teve seguimento naquele território, tanto quanto sabemos.
Na súmula da actividade que desenvolveu no Sul da Guiné, assumem-se com particular destaque a construção do aquartelamento de Cufar e de todas as suas infra-estruturas.
A CCAÇ 763 levou a cabo 34 operações com apoio aéreo e naval, 17 das quais com contacto com o IN.
Cambança do rio Ganjola, no decurso da Operáão Petardo, em 10 de Junho de 1966
uma abatiz no caminho da CCaç 763. Entre os rostos dos jovens de então, nota-se o Capitão Costa Campos
Nas acções desenvolvidas contra o então IN, a CCaç 763 destruiu os acampamentos de Cufar Nalu, Cabolol (2), Flaque Injã (2) e Caboxanque.
Para além desta actividade constam ainda dos relatórios da CCAÇ 763:
415 patrulhas apeadas, 136 patrulhas-auto, 24 escoltas, 53 emboscadas, 10 golpes de mão, 13 operações de cerco e limpeza, 28 batidas e 3 nomadizações.
Zona de intervenção da CCAÇ 763 e operações efectuadas
De toda esta actividade, foi estimado que a CCAÇ 763 percorreu aproximadamente 16 mil quilómetros a pé, 6 000 de viatura e 1 000 de LDM.
Durante este período a CCaç 763 teve 10 baixas (mortais), sendo 7 em combate e 3 por doença. Sofreu 53 feridos.
Dos relatórios constam ter sido feitos 45 prisioneiros e causado 40 feridos e 107 mortos ao então IN.
Em face da acção desenvolvida, durante a actividade operacional em Cufar, a CCAÇ 763 teve colectivamente 10 referências elogiosas e um louvor do Brigadeiro Comandante Militar.
Individualmente:
-Prémios Governador da Guiné: a 2 Praças e a 3 Sargentos
-Louvores conferidos pelo General Comandante-Chefe das F.A.: a 1 Sargento
- Louvores conferidos pelo Brigadeiro Comandante Militar: a 5 Praças, 6 Sargentos e 4 Oficiais
- Louvores conferidos pelo Comandante de Batalhão: a 16 Praças, 8 Sargentos e 2 Oficiais
- Louvores conferidos pelo Cmdt da Companhia: a 12 praças, 2 Sargentos e 2 Oficiais
9º. Encontro da CCAÇ 763 em 23 de Setembro de 2007-11-02
Almeirim
Restaurante
Moinho de Vento
Pelas 11H00 o pessoal começou a chegar e a concentrar-se no Largo em frente ao Restaurante Moinho de Vento.
Veteranos resistentes de tempos mal vividos, reavivando a fraternal vivência
Desnecessário será descrever, a efusão dos abraços, e das velhas bocas, consoante o destinatário. Grato momento de convívio com as fotos da praxe.
E chegou a hora do opíparo almoço e do serviço impecável com que fomos brindados pelo restaurante. Muita conversa animada, relembrando a Guiné e Cufar e quando demos por ela, o nosso escriturário Amadeu, estava a alertar-nos para as horas. Começou, assim, a fase seguinte do evento, com um minuto de silêncio pelos camaradas que já partiram.
De seguida o Fernando Albuquerque leu-nos as mensagens dos camaradas que, não podendo estar presentes, não deixaram de em espírito se associarem ao convívio.
Agradeceu e transmitiu ainda o Amadeu as mensagens de camaradas de outras Companhias que connosco viveram a aventura da Guiné.
Seguiram-se os habituais discursos, os quais foram seguidos da exibição de um DVD, amavelmente cedido pelo Luís Costa Campos, filho do já falecido Coronel Costa Campos, nosso comandante em Cufar.
Presenteados como sempre pela
Pastelaria Carrilhão do nosso Belarmino Acúrcio, o bolo deste ano com uma magnifica decoração.
E eram já próximo das 18H00, quando o nosso querido cabo enfermeiro Policarpo Sousa Santos procedeu á partida do magnífico bolo.
E foi novamente momento de saudade, com aquele fraterno abraço e o desejo de novo encontro no próximo ano.
Fotos: ©
Mário Fitas (2007). Direitos reservados.
2. Discurso do ex-Furriel Miliciano
Mário Vicente Fitas Ralheta
Passados que são quarenta anos, é já possível friamente, e consequentemente fora de quaisquer influências sobre a proximidade dos acontecimentos. Fazer hoje algum balanço sério não só sobre a guerra na Guiné, o Vietname Português, bem como à vivência e procedimentos dessa pequena unidade do Exército, que em quadricula na margem direita do Cumbijã, desenvolveu uma actividade operacional de grande exigência no teatro da guerra, a par de um ciclópico esforço físico na construção de todas as infra-estruturas de um aquartelamento com ausência de quaisquer oportunidades de exigências ou desvios, dada a muita actividade para o combate e proximidade de um inimigo, sem interregnos para tréguas de parte a parte.
Se houver curiosidade?!... Poderão ser feitos com toda a clarividência os efeitos de vinte e dois meses vividos pelos homens da CCAÇ 763 no sul das terras da Guiné.
A guerra ali travada, e que tantos outros travaram. Com os seus resultados diferenciados como é óbvio.
Não é este o momento de vitimar ou criar heróis. Há unicamente que deixar vincado o vero testemunho aos aqui presentes e àqueles que precederão esta geração de “Veteranos de Guerra”, espécie em extinção.
Necessário será ir ao Baú, e remexer num passado, agitando memórias e lembranças que talvez ainda nos façam sofrer, e dilacerem as almas, ou espíritos como cada um queira e creia.
Será portanto o testemunho de uma geração que nada reivindicando, em corpo e espírito, se entregou a uma missão histórica, cujos contornos, não foram sufragados. Ao arrepio de uma realidade histórica hipocritamente subtraída.
Tudo isto nos leva a constatar as dívidas a saldar. Reportemos, em primeiro lugar, a massa anónima de combatentes que sem temor, o melhor de si deram em prol da Pátria, para uma causa em que na generalidade não estavam tecnicamente preparados, nem psicologicamente estruturados. Mas o estoicismo dos homens que contribuíram para constituir o esteio aglutinador nessa odisseia deste atribulado conflito se transcenderam e transfiguraram pelo bem cumprir.
Refiro seguidamente a massa imensa de nativos, irmãos de armas, que no mato, sempre na frente, se bateram heroicamente a nosso lado e tão miseravelmente foram à sua sorte abandonados. Como é possível condená-los dessa maneira?
Carlos Quêba, Gibi Baldé, Amadu Baldé, Braima, Amadu, Alfa nan Cabo. Etc. … Etc. … Etc. …. Estes! Conhecemo-los todos nós.
A História muito lhes fica a dever, ao invés da Pátria que os transformou em párias. Podeis todos sentir o orgulho do dever cumprido!
A memória da Guerra continuará viva, pelo menos enquanto um
Veterano se mantiver actuante e disponível, para reivindicar o seu contributo!
Ao inimigo que com a CCAÇ 763 se bateu, há que reconhecer o seu inconformismo, estando sempre à altura das circunstâncias. Mantendo como sempre o nosso respeito e admiração pelos que ainda lutam por uma Guiné livre e democrática, honrando o seu povo e tradições. Reconhecemos muitas das carências sofridas e debilidades vividas. Responsáveis seremos por heranças não conseguidas em tempos que aquele pedaço de terra foi responsabilidade nossa.
Embora de responsabilidade limitada. Não tenhamos pejo em assumi-la. Por isso a nossa cooperação deve ser um contributo, para sustentar o desenvolvimento daquela terra maravilhosa. Unida a nós pela língua, pelo passado marcado pelas incidências, mas sempre presente no imaginário de quem um dia a percorreu.
Aos homens da CCAÇ 763 que cumpriram no limite do sacrifício e na maior dádiva exigidas ao ser humano, o abraço fraterno, referência da amizade que sempre nos uniu.
Cabem aqui outras referências, às quais respeitosamente agradeço, a sua participação neste nosso convívio. Ao Luís Costa Campos muito obrigado, por nos trazer aqui com a sua presença a memória do grande militar que nos conduziu no sul da Guiné.
À Sra. Professora, enfermeira e companheira de guerra Maria da Glória (Dª. França) o agradecimento pela doação total, à CCAÇ 763. É meu entendimento, que deve ser considerada como parte integrante desta Companhia.
A todos o fraterno abraço do tamanho do poilão no cruzamento do Cabaceira.
3. Discurso do ex-Alferes Miliciano
Jorge Paulos
Caros Amigos
As razões principais que nos levam a estar de novo aqui reunidos são, por um lado, a possibilidade de nos revermos e, por outro, a de recordar a grande aventura que, em conjunto, vivemos na Guiné, quando éramos ainda “meninos e moços”.
Não estamos aqui para festejar a guerra, que era bem melhor que não tivesse acontecido, mas podemos orgulharmo-nos, sem favor, do nosso comportamento.
Todos nós, na altura, tivemos os nossos medos (só os inconscientes é que não os teriam), mas sempre soubemos enfrentá-los e levá-los de vencida.
A Companhia de Caçadores 763 foi um exemplo, muitas vezes citado, de demonstração de coragem e de dignidade de todos os seus componentes, independentemente do posto de cada um.
Entretanto, alguns, já não estão entre nós. No último ano deixou-nos o Meco, figura marcante, símbolo de que mesmo no meio do perigo se pode ser alegre.
Também o alferes Baço, que tanto nos ajudou com os seus obuses, nos faz lembrar, com saudade, a sua espantosa calma, em todas as circunstâncias.
E o nosso Melo? Exemplo ímpar de como se pode comandar com amizade e com o reconhecimento de todos. O Melo, que pertencia ao meu Grupo de Combate, e que não consigo relembrar sem emoção, permitam que vos diga, que se tratava de um Homem que jamais esquecerei. Amigo do amigo, sempre pronto a ajudar os que mais precisavam, várias vezes, em pleno teatro de guerra, o vi arriscar a própria vida, para salvar quem quer que fosse, nas situações mais difíceis.
Heróis são os que, no momento exacto, se disponibilizam, corajosamente, para salvar o seu semelhante. O Melo era um deles!!!
Mas também já não está entre nós o nosso Capitão Costa Campos. Foi, sem dúvida, um grande exemplo de militar, que sempre soube conjugar as suas obrigações profissionais com o tratamento humanizado do pessoal que dirigia.
Corajoso, abnegado, sempre na primeira linha de combate, a Companhia e todos nós, em geral, ficamos a dever, ao “nosso Capitão”, os êxitos que tivemos e, graças à sua capacidade de liderança, ultrapassámos momentos de grande perigo, onde a decisão certa é o mais importante.
Por isso, meus amigos, cada vez que algum de nós resolve deixar-nos, é um pouco de nós próprios que se vai, porque tudo o que foi feito se deve a cada um em particular e à soma de todos nós, em geral.
Uma palavra ao Luís Costa Campos de agradecimento por aqui estar presente e, um sentido muito obrigado à nossa França que, quando connosco esteve em Cufar, nos acarinhou, partilhando, conjuntamente, aquela grande aventura.
Amigos, estou naturalmente feliz por poder estar hoje aqui de novo convosco, e o meu maior desejo é que tal aconteça ainda muitas vezes e, que todos vivam durante muitos anos com saúde e alegria, no seio das vossas famílias.
Obrigado a todos
Viva a CCaç 763!
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Nota do co-editor vb: à atenção dos Camaradas da CCaç 763. Pela época, pela acção que desenvolveram, pelas experiências com os pastores alemães, daqui lançamos o repto para que façam a história da vossa Companhia.
(1) Vd. posts de:
22 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2202: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (8): Voltei a Cufar e a chafurdar nas bolanhas e rios de maré (Mário Fitas)
12 de Agosto de 2007 >
Guiné 63/74 - P2043: Bibliografia de uma guerra (23): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar)
5 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)
2 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)
27 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)
26 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)