sábado, 10 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5088: In Memoriam (34): Alf Mil Inf Mário Henriques dos Santos Sasso, da CCAÇ 728 (José Martins)

1. Mensagem de José Martins* (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2009:

Boa tarde
Fui oportunamente contactado por um professor universitário acerca de um estudo que está a elaborar sobre um camarada nosso que tombou em combate na Guiné.
No decorrer da conversa telefónica, falámos de um tal Mário Sasso, que morrreu na Guiné, e do qual, o meu interlocutor era amigo. Pediu-me se tinha alguns elementos, que lhe pudesse enviar.

Com a ajuda dos textos do Mendes Gomes, junto o texto que já enviei a esse novo amigo, o qual me facilitou a foto inserta.

Um abraço
José Martins


Alferes Miliciano de Infantaria
MÁRIO HENRIQUES DOS SANTOS SASSO,
Presente!

Por José Martins

Durante o meu período de férias, ao passar por um ciber-café e ao consultar a minha caixa de correio electrónico, verifiquei que alguém me solicitava colaboração num trabalho que estava a realizar sobre um militar tombado na Guiné.
Regressado, e como o meu interlocutor e porque não, meu amigo, me tinha facultado o seu telefone, trocamos impressões sobre o que pretendia e coloquei-me a sua disposição para o que necessitasse.
No decorrer da nossa conversa, perguntou-me se conhecia um tal Alferes Sasso, seu amigo de infância, que tinha morrido em combate na Guiné, já que gostaria de ter outros elementos sobre o mesmo.

© Foto do Mário Sasso (DR) [Liceu da Beira (Moçambique) 1960/61]

De posse da palavra SASSO, parti para a pesquisa de tudo o que pudesse encontrar.
Há uma discrepância nos dados obtidos: O louvor que lhe proporcionou a condecoração que lhe foi atribuída, está datado de 02 de Julho de 1965, dizendo que o louvor lhe foi atribuído a título póstumo, quando o seu falecimento só se verificou em 05 de Dezembro desse mesmo ano.

Para o texto abaixo, foram consultados diversos volumes da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), que se indicam em cada texto, não tendo sido possível obter mais elementos pela inexistência de história da companhia nos Arquivo Histórico Militar.

Para este trabalho, e de que damos nota no final, foi precioso o trabalho elaborado pelo Alferes Miliciano Joaquim Luís Mendes Gomes, que pertenceu à Companhia de Caçadores n.º 728, a mesma subunidade do Alferes Mário Sasso, e de quem fala diversas vezes e sobre diversos aspectos e, sobretudo, com saudade e carinho.

Na “Crónica de um Palmeirim em Catió”, em determinada altura diz que o Alferes Sasso era o comandante do 1.º Pelotão, o que pode querer dizer que seria o Oficial Subalterno mais antigo, o que o colocava na posição de Comandante de Companhia Interino nas ausências ou impedimentos do titular.

Mortos em Campanha
Volume VIII – Tomo II - Livro 1 – página 152


MÁRIO HENRIQUES DOS SANTOS SASSO, Alferes Miliciano de Infantaria, número B-021663, foi mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 16, em Évora, para a Companhia de Caçadores n.º 728, tendo embarcado em 8 de Outubro de 1964 para a Guiné.
Era casado com Maria Graciete de Oliveira Simões Sasso e filho de Demóstenes João Sasso e Mara Margarida E. Santos Sasso, sendo natural da freguesia de Santa Engrácia, em Lisboa.
Faleceu em 05 de Dezembro de 1965, vítima de ferimentos em combate a 1300 metros de Bigene, no itinerário para Empada.
Os seus restos mortais foram inumados no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

Condecorações Militares atribuídas – Cruz de Guerra
Volume V – Tomo III – página 421


Medalha da Cruz de Guerra - 3.ª Classe (Título póstumo)
Transcrição da Portaria publicada na OE n.º 24 – 2.ª série, de 1966
Por Portaria de 15 de Novembro de 1966

Condecorado, a título póstumo, com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano Mário Henrique dos Santos Sasso, da Companhia de Caçadores n.º 728 – Regimento de Infantaria n.º 16

Transcrição do louvor que originou a condecoração.
(Publicado na OS n.º 54, de 02 de Julho de 1965, do QG/CTIG):

Louvado, a título póstumo, o Alferes Miliciano Mário Henrique dos Santos Sasso, da Companhia de Caçadores n.º 728, porque, em todas as missões de combate de que tem sido incumbido, demonstrou possuir muita coragem e valentia, aliadas a uma excelente preparação militar, espírito ofensivo, inteligência e energia.
Destaca-se a sua acção no decorrer de um contra-ataque que o Grupo de Combate sob o seu comando promoveu, em reacção a um assalto Inimigo ao aquartelamento, perseguindo-o e desalojando-o dos seus abrigos, destruindo-os e obrigando o adversário a refugiar-se nas matas.
Evidenciou muita coragem, decisão, serena energia debaixo de fogo e sangue frio que o honra frente do Inimigo

© Foto Google-earth. Direitos Reservados - Algumas localidades em que esteve, em quadricula e/ou operação, a Companhia de Caçadores n.º 728

Fichas das unidades - Guiné
Volume VII – Tomo II - página 335

Companhia de Caçadores n.º 728


Unidade Mobilizadora: Regimento de Infantaria n.º 16 – Évora
Comandantes: Capitão de Infantaria António Proença Varão, substituído pelo Capitão de Cavalaria Ramiro José Marcelino Mourato e posteriormente pelo Capitão de Infantaria Amândio Oliveira da Silva.
Divisa: Os Palmeirins
Partida: Embarque em 08 de Outubro de 1964
Desembarque em 14 de Outubro de 1964
Regresso: Embarque em 07 de Agosto de 1966

Guião da Companhia de Caçadores n.º 728 - Os Palmeirins

Resumo da Actividade Operacional

Após curta permanência em Bissau na dependência do Batalhão de Caçadores n.º 600, efectuando simultaneamente uma instrução de aperfeiçoamento operacional na região de Nhacra, com a Companhia de Caçadores n.º 413, iniciou, em 27 de Novembro de 1964, o deslocamento para o subsector de Cachil (ilha do Como), terminando a rendição da Companhia de Caçadores n.º 557 em 30 de Novembro de 1964, e ficando integrada no dispositivo e manobra do Batalhão de Caçadores n.º 619.
Em 22 de Setembro, foi rendida em Cachil pela Companhia de Caçadores n.º 617, sendo colocada em Catió, com a função de intervenção e reserva do Batalhão de Caçadores n.º 619 e depois do Batalhão de Caçadores n.º 1858 e simultaneamente do Agrupamento 1975, tendo actuado em diversas operações realizadas nas regiões de Gabjola, Nhai, Cadique, Catafine e Cabolol, entre outras.
Em 08 de Junho de 1966, foi rendida em Catió pela Companhia de Cavalaria 1484 e foi colocada em Bissau, a fim de colaborar na segurança e defesa das instalações e das populações, tendo colmatado a anterior saída da Companhia de Caçadores n.º 1566, no dispositivo do Batalhão de Caçadores n.º 1876.
Em 06 de Agosto de 1966, foi substituída pela Companhia de Caçadores n.º 1589 para embarque de regresso.

Outros Mortos da Subunidade:

José Gravancha Cachatra, Soldado Atirador n.º 908/64, Solteiro, filho de Diogo Raimundo Cachatra e Conceição Gravanha, natural de Ponte Velha, freguesia de Santa Maria de Marvão, concelho de Marvão. Faleceu vítima de doença, no dia 16 de Dezembro de 1964, no Hospital Militar Principal, em Lisboa, para onde tinha sido evacuado. Foi inumado no Cemitério de Santo António das Areias – Marvão.

Daniel Francisco dos Santos, Soldado Apontador de Metralhadora n.º 3671/65, Solteiro, filho de José António dos Santos e Gertrudes da Conceição, natural da freguesia da Sé, concelho de Évora. Faleceu vítima de ferimentos em combate, na região de Cabedú, no dia 3 de Janeiro de 1966, no Hospital Militar Principal, em Lisboa, para onde tinha sido evacuado. Foi inumado no Cemitério de Évora, sepultura n.º 42, quarteirão São Bruno.

Trabalho elaborado pelo Joaquim Luís Mendes Gomes, Alferes Miliciano da CCAÇ 728, e publicado no blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné, nas datas e postes indicados.

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo

Nota – Comentário do filho de um elemento do pelotão do alferes Miliciano Sasso.
João Felicidade disse...

Muito boa noite, sr. Luís Graça. Fico feliz por ler aqui, por muito pouco que seja, a historia da 728. Foi nesta companhia que o meu pai (Joaquim Guerreiro Felicidade) serviu durante 22 meses no 1.º pelotão sob o comando do alf mil Mário Sasso. Após, ele ter lido o artigo foi vê-lo a contar os seus 22 meses de campanha. Desejo-lhe uma boa continuação deste blog, que conta as histórias destes, últimos heróis do império.

2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo

Nota: Referencia ao Mário Sasso, comandante do 1.º Pelotão.
O Mário Sasso, um moçambicano (da Beira) radicado há uns bons anos, na boémia e no fado alfacinha, de Lisboa, era o comandante do 1.º pelotão.
Tinha feito um bom curso em Mafra e, por feitio, tinha de ser o melhor em tudo. Brioso, procurava ter uma conduta semelhante à figura. Quis ingressar nos comandos, mas o coração não lhe aguentaria o esforço.


20 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia

1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG

Nota: Referência ao Sasso, fumador e cantor. Os alojamentos.
O vigoroso Sasso, com a voz rouca, crestada pelo cigarro, em fornalha permanente, acompanhava-se à viola, nos fados alfacinhas; as desgarradas brejeiras do furriel Brás, embrulhadas, também, na sua viola inseparável; o corpulento sargento Gaspar exibia, pela centésima vez, as suas habilidades circenses, em mais um flic-flac; o espírito, até aí, oprimido dos soldados começava a despontar, natural e as distâncias artificiais da parada do quartel dissipavam-se, lentamente, sem detrimento do entranhado respeito pelos superiores.

Os primeiros dias foram intensos, sob a batuta astuta do capitão, para fixar o plano de vida e definir tarefas. A distribuição dos pelotões no espaço do quartel, ficou a mesma que a companhia 556 tinha fixado e bem. O critério era o do maior perigo. Dois pelotões do lado da mata, o do Sasso e o meu; do lado do cais, ficou o 3.º, do Gonçalves.


11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar.

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo

Nota: Da alegria ao choro.
O Sasso, por exemplo, percorreu todo o caminho da festança, com fados e desgarradas, e acabou numa crise de metafísica e pranto, aos meus pés.
- Eh! Gomes, não sabes como invejo a tua fé… Para mim, só vejo o nada e desespero à minha frente…


22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha

Nota: O Sasso canta o fado, antes da operação.
A maioria não se deitou, até à hora de partir. No Sete e Meio (1), a preocupação dos 3 alferes não era menor, apesar do disfarce dos trinados da viola a acompanhar a voz rouca do Sasso, nos fados da sua Lisboa amada, tão distante…

11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vítor Condeço)

29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez

Nota: O Sasso morre em combate.
Caminhou-se toda a noite; quando o dia começava a querer alvorecer, estávamos a atravessar a zona, crítica, de Dar es Salam [na carta de Cacine, Darsalam]. De repente, alguns tiros caíram sobre o pelotão que seguia na cauda da fila, comandado pelo alferes Sasso.

A resposta foi pronta e, depressa, tudo se calou. À frente, nada se tinha passado.

Só quando o dia nasceu e um helicóptero chegou, tivemos conhecimento de que o Mário Sasso tinha sido atingido com um tiro nas costas que lhe vazou o pulmão e coração. A esperança de sobreviver era pouca… e assim foi.


5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu

Completamos este trabalho, em memória de um camarada que não conhecemos, mas que se torna presente, porque participou num combate que não era o nosso, mas para o qual fomos enviados, sem nos dizerem porquê, nem perguntarem a nossa opinião, transcrevendo o post 2259, do Blogue Luís Graça:
12 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2259: Blogpoesia (7): Nas terras de Darsalam, no Cantanhez, adormeceste, para sempre, como herói, meu querido Sasso (J.L. Mendes Gomes)

Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Quartel > 1968> Foto 36 > "Um Pôr-do-sol visto do edifício do Comando na direcção à Porta de Armas e depósito de géneros".


Poema
Em memória do Alferes Sasso

por J.L. Mendes Gomes

Estou a ver-te,
no regresso:
Alto, esguio,
óculos escuros.
Fato claro, de corte fino.
Tão vaidoso,
pelas tardinhas de Domingo,
calçada velha acima,
até ao quartel
da velha Évora.
De braço dado,
num corpo só,
com tua moça,
formosa companheira,
boa,
das noitadas do fado,
castiço,
de Lisboa...
de ambos vossa amante.
Que encanto!

Parecíeis mesmo
um casal americano,
tranquilo e tão ufano,
pelo meio do casario branco,
do coração alentejano!...

Que alegria!...
Que vontade de viver
de ti transparecia
pela semana inteira,
de olhos presos
à tua amada!...

Eras sempre o primeiro:
nas paradas,
secas, militares
e nos crosses atletas,
sem parar,
pelas estradas ermas,
e sem fim,
de sobreiros tristes,
através dos montes
do Alentejo...

Nos desafios permanentes,
pronto e voluntário,
prós exercícios
mais malucos....
Que pavor!...
da maluqueira militar.

Ora endiabrado trepador
daquele palanque,
alto e estreito,
de cimento...
ora dependurado,
na vertigem alucinante
da corda e da roldana...

Nas caminhadas nocturnas,
por aquele mundo,
de eremitério,
prás emboscadas perdidas,
nas veredas, ao luar,
prós golpes de mão,
temerosos, traiçoeiros,
mesmo a fingir,
tu levavas tão a sério...

Que exemplo vivo,
de vontade louca
de viver
o dia a dia,
tu me deste,
sem saberes!...

Quiseram as sortes
pra ti malvadas,
levar-nos a todos,
p'rá Guiné!...

Que romaria e arraial
havia sempre
à tua beira!...
Com a viola e o acordeão!

Tua voz rouca,
bem timbrada,
a retinir,
os fados todos
de Lisboa,
tão saudosa...
fazia dó!
Encantadora companheira
nas noitadas solitárias,
do Cachil e Catió...

Como lembro
tuas horas de desespero,
que vivias,
tão sincero,
em filosofia permanente,
à procura do sentido
da nossa dor,
e nossa vida, sobre a terra...

Que sentidos
desabafos me fizeste,
nas vésperas
da tua hora derradeira,
tão a sós,
em noitada de cavaqueira,
tão fraterna,
num duelo filosófico
e porfia verdadeira...
olhos presos,
bem abertos,
às belezas de paraíso,
das escravizadas terras africanas
e ao futuro da vida
que tanto amavas!...

Como suspiravas
encontrar
o caminho certo,
iluminado
do viver...

Eis que
no alvorecer duma aurora,
de suave e fresca neblina,
quando o sol
nascia em liberdade,
a oferecer mais um dia
ao mundo
e à desavinda humanidade,

depois duma noite,
sem sentido,
inteirinha
a caminhar,
por entre matas densas
das terras de Dar es Salam...
adormeceste,
para sempre,
como herói...
no regaço
dos teus irmãos,
ali ao pé!...

Nunca mais te esqueceremos!...
Ó eterno amigo,
Ó companheiro
Sempre nosso!...

Até à vista!
Querido Sasso!...

Depois deste poema/homenagem, tudo o que se possa dizer, pode não ter sentido!

Pesquisa e organização de José Martins
5 de Outubro de 2009
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5077: Fichas de Unidades (5): História do Pelotão de Morteiros Nº 980 (José Martins)

Vd. último poste da série de 6 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5058: In Memoriam (33): Alferes Henrique Ferreira de Almeida, morto em combate em 14JUL68 em Cabedu (J.A. Pereira da Costa)

Guiné 63/74 – P5087: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (24): A camaradagem em tempo de guerra


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 24ª estória:

Camaradas,

Do meu baú de memórias lá retirei mais um texto, que com uns retoques consegui, creio eu, actualizá-lo, deixando-o à vossa consideração como uma Homenagem minha, pessoal, à nossa camaradagem de ex-Combatentes.

A CAMARADAGEM EM TEMPO DE GUERRA

A camaradagem na minha Companhia não foi diferente das outras. Formaram-se entre nós laços de amizade para o resto das nossas vidas, as más e as boas horas que nós passámos juntos, teriam que ter uma repercussão de irmandade e amizade para todo o sempre.

A recruta é apontada, por muitos, como a época mais difícil da vida militar. As novas rotinas militares e o rigor castrense traziam alterações profundas aos nossos hábitos, dificultam-nos a adaptação à nova vida como soldados.
Mancebos de todas as Províncias deste nosso país, chegavam aos quartéis com sacos às costas, onde levavam apenas utilidades essenciais ao uso rotineiro do dia-a-dia. Mostravam as suas guias e convocatórias, e iniciam a assim a incorporação.

A primeira semana era a pior de todas (digo eu). Tínhamos que nos habituar a tudo o que era novidade para nós. Os horários a cumprir, o uso do uniforme, as botas em vez de sapatos, novos Camaradas e Amigos, muitas bolhas nos pés, pernas cansadas de marchar e correr… enfim tudo era diferente.

Para recrutas com 20 anos, vindos a maior parte dos meios rurais e do operariado fabril, a grande maioria “sacados” às escolas, aos amigos e às namoradas, estas bruscas mudanças de “modo de viver”, eram, para muitos, cruéis e desumanas.

Valia-lhes o “desenrascanço” e a entreajuda dos seus novos Camaradas (que horas jamais haviam visto nas suas vidas), para superarem as suas ignorâncias, insuficiências e incapacidades.

Era nesta ajuda mútua que se iniciava a camaradagem militar, e se vincavam os laços de amizade que ficaram para a eternidade.

A disciplina militar que lhes era imposta pelos seus superiores, mais os conseguia unir e tornarem-se num espírito de corpo único, que, ainda hoje, é a maior virtude do Exército.

Acabadas as recrutas, juravam bandeira, e, seguiam para outras unidades especializando-se em várias “artes” castrenses, acabando, salvo raras excepções, em Unidades de Mobilização, onde lhe traçavam novos destinos para África, em rendições individuais, ou em formações de Pelotões, Companhias e Batalhões, e… Guerra do Ultramar.

Sempre conhecendo novos Camaradas e Superiores Hierárquicos, que com eles constituíam a sua “família” militar. Aprendiam a conviver e a depender exclusivamente deles próprios e do grupo (os seus Camaradas da Unidade), e a sobreviver, combater, rir, chorar, sofrer, dividir, comer, etc., em grupos de acção colectiva.

Quantas vezes, não estiveram os seus Camaradas, ali ao seu lado, para os confortar de desgostos, ferimentos, desânimos, cansaços, etc., sofrendo com eles os seus azares e infortúnios.

Marchavam para a guerra, imberbes e inexperientes, com uma única certeza, os seus Camaradas e Irmãos-de-Armas, eram a única “ilha” de salvação psíquica naquele “mar imenso e agitado de tempestades” traumáticas que lhes eram proporcionadas na Guiné.

Conheceram de perto as agruras da guerra, a sede, o suor, a lama, o pó, os estropiados, os feridos, a morte... Tudo isto viram, sentiram e sofreram.

Mas a camaradagem, essa ficou. Continua hoje imaculada nas suas mentes, sabendo que é graças a ela, com parte da sua sanidade e equilíbrio mental, vão sobrevivendo nesta outra “guerra”, não menos dura, que “eles” (aqueles que nós bem sabemos infelizmente), não compreendem, nem querem compreender, por total desinteresse pessoal, as suas razões.

As comissões eram cumpridas e compridas, mas eles mesmo assim conseguiram superá-las e regressar, não todos infelizmente, mas todos os que sobreviveram mantêm-se solidários e amigos, como nunca deixaram de o ser.

Ainda hoje essas manifestações de amizade se mantêm, entre os ex-Combatentes, comprovadamente pelos sucessivos momentos das inúmeras confraternizações e encontros, que são levadas a efeito pelo país fora, todos os anos.

Amizade e camaradagem não são palavras ocas, são também o espelho dos sentimentos de solidariedade e de lealdade que dedicamos ao próximo, resultantes da experiência da dobragem de vários conjuntos de dificuldades, que ultrapassamos em comum e nos permite actualmente comungarmos deste sentimento.

Passados mais de 40 anos deste conflito comum eis o que aprendemos:

O tempo passa,
A vida acontece,
A distância separa,
As crianças crescem,
Os empregos vão e vêem,
O amor fica mais frouxo,
As pessoas não fazem o que deveriam fazer,
O coração desgasta-se,
Os Pais morrem,
Os colegas de trabalho nos esquecem,
As carreiras terminam.

Mas, os verdadeiros amigos e Camaradas... estão aqui, não importa quanto tempo e quantos quilómetros nos separam… estão aqui… todos, ou quase, todos os dias.

Um Camarada nunca está mais distante do que ao alcance de uma… necessidade, torcendo por nós, intervindo em nosso favor, e esperando de braços abertos, abençoando a vida.

Nós sentimos e sabemos o que é precisarmos uns dos outros.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Legendas das fotos:
1 - J. Alberto - A banda de Mampatá
2 - O "comando" da CART 2519
3 - Camaradas até ao fim
4 - Até que a morte nos separe

Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5086: Convívios (168): XIV Encontro/Convívio Anual dos ex-Combatentes da Guiné, da Vila de Guifões – Matosinhos (Albano Costa)



1. Mensagem do nosso camarada Albano Costa, ex-1º Cabo da CCAÇ 4150, Cumeré, Bigene e Guidaje, 1973/74, com data de 9 de Outubro de 2008:




14º Encontro/Convívio Anual dos ex-Combatentes da Guiné da freguesia de Guifões – Matosinhos que, segundo as suas palavras foram uma freguesia e um concelho, de onde partiram muitos Combatentes, não só para a Guiné, como para as outras frentes da Guerra Colonial/Guerra do Ultramar.

Camaradas,

Dia 5 de Outubro de 2009, é sempre o dia eleito, desde o ano de 1996, para que os ex-combatentes da Guiné, da Vila de Guifões (Matosinhos), realizem o seu Encontro/Convívio Anual.

Este ano foi celebrado o 14º, na localidade de Pataias – localidade perto de Leiria.

Logo de manhã cedo, foi feita a formatura no centro de Guifões, seguindo rumo em dois autocarros com destino ao Santuário de Fátima, onde se fez uma paragem de cerca de 60 minutos, que cada um, sem programa, desfrutou a seu bel prazer.

Em seguida encaminhamo-nos para um restaurante na zona, onde almoçamos e aí passamos o resto do dia num ambiente habitual de sã e alegre confraternização, que incluiu uma tarde animada, com música ao vivo, que nós latinos muito gostamos e que fará sempre parte das nossa festas.

Estiveram presente 79 pessoas, 35 dos quais ex-Combatentes, pois a festa é também para os nossos familiares, confraternizando e recordando, um pouco, sobre o que foram os seus períodos de guerra, que quer se queira quer não, é sempre um momento alto destes convívios. Pelo meio, falou-se de tudo um pouco num ambiente, como atrás mencionei, imensamente salutar e de grande camaradagem.

De salientar que sempre esteve presente o nosso pároco local - Américo de S. Rebelo -, visto que também ele esteve na Guiné (como Capelãoo), bem como o nosso Presidente de Junta e sua esposa, da jovem Vila de Guifões, que amavelmente presenteou todos os participantes (um brinde a cada homem e uma rosa a cada senhora), o que muito nos sensibilizou.

Para terminar o folguedo foi cantado o Hino Nacional.

Um abraço,
Albano Costa
1º Cabo da CCAÇ 4150

Fotos: © Albano Costa (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 – P5085: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (17): Mina antipessoal


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 17ª história, com data de 8 de Outubro de 2009:


Mina antipessoal


Tinha amanhecido há pouco.

A patrulha estava marcada para as 06h00.

Os militares do 3º.Pelotão «aprontavam-se» para mais uma saída.

Iam «pró mato» sem o seu Alferes (Belmiro Tavares) que estava em Bissau.

O Furriel Figueiredo (de Monção) apareceu na «caserna» para «apressar» a malta.

O Soldado Nascimento (da região de Sarzedas) estava um pouco atrasado. Arrumou as cartas que tinha recebido no dia anterior e juntou-se à sua Secção .

Alguém dizia: «Porque é que esta porra desta patrulha há-de ser tão cedo. Ainda por cima está cá uma merda de um tempo!». 06h00 da manhã. Toca a subir para as viaturas.

O Alferes Mendonça deu ordem de partida e a coluna pôs-se em marcha.

Quem ficava no aquartelamento acenava aos que partiam e desejava «boa sorte».

Binta ficava para trás e havia que «pôr a bala na câmara».

Toda a gente o fazia automaticamente.

Ia-se «bater» a região de Banhima-Santacoto-Jongo com um grupo de combate (30 homens).

O dia estava muito nublado e de vez em quando chovia torrencialmente.

A coluna de viaturas avançava com dificuldade por causa da lama.

Alguém com piada dizia que já era de tempo de alcatroar aqueles caminhos...

Como fazer boas médias com as viaturas a atascarem-se a todo o momento...

Atingimos Genicó Mandinga e os homens do 3º Grupo de Combate apearam-se.

A coluna ficou-se por ali com os condutores e mais alguns homens para fazer a segurança.

Os militares apeados seguiram em fila indiana (bicha de pirilau) e, tocados pela chuva, atingiram com rapidez Banhima. Fez-se uma pequena paragem para retemperar forças.

Bebeu-se uns goles do cantil, quem tinha trazido farnel comeu alguma coisa, ajustaram-se as cartucheiras e ala para a frente que se faz tarde. Manteve-se o dispositivo – «bicha de pirilau» – e avançou-se em direcção ao objectivo. Próximo de Santacoto os homens da frente – os da Secção do Furriel Rodrigues Figueiredo – seguiram um trilho (que parecia recente) na beira esquerda do caminho.

A chuva fustigava sem piedade os militares.

Caminhava-se com esforço e em silêncio. Um estoiro inesperado surpreendeu toda a gente.

Houve reacção de alguns dos nossos que se deitaram para o chão e dispararam para a frente e para os lados. Quando se restabeleceu alguma calma deu para perceber que o militar que caminhava na frente estava caído. Junto a ele, no chão, parecia sair fumo de um buraco.

Rapidamente se percebeu que o soldado estava ferido e que tinha pisado uma mina anti pessoal.

O seu pé direito tinha desaparecido! O coto da sua perna mutilada era horrível de se ver.

Tinha calhado «a má sorte» ao soldado João Nunes Nascimento. O Cabo-Enfermeiro Pereira fez os primeiros socorros ao Nascimento e entrou-se em contacto, via rádio, com a coluna para se deslocar ao local o Furriel Enfermeiro Oliveira.

Fez-se um dispositivo de segurança à volta do ferido, cujo estado preocupava toda a gente.

O Furriel Enfermeiro chegou e conseguiu estancar a hemorragia com a aplicação de um garrote.

O soldado Nascimento estava em estado de choque. Não falava e estava muito agitado. As cores da sua cara eram difíceis de descrever. Estava lívido, cinzento e naquele local (e naquelas condições) dificilmente se conseguia fazer alguma coisa que aliviasse o seu sofrimento.

Pela primeira vez enfrentávamos as terríveis consequências de uma mina antipessoal.

Havia que evacuar o Nascimento com a maior urgência.

Contactou-se Binta para pedir um helicóptero.

A resposta que nos chegou passado algum tempo não foi nada animadora. Com o tempo nublado e chuvoso que se fazia sentir não poderíamos contar com o «heli» para a evacuação.

Embora o estado do ferido o desaconselhasse foi resolvido transportá-lo de viatura até Binta. Teríamos que fazer alguma coisa.

O caminho de regresso ao aquartelamento foi demorado e penoso. Cada solavanco da viatura que transportava o Nascimento era terrível para o ferido.

Fiz a viagem junto dele. Agarrava-lhe as mãos, limpava-lhe a cara e falava sem parar para o animar. O Nascimento piorava e a sua lividez era impressionante.

De vez em quando era preciso aliviar o garrote, o que parecia dar-lhe algum alívio, mas o seu tormento recomeçava quando este lhe era novamente colocado.

O tempo passava e nunca mais chegávamos a Binta.

Como é que iríamos conseguir a sua evacuação para Bissau?

Finalmente... o aquartelamento e... a boa nova que vinha a caminho uma avioneta para proceder à evacuação do Nascimento.

Ficámos logo na zona da nossa pista à espera do avião.

O Médico Dr. Barata tomou conta do Nascimento e todos que tinham lutado para o trazer até ali respirámos de alívio na esperança de que finalmente se conseguisse inverter a marcha dos acontecimentos.

Mas... tudo estava muito complicado.

Tinham passado mais de 3 horas e as bolandas em que tinha andado o Nascimento no transporte de Santacoto até Binta tinham deixado marcas. As artérias estavam colapsadas e não se conseguia aplicar soro, já que plasma nem pensar. Não o tínhamos no Posto de Socorros da Companhia.

Tentou-se um “desbridamento” junto ao pé esquerdo mas também não resultou. Em desespero de causa tentou-se a aplicação de soro por via intramuscular.

Chegou a «DO» a Binta.

Mais uma vez era o Sargento-Piloto Honório.

O que esse homem não conseguisse ninguém conseguia!!! Praticamente sem «tecto» tinha voado de Bissau até Binta em voo rasante, orientando-se pelo curso do Rio Cacheu.

Tinham passado 3 horas e meia desde que o Nascimento tinha ficado sem um pé ao pisar a mina A/P no trilho próximo de Santacoto.

Tinha-se utilizado no pedido de evacuação o código «Y», que corresponde a um ferido grave. Devia ter vindo com o piloto um enfermeiro. Veio um Cabo-Mecânico! Porquê?

Ninguém na altura o conseguiu explicar.

Transmissão errada de código ou, por o voo ter sido decidido pelo voluntarismo do piloto em cima da hora, tinha-se improvisado!? Não estaria por perto nenhum enfermeiro?

Junto ao avião o que se pretendia acima de tudo era evacuar com a maior urgência o Nascimento.

Foi-lhe aplicado um garrote dos «Fuzileiros», que o Furriel Enfermeiro tinha em seu poder. Era mais seguro e menos doloroso dos que os do Exército.

Sempre com o motor a trabalhar o piloto preparou-se para levantar e foi explicado ao Cabo-Mecânico, que o acompanhava, que deveria aliviar o garrote de 20 em 20 minutos ao ferido.

O Nascimento estava mal, muito mal, mas se chegasse vivo ao Hospital havia de escapar. No HM-241 faziam-se milagres!

Caramba depois de tanto esforço o Nascimento havia de safar-se.

Ficaria aleijado mas com uma prótese... tinha toda uma vida à sua frente.

Foi com estes pensamento que recolhemos «a quartéis».

Que sacana de dia 30...

Depois de uma noite agitada, onde a todo o momento me parecia ver a cara do desgraçado do Nascimento, fui ter com Médico na manhã do dia seguinte.

Fomos para o Posto de rádio para saber notícias do Hospital de Bissau.

Como estava o Nascimento!? A resposta foi brutal:

«O Nascimento morreu. Morreu com o Hospital à vista!»

Lembro-me de me ter agarrado ao Dr. Barata. Chorámos juntos, amargamente, a morte do Nascimento.

Daqui a uns dias seria a vez da família receber a notícia. E chorar!

Nunca mais esquecerei a morada do Nascimento que escrevi nos meus «apontamentos de guerra»: Casal Águas de Verão – Sarzedas – Castelo Branco.

Casal Águas de Verão. Um nome poético, bucólico, correspondente a um lugar, que nada tinha a ver com a guerra.

Mais uma vez nos tinha calhado «em sorte» ver um camarada de armas ceifado pela morte.

E... numa guerra todos os mortos são sempre demais!

NOTAS: A páginas 135 da RESENHA HISTÓRICO-MILITAR DAS CAMPANHAS DE ÁFRICA (1961-1974), 8º Volume –Mortos em Campanha, Tomo II Guiné -Livro I, 1ª. Edição, LISBOA 2001 está referido, em “linguagem oficial”, o seguinte:

João Nunes Nascimento
Soldado-Atirador número 2169/63
Companhia de Caçadores Nº 675
Unidade Mobilizadora: Regimento de Infantaria nº. 16 – Évora
Solteiro
Filho de João Nascimento e Augusto Nunes
Natural de Casal Água do Verão, freguesia de Sarzedas, concelho de Castelo Branco
Local de operações: Na mata entre Banhima e Santacoto
Data do Falecimento: 30 de Julho de 1965, no HM 241-Bissau
Causas da morte: Ferimentos em combate
Local da sepultura: Cemitério de Sarzedas

Legendas das fotografias:
1 - Saída de viaturas para o mato.Binta, 1965. Fotografia do autor.
2 - Militar ferido por mina anti pessoal “in Aniceto Afonso, Carlos de Matos Gomes, Guerra Colonial, Lisboa, Editorial Notícias, 2000, p.322”
3 - Evacuação em Dornier, in ibidem, p.322

Foto 1: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
Foto 2 e 3: Autorias indicadas (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5084: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (18): João Augusto Silva é meu tio (Pepito)

1. Mensagem do nosso tertuliano Carlos Schwarz "Pepito" (co-fundador e actual director executivo da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento), com data de 7 de Outubro de 2009:

Luís,
Vi hoje a observação do Beja Santos com a descoberta do João Augusto Silva*.
Fartei-me de rir com o facto, uma vez que ele é meu tio e deixou marca na sua passagem por cá. Tinha um sentido de humor fabuloso e eu tinha uma adoração especial por ele, até porque era muito parecido com o irmão mais novo, o meu pai. Tinha uma imaginação prodigiosa.

Teve uma vez um processo disciplinar por ter ido aos fagodes ao Consul francês que, num baile da UDIB, resolveu convidar a mulher para uma dança. A defesa dele (vem no Diário do Governo) é qualquer coisa de hilariante, em que ele, a certa altura, resolve justificar o acto pela defesa do bom nome de Portugal que estava a ser achincalhado por um subalterno francês. E arregimentou um grande numero de apaniguados e acabou ilibado!!!

Caçador de força, acabou por deitar fora a espingarda quando, no dizer dele, percebeu a humanidade dos animais selvagens.

Foi director do Zoo de Lisboa e começou a verdadeira reconversão desse espaço. É pai do conhecido professor João Medina e da minha prima Nicha que dele herdaram um fino humor e o de serem excelentes contadores de estórias.

Não resisti a enviar-te estas informações.
abraço amigo
pepito
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 deOutubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5069: Historiografia da presença portuguesa (22): África, da Vida e do Amor na Selva, Edições Momentos, 1936 (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4727: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (17): Agradecimento do Cassiano Costa, CCP 121 (B. A. 12, 1972/74) ao Pedro Neves

Guiné 63/74 - P5083: Agenda Cultural (32): Apresentação do livro Um Amor Em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

O nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), em mensagem do dia 6 de Outubro de 2009, enviou-nos, para conhecimento da tertúlia, o seguinte convite:


CONVITE

A Esfera dos Livros tem o prazer de convidar V. Ex.ª para a apresentação do livro "Um Amor em Tempos de Guerra" de Júlio Magalhães.

A obra será apresentada por Ana Sofia Vinhas e Vítor Serpa.

Dia 12 de Outubro às 18h30m na Sala de Convívio da Sociedade de Geografia
(Rua das Portas de Santo Antão, 100 - Lisboa)



OBS:- Em próximo poste, na série Notas de Leitura, o nosso camarada Beja Santos vai-nos falar de "Um Amor em Tempos de Guerra".
__________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5066: Agenda Cultural (30): Filme Fala de Mindjeris - Mulheres da Guiné-Bissau, Debate-Tertúlia (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5082: Agenda Cultural (31): Centro Eng Alvaro de Sousa, 13/10/09, às 15h00: A China de Ontem e de Hoje, por António Graça de Abreu

Amílcar Cabral com grupo de jovens combatentes, que receberam treino militar na China.


Grupo de mulheres [do PAIGC] em visita à República Popular da China, junto à Grande Muralha.

[Do chamado bloco comunista, a China foi um dos mais activos apoiantes do PAIGC, durante da 'luta de libertação', logo desde o início... Apoio militar, ideológico, sanitário, político, diplomático, financeiro... Mas, para nós, tugas, é difícil esquecer as temíveis granadas de RPG2 e RPG7, com caracteres chineses, que mataram muitos dos nossos camaradas... Os militantes do PAIGC dirão o mesmo das armas e munições, da NATO, que usámos contra eles... LG]

Fotos (e legendas): Fotografias Amílcar Cabral / Fundação Amílcar Cabral (2003) (Com a devida vénia...)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Fitas (ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763, Os Lassas, Cufar, 1965/66, e alentejano de múltiplos talentos e saberes) (*)


Assunto - Da Guiné à China

Luís, como este evento se vai efectuar no Centro onde dou Pirogravura, envio notícia para os tertulianos aqui da zona do Estoril... Se quiserem estar presentes, podem fazê-lo, basta informar-me para para o meu e-mail mariofitas@gmail.com (por questões de logística, de sala e estacionamento).

Um AB

Mário Fitas

Palestra: A China de Ontem e de Hoje, por António Graça de Abreu


Programa:

Dia 13 de Outubro de 2009
às 15h00
no Centro Eng. Álvaro de Sousa
Estoril (**)


2. Informação do Mário Fitas:

O Centro Engenheiro Álvaro de Sousa está situado na R Engenheiro Álvaro de Sousa nº 51, Estoril. (Denominado quinta e edifício Monserrate). É a segunda rua paralela ao Casino, do lado poente.

O edifício foi legado pelo Banqueiro Álvaro de Sousa para utilização dp pessoal bancário através da Fundação dos Sousas. Foi intervencionada pela Segurança Social. É pois uma complicação de detentores porque, sendo propriedade da Fundação dos Sousas, é intervencionada pela Segurança social e o edíficio classificado pelo IPAR.

Em funcionamento neste momento, é um género de IPSS com associados, pagando as suas quotas, conforme o valor do seu IRS.

Pode ser sócio do Centro qualquer pessoa com mais de 18 anos.

O Centro funciona com 33 ou 34 (de momento não posso precisar) ateliês e actividades culturais que vão desde a pintura a óleo e porcelana, desenho e cerâmica à pirogravura, arraiolos e estanho.

Em termos culturais, temos: (i) Línguas: Inglês, francês, italiano e espanhol, em diferentes graus; (ii) Grupo etnográfico, grupo vocal e instrumental Monserrate; (iii) Tem ginástica, yoga; (iv) Estudo das Religiões, estudo da Bíblia...

É tanta coisa que já me perdi! Ah!, e ainda tem um grupo de danças palacianas...

Luís, desculpa ir uma explicação um pouco esfarrapada, mas de momento é o que me ocorre.

Um AB,

Mário Fitas

P.S. - Como pertenço à comissão de sócios, falei com a Directora do Centro, e cravei o António Graça de Abreu [, aqui na foto, à esquerda, com a esposa, médica, chinesa, numa das suas frequentes viagens à República Popular da China, e ] que foi extraordinário em se disponibilizar, em voluntariado, para este evento.

É que nós, quando conseguimos apanhar conferencistas (quem sabe se Saúde Pública não dava também, será que se pode ir pensando no assunto?) lançamos a escada e geralmente temos sorte.


_____________


Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4834: Parabéns a você (19): Mário Vicente Fitas Ralheta, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 763 (Os Editores)

(**) Vd. último poste de 9 de Outubro de 2009> Guiné 63/74 - P5081: Agenda Cultural (30): Apresentação do livro Um Amor Em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5081: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (6): O Primeiro Bonzinho

1. Mensagem de Hélder Sousa* (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Setembro de 2009:

Caros Editores

Já faz algum tempo que tinha intenção de vos enviar esta história para a colocarem no Blogue se acharem interessante.

Demorei este tempo porque tentei arranjar algumas fotos que pudessem acompanhar o texto mas a verdade é que não tenho mais nada agora. Por isso, se quiserem utlizar algumas das que já aí têm, à vontade!

Um abraço
Hélder Sousa


O Bonzinho

Como de costume, são várias as fontes que fazem lembrar certas passagens nos idos anos da Guiné.

Este caso também não foge à regra. A lembrança destes pequenos episódios vem por diversos motivos: seja a sempre cantada diferença entre os milicianos e os profissionais, sejam os actos irreverentes da juventude, seja a irracionalidade de muitas decisões em tempo de guerra, sejam ainda outras questões que igualmente se tem aflorado no nosso Blogue.

Desta vez lembrei-me do Bonzinho….

Quem era o Bonzinho? Bem, era um 1.º Sargento, cujo nome não me consigo lembrar, se é que alguma vez cheguei a saber, homem afável, já de certa idade (é sempre bom dizer isto quando não se sabe ao certo) bastante mais velho do que nós, jovens na casa dos 23, 24 anos, que tinha sido prisioneiro na Índia e que os serviços do Exército acharam por bem colocar na Guiné, nas Transmissões, no ano de 1971, algures aí por Agosto ou Setembro.

Pois o nosso Bonzinho foi alojado num dos três quartos da casa anexa ao Centro de Escuta, onde eu e outros Furriéis vivíamos e desenvolvíamos a nossa ocupação e logo fez notar as suas características: pessoa extremamente afectada psicologicamente, carente da família (estava ausente e creio que foi assim até ao fim), dependente de muita medicação, desejoso de congregar amizades e apoios, de carácter afectivo, profissional e social, mas sempre de uma correcção exemplar e de uma exagerada bonomia, daí alguém o cognominar de O Bonzinho, já que quase sempre colocava aquele jeito, aquela postura que costumamos associar aos sacerdotes, de mãos postas e meneando a cabeça ao falar, quase num sussurro.

Pois, como é de calcular, dado o meu feitio, acabei por ser um dos apoios morais do nosso Bonzinho, quase um confidente, e isso levou-me a entrar num jogo que hoje não me dá particular orgulho. Consigo levar o meu comportamento à conta da juventude, da sua irreverência e também à conta do clima que se vivia.

A coisa era simples e consistia numa pergunta que eu fazia invariavelmente todos os dias de manhã, mal via o Bonzinho, à guisa de cumprimento, repetida exaustivamente durante meses.

Colocava o meu ar mais sacaninha e perguntava:

- Então, meu Primeiro está melhorzinho hoje?

E a resposta, infalível, invariável em todas as vezes que perguntei, sempre com a mesma tonalidade, a mesma teatralidade, as mesmas ênfases, os gestos repetidos e colocados nos momentos certos, como numa peça, era:

- Oh bigodes! (Era assim que ele se referia a mim, por na ocasião ser portador dum bigode tipo António Matos). Isto é uma colite espasmótica de origem nervosa (dizia com ar beatífico e sofredor, inclinando a cabeça levemente para a direita), o cólon dilatado, sabe? (aqui abria mais os olhos e acompanhava com um menear afirmativo), não tem cura! (agora o menear era em negação).

Seguia-se a minha réplica:

- Ahhh!

E pronto, no dia seguinte, e no outro e no outro e no outro, a mesma pergunta, a mesma resposta e a mesma reacção… coisas de apanhados

Mas para terem uma ideia mais aproximada de como era o Bonzinho conto mais duas.

Um dia estava a passar no corredor e do quarto dele chegaram uns lamentos, uns soluços. Perguntei o que se passava, se estava doente ou se precisava de alguma coisa, mas vi que estava com o correio na mão e cheguei a temer que fossem más notícias. Disse-me ele então:

- Oh bigodes, a minha família, a minha família, não gostam de mim! Olha para o que a minha filha me escreve!

Tive alguma relutância em aceder a ler mas lá lhe fiz a vontade. E o que é que dizia a carta, que eu entretanto comecei a ler em voz alta?

- Paizinho, gostamos muito de saber que vai bem, que a sua saúde se tem mantido, que está mais ambientado mas, por favor, não necessita ser tão pormenorizado…..

Aqui ele interrompeu-me para dizer:

- Estás a ver, estás a ver?, não querem que eu escreva!.

Disse-lhe que não era isso que parecia, que talvez eles não tivessem muito tempo por causa do dia-a-dia e que umas quantas linhas chegariam…

Aí ele saca da carta que estava a escrever (já ia na 4.ª folha…), dá-me a ler, dizendo:

- Achas que é muito pormenor? - E vi o seguinte:

- Hoje, levantei-me às 6.50, fui fazer o meu serviço, que bastante me aliviou (não esquecer a colite espasmótica!) e depois fui novamente deitar-me. Às 8.00 levantei-me outra vez, tomei os comprimidos do jejum, fui tomar banho e fazer a barba. Antes de sair para tomar o café tomei a ampola e os comprimidos amarelos….

Bem, a coisa continuava com este tipo de relatório datado e circunstanciado e aí eu disse-lhe:

- Oh meu Primeiro, talvez fosse suficiente, para não preocupar a sua esposa e a sua filha, que lá longe não lhe podem valer, que o meu Primeiro escrevesse a dizer que vai bem, que se alimenta bem, que toma a medicação toda, que se tem divertido, que tem amigos, etc. e sem escrever este tipo de relatório que elas não percebem…

A sua reacção foi:

- Achas?, então tá bem!

Uma outra faceta que vos pode ajudar a perceber o Bonzinho tem a ver com o facto, acho que bastante corriqueiro, de cantarolar enquanto fazia a barba, de porta aberta, partilhando com todos os seus dotes canoros.

Tinha essencialmente três músicas no reportório. Uma não me consigo lembrar, mas era menos relevante.

As outras duas eram… “Avé, avé, avé Maria, Avé, avé avé Maria. A treze de Maio, na Cova da Iria…” e por aí fora e a outra, está bem de ver, era … “Heróis do mar, nobre Povo, Nação valente e imortal….”.

Para esta última, o meu camarada Nelson Batalha, de quem já falei, sempre que saía de serviço do turno da noite e ia dormir, costumava aparecer em cuecas e em sentido pedindo:

-Oh meu Primeiro, pare lá de cantar o Hino porque sempre que o oiço tenho que me colocar em sentido e assim não consigo dormir…

Bem, acho que já deu para entender como era o Bonzinho. Um homem bom, um bom homem, apanhado pela voragem da lógica da guerra, colocado junto de jovens que também teriam as suas pancadas.

Mais uma vez realço que isto não tem nada a ver com o dramatismo das situações passadas lá longe, no Vietnam mas, já que se está a tentar montar o puzzle da memória dos tempos de guerra, estes eram aspectos humanos que certamente também devem contar.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil
Transmissões TSF

Hélder Sousa, O Bigodes

Foto editada por CV


Nesta foto, Hélder Sousa com os camaradas Fernando Roque e Nelson Batalha

Fotos: © Hélder Sousa (2008). Direitos reservados.

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5053: Agradecimento colectivo ao ilustre grupo de amigos do Blogue (Hélder Sousa)

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4474: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (5): Os meus livros