segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7239: Memória dos lugares (110): BII 19, Funchal (José Vermelho, ex-Fur Mil, CCAÇ 3520, Cacine; CCAÇ 6, Bedanda; CIM, Bolama, 1972/74)








Região Autónoma da Madeira > Funchal > Alguns dos belos painéis de azulejos que existem espalhados pela cidade. Estas são imagens de 2005...Em contrapartida, não tenho nenhuma do BII 19, unidade mobilizadora de muitas companhias (ditas madeirenses) que estiveram no TO da Guiné. Faltam-nos memórias do BII 19 (e do Funchal)... Convidam-se os nossos camaradas que por lá passaram a colmatar estas lacunas... Felizmente temos agora o J.L. Mendes Gomes a evocar os tempos, já longínquos (1963), em que por lá passou... Mas também o José Vermelho (1971).

Fotos: © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. 



1. Comentário (*) do nosso camarada José Vermelho (que aqui reproduzo, enquanto aguardo a concretização do meu convite pessoal para ele integrar a nossa Tabanca Grande; na foto à esquerda, ele está de T-shirt às riscas, com o seu e nosso camarada Vasco Santos, em convívio recente do pessoal da CCAÇ 6, Bedanda)

Caro Mendes Gomes: Que delícia de relato. Mais uma vez reavivas as memórias que guardo das 2 vezes que aportei à Madeira a bordo do paquete Funchal. 

Há, no entanto, uma diferença bem grande no que diz respeito ao BII 19. Estive lá de Julho a Dezembro de 1971 e, felizmente, não o conheci com as instalações que descreves mas sim já com novas instalações, perfeitamente adequadas ao fim militar a que se destinavam. Ficava a meia encosta e estava rodeado por campos e bananais.

Voltei lá no ano passado, 38 anos volvidos, para o Almoço anual da minha companhia e que decorreu no quartel. Tivemos honras de 2º Comandante, toques militares, e uma 2ª Sargenta (?), mestre de cerimónias e de refeitório (mas que senhora militar...No nosso tempo não havia Sargentos daqueles). Que emoções!

Afinal desviei-me do tema. Era só para dizer que os campos e os bananais à volta do BII19... desapareceram!!! Agora é só casas e mais casas a toda a volta.

Ah! e desculpa lá, mas o espada preto e o atum gaiado dispensava-os bem, na altura.

Espero novos textos teus. Um abraço para ti, extensivo a todos os camaradas

José Vermelho

Ex-Fur Milº
CCaç 3520 - Cacine
CCaç 6 - Bedanda
CIM - Bolama

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de  8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7238: Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (4): O Funchal era uma festa...

Guiné 63/74 - P7238: Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (4): O Funchal era uma festa...

1. Continuação da série Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (*). Autor: Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, repartindo actualmente o seu tempo entre Lisboa, Aveiro e Berlim e, por fim, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Como, Cachil e Catió) nos anos de 1964/66 (**).


Oficial e cavalheiro (4): O Porto Santo ao longe

Pouco depois de amanhecer, já corria que mais um pouco e a ilha do Porto Santo se iria ver. A manhã estava transparente em todos os sentidos.

O bombordo era o lado preferido de todos os madrugadores. Com os olhos postos ao longe, já se sentia necessidade de ver terra firme para quebrar o primeiro e natural acesso de monotonia. Um vulto mais escuro começou a divisar-se, longe, para a frente do barco, a estibordo, a sair, lentamente, da superfície imensa do mar.

Mais um pouco e um grande lagarto se estendia matreiro e preguiçoso, de areias refulgentes sob o dorso, mais o filhote soerguido, ali, ao pé. Lentamente, foram ficando para trás, sem se esconderem de novo, curiosos. Cada vez mais pequenos.


Agora, era um grupo de vultos ponteagudos que iam avançando para o ar e crescendo em tamanho para os lados mais baixos, esverdeados, a descer em grandes rugas pedregosas, até à tona das águas, rendilhadas de brancura. Com a ajuda de binóculos, tão na moda, pudemos antecipar a visão do que pouco depois se alcançava a olho nú. Encostas serranas, bravias e muito alcantiladas, vestidas de verde, a rigor, pareciam tapar qualquer hipótese de ser animado. Um ermo, como era quando a frota do Gonçalves Zarco [c. 1390-1471] lá chegou, séculos atrás [vd. foto da estátua, no Funchal; estátua da autoria de .

Os primeiros barcos a motor, quais formigas brancas, atrevidas, surgiram no horizonte das águas, a dar-nos as boas-vindas e ficaram a rodopiar à volta, sem esforço e destemidos, até ao termo. Um pouco mais adiante ia abrir-se o deslumbramento inesquecível. Uma mancha salpicada de casas brancas e telhados vermelhos, disseminadas, sem regra, pelas encostas ao sabor da mais pequena reentrância natural da encosta, estendia-se cada vez mais densa, desafiando o alcantilado das serras; aqui e ali era o cocuruto de uma igreja que parecia desafiar as alturas da encosta, vigilante das bem contadas ovelhas do seu redil; veredas estreitas serpenteavam por entre aquele casario, orladas de mil flores refulgentes de cor; uma maviosa sinfonia de beleza perfumava e fascinava o nosso olhar boquiaberto.

Apetecia saltar sobre as ondas mansas e correr para aquele pedaço de terra escondido atrás do mar imenso e sem fim. Não demorou muito e o barco, já habituado, entrava docemente num recanto pacato, que fazia de salão de visitas, duma cidade viva e gaiata, a estender-nos os braços acolhedores. Insensivelmente, dei comigo a apertar-me as carnes, procurando provar que tudo aquilo não era um sonho divinal.

O ar, fresco e rico entrava por nós dentro, inebriando-nos dos perfumes da terra, nunca antes saboreados. O imenso quadro polícromo que se desdobrava diante de nós não podia ser mais harmonioso. O fortim secular, altivo e muito bem colocado a meio da encosta foi o primeiro a arrrebatar os meus olhos. Fez-me imaginar as repetidas escaramuças com os visitantes predadores daquele éden, vindos das brumas das águas. A torre da Sé [v. foto acima] erguia-se afável do seio do casario por ela abençoado. As ruas cercadas de frondosas ramagens sulcavam toda aquela metrópole, misto de sabor ocidental e africano, buliçosa nas gentes e nos carros automóveis e, ainda, puxados a bois…

Uma vontade enorme de sair nos invadia e arrebatava. Tivemos de esperar desensofridos as formalidades da ordem. De novo, um carro militar nos aguardava atento e nos trouxe, depressa, para o B.I.I.19 [, Batalhão Independente de Infantaria nº 19], bem dentro da cidade. Depois foi o primeiro contacto com as pessoas já habituadas à surpresa dos recém-chegados. Em cada momento que passava, inflamava-se e acescentava o nosso contentamento, geral e irresistível.


Oficial e cavalheiro (5): O Quartel do B.I.I.19

O carro militar que nos transportava, saíu da rua que contorna o porto e entrou no seio da cidade. A abundância de árvores e jardins, com sabor verdadeiramente tropical e a predominância abundante, de turistas nórdicos, refastelados pelos bancos públicos e nas amenas esplanadas, os grandes e festivos paquetes cor de rosa, de tamanho duplo do nosso Funchal, tornados verdadeiros hóteis flutuantes a bordo, encostados ao cais, foram as primeiras notas de que tínhamos chegado a uma terra, diferente, cheia de encanto, quase irreal.

Subimos por uma rua estreita, à esquerda e parou-se ao meio de muro elevado, bem rentinho àquela. Um militar avançou da guarita e começou a mover a espingarda, que segurava diante de si, em jestos de braços e pernas, decididos e respeitosos. Uns 3 ou 4 vieram, de dentro, postar-se a seu lado, perfilados, também com a arma no ombro, altivos. O carro entrou pelo portão, para uma parada de aspecto sombrio e pardacento.

A primeira sensação foi de pobreza e acabrunhamento, perante as diversas entradas que davam para aquela parada, tosca, de terreiro de pedras negras e irregular. A porta larga que dava para uma cozinha térrea, com cobertura a verem-se os caibros do telhado, enegrecido e gordurento pelo fumo que saía das bocas do fogão gigante e das panelas enormes, os tanques rudes de cimento, junto à parede, para lavagem de todas as loiças e talheres de alumíneo do batalhão, os cozinheiros e seus ajudantes, destacados, por missão ad hoc, com os barretes brancos sujos, nas cabeças e tamancos de madeira engordurada.
Um quadro sombrio que, na metrópole, nos faria remontar à idade média… A adaptação pareceu-me impossível, mas estava muito enganado. Outra porta dava para a oficina dos carros da tropa, em modelos antiquados, com muitos milhares de km a mais que os previstos na origem. Ferramentas ultrapassadas, com muito recurso a cordas e muito madeirame encardidos pelo óleo queimado. Outro quadro de oficina muito recuada nos tempos, já muito ultrapassados no continente.

E o lugar para instrução? Aquela parada seria necessariamente pequena para um batalhão. Outra surpresa. Entrava-se por um túnel interior, coberto pelas instalações dos serviços administrativos, militares, salas de oficiais e sargentos, alguns gabinetes; descia-se para um primeiro terreiro interior, ao jeito do claustro conventual, que fora, outrora, cercado de uma beirada de telhado protector nas alturas de chuva, rara; desse terreiro, passava-se, sucessivamente, para mais dois, com a mesma configuração.

Era neles que toda a instrução militar dos vários pelotões se tinha de desenrolar, com muita improvisação. Alguns soldados de aspecto um tanto desalinhado cirandavam por ali. Olharam-nos com um ar nublado de inesperada timidez. 

Fomos levados para a sala de oficiais, depois de percorrermos um corredor e subirmos umas escadas em madeira já muito gasta e empenada. Um pequeno bar, despretensioso, mas com uma óptima esplanada com vista sobre a encosta verde da cidade, servido por um magala mais aprumado. Umas mesas e cadeiras espalhadas. Revistas e jornais com atraso de alguns dias, ao dispor. O transporte do continente ainda era feito apenas pelas carreiras marítimas regulares.

O aeroporto era, ainda, um sonho ou um projecto em concurso. Lembro que as terras de Santa Catarina ou do Paúl da Serra eram as duas hipóteses em confronto. Os camaradas mais antigos começaram a chegar e a meter conversa connosco. A maioria era madeirense e formada por ex-seminaristas do Funchal. Eram uns senhores, para o círculo apertado da cidade. Tinham gozado das bênçãos da venerada herarquia clerical; disfrutavam, agora, das não menores que a farda militar, ali, lhes oferecia. 

Nós beneficiámos, logo, daquela honra acumulada. A nossa chegada até teve honras de notícia, com os nomes e categorias, nos jornais do dia seguinte. Fomos chamados ao gabinete do Comandante do Batalhão, um coronel, já de idade madura, ali, habilmente, acoutado pelas hostes continentais, para cumprimentos de boas-vindas.

Foi agradável e cerimoniosa a recepção. O alojamento tinha de ser custeado por nós, num dos quartos que as gentes do Funchal estavam habituadas a dispensar aos oficiais de passagem. O custo era reduzido, mas a nossa mesada era um suplemento que lhes sabia bem. Eu, o Gomes e o Gonçalves fomos parar a casa de uma solteirona, solitária, com mais de 50 anos, de olhar matreiro… Só dormir e roupa lavada. Andava por lá um cinquentão, vigilante…

As portas estavam à nossa conta. O almoço era por conta da tropa. O jantar era pago, com preços firmados, na hora, pelo antigo cozinheiro, de voz rouca, de um navio mercante. O que pagávamos constituía o bom engodo ara o manter ao seviço na cozinha. Ainda hoje me lembro dos saborosos filetes de espada preto e de bifes de atum, como nunca mais provei.

Os primeiros dias foram para conhecer os bares, cafés, ruas e costumes da cidade, em uniforme militar, como convinha. O café Apolo, com uma boa esplanada, ali juntinho à velha Sé, não podia ser mais acolhedor e melhor situado. Visita diária obrigatória para a nata do Funchal. O Sunny-Bar, na formosa Avenida do Mar [, e que ainda hoje existe]. A rua de Fernão Ornelas, a mais recheada de montras e de comércio, exótico, fervilhante.

O mercado dos lavradores [, foto à esquerda, pormenor de azulejo], mercado municipal, pegado àquela artéria central, onde vinham desaguar as suculentas hortas do campo, em fruta tropical, flores e tudo o mais. O terreiro, ladeado de uma protecção simples, em tubos de ferro forjado, saído da avenida do mar avançava uma centena de metros pelas águas do porto dentro. Era o festivo ponto de encontro de toda a gente, especialmente, no final da tarde e noite dentro. Ponto de mira para as longínquas desertas, erguidas sobre as águas azuis do oceano e, sobretudo, para a vista total da cidade que se estendia mansamente, pelas encostas íngremes da serra, exposta num abraço largo, de beleza surpreendente.

Para as pessoas do Funchal, um passeio descontraído por estes recantos, à mistura com os turistas sempre renovados, sobretudo, pelos regulares paquetes nórdicos, era uma necessidade diária e embriagante.O liceu, as escolas particulares e uma superior de música refrescavam, de juventude, de costumes ainda bem controlados, toda a vida da cidade.

Os carros turísticos de bois, engalanados como os seus boieiros e ajudantas, com as cores garridas das vestes típicas, iam semeando de aromas odorosos, bem tolerados, as lajes escuras das artérias principais. Os jardins recheados de árvores tropicais e abundantes flores exóticas.

O de Santa Catarina, de vegetação luxuriante e labiríntica, lá ao cimo da avenida do Infante, sobranceiro ao porto e à cidade, a dar saída para a Câmara de Lobos, o centro piscatório mais próximo; o da Senhora da Esperança, de vegetação densa e cheio de chafarizes a irradiar frescura, mesmo no coração do Funchal.

As duas ribeiras íngremes a escorrer da serra, cobertas por um manto de verdura e flores constantes, cortando as ruas da cidade, até ao mar. As bordadeiras coloridas, a laborar em bancos pequenos, em plena rua, à vista curiosa de quem passava.

As esquinas da Sé e da fortaleza central eram embelezadas pelas vendedoras de formosas orquídeas, tecidas pela mão da natureza, em veludo natural, desenhadas em linhas de traço impecável. O Funchal era uma festa rija e permanente. O trato das gentes era doce e afável, mas envolvido numa subtil resignação, oculta e insular. Tal como a musicalidade da sua voz e o falar entoado e castiço. Difícil de entender, nos primeiros tempos.

 

[Continua]

[ Revisão / fixação de texto / selecção de fotos / título:  C.V.]

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Notas de C.V.:

(*) Vd. último poste da série > 15 de Outubro de 2010


Guiné 63/74 - P7131: Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (3): Oficial e cavalheiro: Cruzeiro até à Madeira, no paquete Funchal






(**) Vd. postes da série Crónica de um Palmeirim de Catió:

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo

2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo

20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia

1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG

11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha

11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)

29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez

5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu

domingo, 7 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7237: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (4): Páginas de um diário quase improvável, antes de viajar para a Guiné (2) 31 de Outubro

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
Não sei se não estou a ir por um caminho perigoso nestes preparativos de viagem.
A verdade é que se já instalou alguma confusão entre a realidade e a ficção. Mas este mapa existe, encontrei-me de facto com o Sousa Pires e até estou a ler o André de Faro. Mas preferia ter a imaginação mais solta e preparar-me para as pessoas e locais que não visito há décadas, conhecer até as pessoas que me procuraram aniquilar. Vamos ver.

Um abraço do
Mário


Operação saudade 2010 (4)

Páginas de um diário quase improvável, antes de viajar para a Guiné (2)

Beja Santos

31 de Outubro

O furriel João Sousa Pires foi um dos meus mais dilectos colaboradores, tanto no Cuor como em Bambadinca. Não só me ajudou nas idas a Mato de Cão, como, sobretudo ao nível das entediantes fainas administrativas, foi um leal arrimo na logística e na pagadoria. Quando comecei a escrever os meus diários sobre a comissão militar, contei novamente com a sua devoção e solicitude. Encontrávamo-nos na Livraria Barata, ao fim da tarde. Agora, surpreendi-o completamente com a nova viagem à Guiné. E voltamos a encontrar-nos na Livraria Barata. Trazia-me um presente, uma carta da Guiné datada de 1933, reedição do Instituto Geográfico do Exército. É espantoso como aquela região se transfigurara em 30 anos. Como é natural, fixei-me na região do Cuor e na de Bambadinca. Coisa estranha, o Cuor aparece com o nome de Gufié e as povoações mais importantes eram Sambelchior ao pé de Enchalé. Mais acima, no que é hoje o Cuor, destacam-se os nomes de Sambel Nhantá e Caranqué Cunda. Ao fundo, Aldeia do Cuhor. Na região de Bambadinca, a maior parte dos nomes das povoações são irreconhecíveis. Mas aparece o Xime e Chitoli. Há pouquíssimas estradas, o Cuor até à região do Oio só tinha picadas. Será que estas disparidades em nomes das localidades não foi um puro delírio do geógrafo e dos topógrafos? É facto que na documentação que eu consultei sobre o Cuor se referia a importância de Sambel Nhantá e Caranquecunda, na campanha militar de 1908 aparecem claramente mencionadas, Infali Soncó viveu em Sambel Nhantá (que eu visitei, na carta geográfica aparece com o nome de Sansão, em 1968 só havia vestígios de algumas hortas do passado) e em Caranquecunda ficaram os soldados macuas e do regimento de infantaria de Bragança.

Vi-me em apuros para identificar alguns dos locais por onde andei e aonde quero voltar. Embora esteja datado de 1933, muito certamente este mundo era muito mais anacrónico, deviam ser dados ainda do século XIX ou até anteriores.

O Pires voltou a um dos assuntos que sempre abordou com entusiasmo nas nossas conversas: a pobreza de instalações de Missirá, aquele absoluta falta de conforto onde, sobretudo depois dos grandes incêndios de Março de 1969, fomos pondo solidez, segurança e habitabilidade. O Pires nunca entendeu a ira do Spínola e do Felgas quanto ao estado do quartel, aquilo era mesmo uma tabanca onde, pela força das circunstâncias, se tinham incrustado algumas instalações militares. Encolhi os ombros, tenho essa perplexidade já resolvida, nunca aceitei pôr a população em gueto, tanto mais que a generalidade dos soldados tinha ali as suas famílias.

Gosto muito desta fotografia: tinha feito 24 anos, nascera um dia cheio de sol, o que parecia ser uma simples coluna de abastecimento transformou-se numa viagem até ao Enxalé, cuja estrada estava fechada ao trânsito há cerca de dois anos. Estou de braço dado com Djassió Soncó, recentemente falecida. Aliás, dos 4 desta fotografia sou o último dos vivos.

À despedida, mostrei-lhe a fotografia que ele me tirou, de braço dado com Djassió Soncó, a mulher do irmão do régulo, com o Trilene ao fundo. Não havia que enganar, no verso da fotografia consta o nome Foto Pax, Beja, foi ele que mandou revelar, veio de férias. Lembrava-se da odisseia daquela ida a Mato de Cão com viagem até ao Enxalé, para muita fúria do pessoal guerrilheiro em Madina, que há cerca de dois anos não via aquela estrada frequentada por viaturas.

À noite voltei a arrumar papéis. Descobri uma fotografia que logo separei para juntar aos materiais que têm a ver com a minha estadia em Ponta Delgada, entre 1967 e 1968. Era o juramento de bandeira, perto do Natal, não havia altifalante, bradei aos céus pelo megafone. No verso, envio uma saudação natalícia à minha querida Mãe, agradecendo tudo o que ela tinha feito por mim.

Estamos perto de Natal de 1967, impontaram-me o discurso do juramento de bandeira daquela recruta, no Batalhão de Infantaria Independente, n.º 18. Voltei lá em Julho deste ano, aproveitei uma viagem de trabalho para ir vasculhar elementos para o meu livro. Esta estrutura foi ligeiramente alterada, mas mesmo assim é ali que têm lugar as sessões solenes da unidade.

traquitana, no porto de Bissau, quase houve um acidente terrível, partiram-se as cordas e uma das caixas entrou no batelão de chofre, o David Payne escapou por um triz. São insignificâncias, mas são as minhas insignificâncias, naquelas caixas seguiam o que eu tinha de mais precioso, os livros comprados ou oferecidos, a mais doce das companhias. Ainda hoje o Cherno me fala nas cinzas da minha morança. Eu repondo-lhe: “Não foi assim tão mau, ainda lá achei uma moeda de prata de 20 escudos, que mais tarde dei à minha filha”.

É muito estranho o modo como eu estou a preparar este regresso à Guiné, mistura a todo o momento o que estou a escrever para o livro com as notas das missões a que me proponho. A “Peregrinação de André de Faro à Terra dos Gentios” é a história, mal comparada, de um aventureiro tipo Fernão Mendes Pinto que andou pelas terras da Guiné, isto no tempo da regente Luísa de Gusmão. Esta peregrinação será escrita no hospício de Cacheu e o caderno manuscrito, datado de 10 de Agosto de 1664, irá parar a um convento de Vila Viçosa. Uma viagem num simples patacho, correndo todos os riscos possíveis, passaram pelas Canárias e Cabo Verde, assim chegaram ao Cacheu. A Guiné é uma terra de ídolos, os missionários não têm sucesso na sua pregação. André de Faro percorre a costa acidentada da Guiné. É um relato de mártires, um registo de usos e costumes, uma exaltação da fé evangelizadora, a descrição de reinos estranhos e até dos sertões da Guiné. Vou ler tudo minuciosamente, a ver se André de Faro pode entrar na Viagem do Tangomau, há sempre circunstância feliz para dois aventureiros se encontrarem em qualquer ermo do mundo e esbaterem as distâncias, criando amizades.

E agora vou-me deixar de efabulações, tenho que trabalhar para o blogue sintetizando as memórias do Luís Cabral.

Assim seja.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7232: Notas de leitura (166): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (3) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 5 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7228: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (3): Páginas de um diário quase improvável, antes de viajar para a Guiné (1) 30 de Outubro

Guiné 63/74 - P7236: (Ex)citações (105): Netos, ká tem (Miguel Pessoa)

1. Mensagem de Miguel Pessoa (*), ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado:

Caros editores
Li com atenção o Poste do Alberto Branquinho e os comentários que se lhe seguiram. Hoje deu-me uma coisa... e saiu isto! Não o pus como comentário ao Poste por ser grande e conter uma foto. Disponham dele como vos aprouver.
A foto vai inserida no texto apenas para verem como gostaria que ficasse.
Abraço.
Miguel


NETOS, KÁ TEM!...

Li com curiosidade o texto apresentado no Poste 7225 pelo Alberto Branquinho, que termina com a recomendação de "irmos tratar dos nossos netos". Confesso que inicialmente fiquei um pouco baralhado com o conteúdo, mas reconheci-lhe o mérito de me ter obrigado a pensar, isto é, pôr a funcionar os meus neurónios, por vezes um pouco perros devido à estupidificação que nos é proporcionada pela comunicação social, por um lado, e pelos políticos que vamos tendo, por outro.

Esclareço que aquele texto não me causou nenhum mal-estar especial, pois tenho a sensação de que tudo o que tenho feito e escrito no blogue está em conformidade com a minha maneira de estar e de pensar, que se traduz no respeito pelas opiniões dos outros, em evitar dar opiniões sobre aquilo que não sei, em desculpar os pequenos excessos que alguns vão cometendo e, principalmente em dar à minha própria pessoa a importância que ela merece - isto é, pouca...

Talvez por isso achei algo exageradas algumas opiniões de camaradas que têm tido para com o Branquinho e o seu "amigo" atitudes pouco benevolentes. Encaro esta chamada de atenção do Poste como um exercício que cada um deverá fazer para avaliar a sua actuação no blogue e pensar na necessidade de contenção para evitar certos excessos.

Não se trata de alguém nos pôr baias ao nosso comportamento mas sim de exercermos uma certa auto-disciplina na maneira como nos expomos. Considero a nossa participação no blogue como uma viagem de autocarro com uns tantos amigos, durante a qual pomos a conversa em dia, conversa que eles seguem com atenção mas que é ouvida igualmente por muitos dos estranhos que nos rodeiam. E certamente muitos de nós terão nessas circunstâncias observado situações em que estranhos se expõem completamente perante nós, protagonizando situações ridículas, de mau-gosto e por vezes até perigosas para eles. De certo modo é isso que pode suceder no blogue, se não usarmos de alguma contenção.

Bom, isto foi apenas uma introdução (que já vai longa) que me leva ao que me traz aqui. A verdade é que estou ainda a lembrar-me da sugestão que é feita de pensar mais em tratar dos meus netos do que enfronhar-me no blogue e com isso evitar fazer figuras tristes...

É que eu tenho um problema grave que não consegui ultrapassar e que me fez cair em mim - não tenho netos, dada a resistência dos meus filhos em garantirem a descendência - o que me leva a considerar não ser possível, para já, abandonar o blogue e deixar de escrever algumas atoardas quando me apetecer. Como devem compreender, não tendo os tais netos para cuidar, ainda é cedo para mim ir para os jardins dar de comer aos pombos e apanhar sol nos tim-tins.
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Tentando perceber o que estou a perder, tentei pesquisar a nível nacional e internacional como se comportam as pessoas nestas circunstâncias. Assim, comecei por tentar abordar um conceituado médico da nossa praça muito habilitado na arte da guerra, o qual se mostrou afinal indisponível para me receber. Bom, nem percebi se ele afinal tinha netos, tão empenhado ele estava, enquanto corria comigo, em afiar uma série de reluzentes bisturis que, segundo ele, pretendia utilizar numa saída destemida contra um grupo de arruaceiros que lhe rondava a rua. É que, faltando-lhe ainda 247 pontos para atingir a quota necessária para garantir a sua transferência para um hospital de 1.ª linha, encarava esta como uma oportunidade única de atingir rapidamente o seu objectivo...

Descoroçoado com esta primeira tentativa falhada, resolvi contactar um amigo de longa data, o John (Rambo). Azar o meu! - não estava disponível. Pelo telefone consegui saber que tinha aproveitado as férias escolares do neto para o levar num tour pelo Afeganistão, onde pretendia rever uma série de inimigos dos velhos tempos e pôr umas contas em dia. Infelizmente o John estava agora ocupado a localizar o neto, de quem se tinha separado no decorrer de uma refrega amistosa. Pelo que percebi, embora já tivesse procurado em todos os centros comerciais de Kabul ainda não o tinha encontrado.

Sem vontade de esperar pelo seu regresso - afinal já nem tinha o neto consigo e eu precisava de acabar este texto - resolvi atacar a minha 3.ª e última oportunidade, por isso pus-me em contacto com o Arnold (o Schwarz). Finalmente obtive algum êxito. Confidenciou-me que costumava levar o neto consigo sempre que ia manter as suas qualificações como "Terminator", o que lhes dava bastante gozo, e até me ofereceu uma foto em que estão os dois, depois de uma boa sessão de pancada. Sendo uma tecnologia bastante avançada a foto tem som mas, para aqueles que dispõem de computadores mais antigos resolvi acrescentar-lhe legendas, para que não percam nada.

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Ooops!!! Acabo agora de retomar a consciência e verifico que devo ter adormecido depois do 6.º parágrafo... Chego à conclusão que tudo o que se passou depois foi um sonho e, como tal, não merece qualquer credibilidade!...

Então, voltámos ao princípio... Continuo a não ter netos, não quero fazer figuras tristes nos jardins e não quero largar o blogue, porque até consigo manter um comportamento razoável com os bloguistas em geral.

Assim, lamentavelmente terão que continuar a aturar-me e até a dar uma vista de olhos (ou não...) a algum texto que eu possa vir a escrever. E eu continuarei a ler os textos que forem sendo publicados (incluindo os tais "execráveis", como alguém referiu...) reservando-me sempre o direito de usar as teclas PgUp e PgDn para evitar aqueles que pela sua forma ou pelo seu conteúdo possam provocar-me enxaquecas...

Mesmo correndo o risco de vir a parecer artolas ou até gabarolas em alguma das minhas futuras intervenções, penso que esta minha decisão de continuar a participar é a maneira mais prática de combater a inércia e manter os neurónios a funcionar, mesmo que em três cilindros...

E quanto a netos, já que não os tenho e não me vejo a aturar os dos outros, paciência, fica para mais tarde...

Não quero deixar de agradecer ao Alberto Branquinho, que me espicaçou, tirou da modorra e me levou a escrever esta prosa, por mais parva que seja...

Miguel Pessoa
Ten/PilAv
Esq.121 / GO 1201 / BA12
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 – P7082: FAP (53): Estatística das minhas missões em DO-27 e FIAT G-91 (Miguel Pessoa)

Vd. último poste da série de 5 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7230: (Ex)citações (104): Resposta ao Branquinho (António J. Pereira da Costa)

sábado, 6 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7235: Blogpoesia (84): P'ra frente... marche (Augusto Vilaça)

1. Mensagem de Augusto José Saraiva Vilaça* (ex-Fur Mil da CART 1692/BART 1914, Sangonhá e Cacoca, 1967/69), com data de 3 de Novembro de 2010:

Amigo Carlos,
Segue desta vez um poema dedicado aos Instruendos, de 1966, do CISMI de Tavira.


BLOGPOESIA

P´RA  FRENTE... MARCHE

Eu quero andar neste barco
que nunca naufragará.
Eu quero andar neste barco
onde a alegria reinará.
Senhoras e senhores
olham p´ra esta malta gira,
aqueles grandes sonhadores
os militares de Tavira.
Há 44 anos entrando
p´ra uma vida militar,
hoje, aqui, recordando
aquele ambiente familiar,
lá vai a nau Catrineta
cheinha de militares,
ó Barnabé toca a corneta,
ó pas junto os calcanhares.
Agora sois militares
acabaram as brincadeiras,
ireis até mim rastejar
e ouvir dizer asneiras.
Fizemos de tudo com fé
naquele lugar tão distante.
Recordemos o nobre Canine
que foi um grande comandante.
Borges da Costa também
e todos os oficiais;
sargentos, gente de bem
oh Tavira, quantos ais.
Pórtico, galho, parada,
caserna, cantina, espingarda.
Hoje, quanta gargalhada
quando vestimos a farda...
Companhia... direita..volver,
cagança.... milicianos.
precisamos de viver
todos aqueles anos.
Agora, de pé, camaradas,
respeitosamente comovidos,
aplaudamos os audazes,
os milicianos falecidos.

A. Vilaça
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Outubro de 2010 Guiné 63/74 - P7202: Blogpoesia (81): Quem não se lembra?... (Augusto Vilaça)

Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7219: Blogpoesia (83): Respeito, esse pau da bandeira foi colocado pelos Lassas de Cufar (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P7234: Memória dos lugares (109): Ponte Caium (Carlos Carvalho, CCAV 2749, 1970/72)

1. Mensagem de Carlos Alberto Rodrigues Carvalho*, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, com data de 2 de Novembro de 2010:

Boa noite, meu caro Luís Graça.
Dado que se falou, neste 1.º de Novembro do monumento aos mortos da Ponte Caium (**), e dum nicho onde estaria a frase "Nem só do pão vive o homem", aqui vai a foto do nicho de N. Sra. de Fátima, arranjado na altura em que eu estive a comandar a Ponte Caium, em 1971, e pintado pelo Soldado Condutor Cardoso Pereira, que era um expert nas artes de quadros e pinturas.

Numa das fotos estou eu com os djubis que todos os dias estavam connosco, e que pertenciam a uma das tabancas situadas muito perto da Ponte.

Um abraço amigo
Carlos Carvalho
ex-Fur Mil Cav
4.º Pel/CCav 2749/BCav 2922


Ponte Caium > Nicho de Nossa Senhora de Fátima

Ponte Caium > Junto do nicho

Ponte Caium > O Carlos Carvalho com a miudagem das Tabancas
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7227: Tabanca Grande (253): Carlos Carvalho, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, residente em Fânzeres, Gondomar, irmão da nossa querida Júlia Neto

(**) Vd. postes de:

26 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7039: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (3): De facto, Eduardo, nem só de pão vive o homem...
e
1 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7203: Memória dos lugares (107): A Ponte Caium e o monumento, construído por nós, e dedicado aos nossos mortos: Cardoso, Torrão, Gonçalves, Fernandes, Santos, Silva (Carlos Alexandre, radiotelefonista, natural de Peniche, 3º Gr Comb, CCAÇ 3546, 1972/74)

Vd. último poste da série de 6 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7233: Memória dos lugares (108): Cabuca (António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523)

Guiné 63/74 - P7233: Memória dos lugares (109): Cabuca (António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523)


1. O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, enviou-nos, em 5 de Novembro último, excelentes e raras fotos do seu bura… ko - Cabuca: Camaradas, Como tirei uns dias de férias, tenho navegado um pouco mais pelos blogues e veio-me ao pensamento parte do que passei na Guiné, nos longínquos anos de 1973/74, enfiado numa povoação chamada Cabuca.


A minha Companhia, era a 2ª do Batalhão de Artilharia 6523, cuja CCS estava sediada em Nova Lamego (Gabu). Cabuca era formada por uma tabanca situada no centro do aquartelamento, onde residiam oficial e aproximadamente 400 civis, zona habitacional essa circundada pelas nossas instalações militares.
O aquartelamento estava rodeado por uma vala circundante e 2 fiadas de arame farpado, com várias instalações que incluíam os nossos alojamentos, abrigos e uma caserna que era precisamente do meu 1º Grupo de Combate.
Além do pessoal da minha companhia, existia um pelotão de milícia que se destinava à protecção da população, que se dedicava, entre outros afazeres, a trabalhos agrícolas. Simultaneamente, também nos auxiliavam em missões de picagem dos nossos locais de percurso, salvaguardando assim a melhor circulação das colunas de reabastecimento.
Até Nova Lamego distavam apenas 22 km, muito complicados de cumprir e serpenteando a cerca de 15 km surgia-nos o Rio Corubal, que dividia o território da zona libertada (?) - o BOÉ -, pelo PAIGC.
Sempre fiquei pasmado com o escasso armamento para defesa do aquartelamento, pois apenas tínhamos como armamento, além das habituais G3 distribuídas a cada militar, 4 morteiros de 60 mm, 4 Bazucas de 88,9 mm, 2 Morteiros de 81 mm, 2 Metralhadoras BREDA M37 e 4 metralhadoras ligeiras HK 21. É claro que tanto os morteiros de 60 mm como as HK 21 faziam parte da dotação dos grupos de combate.
As missões de patrulhamento e protecção eram asseguradas conjuntamente com o pelotão de milícias, que era comandado pelo Abdulai Jaló.
Hoje, paro e penso que temos que enaltecer a coragem e força do SOLDADO PORTUGUÊS, obrigado a defender-se e a contra-atacar um inimigo extremamente bem armado e conhecedor do terreno, além de instruído e enquadrado por especialistas em guerrilha de origem cubana.
Lembro-me da estranha, angustiante e até revoltante sensação de impotência dos nossos soldados que, conscientes da sua inferioridade neste aspecto, não disparavam um único tiro quando das flagelações com foguetões 122 mm, pois com o tipo de armamento que possuíamos, ripostarmos ou estar quietos dava o mesmo resultado e ainda se poupavam umas munições.
Volto a frisar de que pasmo e me revolto com indignação, quando oiço e leio vozes menos bem informadas ou maldosas, que se atrevem a pôr em causa o bom nome do SOLDADO PORTUGUÊS, pois com as condições que nos foram dadas nos 13 anos de guerra só mesmo nós, com o típico poder de improvisação e espírito de sacrifício que nos é reconhecido, conseguimos superar as inúmeras vicissitudes que nos foram criadas na guerra.


Cabuca > Vista aérea Cabuca > BREDA M37 Cabuca > Morteiro de 81 mm Cabuca > Bazuca de 88,9 mm Cabuca > HK 21 Cabuca > Kalashnikov AK47 > A minha fiel companheira (emprestada por um Fur Mil da 38ª Companhia de Comandos infelizmente já desaparecido)
Cabuca > Eu, o Fur OpEsp/RANGER Medeiros e o Cmdt. do Pelotão de Milícias Abdulai Jaló, junto dos restos de foguetões de 122 mm com que fomos presenteados no aniversário do Capitão Franklin
Um Abraço do tamanho da Guiné,
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.Fotografia: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P7232: Notas de leitura (166): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
Às vezes vacilo quanto ao espaço que se deve conceder à “Crónica da Libertação”, de Luís Cabral.
Ela encerra tanta informação, remete para tantos outros relatos, confirma ou traz tanta contestação quanto a certos relatórios militares, que optei por mais alguns episódios, até ao assassinato de Cabral.

Um abraço do
Mário


“Crónica da Libertação” (3), por Luís Cabral

Beja Santos

A luta armada e a consolidação política do PAIGC, entre 1963 e 1964

As dificuldades sentidas pelo PAIGC não se confinavam à adesão das populações, o que se passou em Samba Silate era indício de que por um lado as populações mostravam reticência e por outro a improvisação estava a sair muito cara aos guerrilheiros. 

No caso do Leste, cometeram-se despautérios graves, as populações também se mostravam aterrorizadas com a onda de repressão das autoridades. Cheios de fome, os guerrilheiros comandados por Domingos Ramos e Barry tiveram que se alimentar da fruta amarga do tarrafe: 

“Com sementes de tarrafe adoçadas com cinza, e com coração de palmeiras que também crescem no mato de Fiofioli, os homens do PAIGC puderam não só aguentar-se nos seus postos como ainda conseguiram libertar a maior parte da área em que combatiam, melhorando definitivamente as suas condições de vida e luta”. 

Em jeito de comentário, poderei dizer que estes grupos se deslocaram para Baio e Burontoni, Ponta Luís Dias, daqui vigiavam a população que trabalhava nas bolanhas ricas do Poidom. Entretanto, as populações e guerrilheiros em Mina e Galo Corubal, dentro do Fiofioli, foram ganhando meios de subsistência e pescavam no Corubal. Só muito excepcionalmente é que as tropas portuguesas alcançaram estas bases e acampamentos. 

No Senegal, tudo continuava difícil, o abastecimento para as bases da região Norte tinham que partir da República da Guiné até às zonas libertadas. Os transportadores de material, esfomeados, roubavam comida nos campos senegaleses, eram problemas sem solução à vista.

No Morés, a guerrilha consolidou-se. Em finais de 1963, Luís Cabral faz a primeira visita ao Quitafine, a partir de Sangonhá, depois partiram para a base Cassacá, onde foi recebido por Manuel Saturnino. Em Cacine estava instalado o primeiro quartel das tropas portuguesas, a que se seguiu Gadamael. Segundo Luís Cabral, as tropas portuguesas estavam confinadas a Cacine. As viagens eram morosas e dolorosas, entre a estrada de Boke e a fronteira. Depois vem uma frase enigmática: 

“O Amílcar e o Aristides foram as únicas pessoas com quem falei sobre os graves problemas que existiam nalgumas zonas do Sul do país. Este facto trazia-nos dados completamente novos sobre a luta, e provou a fragilidade das imensas conquistas obtidas, postas em causa unicamente por falta de informações precisas e controladas sobre a situação real nas diferentes zonas do país. A experiência acabava de mostrar que os jovens responsáveis da guerrilha eram capazes de esconder ao Secretário-Geral informações de importância capital, quando elas pudessem pôr em causa outros responsáveis”. 

O que se estava a passar era que um conjunto de chefes de guerrilha exercia um poder despótico sobre as populações, chegando a cometer crimes inenarráveis. Independentemente de serem jovens, é incompreensível como tais crimes sistemáticos eram escondidos dos quadros políticos. Como se verá adiante, no Congresso de Cassacá, em 1964, estes criminosos (cuja relação nunca vai aparecer talhada em qualquer documento) serão sumariamente executados, no termo desta reunião.

A segunda leva de quadros formados em Pequim chegou entretanto. Cabral e a direcção do PAIGC convocam uma reunião de quadros para uma área libertada. Luís Cabral fala desta reunião e do congresso subsequente como o renascimento do PAIGC. Estavam presentes quadros políticos e guerrilheiros: Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Chico Mendes, Rui Djassi, Nino Vieira, Constantino Teixeira, entre outros. 

Tudo começou com a distribuição de fardas, isto enquanto, ali perto, na Ilha do Como, se travava um intenso combate. Amílcar começou por fazer uma longa exposição sobre a luta e a situação das tropas portuguesas. A seguir os principais dirigentes no terreno deram informações. Os pedidos avolumavam-se: faltava comida, roupas, munições, escolas e enfermeiros. Para Luís Cabral, a luta armada precisava de um novo impulso. Cabral respondeu que a luta teria que se intensificar e que para tal iam ser criadas as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP) constituídas por Exército Popular, Guerrilha e Milícia. 

A ajuda militar iria aumentar, em breve os guerrilheiros veriam chegar novas armas, algumas delas muito superiores às usadas pelos portugueses. Rafael Barbosa foi eleito para as funções de Presidente do Comité Central do PAIGC e Amílcar Cabral reconduzido como Secretário-Geral. Nesta fase dos trabalhos a conferência de dirigentes e quadros tinha-se transformado no I Congresso do PAIGC. Habilidosamente, numa altura em que tudo parecia encaminhar-se para o termo dos trabalhos, Amílcar propôs uma retrospectiva para analisar o comportamento de responsáveis e dirigentes. Tinha chegado o momento culminante das acusações: dirigentes bêbedos e que praticavam os castigos arbitrários, as acusações seguiam-se umas às outras, gente seviciada, aterrorizada, inocentes assassinados, até os feiticeiros não escaparam. Luís Cabral observa: 

“Todos esses crimes foram cometidos impunemente durante meses, com o conhecimento de dirigentes e responsáveis do partido que nem ao menos foram capazes de comunicar esses factos ao Secretário-Geral. Os criminosos eram chefes das bases de guerrilha”. 

De acordo com as descrições de Luís Cabral, Watna, chefe da base de Nhai, em Cubisseco, deve ter sido o mais terrível criminoso entre todos. Cabral ia procedendo a interrogatórios, a reunião durava há trinta horas, sem pausa. No final de todos estes interrogatórios, Amílcar denunciou os acusados e pediu a sua prisão. Sabe-se que houve execuções sumárias, Luís Cabral é parcimonioso na descrição destes factos.

Amílcar Cabral de imediato dedicou-se à formação das primeiras unidades do Exército Popular. Nino Vieira comunicara que as tropas portuguesas tinham abandonado a ilha do Como. A descrição de Cabral aparece com transes de glória e bastante falsificada, hoje há inúmera documentação sobre tudo o que ali se passou. Cabral apresenta o Como como uma luta entre David e Golias, guerrilheiros indómitos a travar tropas altamente preparadas, numa atmosfera apocalíptica. Escrever um relato destes em 1982, sabendo que há o contraditório, é uma quase aberração. Paciência, está escrito.

As FARP começam a ser enquadradas, chegaram novos equipamentos, surge o hino do PAIGC, com música de um compositor chinês. Ficamos depois a saber que o casamento de Cabral com Maria Helena chegara ao fim, Maria Helena vivia em Rabat e aderiu à Frente Portuguesa de Libertação Nacional, com Humberto Delgado à frente. 

Na região do Boé ia intensificar-se a luta armada. Na fronteira Norte, em Sambuiá, o PAIGC implantou um santuário. No Senegal as hostilidades do Movimento de Libertação da Guiné ainda eram notórias. No relato de Cabral, o encontro de Amílcar com Senghor abriu as portas do Senegal. A guerra alastrou: em Quínara, no Corubal, em Porto Gole. Foram criados os armazéns do povo. As escolas no mato tornaram-se numa realidade.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7228: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (3): Páginas de um diário quase improvável, antes de viajar para a Guiné (1)

Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7223: Notas de leitura (165): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 – P7231: Controvérsias (109): As novas tecnologias ao serviço do blogue. A política ao serviço das nossas ideias. (António Matos)

1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos, em 4 de Novembro de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,


As novas tecnologias ao serviço do blogue;
A política ao serviço das nossas ideias

Sendo eu utilizador assíduo do facebook, não poderia deixar de me regozijar com a adesão que os mentores deste blogue fizeram a esta rede social por lhe reconhecer virtualidades irrefutáveis a par, evidentemente, de toda uma panóplia de possíveis abusos a acautelar.
Supondo que nem toda a população de ex-combatentes possa estar suficientemente alertada com as diversas normas que lhe são inerentes, permitam-me as reticências sobre as indiscrições a que se sujeitam e que deverão ser minimamente abordadas.
Em termos pessoais gostava de saber se um poste colocado no blogue por via de um e-mail dirigido aos editores tem entrada directa no facebook ou não.
Isto é, acho que o facebook deve ser "alimentado" por vontade expressa do "escritor" e não automaticamente.
Dito isto, e querendo (desejando) que os meus postes se mantenham no blogue sem darem entrada no facebook (exposição é planetária o que poderá inibir a escrita) vou incidir agora num dos credos do Luís Graça & Camaradas da Guiné que, não sabendo onde, recordo ter lido ser este blogue avesso a problemas de ordem política, religiosa e outras.
A única destas temáticas à qual achava conveniente alargar o âmbito é a política.
Não que eu tenha qualquer intervenção pessoal ou institucional fora de ambientes de pura tertúlia mas porque o conceito em si mesmo se alterou e hoje tudo, repito, tudo o que fazemos nas nossas vidas é político!
Nesse sentido é impossível falar da nossa guerra sem alusões directas ou indirectas à política;
É impossível opinar sobre a retirada de Guileje e abstrairmo-nos de motivações políticas;
Falar de Spínola é falar de política;
Falar de Manuel Alegre é política;
E falar de Amílcar Cabral, não o é?
Como explicar a invasão da Guiné Conacry sem contexto político?
E a droga que grassa hoje no território daquele país está separada da política?
A visita de Sá Viana Rebelo (ministro do exército e da defesa) a Bula no exacto dia em que eu estava de oficial de dia e aguentei a estucha, não é política no seu melhor?
A psico spinolista foi só política!
Se o tema merecer a vossa concordância, não advogo agora passarmos a discutir o orçamento do estado, obviamente, mas a contextualização dos acontecimentos por nós relatados poderão e deverão ser aprimorados com os nossos pontos de vista políticos, que acham?
Em bom rigor isso já se faz hoje mas quis trazer o assunto à colação para que fique oficialmente aceite. Ou não.
António Matos
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Nota de MR:
Vd. poste anterior desta série em:

5 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7229: Controvérsias (108): O que era ser ranger entre 1960 e 1974? (2) (Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4612/74)