sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17928: Notas de leitura (1010): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (7) (Mário Beja Santos)

Chegada dos aviadores a Bolama em 1925  
Foto: Com a devida vénia ao Blogue Bernardino Machado


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
A correspondência oriunda do gerente da filial de Bolama, nas décadas de 1910 e 1920, não esconde as desavenças entre republicanos, o nepotismo e o arrivismo, a troca de papéis entre os protagonistas que vão da política para o comércio, da vida militar para a de fazendeiro.

Foi durante a organização da documentação deste período que encontrei um ofício datado de 16 de Fevereiro de 1923 onde se apresenta a Companhia de Fomento Nacional, que tinha a sua sede na Aldeia do Cuor, regulado onde vivi 17 meses consecutivos.

Há 50 anos intrigava-me aqueles panos monumentais de pedra perdidos dentro da natureza bravia, mesmo a beijar o Geba Estreito. Esse mistério está dilucidado, resta saber como esta empresa deu lugar a outra dentro do Cuor, a Sociedade Agrícola de Gambiel, onde trabalhou o professor Armando Zuzarte Cortesão, cuja cama em ferro herdei, dádiva do régulo Malâ Soncó. Coisas da vida...

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (7)(*)

Beja Santos

O relatório de 1922, ano em que o governador é já o Tenente-Coronel Velez Caroço, anuncia uma certa lufada de ar fresco quanto aos termos da governação, mas não esconde as graves dificuldades económicas e financeiras e o permanente caos administrativo.

De uma forma sintética, o gerente da filial de Bolama aborda diferentes pontos. Sobre a vida económica e financeira do município de Bolama, fala das poucas receitas e da necessidade de auxílio do governo; em contrapartida, o estado da Fazenda Pública revela desafogo devido ao aumento das contribuições, incluindo o do imposto de palhota. Quanto a vias de comunicação para o interior, reporta que falta completar a estrada que liga S. João a Jabadá (sede da circunscrição civil de Quínara) e dá conta que se tem em vista a construção de uma ponte de alvenaria que ligue aquela região à de Geba, daí deduzindo que ficaria Bolama ligada ao continente; falando das estradas, diz que não são macadamizadas por falta de pedra e que as valetas não têm escoante. Pela primeira vez refere-se ao Governador, Tenente-Coronel Velez Caroço:

“Continua a merecer os encómios dos europeus residentes nesta província. Pena é que a sua ação, entravada muitas vezes porque questiúnculas políticas locais, não se estende, como seria para desejar, a todos os serviços públicos por forma a que os diversos ramos da atividade colonial tivessem o desenvolvimento necessário para bem da província”.

Informa-se Lisboa que o governo vai adquirir a propriedade urbana e rústica da Empresa Comercial de Bijagós para aí instalar oficinas navais, tribunal e residência de alguns dos seus funcionários. E estando a falar de serviços públicos, desembesta sobre comportamentos estimados por negligentes e obtusos:

“Na magistratura desta comarca existe um elemento de valor, Dr. Horácio Baptista de Carvalho, Delegado do Procurador da República; porém, o juiz Dr. Pedroso de Lima, criatura pouco inteligente, cretina e pirrónica por princípio e feitio, é algo prejudicial às causas que correm pela sua vara. Quando alguém se admira dos seus estranhos despachos, responde invariavelmente: ‘Recorra!’. Como se um recurso não custasse atualmente muito dinheiro e não representasse, quase sempre, prejuízos grandes, devido à demora que estas questões costumam levar nas instâncias superiores. Numa acção que a nossa agência de Bissau intentou, só tem criado embaraços, não revelando a menor consideração pelo nosso banco. Em compensação, desejaria entrar para o serviço do mesmo, como Contencioso, e queria que, como Juiz, de que muito se envaidece, lhe fossem concedidas regalias excecionais para as pouquíssimas transferências que têm efetuado para Coimbra e Cabo Verde, quando, pela sua parte, no diz que respeito a Lisboa, não dá o menor interesse a esta filial, pois a mesada e as suas economias são pagas naquela cidade por intermédio da Casa Gouveia que pouco ou nada lhe leva de prémio”.

E se surpreende a forma desaforada que usa com o juiz, a mesma linguagem se estende ao que se passa nas alfândegas:

“À testa dos serviços alfandegários encontra-se um sujeito que até hoje se ignora se é europeu se cabo-verdiano, chamado Fernando Oliveira, criatura sem simpatias de ninguém, nem sequer dos seus correligionários democráticos. Foi este senhor que, como principal fator, influiu no espírito de Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas da Província da Guiné, composto na sua maior parte, entre os quais o nosso Juiz, de pessoas pouco propensas a interpretarem conscientemente a letra do contrato entre o nosso banco e o Estado, para indeferir o requerimento desta filial que pedia a isenção de direitos aduaneiros para a entrada na província das suas notas Chamiço, conforme estava em expresso no dito contrato. Por este motivo tivemos de recorrer para o Concelho Colonial, esperando que ali nos dêem um despacho favorável”.


Igualmente de forma sintética expende considerações sobre a agricultura, indústria e permutas. Diz que o principal ramo da agricultura indígena continua a ser o da mancarra (a produção promete ser superior à do ano pretérito), auspicia uma melhor produção de arroz, com preços muito superiores aos do ano anterior. Esclarece que os indígenas cultivam em muito pequena escala milho miúdo aqui conhecido pelo nome de milho preto. E ajuíza surpreendentemente:

“A palmeira que, sem esforço e auxílio do indígena, produz bastante coconote, se fosse beneficiada, ainda que de longe em longe produziria muito mais, vindo assim dar maior valor à riqueza desta colónia. Mas o indígena, mercê das quantias fabulosas que lhe dão pelos seus produtos, é rico, e portanto pouco se preocupa com isso.

A agricultura do europeu resume-se em plantações de coleiras e árvores frutíferas, mas estas tentativas esbarram quase sempre na falta de capitais, não obstante, pelo nosso banco, tem sido facultado ao governo da província um crédito destinado ao fomento agrícola, de 134 contos. Ao que parece, tão pouco cuidado tem merecido ao mesmo governo aquele crédito, para o fim a que é destinado, que o chamam a si, escriturando-o como receita do Estado, sob a rubrica ‘Receita Eventual’. Sobre este caso temos instantemente trocado correspondência com a direção dos serviços da Fazenda a fim de, por indicação da nossa sede, fazerem a reposição daquela importância, visto não lhes ter sido dada aplicação. Mas os nossos esforços até ao presente ainda nenhum êxito obtiveram”.

Também refere que não há indústrias na Guiné, o que há é uma tentativa de fabrico de sabão, pouco prometedora, e volta a surpreender-nos:

“O indígena não se dedica a qualquer espécie de indústria, limitando-se apenas ao fabrico das suas esteiras e adornos para seu uso. Quando a permutações com o gentio, esclarece que as principais são feitas com a mancarra, o coconote, o arroz, e numa escala mais diminuta com cera, borracha e gergelim, tudo trocado por dinheiro".

É a remexer nos dossiês desta época que este pobre escriba foi alvo de uma grande emoção. É necessário explicar porquê.

Quem põe os olhos nestas montanhas de papel e procura os aspetos mais salientes das informações que seguem de Bolama para Lisboa sobre a vida da província, viveu 17 meses consecutivos, entre 1968 e 1969, como responsável militar por dois destacamentos no regulado do Cuor. Sucede que aqui chegou em 4 de Agosto de 1968, e logo na manhã seguinte, no seu primeiro patrulhamento, por recomendação do furriel mais antigo, Zacarias Saiegh, foi conhecer Aldeia do Cuor, qualquer coisa como cerca de sete quilómetros distantes de Missirá, sede do principal destacamento.

Fez-se o percurso sem nenhum incidente, era visível tratar-se de caminhos ao abandono, entregues à natureza. De um lado, imensa vegetação, belos palmares, e do outro uma vegetação rala que permitia ver à distância do outro lado do rio Geba, que ali corre em leito estreito até Bafatá, e nessa distância o Furriel Saiegh ia explicando ao novel comandante que havia para ali terras fertilíssimas, mesmo pelos caminhos que estavam a percorrer houvera seguramente riqueza agrícola, que a guerra interrompera. E assim se chegou a Aldeia do Cuor.

Ficou uma sensação de assombro para toda a vida, pois percorrera-se aqueles quilómetros todos a ver a natureza verde, luxuriante, uma barreira de palmeiras de um lado e do outro um desafogo de panorama, alguém comentou que andariam certamente por ali gente de Mero e Santa Helena nos seus cultivos, e inopinadamente emergia do capim uma enorme construção em pedra, parecia pano de fortaleza, o novel comandante, um tanto azamboado, percorreu pelos diferentes lados aquele maciço de alvenaria, ninguém explicou do que se tratava, era empreendimento antigo, votado há muito ao abandono, nada tinha a ver com a guerra. Em Missirá, ninguém deu explicação satisfatória para tão invulgar construção, a pedra é escassa naquele território, fora seguramente trazida para construção reluzente. Mas que construção?

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca > Escala 1/50 mil (1955) > Detalhe, posição relativa de Aldeia do Cuor, na margem direita do Rio Geba Estreito; a norte, ficava o regulado do Cuor (onde havia 3 destacamentos das NT e milícias: Finete e Missirá, Fá Mandinga).
Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

E o enigma persistiu, até que de repente apareceu um documento no Arquivo Histórico do BNU datado de 16 de Fevereiro de 1923, papel timbrado da Companhia de Fomento Nacional, com sede na rua Augusta n.º 176 - 2.º, Lisboa, mas quem escrevia fazia-o de Aldeia do Cuor. Desvendava-se o segredo, o primeiro, pois como se adiantará a dita Companhia de Fomento Nacional terá dado lugar a outra empresa, a Sociedade Agrícola do Gambiel, porventura, ainda não se encontraram provas concludentes nessa associação. O que para o caso interessa é que aquele alferes miliciano descobria, cerca de 50 anos depois o nome da exploração agrícola respeitante àqueles paredões de pedra acastanhada, como reza no documento que ora tem nas mãos:

“Exploração na Guiné situada na circunscrição civil da Bafatá, ocupando em parte os regulados do Cuor, Joladu e Mansomine, fazendo sede no lugar denominado Aldeia de Cuor, à margem do rio Geba”. (**)

(Continua)

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Notas do editor

(*) Poste anterior de 27 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17908: Notas de leitura (1008): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (6) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17917: Notas de leitura (1009): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. poste de 9 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14337: Notas de leitura (689): A minha querida Aldeia do Cuor! (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17927: Parabéns a você (1335): Tenente General Pilav António Martins de Matos, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17923: Parabéns a você (1334): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Guiné, 1973/74)

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17926: (D)o outro lado do combate (15): continuação da odisseia do Rodrigo Rendeiro que acabou por regressar a Bissau, com um salvo-conduto do consulado da Suíça em Dacar, que o levou até à Gâmbia...


Papel timbrado do PAIGC, com sede em Bissau, Guiné "Portuguesa", secretariado geral, delegação no Senegal, B.P. 2319 - Dakar.


I. Afinal havia ou há, no Arquivo Amílcar Cabral, mais duas referências ao Rendeiro, de  seu nome completo, Rodrigo José Fernandes Rendeiro,  o comerciante que alguns de nós conhecemos em Bambadinca (e com quem incluive convivemos, algumas vezes, entre 1969 e 1971). 

Eis o comentário que o Jorge Araújo, [, vd. fóto à direita], nosso colaborador permanente, ex-fur mil op esp, CART 3494 (Xime, Enxalé e Mansambo, 1972/74), colocou no poste P17920 (*),


Certamente que me cruzei com o Rendeiro, em Bambadinca, entre 1972 e 1974, mas nunca privei com ele.


Quanto ao solicitado pelo Luís, aqui vai o que consegui apurar nos «Arquivos», citando o seu conteúdo e referindo as respectivas fontes.

1. Em texto assinado por Pedro Pires, dactilografado em impresso timbrado do PAIGC, datado de Outubro de 1963, refere-se o seguinte: 

“Timóteo e Rendeiro – De facto foram à Gambia. O Rendeiro deve ter seguido para Bissau. O Timóteo voltou a Dakar. Tentou entrar, às escondidas, no lar por duas vezes. Penso que ele continua em Dakar. Estou à procura de uma pequena informação que falta para ir à “Sureté” [Segurança].

Eles devem ter tido contactos com os elementos da URGP [Union des Ressortissants de la Guinée Portugaise ou UNGP – União dos Nativos da Guiné Portuguesa]. Penso isso pelos panfletos que têm saído ultimamente.

Soube que o Timóteo disse à prima que não saiu de livre vontade. Que foi obrigado a sair”.

Fonte: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36579


2. No relatório manuscrito e 
 assinado por Pedro Pires, datado de 26 de outubro de 1963, é referido o seguinte:  

“Timóteo e Rendeiro – tudo o que aconteceu foi devido a informações incompletas vindas do interior.

Depois de algumas averiguações soube que tiveram contacto com 4 cabo-verdianos que trabalham pela [para a] PIDE e que estes foram ao Consulado da Suíça e conseguiram salvo-condutos para os dois e pagaram-lhes as passagens para a Gâmbia. Tenho o nome dos cabo-verdianos e do local onde se reuniam”. 

Fonte: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41413

 II. Comentário de LG:

No mesmo relatório, do Pedro Pires, de 26 de outubro de 1963, há um  ponto interessante que merece também ser reproduzido, porque vem esclarecer qual o verdadeiro estatuto que o PAIGC queria dar a pessoas como o Rodrigo Rendeiro: o de "refugiados políticos", civis, distinto da figura do "desertor", militar (!)... Diga-se, "en passant", que a expetativa do Pedro Pires, de ter muitos desertores portugueses, saiu gorada,,,































Transcrição, revisão e fixação de texto (LG):

"2. Refugiados portugueses - O problema dos refugiados portugueses deve ser estudado com as autoridades senegalesas. Se continuar como está, será muito maçador para o Lourenço [Gomes], além do tempo que tem de estar fora do seu posto, [o] que é muito prejudicial para nós.

Parece-me que há grandes possibilidades de deserção de soldados portugueses para o Senegal,  mas teremos possibilidades materiais de os manter no Senegal ? Não seria bom ver o que pensa[m], nesse sentido, as autoridades senegalesas ? 

Não seria possível manter os desertores no mato, criando uma base só para esse fim ?

Quanto aos desertores, espero que me digam o que devo fazer com eles.  Será necessário façam uma declaração para ser distribuída no interior ? Ou uma declaração para ser distribuída à presse [imprensa] ? Enfim, mandem-me  instruções.

Quanto aos desertores, tratam-se do alferes miliciano Fernando Vaz e do sargento miliciano  Fernando Fontes.

Disseram-me  que só na 4ª feira, poderão continuar a ouvir os desertores e o Lourenço" (...)


Quanto ao nosso Rendeiro, ele parece não ter voltado para Porto Gole... Pelo menos em 1966, já não estava lá, a avaliar pelo comentário do nosso camarada José  António Viegas (ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68):

"Em Porto Gole nos anos em que lá estive, entre 1966/68,  havia a Casa Gouveia em que estava à frente um cabo.verdiano que se chamava Albertino que vivia com a mãe. Em frente havia outra casa comercial de um tal João, que me parece que era de Braga, esse sim jogava com o pau de dois bicos. Ainda cheguei a ter discussões com ele na altura da compra do arroz, que ele pagava o preço do arroz limpo pelo mesmo preço do arroz com casca, além da pesagem que era sempre a enganar.

"Se bem que raramente via pagamento em dinheiro,  era a troca por folha de tabaco e outros géneros que os Balantas necessitavam . Depois de sair de lá,  acho que a tropa o prendeu,  não voltei a ter mais informação. " (*)


Ainda estou por descobrir quando é que ele se fixou em Bambadinca... (Em 1963, não me parece que tivesse casa ou loja em Bambadinca, a avaliar pelas memórias do nosso camarada Alberto Nascimento) (**). De qualquer modo, o Rendeiro foi à luta e teve que reconstruir a sua vida. Como muitos outros comerciantes e colonos (metropolitanos, cabo-verdianos, sírio-libaneses...) de quem pouco ou nada a História fala... Temos a obrigação também de lhes dar "voz"...

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Guiné 61//74 - P17925: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (4): Homenagem, por iniciativa da Embaixada de Portugal, aos nossos mortos, no cemitério de Bissau, ontem, dia 1 de novembro







Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério > Talhão da Liga dos Combatenets > 1 de novembro de 2017 > 

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2017) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de ontem, do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, um antigo "filho da Escola" [leia-se: fuzileiro da Marinha Portuguesa], radicado na Guiné-Bissau há 4 décadas, fundador e diretor da empresa Impar Lda,  


Bom dia, desde Bissau (*)

Junto algumas fotos que tirei hoje no cemitério de Bissau.

Conforme convite da nossa Embaixada (ver em baixo)

As campas estavam pintadas e arranjadas.  Foram benzidas por um padre.

Estavam os nossos militares da cooperação militar, adido militar e funcionários da nossa Embaixada , o representante da Liga dos Antigos Combatentes, assim como alguns empresários portugueses que cá exercem a sua actividade.

Abraço
Patricio Ribeiro
impar_bissau@hotmail.com


2. Convite da embaixada de Portugal na Guiné-Bissau, para cerimónia na capela da Liga dos Combatentes em 1/11/2017

Transmito a seguinte mensagem que me foi transmitida pelo

Sr. Adido da Defesa Sr. Coronel José Morgado

CONVITE PARA CERIMÓNIA NA CAPELA DA LIGA DOS COMBATENTES

Caríssimos,

No dia 1 de Novembro (4ª feira), pelas 09H30, na Capela da Liga dos Combatentes (cemitério de Bissau), terá lugar uma cerimónia simples mas significativa, em honra dos nossos combatentes que pereceram na República da Guiné-Bissau.

A cerimónia terá uma pequena missa, seguida pelo ato simbólico de deposição de uma coroa de flores no monumento erigido em honra dos nossos combatentes.

Após a deposição da coroa far-se-á um minuto de silêncio em honra dos nossos combatentes.

Assim, fica aqui o convite para quem tiver a disponibilidade e pretenda participar neste evento.

Se tiverem conhecimento de alguém que gostaria de participar, mas não está na lista de destinatários, agradeço que divulguem.

Com os melhores cumprimentos,
Tiago Bastos
Delegado
Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal
Conselheiro Económico e Comercial
Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau e Embaixada de Portugal no Senegal (não residente)


Embaixada de Portugal em Guiné-Bissau
Av. Cidade de Lisboa, C. Postal 276, 1021 Bissau Codex
M. EMB.: +245 966 990 029 M: +245 966 495 613
tiago.bastos@portugalglobal.pt

www.portugalglobal.pt
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17924: Os nossos seres, saberes e lazeres (238): Mais uma vez os velhinhos (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)

© Adão Cruz

1. Em mensagem do dia 29 de Outubro de 2017, o nosso camarada Adão Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), enviou-nos este texto que, com muito humor e ironia, descreve um quadro comportamental de pessoas de idade avançada, "os velhinhos", como lhes chama.


Mais uma vez os velhinhos

Adão Cruz

Aqui há uns tempos atrás escrevi um texto intitulado “os velhinhos”, o qual transcrevo de seguida, a fim de dar sequência ao que hoje, sobre o mesmo tema, vos quero dizer. 
Desta forma, tento fazer um enxerto de encosto, ou melhor, um enxerto de garfo entre este texto e o que hoje vivi à hora do almoço. 

 “Há vários restaurantes clássicos e tradicionais no Porto, aos quais acorrem, sobretudo ao Domingo, as terceira e quarta idades. 
Como é óbvio, também por lá ando. Odeio a velhice mas nunca os velhinhos, um pouco na mesma linha de que odeio as religiões mas nunca os que as professam. 
Por vezes convido o meu filho Marcos, não só porque gosto de estar com ele, mas também como contrapeso. Empresta-me um certo arejo de mais novo, e permite-nos discorrer sobre filosofias da vida para as quais nos estaríamos marimbando se não fosse a garrafinha à nossa frente, às vezes duas. 

Hoje fui sozinho a um desses restaurantes comer um cozidinho à portuguesa. Ia eu a meio da orelheira quando eles, os velhinhos, começaram a chegar. Bem alinhados nas roupas e nos arranjos, eles e elas, mais elas do que eles, numa derradeira tentativa de exumar alguns restos de juventude. 
Logo à cabeça, um antigo colega meu do Hospital de Santo António, que por acaso operara em tempos idos a minha irmã, e logo atrás a sua própria irmã, que fora minha colega de curso. Que ternura! Quem os viu e quem os vê! O suficiente para eu parar de roer a unha, do porco, claro, e abrir os arquivos neuronais de há trinta ou quarenta anos atrás. Quase me apetecia chorar se não fosse as couvinhas estarem-me a saber tão bem. 
Logo a seguir, uma senhora de média idade, com ar de Senhora de Fátima, pedia uma mesa para seis. Podia ser aquela que estava mesmo à minha frente, disse o empregado. 
Logo entraram dois de terceira idade, mais um de quarta idade, e, um tanto atrasados, uma outra senhora de meia idade, também com ar de Nossa Senhora de outra coisa qualquer, amparando um velhinho a arrastar-se, de braços trémulos no ar, como que a dizer “Dominus Vobiscum”. Uma cena provavelmente comum no Reino dos Céus. 
Dizia um dos de terceira idade, carteira a tiracolo, calça pelo meio da perna e sapatilhas brancas da moda: então, o que escolhem? Ao que respondeu o outro, de quarta idade, a quem uma lufada de vento havia tombado definitivamente para o lado esquerdo: comida mole, comida mole. 

Tomei o meu cafezinho e pedi a conta. Nesse preciso momento, sentou-se na mesa ao lado um sujeito dos seus oitenta e muitos, torcendo a face com aquele esgar esquisito que denuncia a puta da dor das artroses, todo vestido a condizer, certamente ao gosto da filha ou da neta e não da mulher, que Deus provavelmente já havia chamado à sua Divina Presença. 
No meio da confusão, o empregado colocou a minha factura na mesa do velho, ao que ele reagiu vociferando: Que caralho é isto? Eu ainda nem pedi nada! 

É preciso vir a estes sítios para sentirmos a ternura da velhice. Odeio a velhice, mas cada vez mais me sinto pateticamente encantado com o mundo dos velhos, a sua profunda poesia e a dramática coreografia da antecâmara da morte”

Hoje, dia 29 de Outubro, lá estava eu no meu lugarzinho no centro da primeira sala do “Caetano”, quando começam a entrar os velhinhos da terceira e quarta idades. Uma verdadeira enchente, quase parecia uma peregrinação. Não sei qual a causa de tal invasão, mas talvez o facto de a hora ter mudado lhes tenha feito sentir que tinham mais uma hora de vida. 
Um verdadeiro caos que pôs os empregados à nora, a servirem aos gritos e a trocarem peixe por carne e entradas por saídas. Nunca tal barafunda eu vi. 

Gostaria de descrevê-los a todos mas é impossível. Um deles, com muitos em cima dos oitenta, de calção e mochila às costas, presa apenas pela asa esquerda e que o fazia pender para esse lado, pendência que ele equilibrava com a bengala na mão esquerda, caminhava quase afoitamente em frente. Dizia o provável filho que o seguia atrás: 
- Sempre em frente, cuidado com o degrau. 
Respondia o velhinho: 
- Sempre em frente, cuidado com o degrau. Mas se não fosse, de imediato, o filho deitar-lhe a mão à alça da mochila bem que ele batia com o nariz no chão. 
Logo de seguida, outro pai velhinho com um andarilho em cada mão. Dizia-lhe o presumível filho: 
- Cuidado com o degrau. 
- Eu sei, respondeu o pai, mas se não fosse a rápida mão do filho a arrepanhar-lhe a gola do casaco, lá ia o almoço no dia em que a hora mudou. 
Um outro velhinho, de braço dado com a filha ou nora, era delicadamente arrastado ao longo da sala. Ao passar junto à minha mesa que ficava mesmo em cima do trajecto, embateu com uma cadeira que estava um pouco desalinhada. 
Olhou-me com a ferocidade que a idade lhe permitia e atacou: 
- Que grande merda. 
Uns passos adiante, alguns neurónios lhe devem ter dito que não foi correcto. Voltou a cabeça na minha direcção, e com um esgar em forma de sorriso emendou: 
- Desculpe. 

Eu ia a meio do pernil, quando uma velhinha muito pequenina e curvada, a passar para a quinta idade, acompanhada pela filha - desta vez era mesmo filha porque as caras eram iguais - alta, quase velha e de mini-saia na fronteira do arrojo, me desejou bom apetite, com um sorriso do tamanho da filha que tinha uns saltos dos sapatos do tamanho da mãe. 

Já eu tinha na frente o cafezinho, quando entram três irmãs, bem perto dos noventas, discutindo entre elas se o cozido teria orelheira e focinho. Se não tivesse iriam para o robalo. 
Sentaram-se atrás de mim e a conversa continuou, desta vez à volta do tintol. Um quarto, meia, ou uma? 

Sabia-me bem estar ali mais algum tempo, mas a minha mesa que era de três estava a ser precisa. 
Um após outro, uma após outra, entrelaçados de filhos, netos e artroses, os velhinhos entravam aos magotes, como eu nunca vi, em direcção ao sacrossanto altar das tripinhas e do cozido do “Caetano”. 

Eu sei lá, era tal a balbúrdia que os empregados perderam a postura e até me debitaram metade do que eu consumi. Não incluíram a segunda caneca de tinto nem o pão nem o bagaço, mas puseram na conta uma sopa que não comi. Costumo sempre corrigir as contas, mas desta vez, dada a confusão, calei-me. 
Ficou ela por ela.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17922: Os nossos seres, saberes e lazeres (237): Em Drumlanrig Castle, o esplendor dos jardins escoceses (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17923: Parabéns a você (1334): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Novembro de 2016 > Guiné 61/74 - P17921: Parabéns a você (1333): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17922: Os nossos seres, saberes e lazeres (237): Em Drumlanrig Castle, o esplendor dos jardins escoceses (7) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 24 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Quando se encontram dois ingleses, a conversa arranca sempre à volta das condições meteorológicas ou do que se está a passar nos respetivos jardins.
Propor a ingleses um passeio a uma casa senhorial não levanta quaisquer obstáculos, quem não quer visitar salões vistosos e bibliotecas com imensas fotografias da família e até membros da corte, passeia-se pelos jardins. Foi o caso da escolha turística do dia, Drumlanrig Castle, houve quem suspirasse de alívio quando soube que a riquíssima coleção do duque de Buccleuch e Queensberry ainda não estava aberto ao público, foram todos para os jardins, magistralmente tratados. É o culto do jardim, árvores, arbustos, espécies exóticas, não será por acaso que o mais inacreditável da floricultura mundial tem sempre exemplares em qualquer ponto do Reino Unido.
Foi o dia mais económico do viandante, era o seu aniversário, foi alijado de despesas...

Um abraço do
Mário


Em Drumlanrig Castle, o esplendor dos jardins escoceses (7)

Beja Santos

A companha pregou uma surpresa ao viandante, após as suas abluções, foi tomar o pequeno-almoço e encontrou este cartão de parabéns, era dia de aniversário. Não é sobre o evento que vos quero falar mas sim sobre o fenómeno destes cartões que fervilham nas relações sociais: parabéns, boas festas, congratulações pelos mais desvairados motivos. Não há papelaria em todo o Reino Unido onde não se encontrem em variedade estes cartões, que recorrem sobretudo ao humor. Na contínua complexidade multicultural em que ali se vive, há séria discussão sobre o que se deve mandar na festa natalícia, chega-se ao cúmulo de falar no nascimento de Jesus, nada de presépios, nada de estrelas de Belém, muito menos reis magos e pastores enternecidos, para não ofender as outras religiões… É debate para durar, mas há um grupo sólido que se está perfeitamente nas tintas e celebra de acordo com as suas convicções. No caso do viandante, beneficiou de uma tirada de boa disposição. Recebeu este cartão, e agradeceu a toda a gente. E o dia foi muito feliz, marchou-se para Drumlanrig Castle, alguém retivera uma frase do viandante que se mostrara interessado em conhecer a coleção de arte do Duque Buccleuch e Queensberry, uma sumptuosidade onde constam um Da Vinci, artistas como Gainsborough, Reynolds e Rembrandt. À entrada, deu-se a má notícia que a coleção não estava disponível ao público, só em pleno Verão, mas se o viandante vinha à procura do Da Vinci, este, desde que fora roubado e recuperado, podia ser visto na Galeria Nacional, em, Edimburgo, a virgem com o menino e a roca de fiar. Fica o consolo de adquirir a imagem na loja, para todos verem que vale a pena sempre ir à procura de Da Vinci.




Pois bem, não há coleção de arte, mas pode mirar-se este belo edifício e passear pelos magníficos jardins. Com todas as suas alterações, Drumlanrig Castle pertence à família do duque há mais de 600 anos. Paga-se à entrada, entra-se pelos jardins que se dispõem em terraços como se fossem socalcos. A primeira impressão é muito forte, há teixos com mais de 300 anos a separar o jardim de instalações que tanto são a casa de chá como os estábulos.



Estamos entre a Primavera e o Verão, para um português assombra este verde húmido, não há qualquer sinal de verdura fanada, não há sol suficiente para estafar o verde vivo, são jardins formais, laboriosos jardineiros limpam, cortam e recortam, usam a topiária, são espaços harmónicos, mais adiante vamos encontrar jacintos bravos e coisa rara de ver papoilas nepalesas.


Quando se entra nos jardins de Drumlanrig Castle dão-nos um roteiro, há muito para ver: jardins dos bosques, das rochas, com plantas, jardins que parecem jardins alpinos, aqui e acolá rododendros vistosos, parecem árvores, azálias, há mesmo um jardim de Inverno e uma estufa vitoriana, cascatas, espaço para que as crianças andem entretidas. Foi uma visita cativante, depois veio o bichinho da fome, a companha partiu ordenadamente para a sala de chá… e que sala de chá!


Pelo caminho, deu-se uma espiada pelo que fora a quinta desde a chegada das máquinas. O viandante observou que um bom número de visitantes parava diante desta viatura que deve ter dado brado no seu tempo, pode-se perceber porquê, e também pensar como os britânicos estiveram na vanguarda da mecanização agrícola.


Não se vão mostrar as delícias da pastelaria nem confeitaria, e ninguém duvidará que havia ali comezainas para todos os paladares, até refeições ligeiras, sumos naturais e inevitavelmente o chá. O que mais empolgou o viandante foi a opulência dos cobres, e o que se mostra é uma minoria, havia muita gente espalhada pelas mesas, deu algum trabalho esperar que uma mesa vagasse e houvesse tempo para mostrar os tachos de outros tempos. E com o estômago satisfeito, a companha regalada atravessou campos e vales até chegar a Moffat.




O viandante avisou a companha que amanhã vai vadiar sozinho, mete-se num autocarro quase às cegas, e bate umas aldeias. Como aqui se mostra do que se passou, ele cultiva pormenores como este, uma bela ferragem a encimar a bandeira da porta, um indício de que neste lugar aparentemente insignificante por aqui passou Arte Nova, que os descendentes dos primitivos proprietários não desdenham. E fazem bem.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 25 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17903: Os nossos seres, saberes e lazeres (235): De Eskdalemuir para Dumfries, à procura de Robert Burns (6) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17909: Os nossos seres, saberes e lazeres (236): Alguns dos últimos trabalhos de pintura do nosso camarada e amigo Dr. Adão Cruz

Guiné 61/74 - P17921: Parabéns a você (1333): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17911: Parabéns a você (1332): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Cor Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil, CMDT da CART 6250/72 (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...



Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o  Rio Geba ao fundo, e a saída para leste (no sentido de Bafatá)... Em primeiro plano, lado nordese do quartel e um dos abrigos, sobranceiros à tabanca, e a morança do comerciante português Rodrigo Rendeiro, do outro lado do arame farpado... Ficava do lado direito, quando se subia, vundo de Bafaté e do rio Geba,  a famosa rampa de acesso ao quartel e posto administrativo de Bambadinca.

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Portal Casa Comum > Instituição:Fundação Mário Soares

Pasta: 07075.147.042 [Clicar aqui para ampliar]

Título: Relatório sobre o ingresso de Rodrigo Rendeiro no PAIGC

Assunto: Relatório assinado por Rodrigo Rendeiro, remetido ao Secretário Geral do PAIGC, sobre a sua saída de Porto Gole até ao ingresso no PAIGC.

Data: Quinta, 26 de Setembro de 1963

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos

Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Arquivo Amílcar Cabral > 04. PAI/PAIGC > Relatórios/Directivas


Citação:
(1963), "Relatório sobre o ingresso de Rodrigo Rendeiro no PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41411 (2017-10-30)


Transcrição:

Dacar, 26 de setembro de 1963

Relatório ao Exmo. Sr. Secretário do PAIGC sobre a minha saída de Porto Gole, até ao ingresso nas fileiras nacionalistas (PAIGC)

No dia 3 de setembro de 1963, cerca das 7 horas da tarde, chegou a Porto Gole para libertação desta pequena vila da Guiné, dita Portuguesa, uma força nacionalista comandada pelo camarada Caetano Semedo,  e que não encontrou resistência por parte da população civil, visto esta comungar da mesma ânsia de liberdade do jugo colonialista português comandado por Salazar.

Quando o camarada Semedo chegou à minha casa comercial, convidou-me para abrir a porta da residência, com palavras e gestos corteses, o que logo me cativou e mais ainda fez luz no meu espírito[:] que os nacionalistas combatem por, e com, um ideal elevado, ou seja, a independência da sua terra do jugo capitalista e opressão salazarista, e não são indivíduos de baixos instintos, como diz a propaganda imperialista.

O camarada Semedo sabia perfeitamente que eu tinha conhecimento da sua base em [Baradoulo e não Barradul, vd. mapa de Mamboncó], povoação biafada, a 10 km de Porto Gole, e que da minha loja partia[m] os abastecimentos para os seus camaradas de luta. O meu empregado José Duarte Pinto era o responsável dos civis militantes em Porto Gole, [e] a quem eu dizia sempre que estivesse tranquilo, que da minha parte jamais haveria traição alguma, não só por viver na Guiné, dita Portuguesa, onde labutava [h]á vinte anos, mas também por encontrar nessa Guiné a mulher, de raça mandinga, e os nossos  cinco filhos, que são a minha principal família.

O camarada entendeu, como eu estava colaborando com eles, e para não sofrer [represálias](*) da parte das autoridades portuguesas, levar-me para a base de[ Baradoulo, e não Barradul] e depois para lugar seguro. Assim começou a minha viagem até à fronteira do  Senegal, passando pelas bases de Mansodé [, a sudoeste de Mansabá] e Morés, onde estive 14 dias, sendo tratado com todos os pergaminhos (sic) de delicadesa por parte do camarada Osvaldo Máximo Vieira e de seus camaradas de luta.

Parti do Morés no dia 17 do corrente, pelas 4 horas da tarde, para a fronteira do Senegal, jantando na povoção de [Fajonquito, a sul do Olossato] (**), comandada pelo camarada Mamadu Indjai, pessoa de trato afável que me dispensou todas as atenções. Depois de jantar nesta base, partimos para a povoação de Lete [, ou melhor, Leto, a sudoeste do Tancroal], onde cheguei aproximadamente às 3 horas da madrugada do dia 18. Descansámos nesta povoação até cerca das 4 horas da tarde. Donde partimos para a travessia [do rio Cacheu e não do rio Farim...] que já se fez de noite, devido à vigilância duma vedeta colonialista. 

Cerca das duas horas da manhã [, do dia 19,] chegámos à povoação fronteiriça de Jiribã [e não Giribam], já [no] Senegal, onde descansámos até  às 7 horas da manhã. De seguida partimos para [Ierã, em português, e não Eran], onde o guia nos antecedeu, partindo para Samine [, a leste de Ziguinchor, capital de Casamansa, e não Zinguichor]. Devido a má interpretação deste guia, as autoridades senegalesas tomaram-nos {por] prisioneiros de guerra, pelo que fomos detidos e algemados. 

À nossa chegada, o camarada Lourenço [Gomes], responsável do Partido em Samine, protestou junto das autoridades senegalesas, fazendo-as ver que não éramos prisioneiros mas sim refugiados que vínhamos pedir asilo no seio do PAIGC. Então fomos desalgemados e conduzidos ao lar dos camaradas,  onde almoçámos. Após o almoço seguimos para Ziguinchor, ainda detidos,  onde o camarada Lourenço [Gomes] nos antecedeu para tratar da nossa [libertação](***). 

Mas em Ziguinchor,  ainda durante [os] 4 dias [em]  que lá estivemos, continuámos detidos,  devido a [má] comunicação, com a gendarmaria, de Samine [e de] Ziguinchor, como prisioneiros. Após estes 4 dias, saímos de Ziguinchor para Dacar no dia 23, onde chegámos somente por volta das 8 horas da noite do [dia] 25, devido a uma avaria na viatura que nos transportava.

Como os nossos camaradas de Dacar, que têm como responsável o camarada [Pedro] Pires, não soubessem da nossa chegada, tivemos que dormir na prisão até  ao dia seguinte.  Depois de termos contacto como o camarada [Pedro] Pires, este dirigiu-se ao ministério do Interior, tratou dos nossos interesses e fomos postos em liberdade. Dirigi-me para o lar dos camaradas, onde me encontro desde o dia 25 do corrente.

Com o vivo protesto de saudações para o nosso partido, e que a nossa luta contra os colonialistas portugueses alcance em breve o seu fim.

[Assinatura, legível] Rodrigo Rendeiro,


 Revisão, fixação de texto e notas: Luís Graça

*No original, repressões; **  No original, Feijão Quito; *** No original, liberdade.


Parte final do relatório, datilografado, de 2 páginas, com a assinatura do comerciante português Rodrigo Rendeiro, datado de Dacar, 26 de setembro de 1963... 


1. Das vezes (duas ou três, pouco mais) que estive na sua casa, em Bambadinca, convidado para os seus famosos almoços de frango de chabéu, em geral aos domingos ou feriados, entre julho de 1969 e março de 1971, ele nunca me falou desta "odisseia" nem muito menos do seu passado de eventual militante ou simpatizante do PAIGC. 

Nem poderia falar, obviamente,  estando na presença de militares portugueses, alferes e furriéis milicianos aquartelados em Bambadinca (CCAÇ 12, CCS/BCAÇ 2852, CCS/BART 2917...), com quem gostava de conversar, aproveitando para matar saudades de Portugual e da sua terra, Murtosa,  e, eventualmente, saber coisas da tropa e da guerra...

Só muito mais tarde, depois do 25 de Abril, é que alguns de nós viemos a saber que o Rendeiro tinha sido  "informador" da PIDE/DGS (*), e que inclusive teria tido problemas na terra da sua amada esposa, Auá Seidi, mandinga, de linhagem nobre, e dos seus queridos filhos. (Sou testemunha do amor que ele tinha aos filhos, embora ele nunca os tenha apresentado  a n+os, tal como nunca nos mostrou a esposa).

Dando como certo o relato destes acontecimentos, mas pondo em causa a "sinceridade" do Rendeiro que, de um dia para o outro, se vê "apanhado" pela teia do PAIGC, os dados biográficos a seu respeito batem certo com o que  dele conhecíamos:

(i) o seu nome completo era Rodrigo [José[ Fernandes Rendeiro, natural da Murtosa, onde de resto iria falecer, tendo o seu funeral ocorrido em 10/9/2011, conforme relato do nosso camarada Leopoldo Correia, de quem era amigo desde os tempos da Guiné (##);

(ii) em Bambadinca, tratávamo-lo simplesmente pelo apelido, Rendeiro; era um homem discreto, polido, magro de cara, moreno, que pouco falava de si; e eu da sua terra, só conhecia a ria de Aveiro e o ensopada de enguias, tinha lá ido de comboio em 1963, com 16 anos numas férias grandes;

(iii) em Banmbadinca era nosso vizinho e, de certo modo, nosso "protegido"; além disso, tinha negócios com a tropa (aluguer de viaturas para transporte de material);

(iv) em 1963, o Rendeiro já estava na Guiné há 20 anos, ou seja desde os seus 17 anos; deve ter emigrado, portanto, em plena II Guerra Mundial (c. 1942/1943), e pelas nossas contas deve ter nascido por volta de 1925/1926, e não em 1920, como eu supunha, teria portanto 44 anos quando eu conheci em Bambadinca;

(v) tal como consta do seu "depoimento" acima transcrito, casou com uma senhora, de etnia mandinga /(, de seu nome Auá Seidi), de que tinham 5 filhos (à data dos acontecimentos);

(vi) nesse ano de 1963 deve ter nascido o seu filho Rodrigo Fernandes que viria a morrer, aos 53 anos de idade,  em 24 de abril de 2016 (, conforme notícia necrológica que encontrámos na Net); residia em Pardelhas, Murtosa, e era "irmão de Maria Libânia, Joaquim Carlos, Joana Maria, Álvaro Henrique, João Herculano, Maria Paula e Hilário, todos com os apelidos Fernandes Rendeiro,  e de Ana Maria Fernandes Rendeiro Bernard, já falecida" [, licenciada em direito, procuradora da República, em Lisboa];

(vii) o comandante Caetano Semedo, aqui citado, devia ser da família de  Inácio Semedo (,conhecido agricultor de Bambadinca, velho nacionalista, de quem Amílcar Cabral foi padrinho de casamento,  e foi um dos históricos do PAIGC); é uma história a aprofundar, com mais tempo e vagar...

2. Tenho dúvidas sobre a "vontade sincera e espontânea" do Rendeiro em pedir a adesão ao PAIGC e ficar em Dakar. Ele terá sido "obrigado" pelas circunstâncias a "colaborar" com o o PAIGC... Era comerciante em Porto Gole, em 1963, e vivia das boas relações com a população indígena, mas também não podia dar-se ao luxo de entrar em rota de colisão com as autoridades portuguesas. Afinal, a Guiné era a sua segunda terra e era lá que ele queria criar os seus filhos e dar-lhes um futuro.  

Lendo com atenção o documento que  acima se transcreve, parece-nos que o comteúdo e a forma não poderiam ser da lavra do Rendeiro... Alguém quis (talvez o "camarada Caetano Semedo" pou talvez o Lourenço Gomes, que estava no Senegal) mostrar bom serviço ao secretário-geral do PAIGC. A "conquista" de Porto Gole  e a "adesão" de um comerciante branco à "luta de libertação" eram dois "grandes roncos", em meados de 1963, com seis meses de guerra...

O documento está escrito em bom português, com um erro ou outro de ortografia, que corrigimos, mas é seguramente muito melhor do que o português da maior parte dos comandantes operacionais do PAIGC.

O Rendeiro, casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, devia ser pessoa considerada pelos militantes e simpatizantes do PAIGC, e pela população indígena em geral. No relatório é citado o famigerado Mamadu Indjai, mandinga, que irá pôr o setor L1 (Bambadinca) a ferro e fogo em meados de 1969... Acredito que, por razões de sobrevivência, o Rendeiro tenha sido obrigado a colaborar no abastecimento da guerrilha da base de Barradul, a 10 km a norte  de Porto Gole.

Só o seu amigo (e nosso camarada) Leopoldo Correia (##), a par dos seus filhos (que devem viver em Portugal, na Murtosa), pode esclarecer este período obscuro e dramático da vida do Rendeiro. Ele regressou a casa, mas não sabemos quando. E provavelmente nessa altura deve-se ter estabelecido em Bambadinca onde eu e outros camaradas o conhecemos em meados de 1969.

Enfim, mais um episódio para a série "(D)o outro lado do combate" (###). Pode ser que o Jorge Araújo, nosso colaborador permanente e conhecedor do Arquivo Amílcar Cabral,  queira e possa acrescentar ainda  novos dados sobre este caso. O Jorge teve ter tido oportunidade de conhecer o Rendeiro, em Bambadinca, nos anos em que esteve no Xime, Enxalé e depois Mansambo (entre 1972 e 1974).

Também a nossa amiga Maria Helena de Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, é capaz de saber algo mais sobre esta história. O Rendeiro, em Porto Gole, e o Pereira,no Enxalé, eram amigos e talvez amigos... O Pereira fixou-se em Bissau, com a família, em 1962. O Reneiro ficou. Não haveria muitos mais brancos em redor, no início da década de 1960.


3. Tentando reconstituir (e estimar o tempo de) o percurso feito pelo  Rendeiro (e a sua escolta), calculamos que ele terá feito cerca de mil km, de Porto Gole (partida a 4/9/1963) a Dacar (chegada a 25/9/1963). É uma estimativa grosseira, com base nas estradas de hoje.

O Rendeiro fez pelo menos 160 km a pé, de Porto Gole até à fronteira senegalesa, entre Bigene e Guidaje:

(i) partiu de Porto Gole no dia 4 de setembro, possivelmente logo de manhã, passando pela base de Mansodé e chegando ao Morés possivelmente no dia seguinte;

(ii) aqui ficou 14 dias, partiu no dia 17, pelas 4 horas da tarde, a caminho da fronteira;

(iii) jantou na povoção de Fajonquito, a sul do Olossato;

(iv) depois do jantar, partiu para a povoação de Leto, a sudoeste do Tancroal, aonde chegou aproximadamente às 3 horas da madrugada do dia 18;

(v) descansa nesta povoação até cerca das 4 horas da tarde do dia 18,  partindo de seguido para a travessia do rio  Cacheu, o  que já se fez de noite, para ilkudir vigilância da marinha portuguesa;

(vi) cerca das duas horas da manhã  do dia 19, chegou à povoação fronteiriça de Giribam, já no Senegal; aqui descansou até  às 7 horas da manhã;

(vii) partiu depois, em viatura, para Ierã e Samine onde foi detido pela gendarmaria;

(viii) depois do almoço, seguiu para Ziguinchor, onde ficou mais 4 dias detido;ix)

(ix) esclarecida a sua situação e o seu novo estatuto, seguiu de Ziguinchor para Dacar no dia 23, aonde chegou somente por volta das 8 horas da noite do dia 25, devido a uma avaria na viatura que o transportava (, a ele e à sua escolta).

Em resumo, as forças do PAIGC levariam normalmente entre  4 a 5 dias, do centro da Guiné (Porto Gole, na margem direita do rio Geba) até à fronteira (,corredor de Sambuiá), fazendo uma média de 30/40 km por dia. Um ferido grave, levado para o hospital de Ziguinchor, morreria fatalmente pelo caminho,,,
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(...) Infelizmente já não está entre nós, pois foi sepultado na sua terra natal [, Murtosa,] em 10/09/2011, tendo eu assistido ao funeral e tido contacto com toda a " ínclita geração", os filhos de Fernandes Rendeiro / Auá Seide, da qual só tenho a dizer bem. A que estudava em Coimbra, era licenciada em direito e era magistrada: faleceu também há cerca de 5 anos. Era juíza do Ministério Público em Lisboa. (...)

/###) Último poste da série > 25 de outubro de  2017 > Guiné 61/74 - P17905: (D)o outro lado do combate (13): Jovens recrutas do PAIGC... (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P17919: Dossiê Guileje / Gadamael (30): O Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné e a Retirada de Guileje (2) (Coutinho e Lima)

Guiné - Região de Tombali - Guileje - Foto n.º 42 do Álbum fotográfico do Cor Inf Ref Jorge Parracho. Vista aérea, geral, do aquartelamento e tabanca.

1. Segunda parte do trabalho subordinado ao nunca esgotado dossiê Guileje/Gadamael, da autoria do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Ref (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), enviado ao nosso Blogue em 27 de Outubro de 2017, que devido a ser um pouco extenso foi publicado em dois postes.


O Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné e a Retirada de Guileje

4. Reunião de Comandos realizada em 15MAI73

Em 15MAI73, realizou-se no Quartel-General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, uma Reunião de Comandos, presidida pelo Sr. Comandante-Chefe, Sr. General ANTÓNIO DE SPÍNOLA, estando presentes o Sr. Comandante-Adjunto Operacional, Sr. Brigadeiro LEITÃO MARQUES (viria pouco tempo depois a ser nomeado Oficial da Polícia Judiciária Militar, encarregado de me instaurar auto de corpo de delito, na sequência da Retirada de Guileje), Senhores Comandantes-Adjuntos, Comodoro ANTÓNIO HORTA GALVÃO DE ALMEIDA BRANDÃO, Comandante da Defesa Marítima da Guiné; Brigadeiro ALBERTO DA SILVA BANAZOL, Comandante Territorial Independente da Guiné; Coronel GUALDINO MOURA PINTO, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné. Tomaram igualmente parte na reunião, o Chefe do Estado-Maior do Comando-Chefe, Coronel do Corpo de Estado-Maior (CEM) HUGO RODRIGUES DA SILVA e os Chefes das Repartições de Informações e Operações do QG do Comando-Chefe, respectivamente Tenente-Coronel de Infantaria ARTUR BATISTA BEIRÃO e Tenente-Coronel do CEM MÁRIO MARTINS PINTO DE ALMEIDA.

Nos trabalhos de pesquisa para escrever o meu livro A RETIRADA DE GUILEJE, encontrei, no Arquivo Histórico-Militar do Exército, a ACTA dessa Reunião de Comandos, com 62 páginas. Dessa acta, transcrevo o que considero mais significativo, no que se relaciona com Guileje.
 
4.1 - Da intervenção do Sr. Comandante Adjunto Operacional, Sr. Brigadeiro LEITÃO MARQUES: 
“(...). No mínimo, e disso não restam quaisquer dúvidas, o In está a preparar as necessárias condições para conquista e destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldade de acesso (GUIDAGE, BURUNTUMA, GUILEJE, GADAMAEL, etc), a fim de obter os êxitos indispensáveis à sua propaganda internacional e manobra psicológica - isto está já ao alcance das suas possibilidades militares. Quanto às vantagens para manobra psicológica In, não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa. A dar-se este facto e aceitando que a orientação comunista prevalecerá, tal elemento será aproveitado ao máximo para desmoralizar a retaguarda e manter-se-á até serem atingidos os objectivos finais em todas as PU. Assisti ao pressionamento psicológico do povo americano por causa dos seus prisioneiros no Vietname do Norte durante quatro anos; e senti em toda a sua profundidade o efeito desmoralizador desse pressionamento, o qual, em larga medida, juntamente com o elemento económico, levou à agitação interna das massas e à capitulação, apesar de todo o poderio militar americano. 
O que acontecerá se tivermos de enfrentar situação semelhante? (...). O In não perderá a oportunidade e tem experiência técnica para a aproveitar ao máximo. É aqui na Guiné onde o problema é mais agudo e o In sabe isso; o seu esforço será aqui realizado. (...)”

(Nota – os sublinhados são meus).

 4.2 - Da intervenção do Sr. Chefe da Repartição de Informações (REP/INFO), Sr. Ten. Cor. de Infª BATISTA BEIRÃO:
“Na ZONA SUL, (...) o In ameaça directamente as guarnições de GADAMAEL e GUILEJE a partir da REP GUINÉ, para o que concentrou meio sobre a fronteira dentre os quais se destacam os carros de combate referenciados em KANDIAFARA, a cuja acção aquelas guarnições se apresentam particularmente expostas. 
(...)
No imediato, julga-se que o IN:
(...)
- intente uma acção de tipo convencional com carros de combate contra GADAMAEL,GUILEJE e/ou BURUNTUMA, tirando partido da vulnerabilidade destes pontos a esse tipo de acções e visando o aniquilamento ou captura das guarnições.
(...)
Num futuro próximo, prevê-se ainda que o In
(...)
- tente a eliminação sistemática das guarnições mais expostas sobre a fronteira, em acções de tipo convencional.
(...)
Resta referir, a finalizar, que o quadro dispersivo do largo potencial referenciado e a elevada capacidade de manobra do In não permitem, como se desejaria, uma melhor objectivação do esforço do In atenta a fluidez com que se revelam e o quadro geral que se desenha; e apenas pode concluir-se por uma situação na qual todo o TO, sem qualquer exclusão, acaba por constituir uma vasta zona de preocupação, na qual dificilmente se podem, de momento, visualizar priorizações”.

(Nota – os sublinhados são meus)

Este último parágrafo é incoerente com o que consta nas transcrições anteriores. Vamos ver se nos entendemos: se não se podem visualizar priorizações, como se afirma as intenções do In, no imediato e num futuro próximo?

4.3 - Da intervenção do Sr. Chefe da Repartição de Operações (REP/OPER), Sr. Ten. Cor. do CEM - PINTO DE ALMEIDA
“(...). Assim, considera-se essencial: 
a. reforçar os efectivos das guarnições mais isoladas ou às quais o In tem maior facilidade de impedir a chegada de reforços, em particular as situadas sob a fronteira. 
Para este reforço computam-se as necessidades em: 
Sector Sul
(...)
3 Companhias
(...)
3. (...). Se não forem concedidos os reforços solicitados (...) julga-se que será necessário remodelar o dispositivo, reforçando guarnições que sob o ponto de vista militar se consideram essenciais. (...)”

Certamente que o Sr. Chefe da REP/OPER, de acordo com as transcrições feitas, tinha em mente, entre outras, a guarnição de Guileje.

5. O que se esperava que o Comando-Chefe fizesse, face ao constante na Acta da Reunião de Comandos de 15MAI73 

5.1 - Considerando as intervenções: 
- Do Sr. Brigadeiro Leitão Marques:
“(...) o In está a preparar as necessárias condições para conquista e destruição de (...). Guileje. (...). Isto está já ao alcance das suas possibilidades militares...”

- Do Sr. Chefe da REP/INFO:
No imediato, julga-se que o IN:
(...)
“- intente uma acção de tipo convencional com carros de combate contra... GUILEJE... visando o aniquilamento ou captura da guarnição...”

- Do Sr. Chefe da REP/OPER:
“a. reforçar os efectivos das guarnições mais isoladas ou às quais o In tem maior facilidade de impedir a chegada de reforços, em particular as situadas sob a fronteira”.

5.2 - O Comando Chefe, ao constatar, em 18MAI73, quando o IN iniciou as flagelações a Guileje, que se concretizava a sua intenção de um ataque em força, que conhecia desde 27DEZ72 (Relatório de Interrogatório n.º 108, referido atrás), deveria, de imediato accionar o conveniente reforço da guarnição de Guileje, conforme preconizara o Sr. Chefe da REP/OPER e não se argumente que o Comando-Chefe não tinha meios para reforçar o COP 5, porque se assim fosse revelava uma incompetência total.

Para accionar o reforço imediato, dispunha da Companhia de Paraquedistas n.º 121, que segundo as declarações do Sr. Chefe da REP/OPER, (quando ouvido como testemunha em 27AGO73, como testemunha), “encontrava-se em Bissau em descanso”, desde 20ABR73. Esta Companhia podia embarcar na noite de 18MAI, chegando a Gadamael na manhã do dia 19 e a Guileje no mesmo dia. Esteve a reforçar Guidage, desde 23 a 30MAI (mesma informação do Chefe da REP/OPER); possivelmente não seguiu para Guileje, porque já estava “prometida” ao COP 3 (Guidage)!... Além disso, estavam na Península do Cantanhez, outras 2 Companhias de Paraquedistas que, com facilidade poderiam deslocar-se directamente, por terra, para Guileje; estas Companhias foram mais tarde reforçar Gadamael. Não tenho a certeza de que se o COP 5 tivesse sido reforçado, em tempo oportuno, isso resolveria o problema. Não tenho qualquer dúvida que, se esse reforço tivesse sido accionado, não teria decidido a retirada.

O não reforço só poderá entender-se, com grande esforço de boa vontade, se o Sr. Chefe da REP/OPER, estivesse à espera das 3 Companhias, vindas da Metrópole, para reforçar o Sector Sul. Se foi assim, bem podia esperar sentado...

O Sr. Comandante-Chefe decidiu deixar à sua sorte a guarnição de Guileje, demonstrando total insensibilidade, relativamente a centenas de pessoas, cujas vidas estavam em perigo e desresponsabilizando-se da sua obrigação, passando toda a responsabilidade para o Comandante do COP 5, que teve que decidir o que fazer.


6. Conclusão 

O que se passou em Guileje, com início em 18MAI73, foi da inteira responsabilidade do Comando-Chefe e do seu Estado-Maior.

Na verdade, ao tomar conhecimento da intenção o In sobre Guileje (Relatório de Interrogatório de 27 DEZ73) e, não tendo levado em consideração essa intenção, nem tão-pouco informando desse facto o Comandante do COP 5, quando esse foi criado, permitiu que o PAIGC tivesse preparado a sua acção contra o aquartelamento de Guileje, durante vários meses (conforme se soube mais tarde), sem que houvesse, da parte das NT, qualquer iniciativa que a dificultasse. Se o Comando-Chefe e o seu Estado-Maior tivessem actuado como era sua obrigação: confirmar o conteúdo do relatório, accionar o patrulhamento ofensivo por forças especiais e informar o COP 5 (quanto mais não fosse, porque “homem prevenido vale por dois”), possivelmente não teria impedido que o IN tivesse desencadeado o ataque; este, seguramente, não teria tido a intensidade e a duração que se verificou; é esta a minha convicção.

Mesmo depois de ter solicitado por mensagem, em 20MAI às 03.20 horas, o reforço de uma Companhia de Tropa Especial e no mesmo dia, ao fim da tarde, ter apresentado idêntico pedido, pessoalmente ao Sr. General Spínola, não me foi atribuído qualquer reforço. E o que fez então o Sr. Comandante-Chefe? Para responder a esta pergunta, socorro-me do depoimento do Sr. Coronel Para Rafael Durão, quando ouvido, como testemunha em 03JUN73, no processo que me foi instaurado.

“(...). No dia 21 recebi directamente de Sua Excelência o General Comandante-Chefe ordem para manter a todo o custo o destacamento de GUILEJE, naquele local, para o que devia verificar as necessidades em meios para lá colocar os abastecimentos de toda a ordem, mais de 200 toneladas que se encontravam em GADMAEL e CACINE e outros ainda a chegar de BISSAU. Efectivamente fui nomeado Comandante da Zona Sul, ficando o COP 5 sob o meu Comando”.

O meu pedido de reforços foi ignorado pelo Sr. Comandante-Chefe e era o Sr. Coronel Durão que iria verificar as necessidades em meios. Devo referir que o Sr. Coronel Durão nunca tinha estado no Sul da Província e, além disso, a colocação dos abastecimentos em Guileje, naquele momento era secundário; o que interessava era, como primeira prioridade, aliviar a pressão do IN, além de criar as condições mínimas de vida em Guileje, que passavam por assegurar o abastecimento de água e outras funções primárias. Acresce que, tendo chegada às matas de Mejo, (mensagem da REP/INFO do dia 20MAI, às19.00 horas) o 3.º Corpo de Exército do PAIGC, admitindo a possibilidade de actuar sobre Guileje, havia grande probabilidade de o Sr. Coronel Durão, na sua deslocação apeada de Gadamael para Guileje (se fosse essa a sua intenção) ser interceptado pelo IN.

Tendo-se iniciado o ataque do IN em 18MAI, só passados 3 dias (21MAI) é que o Sr. General Spínola nomeou o Sr. Coronel Durão para resolver a situação, demonstrando assim a sua pouca preocupação pelo problema, estando em grande risco centenas de vidas humanas: militares, milícias e população de Guileje.

É também de realçar a missão que o Sr. Coronel Durão recebeu directamente do Sr. General Comandante-Chefe “para manter a todo o custo o destacamento de Guileje, naquele local”. A defesa a todo o custo significa resistir até ao último homem. É altamente discutível se, naquelas circunstâncias, face ao poderio do Inimigo, se devia exigir tal missão.

Regresso à acta da reunião de 15MAI73 (3 dias antes do início da acção inimiga), para transcrever outra parte da intervenção do Sr. Brigadeiro leitão Marques.

“Quanto às vantagens para manobra psicológica In, não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir a captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa... Tal elemento será aproveitado ao máximo para desmobilizar a retaguarda e manter-se-á até serem atingidos os objectivos finais em todas as PU... O que acontecerá se tivermos de enfrentar situação semelhante?”

Se não tivesse tomado a decisão de retirar, haveria grande probabilidade de se verificar o que previa o Sr. Brigadeiro (captura de grande número de prisioneiros) e, neste caso, Guileje poderia ter sido o “Dien Bien Phu Português”.

Lembro que a Batalha de Dien Bien Phu, travada entre o Viêt Minh e o Corpo Expedicionário Francês no Extremo Oriente, entre 13 de Março 7 de Maio de 1954, foi a última batalha da guerra da Indochina.

Após 8 semanas de duros combates, as tropas do Vietname do Norte, uma força de cerca de 80.000 homens, que sofreu 7900 mortos e 15.000 feridos, venceram as tropas da União Francesa. Os Franceses registaram 2293 mortos e 5193 feridos; 11.721 soldados foram feitos prisioneiros e a maioria não sobreviveu ao cativeiro, tendo sido repatriados apenas 3290.

Comandava o Exército Popular Vietnamita o General GIAP; o Exército da União francesa era comandado pelo Coronel CHRISTIAN DE CASTRIES (nomeado General durante a batalha).

Para concluir, devo referir que o autor material da Retirada de Guileje fui eu, mas o autor moral foi o Comando-Chefe e o seu Estado-Maior.

Alexandre da Costa Coutinho e Lima
(único Comandante do COP 5, em Guileje – JAN a MAI 73)
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Nota do editor

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