1. Infelizmente, os problemas de saúde materno-infantil e de saúde sexual e reprodutiva, hoje, na Guiné-Bissau (, país que amamos e onde temos amigos, ) continuam a ser muito graves...
Há progressos, mas estamos ainda longe de ter os indicadores de saúde que desejaríamos para o povo da Guiné-Bissau, e que os guineenses merecem ter. O seu perfil sociodemográfico deve ser melhor conhecido, até porque alguns de nós continuam a lá ir com alguma frequência e/ou estão ligados a organizações não-governamentais que cooperam com a Guiné-Bissau, em diversos domínios, da saúde à educação.
De resto,
a Guiné-Bissau integra, desde 1996, a CPLP -Comunidade de Países de Língua Portuguesa. E o nosso blogue tem como missão também construir pontes entre Portugal e a Guiné-Bissau.
Recentemente estivemos a ler o relatório da CPLP abaixo citado. Tem dados interessantes sobre a Guiné-Bissau e os estados-membros da CPLP. Está escrito em português do Brasil: por exemplo, "fulani" em vez de fula, "soropositivo" em vez de seropositivo, "testagem" em vez de rastreio ou despiste... É, em todo o caso, um diagnóstico que tem muito mérito, embora eventualmente se ressinta do escasso tempo em que foi realizado o trabalho de campo, confinado a Bissau, e feito em menos de 4 dias, de 24 e 27 de agosto de 2015. A autora do relatório é a Profª. Dra. Helena Maria Medeiros Lima, Pós Doutorada em Educação - Psicologia da Educação, Bióloga e Doutora em Saúde Pública, Psicóloga e Mestre em Psicologia Social.
Vamos reproduzir, aqui, com a devida vénia, alguns excertos, dando início a esta nova série, "Guiné-Bissau, hoje: factos e números".
O relatório sobre a Guiné-Bissau corresponde ao capítulo 4 (da pag. 272 à pag. 337) do relatório final.
Fonte: Helena M. M. Lima - Diagnóstico Situacional sobre a Implementação da Recomendação da Opção B+, da Transmissão Vertical do VIH e da Sífilis Congênita, no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa- CPLP: Relatório final, volume único, dezembro de 2016, revisto em abril de 2018. CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa, 2018 [documento em formato pdf, 643 pp. Disponível em:
https://www.cplp.org/id-4879.aspx]
(i) População e morbimortalidade:
A população total da Guiné Bissau é estimada em 1.852.284 habitantes, sendo 895.836 (49,5%) de homens e 911 588 (50,4%) de mulheres. É uma população considerada jovem, com média de idade de 19,9 anos, sendo homens: 19.4 anos e mulheres: 20.4 anos.
É uma população constituída por 64% de pessoas com menos de 25 anos, sendo a expectativa de vida ao nascimento é de 50.23 anos, sendo 48,21 para os homens e 52,31 para as mulheres.
A baixa esperança média de vida tem a ver com a alta mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias diversas, decorrentes tanto da escassez de alimentação como falta de condições de saneamento básico.
Em relação às Infecções Sexualmente Transmissíveis e a SIDA [, no Brasill, Aids], os homens têm maior letalidade, uma vez que não procuram os serviços de saúde (mesmo que solicitados a realizar testes e exames), e quando chegam ao médico, já apresentam quadros graves e de difícil tratamento medicamentos.
(...) Cerca de 49,3% da população total de Guiné Bissau é urbana, sendo que as mulheres representam mais da metade da população (cerca de 51%), e a taxa de fecundidade é considerada relativamente alta (4,23 crianças por mulher).
A taxa de contraceção [, uso de meios contracetivos], de 14,2% , é considerada baixa. A fecundidade, especialmente feminina, é um valor cultural intrínseco, e não ter filhos ou ter poucos filhos não é bem valorizado pelas famílias. Há relatos e estudos que afirmam que muitas mulheres fazem uso de métodos anticoncepcionais escondidas dos respectivos parceiros.
A mortalidade infantil teve patamares de 200 crianças mortas por cada 1.000 habitantes em 2005, despertando fortes reações sociais. Atualmente está estimada em 89,21 mortes/1000 nascidos vivos, e mesmo assim é o 5º país do mundo em mortalidade infantil.
A taxa de mortalidade materna é bastante elevada, sendo a 7ª no mundo, com 749 mortes/ 100 mil partos.
(ii) Etnias, idiomas e religiões:
São pelo menos dez grupos étnicos a compor a população guineense, estimadas as seguintes proporções: Fula 28.5%, Balanta 22.5%, Mandinga 14.7%, Papel 9.1%, Manjaco 8.3%, Beafada 3.5%, Mancanha 3.1%, Bijagó 2.1%, Felupe 1.7%, Mansoanca 1.4%, Balanta Mané 1%.
Essa marcada diversidade étnica tem reflexos na linguagem, especialmente nos idiomas, e na cultura, em relação aos diversos e arraigados hábitos das etnias.
Em relação aos idiomas, o mais prevalente é o Crioulo, falado por cerca de 90.4% da população. O segundo idioma mais falado, sendo também idioma oficial da Guiné Bissau, é o Português, falado por cerca de 27.1%, seguido pelo Francês 5.1%, Inglês 2.9%.
A religião predominante é a Muçulmana: 45.1% [44,7%] da população; depois vem o Cristianismo com 22.1% [25,4%], os Animistas 14.9% [23,9%], e os cristãos evangélicos, com 5,8%.
A poligamia é legalizada, e o homem pode ter até quatro esposas, desde que possa sustentá-las. Os valores muçulmanos de não-aceitação da homossexualidade, do não-uso de drogas, de submissão da mulher e da condição de dependência financeira que as esposas ficam dos respectivos maridos precisam ser trabalhados tanto no setor preventivo como no âmbito da assistência em saúde pública e direitos reprodutivos, pois são valores que estão presentes na população junto a outras tantas influências culturais e religiosas e que podem, ao proibir e punir, abrir espaços de vulnerabilidade específica que precisam ser compreendidos e trabalhados.
(iii) Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)
As Doenças Sexualmente Transmissíveis, segundo gestores e profissionais de saúde entrevistados, estão prevalentes em Guiné Bissau, sem, contudo, uma estatística específica.
As doenças mais prevalentes seriam o
corrimento [, gonorreia ou blenorragia,] entre as mulheres, em particular mulheres jovens.
Em 2015 foram identificados e tratados 500 casos de DST, porém não há notificação oficial sobre rastreio e tratamento das DST.
O dado mais recente em relação à
sífilis é a estimativa que, dentre 5.666 mulheres grávidas testadas em consulta pré-natal, 123 tiveram serologia positiva, ou seja, uma taxa de 2,1% . Mas não há notificação obrigatória da sífilis, e não há dados noutras outras populações.
A rastreio da sífilis é realizada durante a consulta pré-natal, porém há rupturas de estoques de testes, poucos testes disponíveis e dificuldades diversas em se obter a penicilina para o tratamento preconizado.
(Continua)