sábado, 3 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9131: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (39): A poesia e a liberdade: Conferência de António Graça de Abreu, 2ª feira, 5 de dezembro, às 18h30, na BMRR, Lisboa





1. Mensagem do nosso camarada e amigo António Graça Abreu, com data de 1 de Dezembro:


Assunto - Ciclo Conferênci​as "A Poesia e a Liberdade" na BMRR


 Luís, caríssimo: Podes dar divulgação da minha conferência entre o nosso pessoal ?
 Agradeço muito. (...) Forte abraço amigo,


António Graça de Abreu


2. Anúncio do PEN Club Português:


Prezados Consócios,


No final de uma série de conferências que constituíram um verdadeiro exercício de prática poética em numerosas modulações de assinalável qualidade, temos o prazer de anunciar a última intervenção, que nos apresentará esse verdadeiro Outro linguístico e poético, a
descobrir pela mão de quem conhece profundamente a cultura e literatura
chinesas.


Contamos com a vossa presença!


Saudações muito cordiais,


A Direcção do PEN


Conferência: "Traduzir os poetas da China, tradução, reinvenção e fascínios"


Local: Biblioteca Museu República e Resistência


CMLX | DMC | DAC | Divisão de Rede de Bibliotecas
Rua Alberto de Sousa,
nº 10A - 1600-002 Lisboa
Telefone: 21 7802760
http://blx.cm-lisboa.pt 


3. O nosso querido camarada e amigo António Graça de Abreu (AGA) [, aqui na foto à esquerda com a esposa, a dra. Hai Yan ] gostaria, mais uma vez, de poder contactar com a presença dos amigos e camaradas da Guiné na sua conferência, no Biblioteca Museu República e Resistência (BRRR)...A entrada é livre. 


O nosso AGA é um conhecido sinófilo: ele auto-intitula-se "sínico mas não cínico", e tem vindo a traduzir alguns dos maiores poetas clássicos chineses. 


Permitam-me que destaque, entre outros,  o seu livro, publicado pelo Instituto Cultural de Macau,  Poemas de Li Bai - tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu, 2ª edição (revista e aumentada), 1999. (1ª edição, 1990). Este trabalho mereceu-lhe o Grande Prémio de Tradução da Associação Portuguesa de Tradutores e do Pen Club, 1991.



Teve a gentileza de me oferecer um exemplar autografado desta 2ª edição, com as seguintes simpáticas palavras: "Ao Luís Graça, estes poemas de paz de um homem e chinês do Séc. VIII que, como nós, também conheceu a guerra. A Afmiração, a amizade do António Graça de Abreu, Estoril, Fev. 2010"...


Para que não se diga que estas coisas não têm nada a ver connosco... e com a nossa Guiné, aqui vai um dos poemas, deste poeta maior, universal, em cuja poesia a guerra, a liberdade, a solidão e o amor são referências muito fortes...


Para além da Grande Muralha


Ele monta um cavalo branco  junto ao Fortim Dourado,
ela vagueia em sonhos entre nuvens e areias do deserto.
Insustentável tristeza ao pensar
no guerreiro amado, lá longe na fronteira.
Pirilampos, voando ao acaso, invadem sua janela,
lenta, a Lua atravessa o céu, sobre os seus aposentos.
Esfarrapam-se as folhas de paulóvnia verde,
rebentaram, secaram os ramos de vime tenro.
Todos os dias, em segredo, ela chora,
embora saiba que todas as lágrimas são inúteis.


Li Bai


In: Poemas de Li Bai, 2ª ed., 1999, p.  257. (trad. de António Graça de Abreu).


4. Sublime: Todos os dias, em segredo, ela chora,/ embora saiba que todas as lágrimas são inúteis. Isto é poesia, meus amigos,  com 14 séculos em cima (neste cantinho à beira mar plantado, no Séc. VIII, já andavam por cá os mouros, com os seus guerreiros mas também com os seus poetas)...


Acrescenta o nosso AGA, em rodapé, no supracitado livro, a seguinte nota erudita:


"O tema da mulher que aguarda, triste, o regresso do seu amado que partiu para a guerra com os bárbaros do Norte, surge com frequência na poesia de Li Bai e de outros poetas da dinastia Tang [618-906]. Com aspectos diferentes encontramo-lo na nossa poesia medieval quando o fossado, as expedições guerreiras contra os mouros, levavam os soldados  para longe das suas companheiras".
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9037: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (38): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (5)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9130: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (12): Os azares de um Primeiro, periquito, que apanhou a Flor do Congo, na sua primeira viagem a África...

1. Outra história do Zé Ferraz, português radicado nos EUA desde 1970 (vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746 (Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70)(*)


Durante os fins de semana trabalho dois turnos por dia,  sábados e domingos,  16 horas respectivamente, num centro de reabilitação (para homens) a que clinicamente se chama aqui Men's Intensive Residential Treatment,  com uma duração  de 28/30 dias por paciente. Portanto tenho tempo para me entreter.

O Blogue ajuda-me psicologicamente a distanciar-me emocionalmente destes doentes e evitar as chamas Transfer and countertransfer issues... E é evidente que, à medida que me embrenho a ler os postes,  a minha memória acorda e é um ver se te avias...

Lembrei-me hoje de outra anedota nos meus tempos do QG-CTIG...

Apareceu na messe de sargentos  um Primeiro,  periquito,  recém chegado de Lisboa. Aparentemente ninguém conhecia; nem os outros Primeiros porquanto este pobre tipo tinha passado a maior para do seu serviço na Guarda Nacional Republicana que eu detestava por experiências passadas quando nós,  como estudantes,  nos anos 60,  fazíamos manifestações contra a ditadura do Salas... Enfim essa e outra história...

Ora bem,  o nosso Primeiro nunca tinha estado em África e muito menos com a nossa malta... Era como um camelo a olhar para um palácio...

Um dia, à conversa,  ele pergunta-me, em tom de confidência:
- Ó nosso Furriel, eu tenho um problema e não sei o que fazer...
- Ó meu Primeiro - disse-lhe eu - conte-me lá o que se passa a ver se eu o posso ajudar...

Diz-me ele:
- É que nestes últimos dias me apareceu esta merda nos sovacos e nas virilhas que me dá muita comichão e cheira mal,  há tres dias que não tomo banho...
- Ó meu Primeiro - respondi-lhe eu - o que o senhor apanhou é o que nos chamamos a Flor do Congo... É uma micose...
_ E, o nosso Furriel,  isso é perigoso?...
- Muito! - disse eu...
E agora pergunta o Primeiro:
- O que é que eu faço ?...
- Bom - disse-lheu - a Flor do Congo é um fungo e o que o senhor precisa é de lavar o corpo todo com água pura... Por exemplo,  o senhor compra o sabão encarnado e, como estamos na época da chuva,  quando estiver chover bem,  o primeiro ensaboa o seu corpo com o sabão e depois deixa que a chuva lave o corpo....

Passados uns dias aí estava o Primeiro,  nu em pelota,  fora do seu quarto,  na rua que passava em frente da messe de sargentos e ia para a messe de oficiais,  a lavar o corpo com o sabão encarnado e a malta na messe,  todos a rir...
- Ó Furriel como é que eu lavo a rego do cu ?... - Dizia-lhe eu:
- Meu Primeiro,  dobre-se prá frente,  ponha-se de cu pró ar e deixe que chuva lhe lave o cu ...

Mais gargalhas e o Primeiro nem se quer se deu conta .... Nisto, era noite, aí vem um carro, dá a curva e os farois batem no cu branquinho do Primeiro,  periquito ...
Mais gargalhas... O problema,  ouvimos mais tarde,  foi que a esposa de um oficial era passageira nessa viatura e aparentemente ficou mal impressionada com a brancura do cu do Primeiro e,  possivelmente o resto que viu,  porque o Primeiro não se perturbou com nada,  o que ele queria era ver-se livre da comichão...
Um forte abraço, Zé.
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 1 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9123: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (11): Uma cena do Júlio, em combate: Furriel, os meus t... ?!

Guiné 63/74 - P9129: O nosso fad...ário (4): O Fado da Orion (J. Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Médico, 1969/71)

1. Há tempos o nosso camarada   J. Pardete Ferreira, (ex- Alf Mil Med, CAOP, Teixeira Pinto; HM241, Bissau, 1969/71) mandou-nos a letra do Fado da Orion. Já foi publicada no poste P8966, na secção Blogpoesia (*)... Mas hoje queremos recuperá-la para a secção O nosso fad...ário (**).

E esperamos um dia poder ouvi-la cantar por um dos nossos fadistas, num dos nossos encontros ou até, quem sabe, numa "grande noite do fado dedicada à Guiné"...


Uma explicação é devida pelo autor da letra:


(...) " O Fado da Orion foi escrito em Homenagem ao Comandante Faria dos Santos. A LFG [Orion] passou mais de um ano acostada ao molhe do Pidjigiti porque tinha cedido à [LFG] Batarda um dos motores. Quando o recebeu de volta ou ele foi substituído por um novo, já não posso precisar, fez uma viagem experimental e de contrabando 'a acreditar nos praticantes da má-língua' e de seguida foi o navio almirante da ida a Conacri [, Op Mar Verde, em 22 de Novembro de 1970,]  sob o Comando de Faria dos Santos, mais tarde Comandante do porto e, em seguida, Governador Civil de Aveiro. Poeta e grande amigo, recebia a jantar (e bem) um pequeno número de amigos na torre, onde, no final, a poesia expulsava o álcool. Ele foi, igualmente, a nossa chave de acesso à Base Naval de Bissau onde, às quintas-feiras,  havia jantar melhorado e aberto a convidados" (...)



Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > A LFG Orion é (ou era, uma vez que já não existe) como a Nau Catrineta: tem (tinha) “muito que contar”, do Cacheu a Cacine, passando por Conacri… Dois camaradas nossos, o Manuel Lema Santos (como 2º Ten RN, e o Pedro Lauret  (como 2º Ten) foram seus Imediatos  embora em épocas (1966/69 e 1971/73, respetivamente)…

Nesta foto vemos o actual comandante reformado, Pedro Lauret, em 1971 ou 1972, então oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Rio Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem ele faria a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL)… 

O 1º Ten  José Manuel Baptista Coelho Rita foi comandante do NRP [, Navio da República Portugesa,] Orion, de 7/12/1970 a 15/10/1972, tendo substituído o 1º Ten Alberto Augusto Faria dos Santos (que comandou a Orion, de 6/12/1968 a 7/12/1970) (Fonte: Wikipédia > NRP Oríon).

Mas nem só o Pardete Ferreira matava a fome e a sede no bar da Orion... Também o nosso amigo e camarada Paulo Santiago já aqui contou, em 2006, como se tornou habitué da Orion sempre que ía a Bissau (***)...

Foto: © Pedro Lauret (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

2. Fado da Orion


Letra: José Pardete Ferreira 

["1ª parte e Refrão escritos em Bissau em Novembro de 1970. 2ª parte escrita em Setúbal na madrugada de 15 de Dezembro de 1997. Para ser cantado com a Música do Fado do Cacilheiro, do Maestro Carlos Dias"].

Adapt do Fado do Cacilheiro

[Letra : Paulo Fonseca (****); música: Carlos Dias]

[Há várias criações deste fado - do José Viana ao Antónioo Mourão, do Tristão da Silva ao Nuno da Câmara Pereira, ... Talvez a mais conhecida seja a do Zé Viana, justamente imortalizado como o Zé Cacilheiro. Veja-se aqui um vídeo, de 1966, que passou na RTP Memória, e está disponível aqui, no YouTube]



Tristes noites de Bissau,
Neste clima tão mau,
Passá-las não há maneira,
Sem comer arroz, galinha.
Ou então ir à Marinha
Aos jantares da quinta-feira!


Às vezes um Comandante,
Bom amigo, bem falante,
Obriga uma pessoa,
Com uma grande bebedeira,
Pensar que o Ilhéu do Rei
Fica em frente de Lisboa.


Refrão

Ser marinheiro
De LFG no estaleiro,
Sem motores nem cantineiro,
Junto ao cais sem navegar,
E esperando,
A comissão foi passando,
Ai!, os amigos engrossando,
Com o Geba a embalar.


Quando vinha dessa Terra
E voltava à minha Serra,
Nem eu queria acreditar !
Virei-me ainda p'ra ver,
O meu Adeus lhe lançar
E também lhe agradecer:


Com meu suor derramado
No teu chão, tão maltratado,
Deixo-te votos amigos
E, também, as minhas preces,
'squecendo rancores antigos,
Por ti, Guiné, que mereces.


Refrão...
____________________

Notas do editor:
 
(*) Vd. poste de 30 de Outubvro de 2011 > Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

(**) Último poste da série > 1 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9122: O nosso fad...ário (3): Fado Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira, CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1968/69)

(****) Letra de Paulo Fonseca, recuperada aqui (com a devida vénia):

Fado do Cacilheiro

Quando eu era rapazote,
Levei comigo no bote
Uma varina atrevida,
Manobrei e gostei dela
E lá me atraquei a ela
P’ró resto da minha vida.

Às vezes a uma pessoa
A idade não perdoa,
Faz bater o coração
Mas tenho grande vaidade
Em viver a mocidade
Dentro desta geração.


Refrão

Sou marinheiro
Deste velho cacilheiro,
Dedicado companheiro.Pequeno berço do povo,
E, navegando,
A idade vai chegando,
Ai…
O cabelo branqueando,
Mas o Tejo é sempre novo.

Todos moram numa rua
Mas eu cá não os invejo,
O meu bairro é sobre as águas
Que cantam as suas mágoas
E a minha rua é o Tejo.

Certa noite de luar
Vinha eu a navegar
E, de pé junto da proa,
Eu vi ou então sonhei
Que os braços do Cristo-Rei
Estavam a abraçar Lisboa.

Refrão

A que chamam sempre sua,

Guiné 63/74 - P9128: Notas de leitura (307): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2011:

Queridos amigos,
Cumpri o gostoso dever de pôr em recensão o diário de JERO, primeiro volume.
Devo esta honra ao confrade Belmiro Tavares que me passou para as mãos o seu exemplar. É indubitavelmente um documento histórico, no mínimo uma cópia devia ir para o Arquivo Histórico-Militar, talvez mesmo para a Biblioteca do Exército.
Naquele tempo ninguém imprimia em tipografias documentação classificada como secreta e que aparece neste volume com a chancela de “Confidencial”.
Perguntei ao Belmiro Tavares por onde andava o segundo volume. Não terá sido escrito, o JERO guardou apontamentos que estão na base do seu livro de que aqui já se fez referência “Golpe de Mão(s)”.
Sinto-me honrado por este serviço prestado ao blogue e à literatura da guerra da Guiné.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico, o diário da CCAÇ 675, o diário de JERO (4)

Beja Santos

O diário de JERO, como vimos anteriormente, iniciou-se em Maio de 1964, quando a CCAÇ 675 partiu de Évora para embarcar. No seu precioso documento, nunca se percebe as motivações que o levaram a compendiar os seus apontamentos pessoais e o seu olhar sobre o historial da Companhia. No final deste primeiro volume ele anota minuciosamente citações e referências elogiosas (foram muito abundantes), textos de relatórios, louvores, com especial destaque para o louvor dado à Companhia pelo Comandante Militar em Julho de 1965 e que tem o seguinte teor: “A CCAÇ 675, pela notável eficiência, entusiasmo e bravura como tem cumprido a sua missão. Tendo entrado em sector numa fase em que o IN, fortemente moralizado e aguerrido, se considerava absolutamente senhor da situação, conseguiu mercê do ritmo impressionante e forte determinação em que actuou, modificar completamente o aspecto operacional da sua zona de responsabilidade. Batendo contínua e sistematicamente todas as regiões do sector, procurando infatigavelmente o contacto com o IN, destruindo-lhe as suas bases, instalações e reabastecimentos, fazendo nomadizações prolongadas, etc., desorganizou-o e desmoralizou-o e este foi a pouco e pouco perdendo a iniciativa que passou toda praticamente para as NT (…) Como consequência lógica da sua brilhante actuação adquiriu enorme prestígio e inspirou confiança às populações, de princípio, devido à actividade inimiga, se tinham refugiado no mato e no país vizinho e que principalmente a partir de Março de 1965 começaram a apresentar-se às NT. É digno de maior elogio a organização, método, esforço e carinho, com que quase só à custa dos seus meios e disponibilidades materiais, tem procurado criar condições de vida aos nativos apresentados”.

Espírito atento, caracteriza perfis, conta anedotas, explora o humor na guerra, regista as baixas e o material perdido. Mas também os actos de bravura, como descreve no final do ano de 1964, vale a pena transcrever o que ele anotou: “Foi notável e a todos os títulos digna de louvor a acção do 1.º Cabo indígena n.º 8/64-A, Manuel Gonçalves, que embora ligeiramente ferido e combalido, pois seguia na viatura sob a qual rebentou a mina, respondeu rapidamente ao fogo inimigo. Sendo projectado do Unimog onde seguia, não largou a sua metralhadora Madsen, abrindo fogo logo que caiu no chão. Também o Soldado indígena Mamadu Bangorá se portou valentemente demonstrando uma coragem e sangue frio dignos do maior elogio, pois conseguiu em circunstâncias particularmente difíceis e com risco da própria vida, retirar todos os seus camaradas feridos do local do rebentamento da mina. Depois de transportar os feridos para um local mais seguro, teve a preocupação de voltar junto da viatura que ardia e que podia explodir de um momento para o outro, para recolher todo o material de guerra disperso pelo chão, evitando assim que pudesse ficar nas mãos do inimigo. É também digno dos maiores elogios o comportamento do 1.º Cabo 2231/63, Craveiro, que embora imobilizado por ferimentos graves, não deixou de comandar os seus camaradas, recomendando-lhes serenidade. Apesar de ser dos feridos de maior gravidade, nunca soltou um queixume, pedindo para que os restantes camaradas fossem primeiramente tratados, revelando assim um espírito de sacrifício e abnegação aliado a um sentimento de cumprir, verdadeiramente excepcionais”.

Estamos em Março, JERO regista ao pormenor os acontecimentos do dia 21, a festa da CCAÇ 675, foi enorme a alegria da população, quer a de Guidage quer a de Binta, esse júbilo fazia apagar muito sofrimento. Em 24, há uma batida na região de Faer, verificaram com alguma surpresa que a bolanha de Alabato estava cultivada, na progressão, junto de capim queimado encontrar um caminho, cedo começou a reacção do inimigo que foi rechaçado, prosseguem em quadrado, indiferentes ao tiroteio, houve a registar quatro acções de fogo em curto espaço de tempo, foram destruídas nesta acção quatro casas de mato recentemente abandonadas. Em 31 de Março vem no diário: “Binta repovoou-se lenta mas firmemente e a sua tabanca, há longos meses abandonados e invadida pelos tentáculos da floresta próxima, sofreu uma “aragem de limpeza” que lhe dá um aspecto rejuvenescido ao fim de poucos dias. Brancos e negros, trabalham lado a lado entusiasticamente. A população de Binta cifrava-se em 170 indivíduos”.

Há a registar no dia 10 de Março o rebentamento de uma mina no cruzamento da estrada Bigene-Guidage, o Unimog ficou inutilizado. Dias antes, na região de Ujeque, um grupo inimigo foi emboscado pelo Grupo de Combate da guarnição de Guidage tendo sido abatidos dois inimigos e capturada mais uma pistola-metralhadora Thompson. O inimigo não dorme, depois de uma segunda visita que a CCAÇ 675 faz a Sambuiá, onde houve novamente destruição de casas de mato e se procedeu à apreensão de algum armamento e documentos, no dia 11, uma coluna que se dirigia a Guidage, teve no Cufeu uma mina comandada, houve uma explosão violentíssima, resultou um ferido sem gravidade.

Estamos a caminho de um ano de comissão. JERO elabora o retrato de algumas das figuras mais curiosas da Companhia, destaque para o soldado atirador número 2226/63, António Machado de seu nome, mais conhecido por Nhaca. Ele regista: “O seu retrato físico descreve-se com meia dúzia de palavras: alto, muito magro, rosto ossudo de traços mongóis (também lhe chamam Chu-en-Lai por causa disso), óculos na ponta do nariz, cabelo liso pouco assente, e umas longas pernas, muito finas e algo tortas”. Ao que parece, o Machado era cliente assíduo da enfermaria, mordido pela curiosidade, passou de doente profissional a curioso de enfermagem, quis praticar como ajudante de enfermeiro. No posto de socorros, em Guidage, repetia com frequência aos nativos que era o enfermeiro Machado, passou a ser conhecido pelo doutor e por troca de uma injecção os doentes do Senegal traziam-lhe uma galinha. Acontece que um dia até se esqueceu de uma agulha intramuscular e foi a correr atrás da bajuda, levantou-lhe o pano desabridamente e tirou-lhe a agulha.

Nesse mês de Maio saiu um número especial de “O Sabre” com artigos do capitão Tomé Pinto, do alferes Belmiro Tavares, do soldado Perfeito. Todos convergem para o mesmo ponto: missão cumprida. Agora já não se esconde que a tropa acusa o esforço desenvolvido depois de um ano de Guiné. Embora com elevado moral e um nível sanitário razoável, já se fazem actualmente com dificuldade patrulhamentos apeados superiores a 15km, quando inicialmente se faziam 30 a 40km com um certo à vontade, regista JERO que também anota a seguinte observação: tendo sido exposto pelo nosso Comandante de Companhia a necessidade das Praças gozarem períodos de licença semelhantes aos dos quadros, não se conseguiu até agora solução para o problema que seria, além de tudo mais, um justo prémio para aqueles que em todas as circunstâncias correspondem com valentia e generosidade a tudo o que lhes é pedido. Caracterizando o inimigo, esclarece que o seu reduto principal continua a ser a região de Sambuiá, infelizmente não se dera continuidade à acção de 5 de Janeiro passado.

Foi neste local onde durante cerca de um ano - Julho de 64 a Julho de 65 - foi escrito o nosso "Diário".
Já não me lembro da "marca" da máquina de escrever. Sei que o teclado era "hcesar". Ao fundo, decorando a parede, estão uns calções e amuletos diversos de alguém que teve um "mau encontro" com a tropa do "Capitão de Binta". As letras que sumidamente completam a decoração dizem: "Nem com mezinhos se safam".

E este diário termina com uma frase que está em cima da secretária do Comandante de Companhia: “Vitória é sinónimo de vontade”.

Gostei muito do diário de JERO, pela autenticidade e pela camuflagem da escrita. Afinal, as surpresas continuam nesta literatura que durante décadas jazeu nos arquivos dos protagonistas.
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Nota de CV:

Vd. postes da série de:

21 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9071: Notas de leitura (304): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

25 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9094: Notas de leitura (305): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (2) (Mário Beja Santos)
e
28 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9107: Notas de leitura (306): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9127: Parabéns a você (347): Herlânder Simões, ex-Fur Mil das CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9121: Parabéns a você (346): Carlos Schwarz da Silva (Pepito), Director Executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento da Guiné-Bissau

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9126: Agenda Cultural (173): Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, entregue a Julião Soares Sousa, na Academia Portuguesa da História, dia 7 de Dezembro de 2011 pelas 15 horas



1. Mensagem de Julião Soares Sousa(1) dirigida a Mário Beja Santos que por sua vez a reencaminhou para o nosso Blogue:

Acabo de ser distinguido com o prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História Moderna e Contemporânea de Portugal, da Academia Portuguesa da História, pelo livro "Amílcar Cabral (1924-1973) Vida e morte de um revolucionário africano" (Nova Vega, 2011).(2)

A cerimónia de entrega do prémio terá lugar no dia 7 de Dezembro, pelas 15 horas, na Academia Portuguesa da História.(3)

Julião Soares Sousa
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Notas de CV:

(1) - Sobre o Doutoramento de Julião Soares Sousa vd. poste de 17 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2447: Julião Soares Sousa, o primeiro guineense a doutorar-se pela Universidade de Coimbra (Carlos Marques Santos)

(2) - Sobre a recensão de Mário Beja Santos ao livro de Julião Soares Sousa "Amílcar Cabral (1924-1973)" vd. postes de:

5 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8508: Notas de leitura (253): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (1) (Mário Beja Santos)

13 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8549: Notas de leitura (256): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (2) (Mário Beja Santos)

19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)
e
2 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8629: Notas de leitura (261): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (4) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9115: Agenda Cultural (172): Lançamento do livro A Primeira Derrota de Salazar, de Paulo Aido, dia 1 de Dezembro pelas 17 horas, na Casa de Goa, em Lisboa (Teresa Almeida)

(3) - A Academia Portuguesa da História situa-se no Palácio dos Lilases, na Alameda das Linhas de Torres, 198-200 - Lisboa

Guiné 63/74 - P9125: In Memoriam (98): Daniel Matos (1949-2011): Agradecimentos da família aos camaradas da Guiné (Joana Matos)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico de Daniel Matos >  Foto 12 > "O autor, junto às águas do Rio Sapo, afluente do Rio Cacine, que banhava Gadamael Porto"...

Foto (e legenda): © Daniel Matos (2010)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados





Tardiamente, e sem saber que o Daniel Matos já não está fisicamente entre nós,  outro camarada de Gadamael, o Manuel Vaz, acaba de deixar o seguinte comentário ao poste P7186, de 28/10/2010

"Camarada Daniel Matos: Estive a visionar as fotografias de Gadamael que muito apreciei e tentei fazer um cronograma da estadia das várias Companhias que lá estiveram. Verifiquei que há várias em sobreposição, o que me levantou uma dúvida: - se a partir de determinada altura, havia mais de uma Companhia aquartelada em Gadamael. Quanto ao rio que banha Gadamael, não é o rio Sapo. Este corre mais a sul, junto de Sangonha. Podes confirmar pela Carta Militar. Um abraço, Manuel Vaz".

O rio em questão, afluente do Rio Cacine, parece ser o Rio Queruane (ou Rio Axe), segundo a carta de Cacoca (1960), escala 1/25000. O Rio Sapo corre mais a sul de Gadamael, situando-se a noroeste de Sangonhá... É afluente de um afluente do Rio Cacine, o Rio Unconde. Isto a fazer fé nos nossos cartógrafos, que eram os melhores do mundo... (LG)



1. Comentário, com data de hoje, de Joana Matos, filha do nosso saudoso camarada Daniel Matos (1949-2011), ao poste P9073 (*):

Em meu nome, da minha mãe e dos meus irmãos, quero agradecer as mensagens deixadas via facebook e blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Agradecemos ainda o apoio que deram ao meu pai nestes últimos dois e dolorosos anos, mas que lhe deram força para lutar, de forma digna e corajosa, contra a doença de que foi vítima e acabou por lhe tirar a vida.

Acreditamos que não perdeu esta batalha... apenas terminou.

Descansa em paz e um beijo cheio de saudades. 

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P9124: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (4): Troca de mensagens

1. Quarto episódio de "Porto de Abrigo", as memórias passadas a escrito pelo nosso camarada Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66.


PORTO DE ABRIGO - IV

Mensagens de Manuel Joaquim e Carlos Rios

Manuel Joaquim diz:
20 Janeiro 2010 às 20:44


Meu caro Carlos Rios:
Que surpresa ler as tuas palavras por aqui! A última vez que nos vimos foi quando me entraste pela sala de aula, na Amadora, já lá vão muitos anos. Um grande abraço, meu “velhote coxo e surdo”. Desculpa-me se não te agradar o que vou dizer:

Amigos frequentadores deste blogue, Carlos Rios foi condecorado com a Cruz de Guerra, muito muito merecida! “Coxo e surdo” não é uma expressão irónica, é o resultado dos ferimentos sofridos em combate por um militar exemplar no serviço, na camaradagem, de coragem e humanismo transbordantes! Este fur. mil. da CCaç.1420 representa para mim a coragem, as angústias, os sucessos, mesmo os desastres desta Companhia.

Até sempre, Carlos Rios
Manuel Joaquim, Fur. Milº CCaç.1419


Carlos Rios diz:
1 Agosto 2009 às 10:53

Uma profunda triste saudade me fizeram os nomes dos meu amigos Passeiro e Duarte, também eu estive no K3, em tempos em que se dormia debaixo de cibes e terra, a única construção era a “messe”, pertenci se se lembram à 1420. Esse forno do pão foi feito ou reconstruído pelo amigo Banharia, isso de ter tectos e outros é um luxo. 

Um abraço amigo a todos e as desculpas por algum lapso de memória.

Saudades do velhote coxo e surdo. Notável o empenhamento e dinâmica já na altura do meu querido amigo CABRAL; ele tem ainda fotografias muito mais notáveis.


Carlos Rios diz:
1 Agosto 2009 às 11:10

As minhas desculpas, agora me lembrei penso que estive foi no k10, a caminho de Mansabá indo de Mansoa, reitero e reforço os cumprimentos escrevendo os inconvenientes da saga do hospital militar principal; parece que há preocupação de limpar aquele nojo de “guerra”.


Carlos Rios, diz:
14 Julho 2010 às 15:43

Estas fotografias branqueiam os horrores do que foi realmente a passagem da CCaç 1420, por aqui, senão vejamos:
a) o 1º Comandante de Companhia assim que pôde (1 mês?) evacuou-se para a metrópole.
b) neste período de tempo teve tempo de punir com pena de prisão alguns praças por levantamento de rancho (o cheiro e apresentação da comida era imundo).

Logo a seguir acompanhados de outra Companhia, fizemos uma operação onde perdemos o meu grande amigo, Alf. Mil. Vasco Cardoso e mais 5 praças (entretanto já tinha falecido outro camarada) as tropas regressaram em pequenos grupos a Fulacunda. Que nulidade de Comandante.


Carlos Rios, Fur Mil da CCaç 1420, diz:
14 Julho 2010 às 16:14

Espanto é o sentimento que me assalta, bonitas e saudosas fotografias, mas não posso deixar de sentir a falta de outras que façam sentir o quotidiano da vivência desta terra durante a guerra colonial. As ruas esburacadas, a prisão onde eram torturados os desgraçados que fossem apontados por qualquer outro, o lago do crocodilo que um militar qualquer matou a tiro, alguns elementos da população com a sua corrente de misérias, o desaparecimento de alguns militares, as passeatas do padre para (contactos) com a população. Capturado, fardado um IN, e uma vez chegado ao quartel de Mansoa teve o Sr. Comandante de Sector um gesto heróico (enfiou uma valente bofetada no homem que se encontrava em sentido e com as mãos atadas). Que vilania. Muito mal preparados estavam os homens que nos conduziam. Uns nadas. (Referência a Mansoa)


Carlos Rios, Fur Mil da CCaç 1420, diz:
27 Fevereiro 2011 às 14:39

Obrigado Manuel Joaquim!
As coisas mais lindas, marcantes, e emocionais não podem ser vistas ou tocadas, mas sim sentidas pelo coração. É inenarrável a emoção e alegria com que li o que fizeste o favor de dizer acerca de mim e que necessariamente se torna extensivo a ti próprio e aos nossos queridos e sofredores companheiros a quem endereço um profundo abraço de solidariedade. Pena é que não haja maior participação, onde se possa aquilatar das agruras desta geração. O anexo do hospital Militar (anexo) era um autêntico campo de sofrimentos e humilhações. No prosseguimento desta desumana situação fomos ainda deslocados para o DI (Depósito de Indisponíveis), onde estando em recuperação e tratamento os militares eram englobados nas escalas de serviço. Recordo um dia em que estando de comandante da guarda, já coxo e surdo como sabes, tive que vir a exterior comandando a secção fazer o içar de bandeira. Calcularás o caricato da cena.


Carlos Rios, Fur Mil da CCaç 1420, diz:
23 Fevereiro 2011 às 18:22

Inenarráveis são os sentimentos e emoções que me assaltam ao ver as fotos e ler o expresso por todos os camaradas. Também por aqui passei, vim ser ouvido num auto levantado para descobrir quem seria o culpado pelo desaparecimento do meu querido amigo Alf. Mil. Vasco Sousa Cardoso, quando por um tremendo erro estratégico do comandante da Operação Cap. […] hoje reformado pelo menos como coronel (vicissitudes dos ineptos Comandantes) numa tremenda emboscada toda a coluna se partiu vindo o regresso de diversos grupos a Fulacunda a ser feito durante toda a noite, devo ao meu grande amigo Soleimane Djaló e ao Salu (já falecido) ter regressado já alta noite a Fulacunda. 

O meu amigo fugiu juntamente com cinco praças para o lado errado vindo a ser perseguidos e abatidos durante dois dias, um suicidou-se e apenas um dos elementos foi capturado e trocado através da CVI com prisioneiros do PAIGC.  O Comandante da Operação foi dos primeiros a chegar ao Quartel com o maior troço de tropas. 

Que ignorante eu era destas questões. Não quero deixar de referir que no dia imediato uma Companhia a sério Comandada pelo Cap. Carlos Fabião – (Companhia dos Camelos), a quem rendo a minha homenagem – Um HOMEM – a sério, onde me integrei, pesquisou intensamente a área do incidente mas infrutiferamente. Pequenos episódios tristes demonstrativos da incipiente preparação dos nossos comandantes. Nesta deslocação a Bolama tive a oportunidade de me banhar na praia da Ilha – OFIR se chamava ela. Quando no decorrer da operação que deu azo ao levantamento do auto pelo qual me fizerem ir a Bolama ser ouvido; e sendo elementos do IN detectados em plena picada a caminho de S. João, junto de Nova Sintra (ainda não existia o destacamento nosso, criado a posteriori) estando eu como de costume a testa da coluna, avançámos de rompante metralhando o grupo e provocando dois feridos e capturando a primeira metralhadora PPSH, apanhada no campo de batalha na Guiné. Após o que regressamos ao ponto de encontro marcado pelo comandante de Operação;
Não havia ninguém.


Legenda:

A) - Primeiro morto em combate
B) - Morte do 2.º Sargento Monteiro e Ferimentos graves em diversos camaradas (Raimundo fica estropiado e amputado de dedos de uma mão)
C) - Grave ferimento do Rui (estilhaços nas pernas)
D) - Rios atingido por rajada (fica estropiado)
E) - Desaparecimento (em confrontação directa ) do Alf Mil Vasco Cardoso e mais 5 praças.
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Nota de CV:

Vd. poste da série de 29 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9112: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (3): A nossa estada em Bissorã e Mansoa, e as baixas em combate

Guiné 63/74 - P9123: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (11): Uma cena do Júlio, em combate: Furriel, os meus t... ?!



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > António Fernando Marques e Arlindo Teixeira Roda, dois camaradas da 1ª geração da CCAÇ 12 (1969/71), junto ao monumento da CCAÇ 1550 (1966/68),  unidade de quadrícula do Xime que  antecedeu a  CART 1746 (1968/69), a CART 2520 (1969/70), a CART 2715 (1970/71), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)... A CCAÇ 12 conheceu bem e duramente, o subsetor do Xime, entre 1969 e 1974... (LG)

Foto: © Arlindo Roda (2010)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.





1. Texto do Zé Ferraz, português radicado nos EUA desde 1970 (vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746 (Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70):


Curiosamente fui eu que fiz os prisioneiros na tal [Op Baioneta Dourada, iniciada em 2 de Abril de 1969, às 0h00, com a duração prevista de dois dias, e com o objetivo de se completarem as destruições dos meios de vida na área, executadas aquando da Op Lança Afiada (8-18 de Março de 1969), na região de Poindon]...

Íamos a sair da mata para uma abertura com capim,  talvez de meio metro de altura,  e um trilho que cruzava essa abertura em sentido perpendicular ao nosso sentido de marcha... Se bem me lembro,  eram dois [turras] e não um... Quando nos demos conta que eles vinham na nossa direcção a conversar e, portanto sem se darem conta de nós ( ainda bem que tinha ensinado ao meu pessoal balanta os sinais aprendidos em Lamego...),  dei ordens para que se alapassem e eu deitei-me de costas para o chão, ao lado desse trilho.


Eles [, os turras,]  só se deram  conta de mim talvez a um par de metros donde eu estava deitado. Levantei o torso,  apontei-lhes a G3 e disse:
- A boó firma aí!

Tremiam como se tivessem visto um fantasma e eu ri-me... Foram então levados para junto do comandante dessa operação, e interrogados. O resto da história vocês já sabem. 


Também me lembro agora de mais uma história com o  Júlio que,  como responsável pelos dilagramas, andava sempre ligado a mim. Quando o contra-ataque se desencadeou,  ele e eu abrigámo-nos atrás de um  bagabaga enorme. Começámos a responder, o Júlio por um lado do baga baga e eu pelo outro.


Tivemos, entretanto,  que nos desabrigar,  disse-lhe para onde atirar os dilagramas e e nisto dou-me conta de que o Júlio está de joelhos no chão a disparar dilagramas e que cai prá frente,  redondo. Atirei-me para junto dele com terrível ansiedade porque estava convencido que ele tinha sido ferido, mas dei-me conta de que felizmente estava vivo. A primeira coisa que me perguntou, foi:
- Furriel,  os meus tomates? !


Houve mais tiroteio,  acabou o contacto,  levanto-me,  ajudo o Júlio a levantar-se e, quando de pé ele puxa as calçaas debaixo dos tomates,  vejo que aí estava um buraco de bala... Uns centímetros mais a cima... e pobre do Júlio!  Disse-lhe,  em descarga nervosa:
- Ah, Júlio ainda bem ..senão nunca mais comíamos galinha!
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Nota do editor:


Último poste da série > 30 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9116: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (10): Júlio, o pilha-galinhas do Xime


(...) Quando estava a recordar vendo as fotos da RTX [, Rádio Televisão do Xime,] lembrei-me de outra história do Júlio,  homem desenrascado e esperto até dizer chega...Ora bem,  havia um acordo tácito de que galinha que entrasse para dentro do arame farpado era nossa e ia para o tacho  (...) 


Guiné 63/74 - P9122: O nosso fad...ário (3): Fado Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira, CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1968/69)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) > 1968 > O Manuel Moreira Vieiria junto ao obus 10.5... A CART 1746 (i) teve como unidade mobilizadora o GCA 2, (ii) seguiu para a Guiné em 20/7/1967, (iii) regressou em 7/6/1969; (iv) esteve em Bissorã e no Xime (aqui desde princípios de 1968); comandante: Cap Mil António Gabriel Rodrigues Vaz.


Antes desta unidade de quadrícula, passou pelo Xime a CCAÇ 1550 (1966/68) (estivera antes em Farim; era comandada pelo Cap Mil Inf Agostinho Duarte Belo). À CART 1746, seguiu-se a CART 2520 (1969/70), a CART 2715 (1970/71), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)... (LG)

Foto: © Manuel Moreira (2009)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




1. Letra que nos foi enviada pelo nosso camarada, e poeta de Águeda,  Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746 (Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69):

Sangue, Suor e Lágrimas

por Manuel Vieira Moreira (*)



Adapt do Fado Saudade, silêncio e sombra
Letra (**): Nuno de Lorena: Música: Pedro Rodrigues-Fado Primavera; criação: Teresa Tarouca [Vd. vídeo aqui no TouTube] (**)

Muitas noites tenho passado,
Na Guerra bem acordado,
Por não conseguir dormir.
Com os olhos sempre alerta,
Pois é sempre pela certa
Que os Turras cá possam vir.
(Bis)

Certa noite fui acordado
E por estrondos alarmado,
Às duas da madrugada.
Mas rapidez é comigo,
Corri logo a um abrigo
P'ra responder de rajada.
(Bis)

A nossa bela Nação
Defendo-a do coração,
Estas são as minhas dádivas.
Misturadas com a dor,
Lágrimas, Sangue e Suor,
Suor, Sangue e Lágrimas.
(Bis)

(Final)

Xime, 20 de Dezembro de 1968 (****)

 © Manuel Moreira (2009)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28  de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5557: Cancioneiro do Xime (2): Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira)

(**) Comentário: (...) "Ouvi este fado muitas vezes durante a guerra colonial. Encontrava-me na Madureira,  acampamento militar entre Nambuagongo e Zala em 1969. Todas as vezes que ía para uma operação tinha que [o] ouvir num pequeno gravador, antes de partir. Aliviava-me a alma". [antonio62203]

(**) Letra reproduzida aqui:

A saudade, meu amor,
é o martírio maior
da minha vida em pedaços,
desde a tarde desse dia
em que ao longe se perdia
pra sempre o som dos teus passos.

Saudades fazem lembrar
silêncios do teu olhar,
segredos da tua voz.
E essa antiga melodia
que o vento na ramaria
murmurava só para nós.

Lembraste daquela vez,
quando eu cantava a teu pés
trovas que não tinham fim.
Quando o luar prateava
e quando a noite orvalhava
as rosas desse jardim.

Jardim distante e incerto,
sinto tão longe e tão perto
o passado que te ensombra,
devaneio e irrealidade,
silêncio, sombras saudade,
saudades silêncio e sombra.

28 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9109: O nosso fad...ário (1): O Fado da Emboscada (CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1969) (João Carvalho / José Martins)

Guiné 63/74 - P9121: Parabéns a você (346): Carlos Schwarz da Silva (Pepito), Director Executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento da Guiné-Bissau

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9096: Parabéns a você (345): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Bigene, Guidage e Barro, 1968/70)

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Guiné 63/74 – P9120: Memórias de Gabú (José Saúde) (16): Protecção avançada a um avião que trazia novidades…



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

PROTECÇÃO AVANÇADA A UM AVIÃO QUE TRAZIA NOVIDADES…

E NÓS LÁ ÍAMOS PARA PROTEGER A ATERRAGEM E A DESCOLAGEM

Dia em que o Capitão me chamava para organizar o grupo e avançar para a protecção à pista, era dia marcado pelo sofrimento. Horas a fio a olhar para o ar, tentando, por outro lado, ouvir os motores dos velhos Noratlas ao longe, era um dilema com o qual o pessoal se debatia quando a obrigação se deparava. 

No terreno, e já devidamente instalados, o frenesim do tempo imperava: “Furriel, isto é gozar com a malta!”, confidenciava-me o mais pacato militar. “Uma manhã inteira aqui e até agora avião nem vê-lo!”, adiantava o cabo Rodrigues. “São quase horas do almoço a nós aqui continuamos!”, afirmava o soldado Damásio.
Eu, calmamente, confortava rapaziada com umas dicas avulsas a fim de criar um ambiente entre o grupo. 

Num repente começavam-se a ouvir estridentes motores do Noratlas.”Vem aí, bolas, custou mas foi!”, dizia-me o soldado Carvalho com um ar bonacheirão. “Está a fazer-se à pista!”, reforçava o Silva. 

Depois de tantas interrogações seguia-se o momento de levantar voo. Tudo corria pelo melhor quando o tempo em terra era rápido. Porém, havia ocasiões que o tempo de espera se prolongava de tal forma que o pessoal desesperava por completo, voltando o trocadilho de acusações face ao sucedido. Problemas que se prendiam com o transporte de feridos que obrigavam a incertezas profundas. 

O sorriso voltava quando ouvíamos de novo o reactivar dos motores e a descolagem da aeronave. 

Num início de uma noite recebemos ordens para ir iluminar a pista com pequenas candeias imbuídas em gasóleo. Foi um trabalhão enorme! Sabíamos que se tratava de evacuar feridos vindos de Piche. Particularmente não procurei saber ao certo o que se passara. Fomos para o terreno. Todo o grupo foi incansável. Ninguém se escusou à tarefa. A nossa entrega à causa foi determinante para uma aterragem e descolagem calma do avião. Ou seja: para facilitar uma melhor visão ao comandante a bordo no momento da descolagem. 

De vez em quando uma candeia apagava-se e prontamente havia um voluntário para contornar o problema. 

Os feridos de Piche começaram a chegar. Nós, ansiosos para saber o que se tinha passado, não parávamos na nossa entrega. 

À medida que os feridos chegavam à pista trazidos em cima dos Unimog's, fomos tendo conhecimento do acidente. 

Dizia-me o Alferes, um dos feridos, que na última saída para o mato e com o grupo nos últimos retoques para saber se tudo estava em ordem, o homem da bazuca descuidou-se, virou a arma e a granada rebentou no meio do pessoal. O atirador teve morte imediata e o resto é o que se via.

Muitos feridos, gritos de dor e de revolta pelo sucedido, tendo em conta que a comissão do Batalhão de Piche já tinha terminado e o pessoal aguardava com alegria o regresso à Metrópole.

Infelizmente o imprevisto aconteceu e a revolta abateu-se sob almas desesperadas!


Eu com um camarada enquanto aguardávamos novas de uma aeronave que tardava
Esperando sinais para a chegada do avião a Gabú

Um abraço a todos os camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: