Guiné > Algures > s/d > Manel Djoquin, com o seu icónico velho Ford, de matrícula G-804, a sua caçadeira e um dos seus ajudantes locais... (Dizem que um deles terá sido o Kumba Yalá, quando jovem... Nasceu em Bula, em 1953 e morreu em Bissau, em 2014, aos 61 anos; foi presidente da república, entre 2000 e 2003).
Foto (e legenda: © Lucinda Aranha (2014) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
A vovó Nené
A Julinha
Cabo Verde > Santiago > Praia > s/d > c. 1930 > Manuel Joaquim dos Prazeres éra um apaixonado por carros e corridas de carros.. E tinha, em sociedade, uma oficina de reparação de automóveis, a Auto Colonial, na Rua Sá da Bandeira (vd. pág. 29)
Guiné > s/l > s/ d (c. 1950 > O Manuel Djqoquim, numa das suas poses "cinematográficas" (v. pág. 80)
Fotos e legendas (2016): página do Facebook, Lucinda Aranha Antunes - Andanças na Escrita (Com a devida vénia...).
Lucinda Aranha - O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim. Alcochete: Alfarroba, 2018, 165 pp.
A autora chama "romance" ao seu livro de memórias da família (*)...Na realidade, é um conjunto de histórias de vida, à volta da figura do "africanista" Manel Djoquim, e das "matriarcas" da família, a Julinha, sua segunda esposa, e a "vovó Nené", a ama das filhas e depois cozinheira, vinda da Praia, Santiago, para a casa de Lisboa, onde viveu mais de 60 anos, perfeitamente adotada e integrada na família (cap 1, pp. 9 e ss.; e cap 5, pp. 58 e ss.).
Esclareceu-nos a autora, Lucinda Aranha, a mais nova das filhas do Nequinhas e da Julinha, já nascida em Lisboa: "Efetivamente nunca fui à Guiné ou a Cabo Verde. Para mim, embora o livro gire à volta do Manel Djoquim, é um livro de mulheres onde dominam as 2 matriarcas. Este trio constitui as 3 personagens mais importantes." (*)
Na contracapa pode ler-se:
"A busca de uma vida melhor. O encontro com a aventura e o desconhecido. A liberdade de uma nova terra. Os encontros e os desencontros de uma vida amorosa"...
"A busca de uma vida melhor. O encontro com a aventura e o desconhecido. A liberdade de uma nova terra. Os encontros e os desencontros de uma vida amorosa"...
Na Guiné andava sempre armado... Era uma inveterado caçador (pág. 71) |
escrever um livro que é também uma "hino de amor" àquelas duas terras por onde andou, viveu, amou, trabalhou o seu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres (1901-1977). E um "hino de amor" aos seus pais, aos amigos dos seus pais, às suas manas, à sua ama, escrito de resto com delicadeza e inteligência emocional para não ferir suscetibilidades, até porque há muitas pessoas vivas: as irmãs, os amigos, os seus descendentes... Daí a autora chamar "romance" a este livro.
O livro tem 13 capítulos e 169 pp, onde o crioulo se mistura, saborosamente, com o português. Mas todas as falas ou expressões em crioulo têm tradução, em nota de rodapé, como a fala da vovó Nené (Maria Mendes, no romance): "C'uzas di vida, sima Deus crê. Mim nasci lá lundji, badia di pé ratchado e vem vivi e ve morri cum sinhóra e sus filhu fèmia em Lisboa" ["Coisas da vida, como Deus quer. Nasci longe, vadia de pé rachado e vim viver e morrer com a senhora e as filhas em Lisboa".] (p. 58).
Falando do feitiço de África, tudo começou, por Cabo Verde, onde Manel Djoquim, chega, em 1922, instalando-se na Praia onde começa por trabalhar, como mecânico, na Central Elétrica. Em 1930, casa-se com Tonha, "filha da terra" (pág. 33)., de quem tem duas filhas e um rapaz.
A alfacinha Julinha, 11 anos mais nova, , aparecerá mais tarde, na viragem dos anos 30 (pp. 45 e ss.). Desta relação, nascem, na Praia, duas irmãs da Lucinda... Em 1944, a família ruma até Bolama, onde nasceu uma terceira filha... Em 46, a Julinha e as filhas, mais a ama cabo-verdiana, regressam a Lisboa, onde nasceu a Lucinda.
Nascido em Lisboa, em 1901, em plena "belle époque" (, que só o era para uma minoria privilegiada da alta nobreza e da burguesia em ascensão...), Manuel Joaquim terá visto em África uma tripla oportunidade para a sua vida... Na época, África estava longe de ser um "destino comum" para os portugueses que procuravam uma "vida melhor", longe da metrópole, e dos tempos difícdeis do pós-guerra, mas também a "aventura" e o "desconhecido", a par da "liberdade" e dos "amores".. O Brasil era então, de longe, o grande destino da emigração portuguesa.
Território português durante séculos, povoado por escravos e por europeus, Cabo Verde não foi, mesmo assim, objeto de grandes memórias escritas por parte das gentes metropolitanas que naquelas ilhas se fixaram ou lá viveram durante uns largos tempos. Daí também o interesse adicional deste livro, com apontamentos e fotos interessantes sobre o quotidiano da vida na Praia, onde o Manel Djoquim viveu, mais de duas décadas, entre 1922 e 1944. (1922 é uma data aproxiamda, em rigor a autora não sabe o ano exato em que o pai se ficou na Praia.)
Mais sorte terá tido, nesse aspeto, o Mindelo, na ilha de São Vicente, cidade aberta, cosmopolita, e que teve sobretudo o privilégio de ter, durante décadas, o Foto Melo, um estúdio fotográfico que atravessou um século (1890-1992), tendo documentado praticamente toda a vida (política, militar, económica, social, cultural...), a demografia e a geografia da ilha...
"O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", dado à estampa em 2018, parece-nos ser, de algum modo, um desenvolvimento do livro anterior da autora, "No reino das orelhas de burro" (Lisboa, Colibri, 2012, 106 pp.), baseado também nas estórias de homens e bichos que povoaram a sua infância (***)...
Na obra, agora em apreço, a autora baseou-se numa exaustiva pesquisa documental (escrita e fotográfica), recorrendo ao arquivo da família mas também e sobretudo às suas recordações de infância, adolescência e juventude (o pai morreu quando ela estaria já à beira dos 30), bem como a entrevistas a familiares e amigos do pai e da família, do tempo de Cabo Verde e da Guiné. Pai que é uma personalidade complexa e contraditória, conservador, puritano, moralista, mas também anticlerical, aventureiro, inimigo das corridas de touros e do fado, e em termos político-ideológicos um admirador de Salazar tanto quanto de Amílcar Cabral...
A autora consultou igualmente a escasssa imprensa local, dessa época, "O Eco de Cabo Verde" (, com início em 1933) e o "Arauto", primeiro semanário e depois diário, que se publicou em Bissau, de 1943 a 1968. Teve, também, verdade se diga, uma boa ajuda dos nosso blogue e dos nossos camaradas e amigos que ainda conheceram o Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, durante a guerra... pelo menos até 1970/71... (A PIDE/DGS e as autoridades militares acabaram por impedi-lo de deambular livremente pelo mato, com a sua carriplana, alegando razões de segurança; e isso foi "o princípio do fim": em 1973 tem um AVC, já em Lisboa, e morre quatro anos depois, precisamenre em 25 de dezembro de 1977.)
A "morabeza" cabo-verdiana está muito bem retratada no capítulo II ("Na cidade da Praia" (pp. 28-44). Há ali personagens (amigos da tertúlia do Manuel Djoquim) que mereceriam um outro deenvolvimento num romance de maior fôlego: são homens (, não entram aqui mulheres...) das relações de amizade e convívio do futuro homem do cinema...(que, de resto, coneça aqui, na Praia, a sua carreira de empresário de cinema, prosseguida depois , em 1944, em Bolama, onde se fixa, a convite da Associação dos Bombeiros locais, para dar sessões de cinema ao livre, com documentários sobre a II Guerra Mundial). (**).
"Além de mecânico da Central [Elétrica], de dar uma mãozinha na Marconi, fizera-se sócio da oficina-garagem do Pires [, a Auto Colonial,], abrira uma casa de comércio, dessas que vendem um pouco de tudo, dedicara-se à projecção de filmes.
"Ademais lucrava com a comodidade de a Central ficar perto do cinema, o Teatro Africano, rebatizado Cineteatro Virgínio Vitorino pelo Estado Novo, que desconfiara do nome primitivo, censurando as veleidades autonomistas africanas.
"A sala era-lhe subalugada pela Cãmara, que administrava também a luz. Morava então na rua Serpa Pinto, mesmo junto ao cinema e à Central, numa casa com quintal, árvores e fruta-pão e bananeiras e muito espaço para a criançada que ia nascendo e para os cães e os gatos de que gostava de se rodear. A casa comercial e a oficina ficavam na rua Sá da Bandeira, a rua mais larga da cidade" (pág. 23).
Numa terra assolada por secas cíclicas, a fuga à fome, à morte e à pobreza fazia-se muitas vezes emigrando para a Guiné e também para São Tomé e Príncipe. Para os cabo-verdianos, a vida na Guiné era-lhes mais fácil, "ou não fossem mais estudados,o que lhes garantia bons cargos, posições de chefia" (p.33).
Este e outros temas eram pretexto para a cavaqueira, tal como a chegada á ilha de exilados políticos, quer ainda no tempo da República como depois durante a Ditadura Militar e o Estado Novo: o coronel Fernando Freiria ou o médico militar Carlos Almeida, são dois exemplos citados.
Também teve eco, naquela tertúlia, a "grande escandaleira [que] foi o ataque ao crioulo e aos mulatos no 1º Congresso de Antropologia Colonial realizado no Porto, em setembro de 34. O dr. Luís Chaves, conservador do Museu Etnológico, cheio de zelo ariano, defendendeu que os mestiços eram seres inferiores, degenerados, incapazes de produzir obras literárias" (p. 37)... Com isso, amesquinhavam-se grandes escritores crioulos como o Fausto Duarte, autor do romance "Auá", que ganhara justamente o 1º prémio do 1º Concurso de Literatura Colonial, e em defesa do qual veio a terreiro o Juvenal Cabral, pai do Amílcar Cabral, nas páginas de "O Eco de Cabo Verde".
Depois de 1936, há outro motivo de conversa, a abertura da "colónia penal" do Tarrafal, na ilha de Santiago (p. 41). E, e ainda antes de (e durante) a guerra, as histórias dos alemães que, apesar da neutralidade do governo de Salazar, não se coibiam de ir a terra, desembarcados dos submarinos que patrulhavam o Atlântico, quer ´para se reabastecerem quer para fazerem jogatanas de futebol com a miudagem... (pp. 41/42).
Mas o acontecimento mais marcante desta época, pelo insólito, foi a passagem do zepelim, em 1934...
No livro "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim" (Alcochete: Alfarroba, 2018),
Lucinda Aranha faz referência a este memorável evento nos termos seguintes termos:
" (...) mas nada os fez [ao Manel Djoquim e amigos de tertúlia] dar tanto à língua como o espetácul nunca visto do zepelim que, na manhã de 12 de junho de 34, pairou sonre o céu da Praia, em espera de um passageiro alemão que resolveu ìr às comprars de sedas e outros artigos japoneses na casa Serbam. Foi um embascamento que os fez abandonar casa e trabalho " (...) (pág. 34)
Recorde-se que o zepelim era um grande dirigível, rígido,com carcaça metálica, de tecnologia e fábrico alemães, usado para travessias do Atlântico na década de 1930.
Cabo Verde> Ilha de São Vicente > Mindelo > S/ d > A foto ilustra a passagem dum zepelim mas não tem datas. Foto do álbum de Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, natural de Vale da Pinta, Cartaxo, ex-1º Cabo n.º 816/42/5 da 4ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria do R.I. 5, despois integrado no RI 23... A foto tem a data de 18 de Outubro de 1943 e na legenda refere ser 'recordação de S. Vicente'. O original é "foto Melo". (****)
Foto (e legenda): © Hélder Sousa (2009). Todo os direitos reservados. [Edição e Legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
É uma raridade esta foto: ao que parece, dataria de 1937, ano e que o Mindelo foi sobrevoado por um dirigível que pretendia abrir uma carreira entre a Europa e o Novo Mundo, o LZ 129 Hindenburg, de fabrico alemão, origulho do regime hitleriano:
(...) Reza a História, que o dito aparelho, uma das grandes apostas à época para o transporte de passageiros, adoptando os mesmos tipos de luxos dos grandes 'Paquetes Transatlânticos' que estabeleciam as ligações entre os três continentes, Europa, África e Américas, fez só uma viagem ligando os dois continentes. Partiu da Velha Europa para o Novo Mundo - o continente Americano, tendo passado sobre Cabo Verde.
"Mindelo ficou na sua rota e Tuta [Guilherme Melo] registou esse momento, único! O aparelho passou sobre a Ilha de São Vicente, tendo largado três sacos de 'Mala Postal' - a forma complicada como se dizia correio - e teve um fim trágico ao aterrar em Lakehurst nos USA [, em 6 de Maio de 1937].
"Para os arquivos, fica mais esta imagem, só possível em Mindelo, pelo manancial de informação que corria na ilha, por causa dos cruzamentos dos cabos submarinos do Telégrafo Inglês e da Italcable (Italianos) e do seu movimentado Porto, também à época local de passagem obrigatória para os barcos que cruzavam o Atlântico Sul" (...)". Fonte: sítio Mindel Na Coraçon
(...) Reza a História, que o dito aparelho, uma das grandes apostas à época para o transporte de passageiros, adoptando os mesmos tipos de luxos dos grandes 'Paquetes Transatlânticos' que estabeleciam as ligações entre os três continentes, Europa, África e Américas, fez só uma viagem ligando os dois continentes. Partiu da Velha Europa para o Novo Mundo - o continente Americano, tendo passado sobre Cabo Verde.
"Mindelo ficou na sua rota e Tuta [Guilherme Melo] registou esse momento, único! O aparelho passou sobre a Ilha de São Vicente, tendo largado três sacos de 'Mala Postal' - a forma complicada como se dizia correio - e teve um fim trágico ao aterrar em Lakehurst nos USA [, em 6 de Maio de 1937].
"Para os arquivos, fica mais esta imagem, só possível em Mindelo, pelo manancial de informação que corria na ilha, por causa dos cruzamentos dos cabos submarinos do Telégrafo Inglês e da Italcable (Italianos) e do seu movimentado Porto, também à época local de passagem obrigatória para os barcos que cruzavam o Atlântico Sul" (...)". Fonte: sítio Mindel Na Coraçon
(Continua)
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(*) Último poste da série > 14 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20558: Manuscrito(s) (Luís Graça) (176): Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, o último africanista - Parte I
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Notas do editor:
(***) Vd. poste de 15 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12991: Tabanca Grande (433): Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim dos Prazeres que viveu em Cabo Verde e na Guiné entre os anos 30 e 1972, e que era empresário de cinema ambulante
(****) Vd. poste de 9 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)