Título: No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português
Autor: Jorge Monteiro Alves
Edição: 07-2021
Editor: Livros Horizonte, Lisboa
Idioma: Português
Tipo de Produto: Livro
Páginas: 192
Dimensões: 155 x 235 x 15 mm
Encadernação: Capa mole
ISBN: 9789899984837
Classificação Temática: Livros em Português > História > História de Portugal
Preço de capa: c. 15 euros
Nota de leitura, por Luís Graça > Jorge Monteiro Alves: “No mato ninguém morre em versão John Wayne; Guiné, o Vietname português” (Lisboa, Livros Horizonte, 2021, 191 pp.) – Parte I
“Portugal teve o seu Vietname na Guiné” (pág. 17), começa por escrever o autor, logo na primeira linha do primeiro parágrafo do Capítulo I (sem subtítulo, tal como os restantes, quinze ao todo).
É já um “lugar comum” a tentativa de comparar-se a guerra da Guiné com a do Vietname, mas isso poderia (e deveria) começar por ser uma “pergunta de investigação” , aceitável por exemplo num trabalho académico, uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutoramento.
Não sei se alguém, mais habilitado para o fazer, com formação em ciências militares (, cultivadas, por exemplo, na Academia Militar), já se abalançou à tarefa de responder a esse desafio. Não é questão para ser respondida, com seriedade, nas redes sociais.
São comparáveis as duas guerras ? Nâo me parece, dado o contexto geopolítico e os meios logísticos, humanos e militares envolvidos, a par do número de baixas, tanto militares como civis. Enfim, seriam, ambas, guerras de "baixa intensidade", comparadas com as guerras convencionais, envolvendo dois ou mais Estados ?
Deixemos isso para os peritos militares, mas em geral a guerra da Guiné cabe na definição de Conflito de Baixa Intensidade (, em inglês, low-intensity conflict) melhor do que a guerra do Vietname. O que não quer dizer que na "nossa guerra" não tenha havido cenas de grande violência e horror como as do Vietname. Muitos de nós já aqui o testemunharam. Num caso a televisão mostrou, no outro omitiu. Historicamente a guerra do Vietname foi a primeira a ser mostrada em direto nos ecrãs de televisão, afetando o moral das tropas e minando o patriotismo dos americanos que ficaram na retaguarda... O que teria em Portugal em maio/junho de 1973 se a televisão estatal, a única que existia, tivesse mostrado imagens em direto de Guidaje, Guileje ou Gadamael ? Impensável. ..
Não é o caso deste livro, que de facto não pretende comparar a guerra do Vietname com a da Guiné. Não é, nem pretende ser, um trabalho académico, com as exigências próprias do género, a começar pelas referências bibliográficas e pelo "estado da arte" (ou revisão de literatura). Não é sequer um ensaio de história, ou muito menos uma obra biográfica. Mas também não é ficção, mesmo que o autor nunca posto os pés no território....Era muito novo ou estava para nascer....
Li o livro num fôlego, com agrado, estilo incisivo, frase curta, à Hemingway, mas vejo-o apenas como um trabalho de investigação jornalística. Que, acrescente-se desde já, tem méritos e alguns erros, omissões ou falhas, a serem objeto de correção, se for caso disso, numa 2ª edição, aumentada e melhorada.
“No mato ninguém morre em versão John Wayne” seria, em todo o caso, um bom título para uma obra de ficção sobre a guerra, em geral, e a guerra de guerrilha e contraguerrilha, em particular, se não fora o subtítulo, “Guiné, o Vietname português”.
Mas a bota não bate com a perdigota, isto é, o continente com o conteúdo: o leitor pode ser induzido em engano se levar à letra o subtítulo da obra do Jorge Monteiro Alves. Na realidade, nas 191 páginas e nos 15 capítulos deste trabalho literário ou jornalístico, o autor deixa cair, logo à primeira, o topónimo “Vietname”. Não se fala mais da guerra onde o exército norte-americano parece ter perdido tanto na linha da frente como na rectaguarda (, tendo em conta o clima de grande hostilidade, impopularidade e contestação que a guerra do Vietname provocou no seio da sociedade americana e na própria Europa)…
Na realidade, não são sequer realidades comparáveis, a Guiné e o Vietname, Portugal e o EUA, o PAIGC e os vietcongs e os seus aliados… O único termo de comparação com a nossa “guerra do ultramar” que se pode encontrar no livro é da “guerra da Argélia”, muito embora a Argélia francesa fosse uma verdadeira colónia de povoamento, o que a Guiné portuguesa não era (nem nunca foi):
(…) “Ali, na luta armada contra o movimento de libertação argelino (Frente de Libertação Nacional, FLN), Paris chegou a colocar 500 mil homens, efetivos destinados a combater num área de 300 mil km2 (o restante da Argélia é deserto). E contava com todo o apoio logístico-militar da própria França, situada a apenas 700 km. Tudo em vão. Portugal, pelo contrário, empregava 150 mil homens em permanência para lutar numa área de dois milhões de km2, com o apoio logístico-militar da Metrópole, situado a cinco mil e seis mil quilómetros (casos de Angola e Moçambique. (…) O regime não só obrigou centenas de milhares de portugueses a um esforço inaudito durante 13 anos de guerra, como também esvaziou os cofres do Estado” (pág. 56). (…)
Já antes, no início do livro, se escrevia, a seguir à frase “Portugal teve o seu Vietname na Guiné”:
“Ali, ao longo de 11 anos, num território do tamanho do Alentejo, morreram mais de três mil soldados portugueses, vítimas de um adversário temível e de um clima impiedoso. Muitos mais ficaram estropiados e com feridas na alma para toda a vida. Lutaram em condições pavorosas e, apesar de tudo, muitos foram além do que exigia o dever” (pág. 17).
Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Mas este pequeno preâmbulo serve apenas para introduzir a figura de um combatente excecional, o luso-guineense Marcelino da Mata, cuja história de vida, devidamente contextualizada, vamos acompanhar ao longo das 191 páginas do livro, E, no entanto, não se trata de um biografia deste combatente em que o mito e a realidade se misturam, e muito menos uma biografia autorizada. Como escreve, no prefácio, Francisco Gomes de Oliveira
(…) “Para os seus homens. Marcelino da Mata foi um líder e um herói. Para o PAIGC, um temível inimigo. Para nós, Portugueses, alguém cuja memória merece uma análise desapaixonda e contextualiza” (pág. 14).
Na realidade, é uma pena que o Marcelino da Mata, que a morte, por Covid-19, surpreendeu, aos 81 anos, nunca tenha querido escrever ou ditar (a um “copy desk”) as suas memórias, contrariamente a outro combatente guineense, comando, Amadu Bailo Jaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), autor de “Comando, guineense, português” (Lisboa: Associação dos Comandos, 2010, 229 pp.).
Ao terminar esta primeira nota de leitura, refira-se que, ainda antes da morte do ten-cor Marcelino da Mata, circulava nas redes sociais um projeto de livro, ilustrado, e em formato pdf, com o título "O Último herói do Império", e era justamente da autoria do Jorge Monteiro Alves. Tinha 172 págimas, menos vinte que o livro que ele acaba de publicar, sob a chancela editoral dos Livros Horizonte. Falámos sobre ao telefone sobre o que o impedia de avançar com a edição do livro, um projecto já com meia dúzia de anos. A verdade é que o Jorge retomou o fôlego, e venceu alguns receios e algumas reservas conjunturais, decorrentes da dramatização da perda ainda recente do Marcelino da Mata.
Na lista dos agradecimentos, há uma palavra para o nosso blogue. Mas a gratidão maior vai para "todos os ex-combatentess da então Guiné Portuguesa que entrevistei e que lutaram ao lado do Marcelino da Mata." E esclarece: "Os relatos em primeira pessoa registados neste livro resultam de múltiplos depoimentos feitos nas décadas de 70 e 80 do século XX a orgãos de Comunicação Social Portuguesa" (pág, 9)", e que o autor nunca ou raramente cita, como deveria. Mas isso é já assunto para a segunda parte desta nota de leitura. (***)
(Continua)
Notas do editor:
(*) Vd, poste de 10 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22356: Agenda cultural (775): "No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português" (Livros Horizonte, Lisboa, 2021, 192 pp.): livro de Jorge Monteiro Alves, jornalista e repórter de guerra... Uma biografia não autorizada de Marcelino da Mata, o último herói do império.
(**) Vd. poste de 25 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10193: As Nossas Tropas - Quem foi quem (9): Marcelino da Mata, 1º cabo, Gr Cmds Diabólicos (1965/66) (Virgínio Briote)
(…) “Para os seus homens. Marcelino da Mata foi um líder e um herói. Para o PAIGC, um temível inimigo. Para nós, Portugueses, alguém cuja memória merece uma análise desapaixonda e contextualiza” (pág. 14).
Na realidade, é uma pena que o Marcelino da Mata, que a morte, por Covid-19, surpreendeu, aos 81 anos, nunca tenha querido escrever ou ditar (a um “copy desk”) as suas memórias, contrariamente a outro combatente guineense, comando, Amadu Bailo Jaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), autor de “Comando, guineense, português” (Lisboa: Associação dos Comandos, 2010, 229 pp.).
Neste caso, o Amadu teve mais sorte que o Marcelino, graças a inestimável ajuda de um camarada de armas, igualmente 'comando', o Virgínio Briote, cuja sensibilidade, solicitude, solidariedade e competências nunca são demais evocar e exaltar aqui... Para mais, o Briote chegou a ser comandante operacional do Marcelino da Mata (**), facto que é omitido no livro do Jorge Monteiro Alves.
Em mail que nos enviou no passado dia 10 de julho, o Jorge Monteiro Alves transmitiu-me, entretanto, algo que é importante para se peceber o "making of" desta obra e os seus limites, e de que aqui reproduzo uma parte (, com a devida vénia):
(...) "Tentei estabelecer ene contactos (telefónicos, pessoais, etc.) com o TC Marcelino, inclusive através do núcleo da Bataria da Lage (Comandos, cujo restaurante frequento, e ele também frequentava). Tudo em vão. Ele sempre se esquivou. " (...)
O ten cor Marcelino da Mata provavelmente tinha em mente outros projetos e quereria, porventura, obter algumas legítimas compensações financeiras, provenientes dos direitos de autor de um livro de memórias, sucetível de se tornar um "best-seller". Terá sido isso que deu a entender ao Jorge Monteiro Alves, mas também a mim, há uns anos atrás.
De facto, as poucas vezes que estive com o Marcelino da Mata não foi no CTIG, mas em convívios da Tabanca da Linha. Mas raramente falámos, Houve, porém, um vez em que ficámos frente a frente, à mesa. E conversámos ainda um bocado. Mas fiquei com a ideia de que ele era melhor operacional do que conversador. Na altura insisti com ele para escrever e publicar as suas memórias em vida, sob pena de ele as levar para cova e nunca mais se chegar a saber exatamente onde começava a lenda e acabava a história.
(...) "Tentei estabelecer ene contactos (telefónicos, pessoais, etc.) com o TC Marcelino, inclusive através do núcleo da Bataria da Lage (Comandos, cujo restaurante frequento, e ele também frequentava). Tudo em vão. Ele sempre se esquivou. " (...)
O ten cor Marcelino da Mata provavelmente tinha em mente outros projetos e quereria, porventura, obter algumas legítimas compensações financeiras, provenientes dos direitos de autor de um livro de memórias, sucetível de se tornar um "best-seller". Terá sido isso que deu a entender ao Jorge Monteiro Alves, mas também a mim, há uns anos atrás.
De facto, as poucas vezes que estive com o Marcelino da Mata não foi no CTIG, mas em convívios da Tabanca da Linha. Mas raramente falámos, Houve, porém, um vez em que ficámos frente a frente, à mesa. E conversámos ainda um bocado. Mas fiquei com a ideia de que ele era melhor operacional do que conversador. Na altura insisti com ele para escrever e publicar as suas memórias em vida, sob pena de ele as levar para cova e nunca mais se chegar a saber exatamente onde começava a lenda e acabava a história.
Disse-me que tinha um jornalista encarregue dessa tarefa (sic). Não me disse quem. E muito menos me falou em editoras eventualmente interessadas. O seu mundo não era esse. Depois da sua morte, até pensei que fosse o Jorge Monteiro Alves o tal jornalista que estava a tratar da edição das suas memórias, mas vejo agora que estava errado. Enfim, pareceu-me, o Marcelino da Mata, um homem com mais admiradores do que amigos do peito.
Mas voltando ao email do Jorge Monteiro Alves, do passado dia 10 de julho. Que fique clara a intenção do autor:
Mas voltando ao email do Jorge Monteiro Alves, do passado dia 10 de julho. Que fique clara a intenção do autor:
"Tal como já tive oportunidade de referir ao Luís Graça, este livro não pretende ser uma bio do Marcelino, mas sobre a guerra da Guiné tendo o Marcelino como fio condutor." (...)
Antes de avançarmos, entretanto, na análise nais detalhado do livro, falemos um pouco do autor e deste seu projeto: Jorge Monteiro Alves, natural do Porto, vive em Paço de Arcos, Oeiras, é jornalista com 30 anos de carreira e com provas dadas em teatros de operações, nomeadamente nos Balcãs (Krajina, Bósnia, Kosovo).
Foi editor de “política internacional” no JN – Jornal de Notícias, mas do que gosta mesmo, confessa, é a “reportagem de guerra”. Foi o primeiro português a entrar na cidade cercada de Sarajevo no período mais quente dos combates, em 1992, diz a sua nota biográfica,
Antes de avançarmos, entretanto, na análise nais detalhado do livro, falemos um pouco do autor e deste seu projeto: Jorge Monteiro Alves, natural do Porto, vive em Paço de Arcos, Oeiras, é jornalista com 30 anos de carreira e com provas dadas em teatros de operações, nomeadamente nos Balcãs (Krajina, Bósnia, Kosovo).
Foi editor de “política internacional” no JN – Jornal de Notícias, mas do que gosta mesmo, confessa, é a “reportagem de guerra”. Foi o primeiro português a entrar na cidade cercada de Sarajevo no período mais quente dos combates, em 1992, diz a sua nota biográfica,
Com este é o seu quinto livro publicado, depois de "Nunca passes além do Drina" (Papiro Editora, 2006, 238 pp. ), "Carmencita" (Chiado Books, 2014, 88 pp. ), “A generala" (Chiado Books, 2014, 160 pp. ) e "O meu Deus é melhor que o teu" (Chiado Books, 2021, 184 pp.).
Ao terminar esta primeira nota de leitura, refira-se que, ainda antes da morte do ten-cor Marcelino da Mata, circulava nas redes sociais um projeto de livro, ilustrado, e em formato pdf, com o título "O Último herói do Império", e era justamente da autoria do Jorge Monteiro Alves. Tinha 172 págimas, menos vinte que o livro que ele acaba de publicar, sob a chancela editoral dos Livros Horizonte. Falámos sobre ao telefone sobre o que o impedia de avançar com a edição do livro, um projecto já com meia dúzia de anos. A verdade é que o Jorge retomou o fôlego, e venceu alguns receios e algumas reservas conjunturais, decorrentes da dramatização da perda ainda recente do Marcelino da Mata.
Na lista dos agradecimentos, há uma palavra para o nosso blogue. Mas a gratidão maior vai para "todos os ex-combatentess da então Guiné Portuguesa que entrevistei e que lutaram ao lado do Marcelino da Mata." E esclarece: "Os relatos em primeira pessoa registados neste livro resultam de múltiplos depoimentos feitos nas décadas de 70 e 80 do século XX a orgãos de Comunicação Social Portuguesa" (pág, 9)", e que o autor nunca ou raramente cita, como deveria. Mas isso é já assunto para a segunda parte desta nota de leitura. (***)
(Continua)
___________
Notas do editor:
(*) Vd, poste de 10 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22356: Agenda cultural (775): "No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português" (Livros Horizonte, Lisboa, 2021, 192 pp.): livro de Jorge Monteiro Alves, jornalista e repórter de guerra... Uma biografia não autorizada de Marcelino da Mata, o último herói do império.
(**) Vd. poste de 25 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10193: As Nossas Tropas - Quem foi quem (9): Marcelino da Mata, 1º cabo, Gr Cmds Diabólicos (1965/66) (Virgínio Briote)
(***) Último poste da série > 23 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22479: Notas de leitura (1373): “Os Dirigentes do PAIGC, da Fundação à Rutura", por Ângela Benoliel Coutinho; edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, Novembro de 2017 (3) (Mário Beja Santos)