Guiné > Bissalanca > BA12 > 1974 > O então Ten Pilav Miguel Pessoa... Uns meses antes, em 25 de Março de 1973, num domingo e em pleno dia, o aquartelamento de Guileje fora duramente atacado durante cerca de hora e meia. Foram usados foguetões 122 mm. A parelha de Fiat G-91 que estava de alerta em Bissalanca, nesse dia e hora, veio em apoio de fogo. A aeronave do Miguel Pessoa, que vinha à frente, foi atingida por um Strella, sob os céus de Guileje... Foi o primeiro Fiat G-91, na história da guerra da Guiné, a ser abatido pela nova arma, fornecida pelos soviéticos ao PAIGC, o míssil terra-ar SAM-7 Strella (de resto, já usada e testada na guerra do Vietname)... O Ten Pil Miguel Pessoa conseguiu, felizmente, ejectar-se. Vinte quatro horas depois, era resgatado, são e salvo, pelo grupo de operações especiais do Marcelino da Mata, conforme se pode ler numa das cartas do nosso amigo e camarada J. Casimiro Carvalho, já aqui publicadas na série Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) ... (1)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Finais de 1995 > O antigo Ten Pilav Miguel Pessoa, junto ao que restava então da porta de armas do antigo aquartelamento de Guileje...
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Finais de 1995 > O que restava então da parada de Guileje e do monumento com o pau da bandeira. Eis o que ainda se podia ler, inscrito na pedra: "Vencer sem perigo é triunfar sem glória. Homenagem da CCAÇ 3325 aos seus mortos e feridos e aos portugueses de todas as cores, raças e credos que tombaram em defesa da Pátria". A CCAÇ 3325 esteve em Guileje de Fevereiro a Dezembro de 1971.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Finais de 1995 > Vestígios da açoriana CCAÇ 3477 (1971/77), Os Gringos de Guileje > Oráculo, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres... O Culto de Santo Cristo estava bem patente na lápida, onde se ainda se podia ler: "Santo Cristo dos Milagres / Nesta capelinha oramos / Para sempre sorte dares / Aos Gringos Açoreanos (sic)"...
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Finais de 1995 > Imagens do antigo aquartelamento das NT, obtidas por Miguel Pessoa, quando ali passou uma semana, na sequência da gravação de um documentário sobre Guileje, realizado por José Manuel Saraiva para a SIC (Grande Reportagem, SIC, 30 de Maio de 1996 - "De Guileje a Gadamael: o corredor da morte").
Estas fotos podem ser facilmente comparadas com algumas, que temos disponíveis, da época, com militares ou elementos de identificação das das três últimas unidades de quadrícula que estiveram em Guileje: a CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971), os Gringos de Guileje (CCAÇ 3477, Dez 1971 / Dez 1972) e os Piratas de Guileje (CCAV 8350, Dez 1972/Mai 1973) (Vd. fotos abaixo, no corpo do texto, alinhadas à esquerda, em tamanho pequeno).
O Miguel Pessoa integrou a comitiva da SIC que fez filmagens en Guileje, em finais de 1995. Como se pode ler no livro de Coutinho e Lima (A retirada de Guileje, Linda a Velha, DG Edições, 2008, pp. 355-357), nessa comitiva, chefiada pelo jornalista José Manuel Saraiva, iam os seguintes antigos militares portugueses, além dele, Coutinho e Lima, e do Miguel Pessoa, a antiga enfermeira pára-quedista Giselda Antunes (actual esposa do Cor Pil Av Miguel Pessoa), o Ten Cor Pára-quedista João Bessa (na altura, em Novembro de 1969 comandava, como capitão, uma subunidade de pára-quedistas, do BCP 12, que emboscou e capturou o Cap Cubano Pedro Peralta) e ainda o Dr. Manuel Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, a unidade de quadrícula que retirou de Guileje em 22 de Maio de 1973, e que pertencia ao COP 5, comandado pelo então maj Art Coutinho e Lima).
Fotos: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados.
1. Mensagem, com data de ontem, do Cor Pilav Ref Miguel Pessoa (vd. foto do lado esquerdo, de finais de 1995, tirada em Guileje):
Assunto - Nos céus do Guileje e não só... (2)
[Subtítulos e negritos da responsabilidade do editor, L.G.]
Caro Luís Graça
A publicação do livro do Cor Coutinho e Lima sobre a retirada do Guileje (3) e os subsequentes comentários que sobre esta matéria têm inundado este blogue conseguiram de certa moda tirar-me da inércia que tenho mantido sobre um assunto que tenho considerado demasiado íntimo e difícil de partilhar. E desengane-se quem pensa que isso vai mudar...
(i) Ten Pil em Bissalanca, BA12, de 18 de novembro de 1972 a 14 de Agosto de 1974
Mas porque, como muitos dos frequentadores deste blogue, dedicamos um carinho especial a um momento difícil das nossas vidas nessa longínqua Guiné, gostaria de partilhar algumas imagens do Guileje que tive a oportunidade de fixar no ano de 1995, quando ali passei uma semana, envolvido na gravação de um documentário sobre o Guileje, realizado por José Manuel Saraiva para a RTP.
Para começar, apresento as minhas credenciais: Miguel Pessoa, à data Tenente-Piloto-Aviador do Quadro Permanente da Força Aérea. Cumpri a comissão na Guiné no período de 18NOV72 a 14AGO74, com um intervalo passado em Lisboa (entre 7ABR73 e início de AGO73) para recuperar das mazelas sofridas quando da minha ejecção de Fiat G91, depois de atingido por um SAM-7 Strella durante um apoio de fogo ao aquartelamento do Guileje.
À chegada ao Teatro de Operações estava apenas qualificado para voar o Fiat G-91 mas rapidamente o saudoso Ten Cor Almeida Brito ministrou-me um curso intensivo de DO-27 que me habilitou a operar este avião por todas as pistas ali existentes (64, se bem me lembro, que as contei na minha carta de voo). Assim, até Abril de 1973 dividi a minha actividade de voo entre o Fiat G-91 (1/3 das horas) e o Do-27 (os restantes 2/3).
A partir daí e até ao fim da comissão a minha actividade de voo foi essencialmente feita no Fiat G-91.
(ii) A recuperar de uma perna partida e de uma compressão das vértebras...
Tem piada que por esta hora já vou adiantado na conversa mas ainda não te mostrei as fotografias... Também não me parece que esteja a falar para os leitores do Blogue pois, como inicialmente referi, não é matéria sobre a qual goste muito de falar. Assim, parece que te escolhi para interlocutor (ou ouvinte). Ou, pensando melhor, parece-me que afinal estou a falar para mim, que isto de guardar cá dentro todas as emoções que sentimos naquele período é coisa que cansa, principalmente quando se trata de matéria politicamente incorrecta e a que muita gente torce o nariz.
À custa das fotografias já estou a alongar-me. Mas parece-me que vou continuar...
Pelas datas que acima refiro se pode dizer que não estou minimamente habilitado para falar sobre a retirada do Guileje, que no difícil período de Abril e Maio de 1973 estava eu a recuperar de uma perna partida e de uma compressão das vértebras (perdi 2cms de altura...), que isto de se trabalhar sentado também não é tão fácil como pode parecer. Mas sobre o Guileje só posso dizer que a coisa já não estava boa em Março pois naquele dia (um domingo, 25) eu estava lá para fazer um apoio de fogo ao aquartelamento, na sequência de um flagelamento do IN.
Sobre as peripécias desse dia e do período até Abril de 1974 poderei eventualmente pronunciar-me no futuro, que não agora.
Apenas algumas palavras sobre comentários que tenho retirado de diversas intervenções no blogue, e que me parecem menos correctas.
(iii) Cada um de nós, nos três ramos das Forças Armadas Portuguesas fez o seu melhor
Primeiro que tudo, evitarei fazer juízos de valor sobre atitudes/comportamentos de outros intervenientes naquele conflito, de um lado e do outro; por isso, também não me caiem bem os bota-abaixo sobre a Força Aérea que tenho lido, da parte de pessoas que não estarão habilitadas para o fazer, por não disporem de todos os dados do problema.
Acredito, sim, que na maior parte das vezes todos nós (dos 3 ramos) fizemos o melhor que podíamos, tendo em conta as nossas limitações no número e qualidade dos meios à disposição e o grau de motivação que nos animava (o que variava de sítio para sítio).
Dizer da inoperância da Força Aérea é fácil, principalmente qundo somos nós os afectados - nas Urgências também sucede que somos deixados para mais tarde quando é necessário atender outros que estão piores que nós - e de certeza que nos vamos queixar.
Lembro-me de ter contabilizado à volta de 400 missões que efectuei na Guiné, mesmo com o interregno da minha recuperação no continente/metrópole/Portugal (escolher a palavra preferida, que essas discussões já começam a cansar-me). E o mesmo se terá passado com os outros pilotos. Se isso foi deixar de voar, O.K.!
Reconheço que os apoios de fogo se tornaram mais difíceis de fazer dado o facto de se utilizarem novos parâmetros de voo - altitudes de entrada e de largada do armamento mais elevadas, o que diminuía a precisão (acrescida da nossa preocupação de não acertar nos nossos, ponto de honra de todos os pilotos), bem como o facto - que até agora suponho não ter sido referido - de a recuperação dos passes ter que que ser feita com um aperto mínimo de 4 G's, mas que normalmente rondava os 6, 6,5G's (6 a 6,5 vezes a aceleração da gravidade).
Isto implicava factores de carga tão elevados no avião que obrigava o piloto a largar as bombas todas no mesmo passe, sob risco de ultrapassar os limites estruturais do Fiat, danificando-o (isto no melhor dos casos...).
Lembro-me de ter-se começado a verificar corrosão prematura nos rebites nas asas e na cauda, o que, aprofundado, se verificou ser resultante de longarinas rachadas, derivadas desses apertos constantes em todos os voos. E a verdade é que qundo tive Strellas atrás de mim, não me lembro de olhar para o acelerómetro (g-meter) para ver quantos g's é que estava a meter no avião para me safar...
Isto limitava naturalmente a capacidade de ataques pontuais sucessivos, como os nossos camaradas no terreno pretenderiam. Tal foi um pouco compensado com a utilização de armamento mais potente (as tais bombas de 750 lbs), o que, por si, justificava o uso de altitudes maiores de recuperação, para mantermos o avião fora do envelope das explosões (alcance dos estilhaços). E, logicamente, este material não poderia ser largado tão próximo das NT como anteriormente.
(iv) O regresso a Guileje, em 1995...
Acabado este desabafo, vamos então às fotografias... É interessante que, olhando a fotografia do aquartelamento publicada no blogue, se realçam os campos abertos que permitiam às NT ver uma eventual aproximação do IN e a nós, pilotos, poder fazer uma boa aproximação ao aquartelamento e dispor de um espaço razoável para "pôr o estojo no chão". E, claro, tirá-lo de lá depois...
Não foi nada disso que pude observar no local quando lá voltei em 1995 - por terra, claro... Aliás o monte de baga-baga que está numa das fotos, ao pé da porta d'armas, está no enfiamento da antiga pista (desaparecida). O espaço acimentado que mostro noutra fotografia foi outrora a placa de helicópteros (usada por mim em 26MAR73, quando daí fui evacuado para Bissau).
Agora, na realidade, a placa está muito mais agradável pois dispõe de amplas sombras que lhe são fornecidas pela majestosa vegetação que ali prolifera pelo meio do cimento, com 10 ou 15 metros de altura (e 20 anos de crescimento selvagem, à data).
Finalmente, uma foto com monumentos que ficaram no aquartelamento e que dali não foram retirados pelo PAIGC, embora antes da nossa chegada estivessem cobertos pelo capim que ali existia - o qual foi limpo a mando da produção, para permitir a realização do documentário.
E por aqui fico, que a carta vai longa e já ultrapassou em muito o que eu tinha planeado.
Sobre o seu conteúdo, farás dele uso do modo que achares mais conveniente, com a eventual omissão de partes do texto que consideres não ter interesse para publicação.
Saudações a todos os ex-combatentes (*) da Guiné e às respectivas famílias, que tanto sofreram com a sua ausência.
Um abraço fraterno
Miguel Pessoa
_________
Nota de M.P.:
* Refiro-me a todos os que foram mobilizados para a Guiné, que isto de combater, cada um fá-lo da maneira que pode e sabe, e nas funções para que está mais habilitado.
__________
2. Comentário de L.G.:
Mandam as boas regras de convívio da nossa Tabanca Grande, ou tertúlia, ou caserna virtual, - como tu queiras - , que te saúde, que te deseje as boas vindas. É sempre uma honra receber, no nosso blogue, mais um novo camarada da Guiné. És um camarada da FAP. E tens a particularidade de ter sido literalmente strellado nos céus da Guiné, ma região de Guileje. Strellado ma non troppo... (Desculpa, o neologismo e o humor negro...). Felizmente... Sei que os tipos do PAIGC fizeram uma festa (vd. o filme-documentário As Duas Faces da Guerra). Felizmente também que o PAIGG deixava muito a desejar em matéria de pontaria. Felizmente para todos nós. Infelizmente, nesse dia, acertaram(-te). Agora, imagino que foi um momento único, terrível, para ti... Terrível, dificilmente descritível. Deves ter sentido, a roçar a tua pele, o beijo da morte. Muitos de nós passaram por experiências-limite, de algum modo semelhantes. Em terra, no ar, no mar. Por isso não faz absolutamente nenhum sentido a eventual arrogância de uns ou de outros, desta ou daquele arma.
Felizmente, e como era timbre entre nós, ninguém te deixou para trás. E hoje aqui estás, com menos dois centímetros de altura, é certo, mas vivinho da costa, a falar com uma naturalidade e uma simplicidade quase desconcertantes deste acidente de percurso da tua vida militar...
Por pudor, não falas deste episódio, do momento exacto em que sentiste o impacto do Strellla e dos teus reflexos de grande piloto, ao ejectares-te. Por pudor, não falas da noite (de angústia) que deves ter passado no mato, com uma perna partida... Por pudor, não falas dos camaradas (incluindo a Giselda) que que te salvaram...
Não te vou chamar herói, por que tu és tão de carne e osso como eu, como todos nós... Não sei, de resto, o que é um herói. Nem tenho o poder de os nomear. Esse poder é dos deuses. Mas fico muito feliz por ti, por todos nós... Mais: fico orgulhoso de ti, por te conhecer, mais de perto, como um camarada... Para mim, o Miguel Pessoa a partir de agora tem um rosto, no nosso blogue, e uma história contada na primeira pessoa do singular...
Há uma cumplicidade, há um química, que nos toca a todos, os que fizeram (mal ou bem) a guerra da Guiné... Isso está acima de armas e de postos, está acima das nossas afinidades, do que pensavámos daquela guerra, das nossas idiossincrasias, da nossa motivação (ou falta dela) para a fazer aquela guerra ... Isso para mim é hoje acessório... Teres sido projectado, na tua GMC, a vários metros de altura por uma mina anticarro ou teres sido strellado, e ejectado do teu Fiat G-91 - POR ALGUÉM QUE TE QUIS MATAR!!! - é uma experiência única, brutal, que te marca para o resto da vida... A mim marcou-me. Não posso, todavia, odiar quem me quis matar. Nunca ripostei. Mas admito que a generalidade dos ou alguns dos meus camaradas precisassem de odiar para sobreviver... Não sei se foi o teu caso, não me interessa sabê-lo: há coisas que nunca contaremos a ninguém e que irão para debaixo da terra connosco, porque fazem parte íntrinseca dos nossos restos mortais... Há fantasmas que nunca iremos exorcitar completamente... Há explicações que nunca daremos a ninguém... Há emoções que nunca conseguiremos transmitir em suporte de papel ou em suporte digital... Há memórias que vão mnorrer com connosco...
Tudo isto para te dizer: camarada, junta-te a nós, senta-te aqui no meio da Tabanca Grande, debaixo do frondoso e centenário poilão, e conta-nos as tuas histórias, as histórias dos bravos de Bissalanca... LG
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. postes de:
19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)
17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)
25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91
(...) Guileje, 25/3/73
(...) Hoje, domingo, aniversário: 5 meses de Guiné (...). Dia 25, 13 horas: o aquartelamento de Guileje foi flagelado com foguetões e granadas de canhão sem recuo, caindo perto, e a mais próxima a cerca de 15 m do arame farpado. Rápida defesa do mesmo aquartelamento, com fogo de artilharia e de mort 10,7 cm (1). E pedido imediato de caças-bombardeiros Fiat, tendo vindo um, o qual depois de várias voltas seguiu para o objectivo, não voltando nunca mais.
Bissau, Comando-Chefe, estranhando a demora e o mutismo do piloto, manda outro Fiat (milhares de contos cada um)... Faz reconhecimento à zona, avistando o avião caído dentro de mata densa e perto o piloto fazendo sinal de very-light, mas não podendo ser recolhido.
Logo de seguida deslocaram-se de Bissau para Guileje 2 aviões-bombardeiros pesados DC-6. Seguidamente dirigiu-se, também, para cá um helicanhão, aterrando no heliporto para seguir depois para Cufar. O ataque de fogo dos turras aqui durou cerca de 1 hora, intervalando o fogo. Pensa-se que isto é represália pelos feridos e possível morto ou mortos que lhes provocámos por meio de minas, como já contei.
Durante toda a tarde não houve mais nada a assinalar, e o jantar decorreu normalmente (...)
(...) Nunca na história da Guiné (pelo menos) tinha caído um caça a jacto Fiat. Isto é uma alegria para os turras, pois só havia 3 ou 4 Fiats aqui na Guiné.
Junto envio uma foto tirada junto ao morteiro que me está distribuído, em caso de ataque (...).
Guileje, 27/3/73
(...) O resto da história do ataque ao nosso quartel: o piloto do Fiat (5) estava vivo mas perto do carreiro da morte e em mata densa, porque se viu um ou dois very-lights que se deduziu terem sido disparados por ele.
Portanto, no dia 25, como estávamos para sair, mas houve ordem em contrário, deitei-me. Passada meia-hora, veio o nosso alferes e disse para estarmos prontos às 4.30h da manhã, com bornal, ração de combate (a primeira vez que a comi em Guileje) e água.
Saímos e entrámos na mata sempre a andar por caminhos sinuosos, só mata densa com lianas e troncos a fazer-nos tropeçar. Até dizíamos mal da nossa vida... Eu levava uma lata de leite, uma lata de chocolate, uma de fruta, uma de sumol, uma de lanche, uma de sardinhas, marmelada, queijo, pão e cantil de água, um rádio, espingarda, cartucheiras, 100 balas, uma granada de fumo... Isto tudo numa balança era de assustar, e durante 9 horas de mata cerrada... Ainda se fosse por estrada, essas nove horas pareceriam 3 ou 4.
Por cima de nós andavam os caças-bombardeiros Fiats, bombardeiros pesados, (?) helicópteros, avionetas e um avião de reconhecimento. Desceram na mata 2 grupos de paraquedistas, um grupo de operações especiais - Marcelino e o seu grupo - e nós, que já lá estávamos...
Passado pouco tempo os Op Esp encontraram o homem e disseram-lhe (estava sentado à beira de uma árvore):
- Vamos embora. - Ao que ele respondeu (pensando que eles eram turras, pois são todos pretos e com armas turras):
- Não vou nada, ides-vos cozer [foder], matem-me já, que eu não saio daqui. - Então disseram-lhe:
- Sou o Marcelino.
E aí ele parece que ressuscitou. Meteram-no num heli donde seguiu até Bissau.
Os mais sacrificados fomos nós quando regressámos, já sem água, cansados, a cair, por meio da mata. Deus me livre. (...)
(2) Vd. último poste da série > 27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)
(3) Vd. último poste da série > 29 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3811: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (19): Resposta de Nuno Rubim a António Martins de Matos