Peça de artilharia 130 mm M-46, de fabrico soviético (ano de introdução: 1954). Este tipo de armamento foi usado pelo PAIGC contra Guileje em Maio de 1973, a partir do território da Guiné-Conacri. O seu alcance (máximo) é de 22,5 km.
Fonte: Wikipedia (em finlandês) (2007) (com a devida vénia...)
Guiné > PAIGC > 1973 > O temível morteiro 120 mm, usado contra contra os abrigos de Guileje (considerados os melhores do território). As granadas tinham uma espoleta de atraso, perfurante, permitindo um melhor desempenho, após uma perfuração inicial das estruturas dos abrigos.
Foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.
1. Há dias tinha mandado o seguinte email ao Nuno Rubim, coronel de artilharia na reforma, e especialista de renome. nacional e internacional, em história da artilharia, que está a colaborar com a AD-Acção para o Desenvolvimento no Projecto Guiledje:
"Fica com esta informação do ex-Alf Médico Amaral Bernardo, que passou por Guileje, e que eu conheci há dias no Porto, no ICBAS... Guileje tinha três peças 11.4, Bedanda é que tinha obuses... E Gadamael, também, se não me engano"...
2. Resposta do Nuno:
Luís:
Obrigado pela indicação sobre o 11,4 cm, que aliás já era do meu conhecimento (...).
Se julgares de interesse podes incluir as seguintes informações no blogue :
O Pepito foi a Cabo Verde e falou com os Cmdts Julinho de Carvalho e Osvaldo Lopes da Silva, os responsáveis operacionais no ataque a Guildeje, em Maio 1973. Colocou-lhes várias perguntas que eu sugeri, além daquelas que ele entendeu por bem e as respostas são muito satisfatórias, pese embora o tempo decorrido.
Agora vou estudar em detalhe essas informações e o ciclo continuará ...
Realmente a peça utilizada pelo PAIGC era o 130 mm M-46. O reconhecimento dos objectivos foi executado visualmente!
As munições do morteiro de 120 mm tinham efectivamente uma espoleta de atraso, perfurante, para permitir o rebentamento da granada já depois de ser obtida alguma penetração.
De acordo com um relatório oficial português que encontrei no AHM [Arquivo Histórico Militar],
no dia 16 de Maio [de 1973], isto é, dois dias antes do ataque, as três peças de 11, 4cm foram substituídas por 2 obuses de 14 cm (3). Agora se compreende a polémica sobre o assunto. Um deles veio sem aparelho de pontaria e não foi recebida nenhuma tábua de tiro ! Sem comentários ...
Esses 2 obuses foram pois abandonados, mas sem possibilidades de entrarem em acção e capturados pelo PAIGC.
Tenho uma fotografia desse facto.
Um abraço e também bom trabalho
Nuno Rubim
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
2 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1640: A africanização da guerra (A. Marques Lopes)
2 de Fevereiro de 2007> Guiné 63/74 - P1489: Tertúlia: Formalizo o meu pedido de entrada (Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, Catió, BCAÇ 2930)
(2) Vd. post de 27 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)
(3) Vd. pos ) t de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 18 de abril de 2007
terça-feira, 17 de abril de 2007
Guiné 63/74 - P1671: Efemérides (2): Há 37 anos a CART 2732 desembarcava em Bissau (Carlos Vinhal)
Mensagem do Carlos Vinhal:
Caro Luís e camaradas:
Aproveitando a abertura da nova rubrica Efemérides (1) , permitam que lembre que hoje, 17 de Abril, se completam 37 anos (como o tempo passa, parece que foi ontem) que a CART 2732 desembarcou na Guiné.
Passado este tempo, não é justo dizer que cumprimos o nosso dever. Talvez que cumprimos a nossa missão. Aos que não voltaram connosco, as minhas sentidas homenagens. Onde estiverem sabem que poucos foram os dias da minha vida, desde então, em que não me lembrei deles.
Aproveito para dizer ao camarada Santiago (1) que sou solidário com a sua dor. Não é impunemente que se vê partir de uma só vez tantos companheiros de jornada.
Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732 (2)
CTIG 1970/72
Mansabá
SPM 1388
Leça da Palmeira
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)
(2) Vd. post de
10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1163: Destacamento temporário do Bironque, inaugurado pela madeirense CART 2732 (Carlos Vinhal)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
Caro Luís e camaradas:
Aproveitando a abertura da nova rubrica Efemérides (1) , permitam que lembre que hoje, 17 de Abril, se completam 37 anos (como o tempo passa, parece que foi ontem) que a CART 2732 desembarcou na Guiné.
Passado este tempo, não é justo dizer que cumprimos o nosso dever. Talvez que cumprimos a nossa missão. Aos que não voltaram connosco, as minhas sentidas homenagens. Onde estiverem sabem que poucos foram os dias da minha vida, desde então, em que não me lembrei deles.
Aproveito para dizer ao camarada Santiago (1) que sou solidário com a sua dor. Não é impunemente que se vê partir de uma só vez tantos companheiros de jornada.
Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732 (2)
CTIG 1970/72
Mansabá
SPM 1388
Leça da Palmeira
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)
(2) Vd. post de
10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1163: Destacamento temporário do Bironque, inaugurado pela madeirense CART 2732 (Carlos Vinhal)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
Guiné 63/74 - P1670: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte II) (Lema Santos)
II e última parte de um extenso texto do Manuel Lema Santos sobre a Operação Larga Agora (1).
O ex-1º tenente d Reserva Naval e imediato da LFG Orion (Guiné, 1966/68) entrou para a nossa tertúlia há um ano. Sobre ele escrevi o seguinte:
(...) O Lema Santos é o primeiro oficial da classe de marinha que nos contacta e pede licença para entrar na nossa caserna... de tropa-macaca. É óbvio que o vamos receber de braços abertos: estamos todos de acordo que a história da guerra da Guiné só pode fazer-se juntando a malta dos três ramos das Forças Armadas Portugueses mais os nossos queridos turras. Até à data, e nas vésperas de completarmos um ano de existência, as tropas especiais, bem como a malta da marinha e da força aérea, está ainda subrepresentada na nossa tertúlia. Seria interessante tentar saber porquê... Ao falar com este camarada pelo telefone, constatei que ele conhece todos os rios da Guiné, é um excelente contador de histórias, tem uma memória fotográfica e possui uma vasta rede de contactos pessoais e sociais... Welcome to board, captain! (...).
De destacar no relatório desta operação o elogio que o comandante da operação, Coronel Paraquedista Rafael Durão, faz à actuação do nosso camarada Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), hoje médico, residente em Pombal, e organizador do 2ºencontro da nossa tertúlia (Pombal, 28 de Abril de 2007):
(...) Considero excepcional o comportamento da função de Comando do AGR 5 CCAÇ 2753 (-) do ALF Mil de Inf VICTOR JOSÉ ANASTÁCIO JUNQUEIRA que, embuído de alto espírito de missão, soube formar com os 2 Gr Com que comandava uma equipa extremamanente coesa e perfeitamente ciente do que lhe incumbia. Em todas as acções de contacto IN manifestou calma absoluta, clareza e rapidez de decisão. Julgo-o perfeitamente apto para comandar uma CCAÇ em operações (...).
2.Operação Larga Agora
Nota: O relatório que abaixo se transcreve corresponde ao relato oficial integral salvo gralhas e algumas simplificações mas sem qualquer alteração de sentido do texto (MLS)
Relatório da Operação Larga Agora
Realizada de 13 de Junho de 1971, com início às 05h30, a 15 de Junho de 1971, às 17h00, na região de Tiligi
Referências > Ordem de Operações Larga Agora
Situação > Ordem de Operações Larga Agora
Missão
Actuou ofensivamente na região de TILIGI (limitada pelos rios Cacheu, Armada, Blassar e Olossato) através de acções de nomadização prolongadas no espaço e no tempo, com especial atenção nas áreas de instalação e presença do IN e da população sob seu controlo, com vista à captura e aniquilamento daquele. No mínimo, destruir todas as suas instalações e/ou meios de vida, criando-lhes condições de insegurança e captura população.
Força executante
(1) Comandante – Coronel Paraquedista Rafael Ferreira Durão
(2) Comandantes das Sub-unidades:
AGR 1/DFE 12 – 1º Ten FZE Francisco Coelho Mendes Fernandes
AGR 2/DFE 4 - 1º Ten FZE José Faustino Ferreira Júnior
AGR 3/DFE 13 - 1º Ten FZE José Manuel Marques Ribeiro Reis
AGR 4/27ª CCMDS - ALF Mil Comando José Eduardo Lima Rebola
AGR 5/CCAÇ 2753 - ALF Mil Victor José Anastácio Junqueira
AGR 6/CCP 123 – CAP Paraquedista Avelar de Sousa
AGR 7/CCP 121 - CAP Paraquedista Mira Vaz
AGR 8/02 Grcomb CCP 121 - Ten Paraquedista Castro
AGR 9/02 Grcomb CCP 123 - Ten Paraquedista Caldas
(3) Emboscadas
CCAÇ 2781 - CAP Inf Manuel Estevão de Martinho S. Roldão
CCAÇ 13 - CAP Mil Inf João Carlos C. Castro
01 Gromb/CCAV 3378 +
01 Grcomb/Comp Mil 26 – ALF Mil Manuel Joaquim da Silva Araújo
Articulação da força – Conforme Ordem de Operações Larga Agora
(4) Planos estabelecidos para a acção
Conforme Ordem de Operações Larga Agora
(5) Desenrolar da acção
Conforme planos estabelecidos para a acção
Resultados:
DFE 4
Causou 4 mortos ao IN, a quem apreendeu 2 armas; destruiu 14 tabancas e recuperou 2 elementos da população.
DFE 12
Causou ao IN 1 morto, 2 feridos e capturou 2 elementos; apreendeu 4 armas; destruídas 8 tabancas e recuperados 19 elementos da população. As NF sofreram 3 feridos.
DFE 13
O IN sofreu 1 morto. Recuperados 7 homens e 3 crianças; destruídas 8 tabancas.
27ª CCMDS
O IN sofreu 3 mortos, 1 ferido e a apreensão de 2 armas e documentos diversos; recuperados 3 elementos da população; destruídas 20 tabancas. As NF sofreram 2 feridos ligeiros.
CCAÇ 13
Recuperou 1 homem, 5 mulheres e 2 crianças.
CCAÇ 2753
Causou 3 mortos e capturou 1 elemento pop; apreendeu 2 metralhadoras, 11 pistolas-metralhadoras, 4 espingardas, 1970 mun, 16 carregadores, 6 lâminas Breda, 1 tripé Breda, 6 tripé MC, 1 suporte AA, 2 caixas espol mort, 12 granadas de morteiro 60, 10 granadas RPG-2, material e documentos diversos; destruídas 29 tabancas.
CCAÇ 2781
Causou 1 morto; apreendeu 1 pistola-metralhadora PPSH e 1 canoa; recuperados 10 homens, 8 mulheres e 4 crianças; destruída 1 tabanca.
CCAV 3378
Causou 2 mortos e vários feridos; apreendidas 2 armas. As NT sofreram 1 ferido ligeiro.
CCP 121
O IN sofreu 4 mortos; recuperados 9 elementos da população; apreendidos documentos diversos; destruídas 14 tabancas.
CCP 123
O IN sofreu 2 mortos; apreendida 1 arma e 2 canhangulos; recuperados 19 elementos da população; destruídas 7 tabancas.
(6) Resultados obtidos
a – Baixas causadas ao inimigo
a) Mortos: 21
b) Capturados: 2
c) Feridos: 3
b – Material capturado ao inimigo
Armas: 29
Gr Mort 60: 10
Gr RPG-2: 10
Munições: 1970
Carregadores: 16
Lâminas Breda: 6
Tripé Breda: 1
Tripé MG: 6
Suporte AA: 1
Caixas Espol: 2
Canoa : 1
Mat diverso
Doc diversos
Tabancas destruídas: 101
c – População recuperada: 93 elementos
d – Baixas sofridas pelas NF: 6 feridos ligeiros
(7) Ensinamentos colhidos
A aparente ausência de oposição por parte do IN, decorrente da pequena quantidade de baixas das NF (mesmo estas sem gravidade) numa área tão extensa, foi derivada da aplicação simultânea de vários AGR na zona de operações e do constante apoio aéreo dirigido para as tropas que maiores dificuldades sentiram com essa oposição.
Foram precisamente os AGR que actuaram para L da estrada de BARRO que mais frequentes es contactos tiveram com especial incidência para o AGR 5 que, na 2ª noite, foi flagelada fortemente pelo IN.
Aliás, sentimos como mais de densamente ocupados pelo IN as penínsulas do TANCROAL, LETO e CONCOLIM, ocupação essa resultante da directa inserção no TILIGI do corredor de SAMBUIÁ e as suas derivantes, tendo como bases principais as implantadas em áreas de SUNTUCULÁ, SOLINTO-MANDINGA, AMINA DALA, JAGALI-MANCANHA, NHANFRA e IRÃ e também, se bem que menos fortemente, as penínsulas de NAGATE e IADOR, a partir de bases nas áreas de COSSINCUTO-COSSIBA e IANANÃ, resultante das infiltrações do corredor de SANO.
Para W da estrada de BARRO, o IN encontrava-se disseminado em pequenos grupos de 5 a 7 elementos parecendo irradiar da base de Quinjin. Todas estas bases encontravam-se ardilosamente camufladas nas matas e palmeiras.
Regista-se o encontro de 1 grupo numeroso originário do comando do COP 6 com a emboscada mantida pela CCAV 3378 com a possível finalidade de reforço ao IN na península do TANCROAL.
Toda a zona de operação é muito povoada, dispõe de meios de vida humana e as tabancas, a céu aberto, constituem autênticos pólos de atracção para a população sob controlo do IN. Quase todas essas tabancas possuiam milícia armada e dispunham de abrigos enterrados de grande robustez.
Foram encontradas cubatas de parede de cimento e celeiros fornecidos de toda a espécie de sementes e de arroz de qualidade (um tipo diferente do cultivado na Guiné) para as novas sementeiras. As populações dispõem de grande manancial de recursos em animais domésticos para sua alimentação e a fuga das mesmas para locais de refúgio fora da ZA (tarrafe etc) foi a sua atitude fundamental. Julga-se difícil a apresentação da população da ZA, junto das A.A. ou das NT pois a sua mentalização já há longo tempo trabalhada pelo IN e a riqueza de meios na área não são de molde a oferecer-lhe motivos sufucientes de recuperação.
Sinal evidente é o facto de essa população, um dia depois da recolha dos AGR, se ter empenhado na construção de novas cubatas e reconstrução, por processos expeditos, de outras por nós destruídas, nos mesmos locais dos antigos aldeamentos e em número altamente significativo.
Para que as populações do TILIGI sejam obrigadas a apresentar-se torna-se necessário acção constante de esforço aéreo sobre a ZA, conjugada com heli-assaltos de curta duração tendentes a destruir todas as tabancas e objectivos militares que se forem referenciando com vista a criar nas populações uma instabilidade permanente que as coíba dos trabalhos nas suas lavras e portanto lhes ameace a sobrevivência naquela área. Esta acção constante conjugada com o lançamento de panfletos da ACAP poderá atingir a finalidade desejada.
Parece-nos que a criação, a longo prazo, de um destacamento militar do TILIGI com reordenamento, poderá constituir como que um polo de atracção das populações naquela área já que esta se apresenta potencialmente rica mas, no entanto, julgamos que ainda não foram criadas condições para essa implantação.
Para actividade de contrapenetração propomos como mais instante e de maior efeito a implantação de 1 destacamento de efectivo CCAÇ (+) na área do INSUMETÉ depois de criadas condições para essa implantação a partir de frequentes operações e acções nas áreas de PONTA MATAR, CHOQUE-MONE, INSUMETÉ – INFAIDE – NAGA(INQUIDA) – IUSSE INSANTANQUE UMBAPÁ e QUERÉ.
Verificou-se desde o início da operação que não era possível a prática simultânea de 2 PCV em virtude das interferências causadas pela utilização de uma única frequência de apoio aéreo. Este facto foi agravado inicialmente pela utilização desta frequência tanbém nas redes internas de alguns AGR e emboscadas periféricas, em contravenção com o que estava determinado e foi prontamente rectificado.
A indisciplina nas transmissões foi também patenteada por algumas das forças em emboscada periférica que, quando sobrevoada, não se limitavam a entrar em escuta e, pelo contrário, tentavem contactar com o meio aéreo que os sobrevoava temporariamente sem terem algo de interesse para comunicar. Desta falha também enfermaram alguns AGR.
Constatámos assim que, apesar da adversidade de meio rádio frequência utilizáveis das tropas intervenientes, se poderia, em teoria, face ao ingente esforço que seria então pedido aos pilotos e meios aéreos, manter no ar 2 PCV com indicativos diferentes, cada um apoiando respectivamente os AGR a L e W da estrada de BARRO, mediante a utilização de 2 frequências distintas.
Um dos ensinamentos colhidos sobre o aspecto de exploração das transmissões para comando e controlo operacional foi o de que deveria usar-se uma frequência diferente de apoio aéreo para conduta desse apoio em reabastecimento, recuperações e evacuações e excluindo no entanto e obviamente a do transporte e utilização da reserva.
Outro dos procedimentos que reputo de todo o interesse e que deve ser seguido é o da utlização da frequência de apoio aéreo como frequência apenas de contacto entre os diversos meios aéreos fazendo-se seguidamente a exploração rádio em frequência distinta daquela. Em operações que envolvam certo potencial aéreo e diversidade dos seus meios é de todo o interesse que permaneça junto do P.C. um Oficial de ligação da Força Aérea.
O comando da operação teve dificuldades no reabastecimento de água e munições a alguns AGR em virtude de não ter sido observado o estabelecido em 4. ADMINISTRAÇÃO E LOGÍTICA da Ordem de Operações. Deve, de futuro, cada COMPANHIA empenhada, dispôr de vaguemestres junto do P.C. da operação com os meios necessários não só em quantidade e qualidade como também os recipientes para o seu acondicionamento e transporte para a ZA.
O Comandante
Rafael Ferreira Durão
Coronel Pára
Anexos:
A – Relação do Material das NF extraviado, danificado ou capturado pelo IN e munições consumidas.
B – Relação de Material capturado ao IN.
C – Relação nominal do pessoal considerado Baixa em combate.
D – Comportamento do Pessoal.
AUTENTICAÇÃO
O CHEFE DA SEC OPER
Vaz Barroco
Major Cavª
ANEXO A – (RELAÇÃO DE MATERIAL DAS NF EXTRAVIADO, DANIFICADO OU CAPTURADO PELO IN, MUNIÇÕES CONSUMIDAS) AO REL OP LARGA AGORA
1. Material danificado ou extraviado:
a) CCAÇ 2753
Danificado: 1 Antena AVP 1 AN 239 A
Extraviado: Cano de Met Lig HK 1
b) 27ª CCMDS
Extraviado: 2 Fitas MG-42
c) CCAÇ 2781
CH. SR. INT
Fardamento:
Soldado 1308870, GUILHERME ÁGUEDA LÉRIAS
Botas de lona c/ rasto de borracha – 1 par
Soldado 2803365, MANUEL GONÇALVES MARIZ
Botas de lona c/ rasto de borracha – 1 par
Soldado 4029270, FERNANDO HENRIQUE DOS SANTOS
Botas de lona c/ rasto de borracha – 1 par, Quico – 1
CH. SR. MAT
SUB GRUPO G – eq
Soldado Milº 74369, UIGNA TAMBÉ: Bornal mod. 943 – 1
Soldado 6895570, JOSÉ GASPAR DA CONCEIÇÃO PINTO: Cantil mod 964 1
Soldado 16688470, MANUEL DE JESUS MOREIRA: Cantil mod 964 – 1
SUB GRUPO G – AM
1º Cabo 5860670, DOMINGOS GOMES FERREIRA: Tubo mort 60 mod 965 FBP (comp) nº 327 – 1, GE mort 60 – 4
d) CCAV3378
CH. SR. MAT
1º Cabo 10329570, LUIS JORGE FERNANDES VENTURA, Cantil – 1
1º Cabo 16501770, ANTÓNIO JOAQUIM BAJANCA CARRONHA, Cantil – 1
Soldado 16669970, JOSÉ MANUELA CARVALHO BANHA, Carregador – 1
Soldado 19893070, HILÁRIO SILVA TRINDADE, Carregador – 1
Soldado 16414970, LUIS CAIXINHA BENTO, Bornal – 1
Soldado 16428770, ANTÓNIO RAPOSO BRAGANÇA, Cinturão – 1
Soldado 16655270, MATEUS DA CONCEIÇÃO PEREIRA, Cantil – 1
2. Munições consumidas:
a) CCAÇ 2753
– 7.62 - 1500
– LFOG - 18
– MORT 60 -15
– DILAGRAMA - 26
– GR/M INCEnd - 13
– GR/M OF - 6
b) 27ª CCMDS
– 7.62 - 3000
– GR/M OF - 30
– GR MORT 60 - 6
– GE 3,7 - 15
– GE BIVALENTINA - 13
c) CCAÇ 2781
– GR/M OF - 1
– 7.62 - 5
c) CCAÇ 3378
– GR MORT 60 - 20
– GR BAZZOKA - 12
– DILAGRAMA - 37
– 7.62 - 500
O Comandante
Rafael Ferreira Durão
Coronel Pára
AUTENTICAÇÃO
O CHEFE DA SEC OPER
Vaz Barroco
Major Cavª
ANEXO B (MATERIAL CAPTURADO AO IN) AO RELATÓRIO DA OP LARGA AGORA
– ARMAS - 29
– GR MORT 60 - 12
– GR RPG 2 - 10
– MUNIÇÕES – 1970
– CARREGADORES - 16
– LÂMINAS BREDA - 6
– TRIPÉ BREDA - 1
– TRIPÉ MG - 6
– SUPORTE AA - 1
– CAIXAS ESPOL - 2
– CANOA - 1
– MATERIAL DIVERSO
– DOCUMENTOS DIVERSOS
O Comandante
Rafael Ferreira Durão
Coronel Pára
AUTENTICAÇÃO
O CHEFE DA SEC OPER
Vaz Barroco
Major Cavª
ANEXO C (RELATÓRIO NOMINAL DO PESSOAL CONSIDERADO BAIXA EM COMBATE) AO RELATÓRIO DA OP LARGA AGORA
DFE 12
MARFZE Nº 1271/66 MACHADO
MARFZE Nº 1716/68 SILVA
1º GRT Nº 2230/69 BARROS
27ª CCDMS
Fur Milº Comando 156710702 – ANTÓNIO MANUEL CORREIA ROSA
Sold Comando 9032270 – JOSÉ MANUEL RIBEIRO DOS SANTOS
CCAV 3378
1 Ferido Ligeiro
O Comandante
Rafael Ferreira Durão
Coronel Pára
AUTENTICAÇÃO
O CHEFE DA SEC OPER
Vaz Barroco
Major Cavª
ANEXO D (COMPORTAMENTO DO PESSOAL) AO RELATÓRIO DA OP LARGA AGORA
1. DFE 4
Cumpriu a missão conforme o planeamento estabelecido.
2. DFE 12
a) Apreciação do Comandante da Operação
Aponta-se a falta de empenhamento na destruição dos meios de vida, dentro do espírito da missão que lhe fora atribuída, do AGR 1 que deixou para trás, no seu eixo de progressão e zona de acção, tabancas semidestruídas e até celeiros e aldeamentos incólumes.
A sua progressão foi demasiado rápida e de tal forma que ao fim do 1º dia se encontrava já no local de recuperação, tendo retrocedido por indicação do PCV, a fim de destruir tabancas nas proximidades, resultando dessa acção e posterior regresso ao ponto de recuperação a captura de 3 armas e de 1 elemento IN de interessa. Julgo que deva ser exercida acção superior no sentido da reconstituição e recuperação psíquica e física deste Destacamento que parece ter entrado em fase de fadiga permanente (surmenage) e de frustação psicológica.
b) Apreciação do Comandante do DFE 12
O 2º Ten LOBATO, ficando de repente com a responsabilidade do Comando do Destacamento, revelou muita determinação espírito de sacrifício e de missão confirmando assim, a boa impressão colhida pelo CMDT DFE 12 em operações anteriores, a seu respeito.
O intérprete que foi fornecido ao DFE 12 cumpriu bem a sua missão
3. DFE 13
Cumpriu a missão conforme o planeamento estabelecido.
4. 27ª CCMDS
a) Apreciação do Comandante da Operação
Cumpriu a missão conforme o planeamento estabelecido.
b) Apreciação do Cmdt da 27 CCMDS
É de realçar a acção do ALF Mil Comando 7729668, DORINDO FERREIRA, que incutiu na frente do trigrupo uma alto espírito combativo; soube dominar bem todas as contrariedades que surgiram e foi sempre o primeiro a entrar em todos os acampamentos, montando sempre o dispositivo mais adequado para as diferentes circunstâncias.
Ainda a realçar o comportamento do 1º Cabo Comando 14623770, MANUEL DOS SANTOS RODRIGUES, que com o ALF DORINDO foi sempre na frente do Grupo, mostrando-se calmo, corajoso e resoluto, sabendo sempre contrariar as situações difíceis.
5. CCAÇ 2753 (-)
É de realçar a conduta notável da CCAÇ 2753 (-) durante a operação a qual em todos os contactos havidos manifestou grande disciplina de fogo e capacidade de manobra ajustada às situações e duração da operação.
Considero excepcional o comportamento da função de Comando do AGR 5 CCAÇ 2753 (-) do ALF Mil de Inf VICTOR JOSÉ ANASTÁCIO JUNQUEIRA que, embuído de alto espírito de missão, soube formar com os 2 Gr Com que comandava uma equipa extremamanente coesa e perfeitamente ciente do que lhe incumbia. Em todas as acções de contacto IN manifestou calma absoluta, clareza e rapidez de decisão. Julgo-o perfeitamente apto para comandar uma CCAÇ em operações.
6. CCP 121
a) Apreciação do Comandante da Operação
Cumpriu a missão conforme o planeamento estabelecido.
b) Apreciação do Comadante da CCP 121
O furriel pára MANUEL PEREIRA FALCÃO, da CCP 121, pela forma decidida e eficiente como conduziu os seus homens em terreno descoberto ao encontro dum Gr IN de 5 elementos armados.
Da sua acção resultou para o IN 2 mortos confirmados e 3 prováveis.
O seguinte pessoal da 2ª SEC/3º Gr/Comb CCP 121 pela forma corajosa e decidida como se lançou em campo descoberto, ao encontro dum Gr IN 5 elementos armados com o intuito de os capturar ou abater, da sua acção resultou para o IN 2 mortos confirmados e 3 prováveis.
1º Cabo pára 200/69 – JOSÉ FERNANDO DE ALMEIDA
Sold pára 14/69 – JOSÉ MARTINS DE ALMEIDA
Sold pára 232/69 – RAIMUNDO MANUEL VIEIRA MENESES
Sold pára 307/69 – VIRIATO RAIMUNDO MONTEIRO
Sold pára 328/69 – ANTÓNIO MARIA BARRADAS CARRILHO
7. CCP 123
a) Apreciação do Comandante da Operação
Cumpriu a missão conforme o planeamento estabelecido.
b) Apreciação do Comandante da CCP 123
O 2º Sarg pára FRANKLIN FERNANDES DA SILVA BENTO, pela maneira corajosa, calma e eficiente como comandou o seu Gr Comb especialmente no contacto com o IN em que debaixo de fogo manobrou os seus homes por forma inteligente, dirigindo simultaneamente o fogo do apontador de Mort 60, obrigando o IN a uma fuga precipitada.
8. CCAÇ 13
Cumpriu a missão conforme o planeamento estabelecido.
9. CCAÇ 2871
a) Apreciação do Comandante da Operação
São de salientar os resultados obtidos.
b) Apreciação do Comandante da CCAÇ 2871
Salientam-se o guia FERNANDO SANGA, este elemento tem sido imensas vezes voluntário para fazer operações como atirador e não como guia. Nesta operação, se bem que a coberto de 4 milícias, actuou sozinho conseguindo, mercê da sua astúcia, da maneira como progrediu no terreno, aproximar-se do elementos IN armado sem que este o visse.
Quando o procurava apanhar, o elemento IN viu-o e começou logo a fugir tendo FERNANDO perseguido-o pois queria apanhá-lo vivo. Como o elemento IN disparou um tiro sobre FERNANDO imediatamente este com uma rajada o atingiu, tendo-o aniquilado e capturado a arma com 2 carregadores.
10. CCAV 3378
a) Apreciação do Comandante da Operação
São de salientar os resultados obtidos pela CCA, tanto mais que iniciou a sua comissão neste T.O. há pouco tempo.
b) Apreciação do Comandante da CCAV 3378
1º Cabo nº 10329570, LUIS JORGE FERNANDES VENTURA, pela eficiência com que usou a sua bazooka, nas 4 granadas que disparou e vendo que só tinha mais 2, que poderiam depois fazer falta, pediu a espingarda a um dois camaradas mais recuados bem como dilagramas a outro e arrancou novamente contra o IN, obrigando-o a retirar pela perícia com que lançava os mesmos.
1º Cabo nº 16585570, AUGUSTO ANTÓNIO PINA DA SILVA, pela perícia e eficiência com que usou os diligramas, atirando-se sobre o IN, logo que ele mostrou menos resistência.
Soldado nº 17333170, ARTUR DA SILVA MARTINS, pelo sangue frio que mostrou na luta, só parando quando a sua HK encravou. Correu para junto dum camarada e tentou desencravar para logo voltar para a luta batendo toda a zona e pondo o IN em fuga.
11. É digno de registo e apreço o esforço dispendido, dum modo geral, por todos os elementos da ZACVG que apoiaram a operação.
O Comandante
Rafael Ferreira Durão
Coronel Pára
AUTENTICAÇÃO
O CHEFE DA SEC OPER
Vaz Barroco
Major Cavª
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)
(2) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
(3) Vd. post de 6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)
Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contabane > Quirafo > Feverereiro de 2005 > Mais de trinta anos depois, os restos calcinados da fatídica GMC que serviu de caixão ao Armandino e aos seus camaradas (CCAÇ 3490, Saltinho, 1972/74), no trágico dia 17 de Abril de 1972, na picada de Quirafo (entre o Saltinho, Contabane e Dulombi).
Foto: © João Santiago (2006). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74) (1)...
Foram utilizados LGFog e Canhão sem recuo. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda hoje é visível, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram em Fevereiro de 2005 (2).
Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Direitos reservados.
1. Texto do editor do blogue:
Efemérides. Damos hoje início a uma nova série. O título foi sugerido pelo Paulo Santiago, ao evocar aqui, hoje, a tragédia do Quirafo. Efeméride é uma palavra que nos vem do grego, ephemerís, quer dizer dia a dia. Uma efeméride é uma notícia diária, é o registo de factos sucedidos dia a dia em diversos anos e lugares…
Há acontecimentos, na guerra da Guiné, que nos marcaram para sempre. Não é por masoquismo que voltamos a eles, que regressamos esse universo espácio-temporal, a esses tempos e lugares… Voltamos a eles, regularmente, ora em espírito ora em corpo – como o Paulo, na viagem de todas as emoções, em Fevereiro de 2005. Voltamos para fazer o luto, voltamos para exorcizar os fantasmas que nos atormentam, voltamos para matar saudades, voltamos para tentar (re)organizar as ideias, os pensamentos, as emoções, as recordações… Voltamos por um questão cíclica, por que somos animais circadianos, o sol e o calendário marcam as nossas vidas… Temos necessidade de efemérides e de as celebrar, é uma questão vital… Hoje é o dia do meu aniversário, hoje faz anos que…
Celebremos, pois, as nossas efemérides da Guiné, não apenas as tragédias como a do Quirafo, mas também as boas lembranças da Guiné e das suas gentes, incluindo algumas mais íntimas e pessoais que queiramos compartilhar com o resto dos amigos e camaradas…
Aproveitemos também parta dar a palavra ao nosso inimigo de ontem: até à data, por exemplo, ainda não conseguimos, apesar de algumas tentativas, obter o depoimento do comandante do grupo do PAIGC que montou a emboscada do Quirafo... Sabemos quem foi e onde está... Muito provavelmente ele não quererá falar do dia 17 de Fevereiro de 1972... Há um pudor dos homens que fazem as guerras, que temos de saber respeitar... (LG)
2. Mensagem do Paulo Santigao, enviada ontem às 23.30H:
Passam, amanhã, dia 17 de Abril, 35 ( trinta e cinco ) anos sobre a morte criminosa, sem o mínimo objectivo, de 11 militares, 5 milícias e um número indeterminado de civis. Foi a emboscada/tragédia do Quirafo, encomendada ao PAIGC pelas mentes - já não sei classificá-las ou faltam-me palavras, tal a raiva – do proveta Lourenço e do Castro Lemos (3)
Foi feita justiça ? Penso que não. Neste momento, sei que todos os Tertulianos sabem da tragédia (1), o que, para mim, representa alguma paz de espírito.
Olhem as fotos da GMC, o Túmulo, e por segundos pensem em todos aqueles homens, militares, milícias e civis, imolados pela paranóia do Lourenço e do Lemos.
Descansem em Paz.
Paulo Santiago
16/04/07 às 23.30 horas
3. Comentário do Vitor Junqueira:
Grande Paulo,
Depois de ler o teu e-mail, fui ao browser do blog e reli os teus posts sobre este assunto. Depois fiz esta pergunta a mim próprio: O que é que se pode dizer a um homem que há trinta e cinco perdeu, num estúpido (evitável?) incidente, uma quantidade de gente sua, amigos, conhecidos e camaradas? Palavras de circunstância, lugares comuns? Não, que o Paulo Santiago não é homem para essas merdas. Podia oferecer-te a solidariedade hipócrita ou o cinismo das lágrimas de crocodilo no intento de reavivar a tua revolta contra aqueles que consideras responsáveis pelo acontecimento. Podia, mas qual a vantagem?
Por isso, meu caro amigo Paulo Santiago, e para tentar aliviar a tua memória dorida, ofereço-te o meu silêncio. Um patrício meu disse um dia que nas grande tragédias humanas há cuidar dos vivos e enterrar os mortos. Vá, enterra os teus, que já vai sendo tempo. E aceita um abraço do
Vitor Junqueira
_______
Notas de L.G.
(1) Vd. posts de:
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)
25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)
26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)
15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)
Vd. ainda testemunhos de outros camarados camaradas nossos:
24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)
21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)
22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)
(2) Vd. posts de:
26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau
29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca
30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane
5 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal
12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972
13 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P957: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (6): De volta ao Saltinho, Bambadinca e Bissau
20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972
(3) Referência ao capitão miliciano da CCAÇ 3490 (Saltinho), e ao tenente-coronel que comandava na altura o BCAÇ 3871 (Galomaro, 1971/74). Vd. posts de:
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)
25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)
Foto: © João Santiago (2006). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74) (1)...
Foram utilizados LGFog e Canhão sem recuo. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda hoje é visível, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram em Fevereiro de 2005 (2).
Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Direitos reservados.
1. Texto do editor do blogue:
Efemérides. Damos hoje início a uma nova série. O título foi sugerido pelo Paulo Santiago, ao evocar aqui, hoje, a tragédia do Quirafo. Efeméride é uma palavra que nos vem do grego, ephemerís, quer dizer dia a dia. Uma efeméride é uma notícia diária, é o registo de factos sucedidos dia a dia em diversos anos e lugares…
Há acontecimentos, na guerra da Guiné, que nos marcaram para sempre. Não é por masoquismo que voltamos a eles, que regressamos esse universo espácio-temporal, a esses tempos e lugares… Voltamos a eles, regularmente, ora em espírito ora em corpo – como o Paulo, na viagem de todas as emoções, em Fevereiro de 2005. Voltamos para fazer o luto, voltamos para exorcizar os fantasmas que nos atormentam, voltamos para matar saudades, voltamos para tentar (re)organizar as ideias, os pensamentos, as emoções, as recordações… Voltamos por um questão cíclica, por que somos animais circadianos, o sol e o calendário marcam as nossas vidas… Temos necessidade de efemérides e de as celebrar, é uma questão vital… Hoje é o dia do meu aniversário, hoje faz anos que…
Celebremos, pois, as nossas efemérides da Guiné, não apenas as tragédias como a do Quirafo, mas também as boas lembranças da Guiné e das suas gentes, incluindo algumas mais íntimas e pessoais que queiramos compartilhar com o resto dos amigos e camaradas…
Aproveitemos também parta dar a palavra ao nosso inimigo de ontem: até à data, por exemplo, ainda não conseguimos, apesar de algumas tentativas, obter o depoimento do comandante do grupo do PAIGC que montou a emboscada do Quirafo... Sabemos quem foi e onde está... Muito provavelmente ele não quererá falar do dia 17 de Fevereiro de 1972... Há um pudor dos homens que fazem as guerras, que temos de saber respeitar... (LG)
2. Mensagem do Paulo Santigao, enviada ontem às 23.30H:
Passam, amanhã, dia 17 de Abril, 35 ( trinta e cinco ) anos sobre a morte criminosa, sem o mínimo objectivo, de 11 militares, 5 milícias e um número indeterminado de civis. Foi a emboscada/tragédia do Quirafo, encomendada ao PAIGC pelas mentes - já não sei classificá-las ou faltam-me palavras, tal a raiva – do proveta Lourenço e do Castro Lemos (3)
Foi feita justiça ? Penso que não. Neste momento, sei que todos os Tertulianos sabem da tragédia (1), o que, para mim, representa alguma paz de espírito.
Olhem as fotos da GMC, o Túmulo, e por segundos pensem em todos aqueles homens, militares, milícias e civis, imolados pela paranóia do Lourenço e do Lemos.
Descansem em Paz.
Paulo Santiago
16/04/07 às 23.30 horas
3. Comentário do Vitor Junqueira:
Grande Paulo,
Depois de ler o teu e-mail, fui ao browser do blog e reli os teus posts sobre este assunto. Depois fiz esta pergunta a mim próprio: O que é que se pode dizer a um homem que há trinta e cinco perdeu, num estúpido (evitável?) incidente, uma quantidade de gente sua, amigos, conhecidos e camaradas? Palavras de circunstância, lugares comuns? Não, que o Paulo Santiago não é homem para essas merdas. Podia oferecer-te a solidariedade hipócrita ou o cinismo das lágrimas de crocodilo no intento de reavivar a tua revolta contra aqueles que consideras responsáveis pelo acontecimento. Podia, mas qual a vantagem?
Por isso, meu caro amigo Paulo Santiago, e para tentar aliviar a tua memória dorida, ofereço-te o meu silêncio. Um patrício meu disse um dia que nas grande tragédias humanas há cuidar dos vivos e enterrar os mortos. Vá, enterra os teus, que já vai sendo tempo. E aceita um abraço do
Vitor Junqueira
_______
Notas de L.G.
(1) Vd. posts de:
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)
25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)
26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)
15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)
Vd. ainda testemunhos de outros camarados camaradas nossos:
24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)
21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)
22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)
(2) Vd. posts de:
26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau
29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca
30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane
5 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal
12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972
13 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P957: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (6): De volta ao Saltinho, Bambadinca e Bissau
20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972
(3) Referência ao capitão miliciano da CCAÇ 3490 (Saltinho), e ao tenente-coronel que comandava na altura o BCAÇ 3871 (Galomaro, 1971/74). Vd. posts de:
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)
25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)
Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 > 1968 > Um DO (Dornier) 27 na pista de aviação (1).
Foto: © José Neto (2005). Direitos reservados.
Guiné > Bissalanca > Restos do motor do DO 27, do Furriel Piloto Aviador Baltazar da Silva ... Esta imagem foi-nos enviada pelo nosso camarada Victor Barata, que vive hoje em Viseu, e que foi especialista de Instrumentos de Bordo, na nossa gloriosa FAP (1969/1974). Esteve na Guiné, de 1971/73, "na linha da frente dos DO 27". Pedi-lhe para me dar mais pormenores sobre este trágico acidente (2). Descobri agora que o Baltazar da Silva conviveu com outro nosso tertuliano, o António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné (2007) (3).
Foto: © Victor Barata (2007). Direitos reservados.
Vitor Barata ainda não teve tempo de satisfazer a minha natural curiosidade acerca deste acidente: onde, quando, em circunstâncias, etc. Curiosamente, acabei por encontrar algumas respostas ao ler o Diário da Guiné, o livro autografado que me foi enviado pelo seu autor, o nosso camarada António Graça de Abreu. O Abreu foi Alferes Miliciano no CAOP1, primeiro em Teixeira Pinto, e depois em Mansoa e em Cufar (1972/74).
O seu livro é um excelente documento, de interesse memorialístico, sobre os tempos (conturbados) que antecederam o fim da guerra: a morte de Amílcar Cabral, a escalada da guerra, a proclamação unilateral da independência, a conspiração dos capitães, o 25 de Abril de 1974, a retirada das NT, etc.
Não vou agora vou fazer uma detalhada recensão crítica do livro do nosso camarada António Graça de Abreu (3). Vou apenas seleccionar alguns dos seus registos diários, em que é referida a Força Aérea Portuguesa, as suas máquinas e os seus homens. Em dois ou três desses registos, a evocada a figura do Furriel Miliciano Aviador Baltazar da Silva cujo DO foi abatido em Abril de 1973, entre Bigene e Guidaje. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.
Foto: © José Neto (2005). Direitos reservados.
Guiné > Bissalanca > Restos do motor do DO 27, do Furriel Piloto Aviador Baltazar da Silva ... Esta imagem foi-nos enviada pelo nosso camarada Victor Barata, que vive hoje em Viseu, e que foi especialista de Instrumentos de Bordo, na nossa gloriosa FAP (1969/1974). Esteve na Guiné, de 1971/73, "na linha da frente dos DO 27". Pedi-lhe para me dar mais pormenores sobre este trágico acidente (2). Descobri agora que o Baltazar da Silva conviveu com outro nosso tertuliano, o António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné (2007) (3).
Foto: © Victor Barata (2007). Direitos reservados.
Vitor Barata ainda não teve tempo de satisfazer a minha natural curiosidade acerca deste acidente: onde, quando, em circunstâncias, etc. Curiosamente, acabei por encontrar algumas respostas ao ler o Diário da Guiné, o livro autografado que me foi enviado pelo seu autor, o nosso camarada António Graça de Abreu. O Abreu foi Alferes Miliciano no CAOP1, primeiro em Teixeira Pinto, e depois em Mansoa e em Cufar (1972/74).
O seu livro é um excelente documento, de interesse memorialístico, sobre os tempos (conturbados) que antecederam o fim da guerra: a morte de Amílcar Cabral, a escalada da guerra, a proclamação unilateral da independência, a conspiração dos capitães, o 25 de Abril de 1974, a retirada das NT, etc.
Não vou agora vou fazer uma detalhada recensão crítica do livro do nosso camarada António Graça de Abreu (3). Vou apenas seleccionar alguns dos seus registos diários, em que é referida a Força Aérea Portuguesa, as suas máquinas e os seus homens. Em dois ou três desses registos, a evocada a figura do Furriel Miliciano Aviador Baltazar da Silva cujo DO foi abatido em Abril de 1973, entre Bigene e Guidaje. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.
Teixeira Pinto, 26 de Junho de 1972
(…) Cheguei de manhã, vim de helicóptero (…). O alferes piloto do meu héli sabia que eu era pira, ou seja, periquito (…) e resolveu fazer uma brincadeira com a máquina voadora. Saímos de Bissau com aquela grande casca de alumínio motorizada e barulhenta,a scendendo harmoniosamente no céu. Uns dez minutos depois, sobre o rio Mansoa, o piloto fez subir o helicóptero até quase aos dois mil metros. Logo sde seguida como que o deixou cair (…) a razoável velocidade direitinho às águas do rio. Eu vinha no banco de trás e pensei: Vou morrer. Foram só uma dúzia de segundos, depois o piloto segurou impecavelmente o héli a uns duzentos metros da margem do rio (…). Chegámos e ele divertido, ao ver-me ainda branco como pó de caulino, com as cores do susto e da morte estampadas no rosto.
(…)
Canchungo, 21 de Julho de 1972
O meu dia a dia (…). Por volta das dez, quase todos os dias, chega o DO, a avioneta de Bissau; às vezes vou de jipe à pista, a uns quatrocentos metros daqui, buscar o piloto e os sacos de correio, o particular e o oficial (…).
Capa do Livro Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu. Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007.
Foto: Guerra e Paz Editores, SA (2007) (com a devida vénia...)
(…) Cheguei de manhã, vim de helicóptero (…). O alferes piloto do meu héli sabia que eu era pira, ou seja, periquito (…) e resolveu fazer uma brincadeira com a máquina voadora. Saímos de Bissau com aquela grande casca de alumínio motorizada e barulhenta,a scendendo harmoniosamente no céu. Uns dez minutos depois, sobre o rio Mansoa, o piloto fez subir o helicóptero até quase aos dois mil metros. Logo sde seguida como que o deixou cair (…) a razoável velocidade direitinho às águas do rio. Eu vinha no banco de trás e pensei: Vou morrer. Foram só uma dúzia de segundos, depois o piloto segurou impecavelmente o héli a uns duzentos metros da margem do rio (…). Chegámos e ele divertido, ao ver-me ainda branco como pó de caulino, com as cores do susto e da morte estampadas no rosto.
(…)
Canchungo, 21 de Julho de 1972
O meu dia a dia (…). Por volta das dez, quase todos os dias, chega o DO, a avioneta de Bissau; às vezes vou de jipe à pista, a uns quatrocentos metros daqui, buscar o piloto e os sacos de correio, o particular e o oficial (…).
Capa do Livro Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu. Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007.
Foto: Guerra e Paz Editores, SA (2007) (com a devida vénia...)
Portugueses com asas como os pássaros
(…) São doze os DO que voam no território, umas avionetas Dornier de fabrico alemão robustas e funcionais, mas sujeitas a desgaste tremendo. Às vezes voam às arrecuas, salvo seja.
Já têm uns anos, avariam-se com facilidade. A semana passada um DO que voava daqui para o Cacheu viu-se obrigado a aterrar de emergência na tira de asfalto da estrada Canchungo-Cacheu, por duas vezes. O que nos safa é o PAIGC não possuir anti-aéreas (há o boato de que as vão ter em breve), mesmo assim alguns DO já levaram tiros, sem consequências.
Gosto dos alferes e dos furriéis pilotos dos hélis e das DO. Estes homens da Força Aérea, quase todos mais novos do que eu, fazem maravilhas com as máquinas voadoras que lhes foram distribuídas. Vou buscá-los à pista, sentamo-nos na mesma mesa para almoçar, vamos até ao bar beber um café ou um copo, falamos da guerra e da paz. Já os vou conhecendo, admiro estes portugueses com asas como os pássaros
(...)
Canchungo, 20 de Dezembro de 1972
[Depois de trinta e cinco dias de férias em Portugal]
Cheguei de helicóptero, viva o luxo! Dá-me gozo viajar nestas loucas máquinas. A sensação de flutuar, oscilar no céu a grande velocidade, é mil vezes melhor do que aqueles voos assépticos e incolores nos aviões grandes tipo Boeing e quejandos. De helicóptero temos a terra, os rios ao alcance da mão e dançamos no céu.
Mas só quando os hélis voam em zona de paz. Hoje vieram porque havia operação na Caboiana (4). Aproveitei a boleia. De tarde, houve contacto NT/IN na zona de guerra. O mesmo héli em que vim voou para a Caboiana, foi buscar dois feridos e acabou atingido com estilhaços de morteiro 82 disparados pelos guerrilheiros. Continuou a voar, aterrou na nossa pista, fomos verificar o estado do Alouette III, e seguiu para Bissau, com o cone de trás da fuselagem cheio de buraquinhos. A enfermeira pára-quedista Celeste (*) que de manhã viajara com o piloto e comigo desde Bissau, e costuma acompanhar as evacuações no mato, apanhou um grande acagaço. O alferes piloto também estava nervoso.
__________
(* ) Dois meses deopois deste incidente, a enfermeira Celeste Pereira, ao correr para uma DO que se preparava para levantar voo a fimd e proceder a evacuação foi morta pela hélice da avioneta que lhe cortou a cabeça, no aeroporto de Bissalanca (Nota de rodapé do autor, p. 64).
Canchungo, 5 de Janeiro de 1973
(…) Hoje ouvi a DO, fui para a pista com o major P., a avioneta sobrevoava Canchungo, mas nunca mais descia, dava voltas e ais voltas por cima do campo de aviação, até que por fim aterrou. Estranhámos bastante. O piloto vinha a suar, era periquito, baixava pela primeira vez em Teixeira Pinto, estivera uns minutos largos a estar a pista. Chama-se Baltazar, é um furriel piloto aviador com um ar castiço, inconfundível, alto magro, os cabelos muito ruços e encaracolados. Pediu desculpa ao meu major pela demora na aterragem.
(...)
Mansoa, 13 de Fevereiro de 1973
A poesia de Manuel Alegre: Mesmo na noite mais triste / Em tempos de servidão,/ Há sempre alguém que resiste, / Há sempre alguém que diz não.
Resistir. Hoje vi os aviões Fiat cruzarem o céu dos poetas, picarem de cima para baixo e largarem 600 quilos de bombas sobre a floresta próxima onde se escondem guerrilheiros, mulheres e crianças, donos do orgulho, da miséria e do medo. E vi depois a mesma gente, mulheres, um menino morto e mais crianças feridas que as nossas tropas foram buscar, a fim de serem transportadas para o hospital de Bissai. E vi um tenente aviador com o remorso de talvez já ter bombardeado e morto gente inocente, e vi um coronel afirmar que, desde 1961, já contactou muita desgraça, isto agora já não lhe bole com nenhum músculo (…).
Regresso a Bissau com a morte na alma
Mansoa, 29 de Março de 1973
Foi abatido um avião a jacto Fiat G 91, um pequeno bombardeiro, lá para o sul, perto de e Guileje (…). O tenente piloto aviador [ Miguel Pessoa](…) ejectou-se, saltando de pára-quedas numa zona onde não foi detectado pelo IN (…).
Ontem repetiu-se o o incidente, foi abatido outro Fiat G 91. Desta vez, o piloto não teve sorte, o aião desintegrou-se e morreu o tenente-coronel Almeida Brito, o comandante das esquadrilhas de aviões na Guiné.
É uma nova realidade com que temos de contar, o PAIGC já dispõe de mísseis anti-aéreos que são eficazes. Os pilotos estão com medo de voar, quem se quer suicidar ?Esta manhã esteve cá o furriel piloto Baltazar da Silva, o tal rapaz alto do cabel encaracolado e muito ruivo, meu conhecido e amigo desde aquela primeira aterragem estranha, alvoroçada em Canchungo. Trouxe a sua DO, pareceu-me preocupado, assustado. Almoçámos juntos, ele quase não tocou na comida, fixava os olhos em coisa nenhuma. Trouxe até ao meu quarto, bebemos um whisky velho, animei-o tanto quanto fui capaz. Regressou a Bissau com a morte na alma.
(…)
Mansoa, 7 de Abril de 1973
Uma DO foi atingida pelos mísseis do PAIGC e caiu lá no Norte. Morreram o piloto, um mecânico e o major Jiame Mariz, que conhecia muito bem, desempenhou algum tempo as funções de 2º Comandante do Batalão 3863, de Canchungo (Teixeira Pinto) (…) .
Foi abatido um avião a jacto Fiat G 91, um pequeno bombardeiro, lá para o sul, perto de e Guileje (…). O tenente piloto aviador [ Miguel Pessoa](…) ejectou-se, saltando de pára-quedas numa zona onde não foi detectado pelo IN (…).
Ontem repetiu-se o o incidente, foi abatido outro Fiat G 91. Desta vez, o piloto não teve sorte, o aião desintegrou-se e morreu o tenente-coronel Almeida Brito, o comandante das esquadrilhas de aviões na Guiné.
É uma nova realidade com que temos de contar, o PAIGC já dispõe de mísseis anti-aéreos que são eficazes. Os pilotos estão com medo de voar, quem se quer suicidar ?Esta manhã esteve cá o furriel piloto Baltazar da Silva, o tal rapaz alto do cabel encaracolado e muito ruivo, meu conhecido e amigo desde aquela primeira aterragem estranha, alvoroçada em Canchungo. Trouxe a sua DO, pareceu-me preocupado, assustado. Almoçámos juntos, ele quase não tocou na comida, fixava os olhos em coisa nenhuma. Trouxe até ao meu quarto, bebemos um whisky velho, animei-o tanto quanto fui capaz. Regressou a Bissau com a morte na alma.
(…)
Mansoa, 7 de Abril de 1973
Uma DO foi atingida pelos mísseis do PAIGC e caiu lá no Norte. Morreram o piloto, um mecânico e o major Jiame Mariz, que conhecia muito bem, desempenhou algum tempo as funções de 2º Comandante do Batalão 3863, de Canchungo (Teixeira Pinto) (…) .
A morte do Baltazar da Silva
____________________
Mansoa, 8 de Abril de 1973
Outra DO pilotada pelo furriel piloto aviador Baltazar da Silva foi abatida pelo IN quando voava entre Bigene e Guidaje. O rapaz morreu, junto com um alferes médico e um sargento . O Baltazar almoçou comigo na semana passada, esteve aqui no meu quarto desanimado e triste. Escrevi então que ele havia partido para Bissau “ com a morte na alma”
Outra DO pilotada pelo furriel piloto aviador Baltazar da Silva foi abatida pelo IN quando voava entre Bigene e Guidaje. O rapaz morreu, junto com um alferes médico e um sargento . O Baltazar almoçou comigo na semana passada, esteve aqui no meu quarto desanimado e triste. Escrevi então que ele havia partido para Bissau “ com a morte na alma”
[Certamente por lapso, não é referido o major de infantaria graduado Jaime Frederico Mariz, cmdt do COP 3, que ia de boleia para Bigene.]
(…)
Bissau, 29 de Abril de 1973 [Depois de dezoito dias de férias em Portugal]
(…) Pelo que já ouvi contar, a aviação está quase paralisada. Os guerrilheiros, moralizados, passam ao ataque. Sem aviões, sem hélis, complica-se a vida de todos nós.
(…)
A tropa anda amedrontada ...
Mansoa, 8 de Maio de 1973
(…) Aqui os aviões, muito a medo e com a máxima precaução, recomeçaram a voar. Acabou a segurança com que cruzavam os céus da Guiné. Os hélis ainda não vão buscar ninguém directamente ao mato, no caso de haver um contacto e registarem-se feridos. Por tudo isto, e porque todos sabemos que tem morrido muita gente, a tropa anda amedrontada.
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba
(2) Vd. post de 14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1661: Tertúlia: Notícias de Lafões, do Rui Ferreira, do Carlos Santos e da nossa gloriosa FAP (Victor Barata)
(3) Vd. posts de:
5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor
6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)
27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)
(4) Ao CAOP1, pertenciam entre outras forças especiais a 38ª Companhia de Comandos, de que fazia parte o nosso tertuliano Amílcar Mendes. Há vários posts sobre a actividade operacional da 38ª CCmds, na região de Caboiana:
15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Cubiana-Churo
(…) Aqui os aviões, muito a medo e com a máxima precaução, recomeçaram a voar. Acabou a segurança com que cruzavam os céus da Guiné. Os hélis ainda não vão buscar ninguém directamente ao mato, no caso de haver um contacto e registarem-se feridos. Por tudo isto, e porque todos sabemos que tem morrido muita gente, a tropa anda amedrontada.
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba
(2) Vd. post de 14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1661: Tertúlia: Notícias de Lafões, do Rui Ferreira, do Carlos Santos e da nossa gloriosa FAP (Victor Barata)
(3) Vd. posts de:
5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor
6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)
27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)
(4) Ao CAOP1, pertenciam entre outras forças especiais a 38ª Companhia de Comandos, de que fazia parte o nosso tertuliano Amílcar Mendes. Há vários posts sobre a actividade operacional da 38ª CCmds, na região de Caboiana:
15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Cubiana-Churo
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Guiné 63/74 - P1667: Tabanca Grande (7): Artur Soares, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 3492 (Xitole, 1972/74)
O Artur Soares, ontem (em baixo) e hoje (em cima). O nosso novo tertuliano foi Fur Mil, tendo pertencido à CART 3492 (Xitole, 1972/74), a mesma unidade a que pertenceu originalmente o Alf Mil Op Espec Joaquim Mexia Alves, antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca) e ainda na CCAÇ 15 (Mansoa).
Fotos: © Artur Soares (2007). Direitos reservados.
Mensagem do Artur Soares:
1. Mensagem do Artur Soares:
Figueira da Foz, 16 de Abril de 2007
Caro Luís Graça:
Antes de mais, quero felicitar-te pelo magnífico Blogue, que nos ajuda a recordar os bons e os maus momentos que passámos na Guiné; pois recordar é viver.
O Mexia Alves já te deu conhecimento que, mais dia menos dia, eu iria entrar em contacto contigo (1)
Peço desculpa do tratamento por tu, mas é uma das regras da Tertúlia.
Eu também estive na Guiné desde Dezembro de 1971 a Março de 1974.
Agora passo a apresentar-me:
(i) Sou o Artur Manuel Soares;
(ii) Vivo em Figueira da Foz;
(iii) Fui Furriel Miliciano Mecânico Auto;
(iv) Pertenci à CART 3492, sedeada no Xitole, companhia que fazia parte do BART 3873, que esteve em Bambadinca;
(v) Desse batalhão, ainda faziam parte as CART 3493 (Mansambo) e a 3494 (Xime). Mais tarde a CART 3493, foi para a zona do Cantanhês e a CART 3494, para Mansambo.
Junto envio duas fotos - uma militar e outra civil, actual. Peço autorização para fazer parte da Tertúlia de amigos e camaradas da Guiné.
Também gostava de estar presente no almoço convívio que se vai realizar em Pombal, no dia 28 de Abril. O Mexia Alves deu-me conhecimento deste convívio (2), há já alguns dias, mas só agora tive oportunidade de me inscrever na Tertúlia.
A ementa será a 1B. Deixo também o meu nº de telemóvel (965647246), no caso de necessidade de algum contacto.
Por hoje é tudo, cumprimentos do
Artur Manuel Soares
2. Comentário de L.G.:
Artur, cumpridas as formalidades, entra e fecha a porta. Fico feliz por encontrares aqui camaradas do teu batalhão e da tua unidade. Como sabes, embora em época diferente (1969/71), passei algumas vezes pelo Xitole, em colunas logísticas, oriundas de Bambadinca. Espero que te sintas bem entre os amigos e camaradas da Guiné. Ficas-nos a dever uma estóroa (pode ser sobre o pessoal da ferrugem ou sobre os malucos dos nossos condutoresou sobre o milagre que vocês faziam, ao manter de pé as Berliet, as MGC, os Unimog)... Encontramo-nos em Pombal, no próximo dia 28 de Abril de 2007. L.G.
3. O Joaquim Mexia Alves anda encantado por encontrar malta do seu tempo de Xitole e da sua CART 3492. Eis algumas mensagens dele:
7 de Abril de 2007
Caro Luís Graça:
Renovo os meus votos de Santa e Feliz Páscoa. Olha só o que faz o teu/nosso blogue:
Fui agora contactado por um Soldado Conductor, David Peixoto, da CART 3492, a minha companhia, que viu o meu telemóvel e as fotografias no blogue.
No espaço de um mês já falei pelo menos com três camaradas da Guiné [, Artur Soares, Barroso, David Peixoto], com quem não falava há 35 anos.
Claro, disse-lhe, ao David, para se colocar em contacto contigo, para se juntar a nós em Pombal no dia 28.
Vai ser uma festa!!! Obrigado Luis, por estas alegrias que nos proporcionas! Abraço amigo, que te darei pessoalmente, se Deus quiser, no dia 28.
Joaquim Mexia Alves
Telemóvel > 913455362
21 de Março de 2007:
Caro Luís Graça
Sem saberes deste-me hoje uma grande alegria. Por causa do blogue e das mensagens do Artur Soares que lá colocaste, telefonou-me agora o Barroso (viu o meu nº de telemovel nessas mensagens), meu camarada Alferes da Cart 3492, e o único oficial do início da Companhia que ficou com ela até ao fim.
Já me lembrou em conversa, que o Alf Oliveira, do 2º Pelotão, não chegou a embarcar connosco para a Guiné e, como já viste pelos meus textos, o Alf Gonçalves Dias, do 4º Pelotão, foi para a CCS sendo substituido pelo Alf Rodrigues que era da CCS e eu próprio fui para as africanas [ Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15] pelo que foi ele o último dos moicanos.
Pedi-lhe para passar a pertencer à nossa Tabanca, como diz o David Guimarães, salvo o erro, e ele respondeu-me que brevemente iria entrar em contacto comigo para depois formalizar contigo a entrada na Tertúlia.
Disse-lhe do agendamento do nosso encontro em Pombal, que poderá servir para nos revermos.
Foi bom ouvir a sua voz, o que não acontecia desde 1972, se não me falha a memória.
Obrigado, Luís, pelo teu trabalho que nos dá estas alegrias!!!
Um abraço forte e amigo do
Joaquim Mexia Alves
_______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
18 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1609: Álbum das Glórias (9): Pessoal da CART 3942 em Bolama (Joaquim Mexia Alves)
17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1608: Xitole, CART 3492: Uma nota de bom humor no quotidiano da guerra (Joaquim Mexia Alves)
17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1607: Artur Soares, ex- Furriel Mecânico Auto, CART 3492, Xitole, 1972/74 (Joaquim Mexia Alves)
(2) Vd. posts de:
9 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1649: 2º Encontro da nossa tertúlia: Pombal, Restaurante Manjar do Marquês, 28 de Abril de 2007 (Vitor Junqueira / Luís Graça)
10 de Abril de 2007 > http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/04/guin-6374-p1650-tods-pombal-28-de-abril.html
segunda-feira, 16 de abril de 2007
Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa
Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça na poda...
Évora > RAL 3 > 1967 > Esta foto é de uma das primeiras reuniões de graduados das CART 2338 e 2339. Na primeira fila estão o Capitão Miliciano e o Alf Mil Diniz (na altura, aspirante), ambos da CART 2338 (O Diniz é o oficial que irá mais tarde coordenar a travessia do Corubal, no Cheche, na retirada de Madina do Boé, em Fevereiro de 1968). "Não sei do Diniz. Mas mando-lhe um forte abraço", escreveu há tempos o Torcato (1). O Asp Mil Torcato Mendonça, dfa CART 2339, está na primeira fila, à esquerda do capitão.
Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados (Foto do arquivo pessoal do ex-Alf Mil Cardoso; cópia enviada pelo ex-Fur Mil Carlos Marques dos Santos. A ambos o nosso agradecimento).
Série de estórias do Torcato Mendonça que foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69. Chamei-lhe Estórias de Mansambo (2), por homengem aos heróicos construtores e defensores daquele aquartelamento da Zona Leste, Sector L1 (Bambadinca) (1). A ordem por que aparecem não é nem lógica nem cronológica, é ditada por critérios de conveniência do autor e do editor. A estória do postal foi-me enviado em 12 de Fevereiro de 2007, a par da já publicada, a dança dos capitães (2).
Mais recentemente, pela Páscoa, o Torcato mandou-me mais uma meia dúzia de estórias, subordinadas ao título comum Estórias do Zé... Ora eu já tinha, em boa hora, dado início à série Estórias de Mansambo... Ao telefone, decidimos manter este título... E vamos recuperar outras (pequenas estórias) do Torcato que andam por aí dispersas. Hoje, e numa assentada, publicam-se duas, uma vez que estão interligadas: (i) O José ou o Zé; (ii) O postal [da tropa]...
Estórias de Mansambo (2) - O José ou Zé
por Torcato Mendonça
Conheço o José há tanto tempo que não sei, ao certo, nem onde nem quando o encontrei pela primeira vez.
Fizemos ambos a tropa e estivemos na Guiné. Muito pouco falamos nisso. Talvez o tenhamos feito, uma ou outra vez, porque não podíamos fugir ao tema.
Numa tarde fria e baça, recebi a inesperada visita do José para dois dedos de conversa. O tempo cinzentão deixava-me amolecido. Devagar acabava o trabalho. Ele, depois de entrar e dos cumprimentos, sentou-se num cadeirão e começou a folhear uma revista. Continuei a trabalhar, alheado ao que me rodeava. De repente, levanto os olhos e vejo o José a ler os papéis espalhados na habitual desordem, mais aparente que real, sobre a mesa de trabalho.
- Espreitar não vale – disse-lhe, gracejando.
- Pois é - respondeu-me, meio virado para a janela com olhar de nada ver. E acrescentou, com a sua voz grave e calma:
- Eu estive lá; eu também estive na Guiné há muitos anos. Quase nunca falamos sobre isso.
Fitei-o, esperei um pouco, passei o olhar para os papéis e disse:
– São apontamentos, pequenos textos em exercício de memória, sem ordem nem tema. Recordações minhas, desse tempo, transcritas para o papel ao correr da pena ou da tecla. Um dia posso ordenar tudo ou não.
Na sua voz calma, olhando também os papéis retorquiu:
- Fui tentando esquecer mas, como marca de ferro em brasa, aquele tempo ficou-me indelevelmente gravado na memória. Podemos falar um pouco sobre isso... Cedo, ainda criança, por razões várias apercebi-me das desigualdades no nosso País, do cuidado a ter em certas conversas e não só. Isto, para te dizer que, quando me chamaram para prestar o serviço militar e posteriormente fui mobilizado, sabia não ir defender causa justa. Fui, porque tinha e devia ir. Fugir, desertar, nunca tal foi por mim equacionado.
Sentámo-nos mais confortavelmente. Entre os dois a mesa baixa e, sobre ela a bandeja com chávenas, copos, o termo do café, uma garrafa de água e outra de uísque. Nenhum queria iniciar a conversa. Começou ele, titubeante, a não ir directo ao assunto, a rodar o copo com água ora numa mão ora noutra. Tossiu, respirou fundo, pousou o copo e depois de dar uma palmada no joelho falou mais alto que era o seu hábito.
-Vou contar-te, sem sentido cronológico, sem qualquer pretensão de ligação de factos. Vou fazê-lo, à medida que me vier à memória, aquela parte do meu passado tão fortemente vivido e que me transformou tanto - E continmou:
-Começo então e chamo metamorfoses a essas transformações. Porquê metamorfoses? Porque o jovem alegre, brincalhão, bonacheirão, jogador de unha afiada para o ás, amigo do copo e do petisco, do belo sexo – no bordel, hotel e… em tanto lado –, sofre, de forma maquiavélica e bem programada, uma radical modificação. Resiste. Um dia, sem saber como, sente que claudicou. Saltou o muro e tornou-se solitário. Já não é o mesmo de outrora.
Transformou-se. Muito, muito tempo depois, aos poucos, sente que esqueceu…já não diz, quando sente situação de perigo: - Vou vestir o camuflado… isso foi-se. Mas não. Um som, um cheiro, certas palavras ou uma imagem… sem querer, é o suficiente para voltar a ser solitário. Hoje sabe porquê e, mesmo solitário, também está mais solidário com aquilo… E vale a pena, sente que recordar é necessário.
Estórias de Mansambo (3) - O postal
por Torcato Mendonça
Prefiro contar na terceira pessoa, como se fosse referente a outro indivíduo... Posso, eventualmente, fazer o relato na primeira pessoa. Se bem me lembro...
Naquele ano, descera do Alentejo até ao Algarve já com Setembro á vista.
Sabia que mais tarde ou mais cedo, teria que servir a Pátria. Sinceramente não sentia nada por ela. Gostava e gosta de ser português. Mas Pátria? Cheirava a bafio, a botas, a Estado Novo. Pátria, não.
Já tinha ido à inspecção, às sortes, e pedira adiamento. Continuou a estudar. Mas…sorte madrasta…agora, aí estava ele especado, aturdido. Se tivesse levado um murro no estômago, a surpresa não seria maior. Ali estava ele, com o postal na mão e lia e relia a sentença. O texto era de chapa e de prosa curta: Tem que se apresentar, no quartel das Caldas da Rainha, a 12 de Setembro. Não teve direito a adiamentos. Porquê? Logo agora que até tinha trazido os livros, devido a exames no fim de Setembro. E a faculdade, o curso, o… raio que os parta! Sonhos desfeitos ou adiados.
Pôs a toalha ao ombro e foi até á praia. Sentou-se junto da rebentação para melhor sentir o embrulhar das pequenas ondas. Aos poucos sentia-se mais relaxado ou resignado. Logo neste ano que, ao fim de três ou quatro dias, conhecera aquela miúda. Linda! Cabelo loiro, longo e liso, olhos cor de mar. Aos poucos a rápida empatia…as voltas…as conversas…enfim …o estarem sós… no meio do grupo! E agora?
O regresso a casa, no Alentejo, mais depressa do que imaginara. Ficaram promessas no ar, prisões de amor em traição ou infidelidade próprias dos verdes anos. Dias depois a vinda para Lisboa, a despedida na velha Casa de Fados com os amigos. No dia seguinte, manhã cedo, o comboio apanhado no Rossio – Linha do Oeste... Poucas horas depois, aí estava a cidade das Caldas.
Acompanhava-o um amigo, antigo colega no Colégio que trazia uma cunha para um Alferes, antigo camarada de um seu cunhado na Academia. Falaram com ele e rumaram ao Quartel. Que mundo diferente, a cor verde e o cheiro da caserna…
Dias depois ei-lo a sair para fazer os exames.
-Trazes o papel mas não entregas a ninguém, só quando eu disser.
Alferes manda. Passado cerca de um mês, nova ordem:
-Vai á Secretaria e entrega o papel. Já não te mandam para Mafra.
Conseguiu safar-se da porrada que o Comandante de Companhia lhe queria dar.
- Não entregar as habilitações literárias é grave - berrava o 1º Sargento e berrou o Tenente.
- Esqueci-me.
- Assinaste um papel quando foste á inspecção.
- Não me lembro.
Passou. Tudo serenou e continuou nas Caldas. Bela cidade, boas voltas, cidade com atractivos para militares…o museu e o jardim clar0... para descansar o olhar… e… pois isso também... óptima recruta.
Do Pelotão dele, nem meia dúzia foram para atiradores. Ele estava nesse pequeno grupo. Ia para Vendas Novas, curso de oficiais milicianos, especialidade – atirador.
Raios partam… a dança ia começar!
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 25 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P906: CART 2339 e Malan Mané, duas estórias para duas fotos (Torcato Mendonça)
(2) Vd. post de 14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães
Évora > RAL 3 > 1967 > Esta foto é de uma das primeiras reuniões de graduados das CART 2338 e 2339. Na primeira fila estão o Capitão Miliciano e o Alf Mil Diniz (na altura, aspirante), ambos da CART 2338 (O Diniz é o oficial que irá mais tarde coordenar a travessia do Corubal, no Cheche, na retirada de Madina do Boé, em Fevereiro de 1968). "Não sei do Diniz. Mas mando-lhe um forte abraço", escreveu há tempos o Torcato (1). O Asp Mil Torcato Mendonça, dfa CART 2339, está na primeira fila, à esquerda do capitão.
Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados (Foto do arquivo pessoal do ex-Alf Mil Cardoso; cópia enviada pelo ex-Fur Mil Carlos Marques dos Santos. A ambos o nosso agradecimento).
Série de estórias do Torcato Mendonça que foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69. Chamei-lhe Estórias de Mansambo (2), por homengem aos heróicos construtores e defensores daquele aquartelamento da Zona Leste, Sector L1 (Bambadinca) (1). A ordem por que aparecem não é nem lógica nem cronológica, é ditada por critérios de conveniência do autor e do editor. A estória do postal foi-me enviado em 12 de Fevereiro de 2007, a par da já publicada, a dança dos capitães (2).
Mais recentemente, pela Páscoa, o Torcato mandou-me mais uma meia dúzia de estórias, subordinadas ao título comum Estórias do Zé... Ora eu já tinha, em boa hora, dado início à série Estórias de Mansambo... Ao telefone, decidimos manter este título... E vamos recuperar outras (pequenas estórias) do Torcato que andam por aí dispersas. Hoje, e numa assentada, publicam-se duas, uma vez que estão interligadas: (i) O José ou o Zé; (ii) O postal [da tropa]...
Estórias de Mansambo (2) - O José ou Zé
por Torcato Mendonça
Conheço o José há tanto tempo que não sei, ao certo, nem onde nem quando o encontrei pela primeira vez.
Fizemos ambos a tropa e estivemos na Guiné. Muito pouco falamos nisso. Talvez o tenhamos feito, uma ou outra vez, porque não podíamos fugir ao tema.
Numa tarde fria e baça, recebi a inesperada visita do José para dois dedos de conversa. O tempo cinzentão deixava-me amolecido. Devagar acabava o trabalho. Ele, depois de entrar e dos cumprimentos, sentou-se num cadeirão e começou a folhear uma revista. Continuei a trabalhar, alheado ao que me rodeava. De repente, levanto os olhos e vejo o José a ler os papéis espalhados na habitual desordem, mais aparente que real, sobre a mesa de trabalho.
- Espreitar não vale – disse-lhe, gracejando.
- Pois é - respondeu-me, meio virado para a janela com olhar de nada ver. E acrescentou, com a sua voz grave e calma:
- Eu estive lá; eu também estive na Guiné há muitos anos. Quase nunca falamos sobre isso.
Fitei-o, esperei um pouco, passei o olhar para os papéis e disse:
– São apontamentos, pequenos textos em exercício de memória, sem ordem nem tema. Recordações minhas, desse tempo, transcritas para o papel ao correr da pena ou da tecla. Um dia posso ordenar tudo ou não.
Na sua voz calma, olhando também os papéis retorquiu:
- Fui tentando esquecer mas, como marca de ferro em brasa, aquele tempo ficou-me indelevelmente gravado na memória. Podemos falar um pouco sobre isso... Cedo, ainda criança, por razões várias apercebi-me das desigualdades no nosso País, do cuidado a ter em certas conversas e não só. Isto, para te dizer que, quando me chamaram para prestar o serviço militar e posteriormente fui mobilizado, sabia não ir defender causa justa. Fui, porque tinha e devia ir. Fugir, desertar, nunca tal foi por mim equacionado.
Sentámo-nos mais confortavelmente. Entre os dois a mesa baixa e, sobre ela a bandeja com chávenas, copos, o termo do café, uma garrafa de água e outra de uísque. Nenhum queria iniciar a conversa. Começou ele, titubeante, a não ir directo ao assunto, a rodar o copo com água ora numa mão ora noutra. Tossiu, respirou fundo, pousou o copo e depois de dar uma palmada no joelho falou mais alto que era o seu hábito.
-Vou contar-te, sem sentido cronológico, sem qualquer pretensão de ligação de factos. Vou fazê-lo, à medida que me vier à memória, aquela parte do meu passado tão fortemente vivido e que me transformou tanto - E continmou:
-Começo então e chamo metamorfoses a essas transformações. Porquê metamorfoses? Porque o jovem alegre, brincalhão, bonacheirão, jogador de unha afiada para o ás, amigo do copo e do petisco, do belo sexo – no bordel, hotel e… em tanto lado –, sofre, de forma maquiavélica e bem programada, uma radical modificação. Resiste. Um dia, sem saber como, sente que claudicou. Saltou o muro e tornou-se solitário. Já não é o mesmo de outrora.
Transformou-se. Muito, muito tempo depois, aos poucos, sente que esqueceu…já não diz, quando sente situação de perigo: - Vou vestir o camuflado… isso foi-se. Mas não. Um som, um cheiro, certas palavras ou uma imagem… sem querer, é o suficiente para voltar a ser solitário. Hoje sabe porquê e, mesmo solitário, também está mais solidário com aquilo… E vale a pena, sente que recordar é necessário.
Estórias de Mansambo (3) - O postal
por Torcato Mendonça
Prefiro contar na terceira pessoa, como se fosse referente a outro indivíduo... Posso, eventualmente, fazer o relato na primeira pessoa. Se bem me lembro...
Naquele ano, descera do Alentejo até ao Algarve já com Setembro á vista.
Sabia que mais tarde ou mais cedo, teria que servir a Pátria. Sinceramente não sentia nada por ela. Gostava e gosta de ser português. Mas Pátria? Cheirava a bafio, a botas, a Estado Novo. Pátria, não.
Já tinha ido à inspecção, às sortes, e pedira adiamento. Continuou a estudar. Mas…sorte madrasta…agora, aí estava ele especado, aturdido. Se tivesse levado um murro no estômago, a surpresa não seria maior. Ali estava ele, com o postal na mão e lia e relia a sentença. O texto era de chapa e de prosa curta: Tem que se apresentar, no quartel das Caldas da Rainha, a 12 de Setembro. Não teve direito a adiamentos. Porquê? Logo agora que até tinha trazido os livros, devido a exames no fim de Setembro. E a faculdade, o curso, o… raio que os parta! Sonhos desfeitos ou adiados.
Pôs a toalha ao ombro e foi até á praia. Sentou-se junto da rebentação para melhor sentir o embrulhar das pequenas ondas. Aos poucos sentia-se mais relaxado ou resignado. Logo neste ano que, ao fim de três ou quatro dias, conhecera aquela miúda. Linda! Cabelo loiro, longo e liso, olhos cor de mar. Aos poucos a rápida empatia…as voltas…as conversas…enfim …o estarem sós… no meio do grupo! E agora?
O regresso a casa, no Alentejo, mais depressa do que imaginara. Ficaram promessas no ar, prisões de amor em traição ou infidelidade próprias dos verdes anos. Dias depois a vinda para Lisboa, a despedida na velha Casa de Fados com os amigos. No dia seguinte, manhã cedo, o comboio apanhado no Rossio – Linha do Oeste... Poucas horas depois, aí estava a cidade das Caldas.
Acompanhava-o um amigo, antigo colega no Colégio que trazia uma cunha para um Alferes, antigo camarada de um seu cunhado na Academia. Falaram com ele e rumaram ao Quartel. Que mundo diferente, a cor verde e o cheiro da caserna…
Dias depois ei-lo a sair para fazer os exames.
-Trazes o papel mas não entregas a ninguém, só quando eu disser.
Alferes manda. Passado cerca de um mês, nova ordem:
-Vai á Secretaria e entrega o papel. Já não te mandam para Mafra.
Conseguiu safar-se da porrada que o Comandante de Companhia lhe queria dar.
- Não entregar as habilitações literárias é grave - berrava o 1º Sargento e berrou o Tenente.
- Esqueci-me.
- Assinaste um papel quando foste á inspecção.
- Não me lembro.
Passou. Tudo serenou e continuou nas Caldas. Bela cidade, boas voltas, cidade com atractivos para militares…o museu e o jardim clar0... para descansar o olhar… e… pois isso também... óptima recruta.
Do Pelotão dele, nem meia dúzia foram para atiradores. Ele estava nesse pequeno grupo. Ia para Vendas Novas, curso de oficiais milicianos, especialidade – atirador.
Raios partam… a dança ia começar!
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 25 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P906: CART 2339 e Malan Mané, duas estórias para duas fotos (Torcato Mendonça)
(2) Vd. post de 14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães
Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)
Guiné > Bissau > 1967 > Edifício do Comando de Defesa Marítima da Guiné, no final do T da ponte-cais, em Bissau.
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
Texto de Manuel Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972), que serviu como Imediato no NRP Orion (Guiné, 1966/68)(1).
O editor do blogue publica o documento da íntegra, incluindo a segunda parte, constituída pelo relatório (oficial) da Operação Larga Agora: embora extenso, é um exemplo ilustrativo do estilo (burocrático) dos nossos relatórios militares. A II parte será publicada, à parte.
A I primeira parte resulta da apaixonada e apaixonante pequisa documental que o nosso camarada Lema Santos tem vindo a fazer feito sobre a actividade operacional, ou melhor, a epopeia das LFG - Lanchas de Fiscalização Grande, no TO da Guiné. Mais uma vez lhe agradeço, em nome de todos nós, este trabalho altamente profissional.
Recordo ainda que a Operação Larga Agora, na mítica região do Tancroal, foi superiormente comandado pelo Coronel Paraquedista Durão, Rafael Durão, que na Guiné, no tempo de Spínola, fez jus ao apelido. O Coronel D. é uma figura omnipresente, evocada com um misto de temor e de admiração no Diário da Guiné, escrito recentemente pelo nosso camarada António da Graça Abreu, o qual teve a gentileza de me enviar um exemplar autografado (Em breve farei uma recensão detalhada do livro) . O Coronel Durão era o Comandante do CAOP1 (originalmente sedeado em Teixeira Pinto), a que pertenceu o Alf Mil Abreu (1972/74)...(LG)
Caros ex- Camaradas e Amigos,
Comprometi-me, perdi (ou encontrei ?) um fim de semana e aqui vai o texto, bem longo, que se inicia no Cacheu, Tancroal (local amaldiçoado para a Marinha) e o regresso ao relatório final da Operação Larga Agora, inteiramente batido. Espero que corresponda aos mínimos exigidos aí pela equipa. Cortem e emendem o que entenderem.
Um abraço,
Manuel Lema Santos
Texto enviado em 11 de Março de 2007, pelo Manuel Lema Santos
Operação Larga Agora, apenas uma entre tantas! (Parte I)
por Lema Santos
...O juízo que cada um faça de si próprio perde-se na primazia do julgamento que outros lhe outorgarem... (Vice-Almirante Ferrer Caeiro, 1976).
Introdução
Permitam-me que inicie este texto complementar com a referência filosófica acima, extracto de um texto escrito pelo punho do homem e militar que, de 1964 a 1967, conduziu os destinos da
Marinha de Guerra na Guiné.
Acreditando, ele próprio, estar a desempenhar da melhor forma o que lhe era pedido e exigido, ao serviço da Marinha e do País, como homem e como militar e, neste caso pessoal invulgar, também como aviador, que escolheu ser. E fê-lo muito bem, em minha opinião. Com dignidade, determinação, competência e bom senso. Também com muita autonomia e responsabilidade assumida. Era assim necessário...
Não me alongarei em apreciações sobre estratégias e competências militares, individuais ou concertadas, porque mestre e juiz da arte militar não sou. Deixarei essa tarefa à Instituição Militar competente para o efeito, no caso dos militares dos quadros permanentes que optaram, pessoalmente, por essa carreira profissional.
Tão pouco me dispersarei em divagações económicas e político-sociais que apoiem ou justifiquem juizos de valor históricos desajustados, invariavelmente precoces, tentando correlacionar indevidamente o que não é relacionável no tempo. Acontecimentos históricos de contexto social, político e económico profundamente dispares resultam em conclusões sofismadas.
Com o decorrer do tempo, investigadores, historiadores e sociólogos iniciarão a tarefa que prevejo ser bem longa. Acredito sim, piamente, que a História não se esgota em embalagens hermeticamente fechadas, por época ou acontecimento. Há sempre lugar para mais um aditamento.
Pessoalmente, limitei-me, como oficial da Marinha de Guerra da Reserva Naval, a desempenhar como melhor pude e sabia, as funções que me foram cometidas e para as quais fui formado.
A imagem que dessa época guardo foi indelevelmente esboçada e gravada no meu espírito e sentir, pelos locais que percorri, acontecimentos que vivi e em que participei. Também, em grande parte, pela arte de comandar de quem me dirigiu e a minha própria sabedoria de o transmitir correcta e ajustadamente, nas decisões que tive de tomar, aos colaboradores que tive a honra de dirigir.
1. O Tancroal em Amostras
Para quem navegava na Guiné, em LFG como a Orion, o rio Cacheu, lá muito para montante, a juzante de Binta, significava pouco mais do que 60 a 80 m de largo, um misticismo sereno, água e muito tarrafo, mesmo muito, alto e frondoso.
A navegar de montante para juzante, depois de deixar para trás a foz do rio Olossato, o tarrafo que, enquanto alto e espesso, oferecia protecção natural, primeiro estreitava a largura da faixa de vegetação larga e densa mas depois acabava mesmo se interromper totalmente, deixando a descoberto lalas e palmeirais, numa extensão apreciável e sempre ameaçadora.
Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > A LFG Orion navega no Cacheu, entre a foz dos rios Talicó e Sambuiá, a montante de Ganturé.
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
Atingia-se assim, na região de Tancroal, em terra correspondente a Porto Batu, uma enorme clareira a bombordo para, ainda mais a juzante encontrar a Ponta do Pau e o respectivo porto.
A vulnerabilidade nestas condições era extremamente elevada, transformando o navio e outras embarcações que cruzassem aquela zona em alvos potencialmente fáceis de ser atingidos em emboscadas, muitas vezes ardilosamente montadas.
A passagem no local fazia-se sempre em postos de combate, o que significava cada elemento da guarnição no seu posto pré-definido, peças a fazer o varrimento da margem, concentração plena e dedos nos mecanismos de disparo. Quase sempre, alguns tiros de reconhecimento, na tentativa de prevenir e dissuadir alguma ameaça.
Reconheço que se fosse elemento IN e visse, próximo de mim, a pavonear-se à minha frente, mesmo nas minhas barbas, a transar, uma qualquer LFG com 42 m de comprimento e cerca de 10 m de altura a partir da linha de água, a tentação talvez fosse demasiado grande. A probabilidade de acertar era convidativa e, bom, se tivesse um RPG comigo...
Foi isto mesmo que sucedeu muitas vezes ao logo de 12 anos de guerra com ou sem operações Larga Agora. E volta que não volta, mesmo sabendo que as LFG navegavam com as anti-aéreas de 40 mm, as MG 42 e as ALG prontas a disparar e em companhia ou sós, com fuzileiros embarcados ou sem eles, candidatavam-se na mesma.
O prémio devia ser atractivo e, infelizmente para nós, foram várias vezes bem sucedidos, em alguns casos com perda de vidas e, noutros casos, com feridos graves, outras vezes ligeiros e ainda, em casos mais felizes, só sustos.
Por detrás de cada transporte civil, militar, fiscalização silenciosa, dia e noite, apoio a operações, escoltas a transportes, abastecimentos, evacuações e até partilha do que de bom havia num simples convívio, esteve sempre uma unidade da Marinha: LFG (Lancha de Fiscalização Grande), LDG (Lancha de Desembarque Grande), LFP (Lancha de Fiscalização Pequena), LDM (Lancha de Desembarque Média) ou LDP (Lancha de Desembarque Pequena) e, claro, os Fuzileiros.
Guiné > Bissau > LFG Orion atracada em Bissau. Visíveis na ponte, além de uma placa de honra do rio Cumbijã, o registo actualizado na altura, de ataques, impates e feridos
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
De forma sucinta e discreta, prefiro-o, dou abaixo alguns exemplos da vida das gentes da Marinha que, muitas vezes na sombra e no isolamento de uma gaiola metálica, como as LFG e as LDG, ou em alguns casos autênticas caixas de sardinhas, as LFP e as LDM, silenciosamente, mas com determinação e eficácia cumpriram, até final, as missões para que foram nomeados:
– Em 27 de Abril de 1965, a LFG Orion, com a guarnição anterior à minha, foi a primeira a ser carimbada, com armamento ligeiro e metralhadora pesada. O resultado foi quase surpreendente pois 83 buracos de bala em todo o navio, sem acertar nos chocolates, foi obra! Mesmo assim, um marinheiro fogueiro, em dia de azar, ao subir para a ponte, acabou por ser atingido por uma bala de pesada num pé, na zona acima do artelho. Teve de ser evacuado.
– Em 4 de Agosto de 1966, novamente a LFG Orion foi atacada no mesmo local do Tancroal com armamento ligeiro e também com metralhadora pesada. Em resposta pronta e eficaz o navio silenciou o IN.
– Em 13 de Janeiro de 1968, a LFG Lira que escoltava a LDG Alfange, depois de ter transportado 3 companhias de FT de S. Vicente para Binta, foi violentamente atacada no Tancroal com RPG, sendo atindida na ponte e no rufo (cobertura) da casa das máquinas. O resultado, além dos estragos materiais, foi dramático: 1 morto e 8 feridos, alguns deles em estado grave, sendo 2 evacuados de helicóptero e 3 de Dornier.
Guiné > Bissau > A LFG Lira, já atracada em Bissau, ao lado da Orion, sendo bem visíveis, na ponte, os estragos provocados pelo rebentamento da granada de RPG, em chapa balística de 0.25 .
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
– Em 2 de Março de 1970, a LFG Cassiopeia que acompanhava a LDM 305, foi atacada com morteiro, metralhadora pesada e bazooka, mais a juzante, próximo de Canja (Barro), junto à foz do rio Baião, numa pequena clareira. Inverteu a marcha e efectuou mais duas passagens, detectando as bocas de fogo e ripostando com as Boffors. Apenas alguns estilhaços atingiram o convés, nos rebentamentos junto à LFG.
– Em 20 de Maio de 1973 a LFG Hidra, frente à clareira de Jagali, a juzante da foz do rio Buborim, foi emboscada da margem Norte com RPG, armas ligeiras e morteiro 60 mm. O primeiro RPG deflagrou contra os cunhetes de munições da Boffors de vante, provocando rebentamentos e um grave incêndio, tornando a peça inoperativa. Reagiu de imediato e tudo acabou por se compor, não sem alguns estragos.
Foi elogiada a colaboração de elementos da CCP 121 e BCCmds (Baltalhão de Comandos) que, seguindo a bordo, conjuntamente com o navio, reagiram prontamente com o armamento de que dispunham. O resultado foram 3 feridos graves (Comandos) e 6 feridos ligeiros (Comandos, Paras e LFG).
- Em 5 de Agosto de 1973 as LDM 113 e 412, navegando em comboio de Ganturé para Farim, foram emboscadas violentamente no Tancroal com armamento diverso incluindo RPG. A LDM 113, que ocupava a 2ª posição na coluna, foi atingida por RPG em cheio no sector de ré, zona da cabine, toldo e convés. O patrão, Cabo M, teve morte quase imediata e o Mar C (telegrafista), gravemente ferido, veio a falecer no Hospital Militar de Bissau. Depois de reagirem aportaram a Bigene.
- Em 5 de Janeiro de 1974, a LFG Dragão, com as LDM 107 e 113, de braço dado, foram atacadas da clareira do Tancroal durante alguns minutos. A LDM 107, atingida com uma granada de RPG7 acima do convés, foi totalmente atravessada que ainda perfurou o costado da LFG. Mais 2 granadas de RPG atingiram a ponte da LFG e um terceiro destruiu as antenas de todas as unidades. Tiros de arma ligeira furaram a antena do radar. Estragos materiais enormes, 1 ferido grave (LDM 107) e 4 feridos ligeiros (LFG Dragão).
Guiné > Bissau > A LGF Lira > Os danos no convés, no rufo da casa das máquinas e nos botes de borracha dos FZ .
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
Os acontecimentos referidos têm como base relatórios oficiais e são resultado da pesquisa que tenho vindo a efectuar há cerca de dois anos sobre a vida operacional das 10 LFG da Classe Argos. Obviamente, limitei o número de relatos a alguns casos notáveis. Simplifiquei cada relato, reduzindo-o a uma curta descrição e apenas naquela zona.
De 1963 e quase até 1975, o dispositivo naval foi alterado por diversas vezes e relativamente ampliado. Grosseiramente, seria um exercício aparentemente simples extrapolar dos exemplos citados para toda a hidrografia da Guiné e para um dispositivo naval que nos anos 70 chegou a incluir 7 LFG, 8 LFP, 3 LDG, 8 LDP, 24 LDM, 5 DFE e 2 CF. Haverá, com certeza, muitos factos e acontecimentos para pesquisar e citar historicamente.
O meu sentido respeito e homenagem a todos os que lá foram caindo inutilmente, de um lado ou de outro, mas também aos que, acreditando poder modificar os acontecimentos, se bateram sempre por esse objectivo ainda que não o tenham conseguido. Uma referência especial, em nome do Vitor Junqueira, a todos os militares que participaram directa ou indirectamente na operação abaixo relatada (3), exemplo de muitas outras.
(Continua)
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
(2) Vd. post de 6 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)
(3) Vd. posts de:
7 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1571: A Operação Larga Agora, o Tancroal / Porto Batu e as cartas náuticas do Instituto Hidrográfico (Lema Santos)
6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
Texto de Manuel Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972), que serviu como Imediato no NRP Orion (Guiné, 1966/68)(1).
O editor do blogue publica o documento da íntegra, incluindo a segunda parte, constituída pelo relatório (oficial) da Operação Larga Agora: embora extenso, é um exemplo ilustrativo do estilo (burocrático) dos nossos relatórios militares. A II parte será publicada, à parte.
A I primeira parte resulta da apaixonada e apaixonante pequisa documental que o nosso camarada Lema Santos tem vindo a fazer feito sobre a actividade operacional, ou melhor, a epopeia das LFG - Lanchas de Fiscalização Grande, no TO da Guiné. Mais uma vez lhe agradeço, em nome de todos nós, este trabalho altamente profissional.
Recordo ainda que a Operação Larga Agora, na mítica região do Tancroal, foi superiormente comandado pelo Coronel Paraquedista Durão, Rafael Durão, que na Guiné, no tempo de Spínola, fez jus ao apelido. O Coronel D. é uma figura omnipresente, evocada com um misto de temor e de admiração no Diário da Guiné, escrito recentemente pelo nosso camarada António da Graça Abreu, o qual teve a gentileza de me enviar um exemplar autografado (Em breve farei uma recensão detalhada do livro) . O Coronel Durão era o Comandante do CAOP1 (originalmente sedeado em Teixeira Pinto), a que pertenceu o Alf Mil Abreu (1972/74)...(LG)
Caros ex- Camaradas e Amigos,
Comprometi-me, perdi (ou encontrei ?) um fim de semana e aqui vai o texto, bem longo, que se inicia no Cacheu, Tancroal (local amaldiçoado para a Marinha) e o regresso ao relatório final da Operação Larga Agora, inteiramente batido. Espero que corresponda aos mínimos exigidos aí pela equipa. Cortem e emendem o que entenderem.
Um abraço,
Manuel Lema Santos
Texto enviado em 11 de Março de 2007, pelo Manuel Lema Santos
Operação Larga Agora, apenas uma entre tantas! (Parte I)
por Lema Santos
...O juízo que cada um faça de si próprio perde-se na primazia do julgamento que outros lhe outorgarem... (Vice-Almirante Ferrer Caeiro, 1976).
Introdução
Permitam-me que inicie este texto complementar com a referência filosófica acima, extracto de um texto escrito pelo punho do homem e militar que, de 1964 a 1967, conduziu os destinos da
Marinha de Guerra na Guiné.
Acreditando, ele próprio, estar a desempenhar da melhor forma o que lhe era pedido e exigido, ao serviço da Marinha e do País, como homem e como militar e, neste caso pessoal invulgar, também como aviador, que escolheu ser. E fê-lo muito bem, em minha opinião. Com dignidade, determinação, competência e bom senso. Também com muita autonomia e responsabilidade assumida. Era assim necessário...
Não me alongarei em apreciações sobre estratégias e competências militares, individuais ou concertadas, porque mestre e juiz da arte militar não sou. Deixarei essa tarefa à Instituição Militar competente para o efeito, no caso dos militares dos quadros permanentes que optaram, pessoalmente, por essa carreira profissional.
Tão pouco me dispersarei em divagações económicas e político-sociais que apoiem ou justifiquem juizos de valor históricos desajustados, invariavelmente precoces, tentando correlacionar indevidamente o que não é relacionável no tempo. Acontecimentos históricos de contexto social, político e económico profundamente dispares resultam em conclusões sofismadas.
Com o decorrer do tempo, investigadores, historiadores e sociólogos iniciarão a tarefa que prevejo ser bem longa. Acredito sim, piamente, que a História não se esgota em embalagens hermeticamente fechadas, por época ou acontecimento. Há sempre lugar para mais um aditamento.
Pessoalmente, limitei-me, como oficial da Marinha de Guerra da Reserva Naval, a desempenhar como melhor pude e sabia, as funções que me foram cometidas e para as quais fui formado.
A imagem que dessa época guardo foi indelevelmente esboçada e gravada no meu espírito e sentir, pelos locais que percorri, acontecimentos que vivi e em que participei. Também, em grande parte, pela arte de comandar de quem me dirigiu e a minha própria sabedoria de o transmitir correcta e ajustadamente, nas decisões que tive de tomar, aos colaboradores que tive a honra de dirigir.
1. O Tancroal em Amostras
Para quem navegava na Guiné, em LFG como a Orion, o rio Cacheu, lá muito para montante, a juzante de Binta, significava pouco mais do que 60 a 80 m de largo, um misticismo sereno, água e muito tarrafo, mesmo muito, alto e frondoso.
A navegar de montante para juzante, depois de deixar para trás a foz do rio Olossato, o tarrafo que, enquanto alto e espesso, oferecia protecção natural, primeiro estreitava a largura da faixa de vegetação larga e densa mas depois acabava mesmo se interromper totalmente, deixando a descoberto lalas e palmeirais, numa extensão apreciável e sempre ameaçadora.
Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > A LFG Orion navega no Cacheu, entre a foz dos rios Talicó e Sambuiá, a montante de Ganturé.
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
Atingia-se assim, na região de Tancroal, em terra correspondente a Porto Batu, uma enorme clareira a bombordo para, ainda mais a juzante encontrar a Ponta do Pau e o respectivo porto.
A vulnerabilidade nestas condições era extremamente elevada, transformando o navio e outras embarcações que cruzassem aquela zona em alvos potencialmente fáceis de ser atingidos em emboscadas, muitas vezes ardilosamente montadas.
A passagem no local fazia-se sempre em postos de combate, o que significava cada elemento da guarnição no seu posto pré-definido, peças a fazer o varrimento da margem, concentração plena e dedos nos mecanismos de disparo. Quase sempre, alguns tiros de reconhecimento, na tentativa de prevenir e dissuadir alguma ameaça.
Reconheço que se fosse elemento IN e visse, próximo de mim, a pavonear-se à minha frente, mesmo nas minhas barbas, a transar, uma qualquer LFG com 42 m de comprimento e cerca de 10 m de altura a partir da linha de água, a tentação talvez fosse demasiado grande. A probabilidade de acertar era convidativa e, bom, se tivesse um RPG comigo...
Foi isto mesmo que sucedeu muitas vezes ao logo de 12 anos de guerra com ou sem operações Larga Agora. E volta que não volta, mesmo sabendo que as LFG navegavam com as anti-aéreas de 40 mm, as MG 42 e as ALG prontas a disparar e em companhia ou sós, com fuzileiros embarcados ou sem eles, candidatavam-se na mesma.
O prémio devia ser atractivo e, infelizmente para nós, foram várias vezes bem sucedidos, em alguns casos com perda de vidas e, noutros casos, com feridos graves, outras vezes ligeiros e ainda, em casos mais felizes, só sustos.
Por detrás de cada transporte civil, militar, fiscalização silenciosa, dia e noite, apoio a operações, escoltas a transportes, abastecimentos, evacuações e até partilha do que de bom havia num simples convívio, esteve sempre uma unidade da Marinha: LFG (Lancha de Fiscalização Grande), LDG (Lancha de Desembarque Grande), LFP (Lancha de Fiscalização Pequena), LDM (Lancha de Desembarque Média) ou LDP (Lancha de Desembarque Pequena) e, claro, os Fuzileiros.
Guiné > Bissau > LFG Orion atracada em Bissau. Visíveis na ponte, além de uma placa de honra do rio Cumbijã, o registo actualizado na altura, de ataques, impates e feridos
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
De forma sucinta e discreta, prefiro-o, dou abaixo alguns exemplos da vida das gentes da Marinha que, muitas vezes na sombra e no isolamento de uma gaiola metálica, como as LFG e as LDG, ou em alguns casos autênticas caixas de sardinhas, as LFP e as LDM, silenciosamente, mas com determinação e eficácia cumpriram, até final, as missões para que foram nomeados:
– Em 27 de Abril de 1965, a LFG Orion, com a guarnição anterior à minha, foi a primeira a ser carimbada, com armamento ligeiro e metralhadora pesada. O resultado foi quase surpreendente pois 83 buracos de bala em todo o navio, sem acertar nos chocolates, foi obra! Mesmo assim, um marinheiro fogueiro, em dia de azar, ao subir para a ponte, acabou por ser atingido por uma bala de pesada num pé, na zona acima do artelho. Teve de ser evacuado.
– Em 4 de Agosto de 1966, novamente a LFG Orion foi atacada no mesmo local do Tancroal com armamento ligeiro e também com metralhadora pesada. Em resposta pronta e eficaz o navio silenciou o IN.
– Em 13 de Janeiro de 1968, a LFG Lira que escoltava a LDG Alfange, depois de ter transportado 3 companhias de FT de S. Vicente para Binta, foi violentamente atacada no Tancroal com RPG, sendo atindida na ponte e no rufo (cobertura) da casa das máquinas. O resultado, além dos estragos materiais, foi dramático: 1 morto e 8 feridos, alguns deles em estado grave, sendo 2 evacuados de helicóptero e 3 de Dornier.
Guiné > Bissau > A LFG Lira, já atracada em Bissau, ao lado da Orion, sendo bem visíveis, na ponte, os estragos provocados pelo rebentamento da granada de RPG, em chapa balística de 0.25 .
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
– Em 2 de Março de 1970, a LFG Cassiopeia que acompanhava a LDM 305, foi atacada com morteiro, metralhadora pesada e bazooka, mais a juzante, próximo de Canja (Barro), junto à foz do rio Baião, numa pequena clareira. Inverteu a marcha e efectuou mais duas passagens, detectando as bocas de fogo e ripostando com as Boffors. Apenas alguns estilhaços atingiram o convés, nos rebentamentos junto à LFG.
– Em 20 de Maio de 1973 a LFG Hidra, frente à clareira de Jagali, a juzante da foz do rio Buborim, foi emboscada da margem Norte com RPG, armas ligeiras e morteiro 60 mm. O primeiro RPG deflagrou contra os cunhetes de munições da Boffors de vante, provocando rebentamentos e um grave incêndio, tornando a peça inoperativa. Reagiu de imediato e tudo acabou por se compor, não sem alguns estragos.
Foi elogiada a colaboração de elementos da CCP 121 e BCCmds (Baltalhão de Comandos) que, seguindo a bordo, conjuntamente com o navio, reagiram prontamente com o armamento de que dispunham. O resultado foram 3 feridos graves (Comandos) e 6 feridos ligeiros (Comandos, Paras e LFG).
- Em 5 de Agosto de 1973 as LDM 113 e 412, navegando em comboio de Ganturé para Farim, foram emboscadas violentamente no Tancroal com armamento diverso incluindo RPG. A LDM 113, que ocupava a 2ª posição na coluna, foi atingida por RPG em cheio no sector de ré, zona da cabine, toldo e convés. O patrão, Cabo M, teve morte quase imediata e o Mar C (telegrafista), gravemente ferido, veio a falecer no Hospital Militar de Bissau. Depois de reagirem aportaram a Bigene.
- Em 5 de Janeiro de 1974, a LFG Dragão, com as LDM 107 e 113, de braço dado, foram atacadas da clareira do Tancroal durante alguns minutos. A LDM 107, atingida com uma granada de RPG7 acima do convés, foi totalmente atravessada que ainda perfurou o costado da LFG. Mais 2 granadas de RPG atingiram a ponte da LFG e um terceiro destruiu as antenas de todas as unidades. Tiros de arma ligeira furaram a antena do radar. Estragos materiais enormes, 1 ferido grave (LDM 107) e 4 feridos ligeiros (LFG Dragão).
Guiné > Bissau > A LGF Lira > Os danos no convés, no rufo da casa das máquinas e nos botes de borracha dos FZ .
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
Os acontecimentos referidos têm como base relatórios oficiais e são resultado da pesquisa que tenho vindo a efectuar há cerca de dois anos sobre a vida operacional das 10 LFG da Classe Argos. Obviamente, limitei o número de relatos a alguns casos notáveis. Simplifiquei cada relato, reduzindo-o a uma curta descrição e apenas naquela zona.
De 1963 e quase até 1975, o dispositivo naval foi alterado por diversas vezes e relativamente ampliado. Grosseiramente, seria um exercício aparentemente simples extrapolar dos exemplos citados para toda a hidrografia da Guiné e para um dispositivo naval que nos anos 70 chegou a incluir 7 LFG, 8 LFP, 3 LDG, 8 LDP, 24 LDM, 5 DFE e 2 CF. Haverá, com certeza, muitos factos e acontecimentos para pesquisar e citar historicamente.
O meu sentido respeito e homenagem a todos os que lá foram caindo inutilmente, de um lado ou de outro, mas também aos que, acreditando poder modificar os acontecimentos, se bateram sempre por esse objectivo ainda que não o tenham conseguido. Uma referência especial, em nome do Vitor Junqueira, a todos os militares que participaram directa ou indirectamente na operação abaixo relatada (3), exemplo de muitas outras.
(Continua)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
(2) Vd. post de 6 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)
(3) Vd. posts de:
7 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1571: A Operação Larga Agora, o Tancroal / Porto Batu e as cartas náuticas do Instituto Hidrográfico (Lema Santos)
6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)
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