sábado, 6 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2159: PAIGC - Quem foi quem (3): Nino Vieira (n. 1939)

Dos editores do blogue> Série em construção, PAIGC - Quem foi quem ... (1). Contributos de todos os amigos e camaradas serão bem vindos, tendo em vista actualizar, completar, aprofundar ou esclarecer estas notas biográficas. (Os editores LG/CV/VB)

Nino Vieira (n. 1939)

Um guerrilheiro e uma lenda viva.


João Bernardo Vieira, Nino Vieira, Nino ou Kabi Nafantchammma como também era chamado, foi uma personalidade que nos acompanhou ao longo dos anos que durou a guerra.

Uns só ouviram falar dele, outros, principalmente os que estiveram no sul do território, sentiram na pele as acções em que directa ou indirectamente esteve envolvido.

Nino nasceu em Bissau, em 27 de Abril de 1939.
Electricista de formação, filiou-se no PAIGC em 1960 e no mesmo ano partiu para a China, integrado no primeiro grupo de militantes do PAIGC que frequentou a Academia Militar de Pequim.

De volta à Guiné, foi encarregado de organizar a estrutura militar da guerrilha no Sul do território.

E teve logo que provar na prática o que tinha aprendido. Nos inícios de 1964, durante a Operação Tridente, forças do BCAV 490, fuzileiros, paraquedistas e comandos, comandadas pelo Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro reocuparam (enquanto lá permaneceram...)a ilha de Como (ou Komo), numa acção que durou cerca de 70 dias e que custou às NT 9 mortos, 47 feridos e um T6 abatido.

Com 25 anos apenas, Nino já era o Comandante Militar da zona sul, que abrangia a região de Catió até à fronteira com a Guiné-Conacri. Aliás, foi quase sempre no Sul que actuou durante a luta, transformando esta zona, que abrangia o Cantanhez e o Quitafine, num dos mais duros, senão o mais duro, de todos os teatros de operações em que as forças portuguesas estiveram empenhadas e do qual ainda restam nomes míticos de Guileje, que ele veio a ocupar em 1973, Gadamael, Gandembel, Cacine, Catió, Cufar, Cadique, Bedanda e tantos outros.

Além da indesmentível coragem, Nino teve também pelo seu lado a sorte que faz os heróis sobreviverem, e foi essa sorte que lhe permitiu escapar por várias vezes a emboscadas montadas pelas forças portuguesas, sendo o caso mais conhecido o da Operação Jove, em que uma força de páras capturou o capitão cubano Pedro Peralta.

Embora se tenha dedicado principalmente à actividade operacional, como comandante de unidades de guerrilheiros, Nino Vieira ocupou os mais altos cargos na estrutura do PAIGC, sendo membro eleito do bureau político do seu Comité Central desde 1964, vice-presidente do Conselho de Guerra presidido por Amílcar Cabral em 1965, acumulando com o comando da Frente Sul, e ainda comandante militar de todo o território a partir de 1970.

Foi eleito deputado em 1973 e, posteriormente, Presidente da Assembleia Nacional Popular, que proclamou no Boé a República da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973.
Luís Cabral nomeou-o 1º Ministro do Governo da Guiné-Bissau em 28 de Setembro de 1978.
Em 1980, com as condições económicas deterioradas e o crescente descontentamento da população, Nino Vieira liderou um golpe militar que levou à destituição do Presidente da República, Luís Cabral.

As consequências do golpe tiveram profundas repercussões na vida do PAIGC. O PAIGC de Cabo Verde resolveu separar-se e a união dos povos guineense e cabo-verdiano, tão acarinhada por Amílcar Cabral, foi interrompida.
Na sequência do pronunciamento militar, suspensa a Constituição da República da Guiné-Bissau, tomou posse o Conselho Militar da Revolução chefiado por Nino Vieira.

Em 1984 foi aprovada uma nova Constituição e só em 1991 terminou a proibição dos partidos políticos.
Com o novo regime, as primeiras eleições tiveram lugar em 1994. Nino Vieira, concorrendo contra Kumba Yalá, foi eleito Presidente da República à 2ª volta, tomando posse em 29 de Setembro de 1994.

Quatro anos depois, ainda conseguiu suster um golpe que visava a sua destituição. Mas não por muito tempo. A propósito de um nunca esclarecido fornecimento de armas para a guerrilha de Casemance, em Junho de 1998 travou-se uma violenta guerra civil entre partidários de Ansumane Mané e forças fieis a Nino. Mané destituiu-o em 7 de Maio de 1999, e Nino Vieira foi obrigado a refugiar-se na Embaixada Portuguesa em Bissau, de onde só saiu em Junho para Portugal.

Em 7 de Abril de 2005, regressou a Bissau anunciando a sua candidatura às presidenciais de Junho de 2005.
Depois de várias controvérsias, a sua candidatura foi aceite. Concorreu contra o seu antigo Partido, o PAIGC, que apresentou Malan Sanhá como candidato. Depois de ter ficado atrás de Malan na 1ª volta, Nino ganhou à 2ª, principalmente devido a apoios de outros candidatos, nomeadamente de Kumba Yalá.

Fonte: Universidade de Coimbra > Centro de Documentação 25 de Abril
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Nota dos editores:

(1) Vd. posts anteriores:

Guiné 63/74 - P2142: PAIGC - Quem foi quem (1): Amílcar Cabral (1924-1973)

Guiné 63/74 - P2143: PAIGC - Quem foi quem (2): Abílio Duarte (1931-1996)

Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadeiro do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)




Guiné > Zona leste >Enxalé > O famoso granadero, uma GMC transformada, que pertencia à CCAÇ 1439... 

Segundo a Wikipedia espanhola, "un granadero es un soldado de elevada estatura perteneciente a una compañía que formaba a la cabeza del regimiento. El empleo de las granadas de mano hizo estimar necesaria la creación de los granaderos, cuyo objeto, según su nombre lo indica era arrojar y manejar esta clase de proyectiles"... Por analogia, alguém deve ter dado o mesmo nome a esta viatura, modificadas, que nas picadas da Guiné funcionava como rebenta-minas e testa das colunas logísticas... Não me recordo de, no meu tempo (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), ter ouvido falar em granaderos... Tínhamos também velhas GMC, do tempo da guerra da Coreia, que carregadas de sacos de areia funciona´vam como rebenta-minas. (LG).


Fotos: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Henrique Matos, que nos chegou a 30 de Julho de 2007 (1)


Caros tertulianos:

Para a história do famigerado granadero que se vê no Post 2001 (2). Aqui vão duas fotografias do mesmo que tirei no Enxalé. É uma GMC que foi transformada por pessoal da CCAÇ 1439, uma unidade de Madeirenses, que ali esteve até Abril de 1967 (3) e foi substituida pela CART 1661 que passou a sede para Porto Gole em Dezembro de 1967, ficando o Enxalé apenas como destacamento.

A transformação constou do reforço dos taipais com chapas de bidon, separadas de ± 20 cm com areia no meio. Ficou à prova de bala de Mauser. Tinha também uma camada de areia no fundo da caixa e na frente também vários sacos de areia. Tinha instalada como se pode ver uma Breda. Não sei porque é que lhe chamavam granadero.

Com ela fiz vários reabastecimentos a Missirá e Porto Gole (4). Segundo a descrição do Abel Rei no seu depoimento Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá-Memórias da Guiné e que na altura estava em Bissá, no dia 5 de Outubro de 1967 esta viatura quando regressava a Porto Gole accionou uma mina incendiária a que se seguiu uma emboscada de que só se safaram com apoio aéreo. Fazia parte duma coluna que saiu de Porto Gole ao encontro doutra coluna saída de Bissá a pé para entregar uns militares destinados àquele destacamento.

Desde a abertura de Bissá (que eu conheci bem e considero um erro catastrófico) em Abril de 1967 e até esta última data tiveram três viaturas inutilizadas, mais de vinte mortos e uns cinquenta feridos evacuados. Penso por isso que não andariam propriamente a jogar uns com os outros.

Um abraço para todos
Henrique Matos

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Notas de L.G.:


(1) Vd. post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

(2) Vd. post de 26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2001: Todos ouviram falar do Morés, o mítico Morés, o Morés de todos nós (António Rodrigues / Luís Nabais/ Virgínio Briote)


(3) Sobre a CCAÇ 1439 (madeirense) - mas igualmente sobre e a CCAÇ 1550, ver o relato autobiográfico de Abel de Jesus Carreira Rei, nascido em 1945, filho de operário vidreiro, ex-combatente da Guiné (1967/68), natural da Maceira, Leiria, e actualmente residente em Embra, Marinha Grande:

post de 1 Maio de 2005 > Guiné 69/71 - X: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa (Abel Rei)

Trata-se de um diário, com passagens seleccionadas pelo editor do blogue. Não consegui descobrir a unidade a que pertenceu (só sei que é uma CART, com quatro grupos de combate., possivlemente a CART 1661, a que se refere o Henrique Matos, a que substituiu a CCAÇ 1439, e que mudou a sua sede do Enxalé para Porto Gole) .

Aqui vai o endereço da página: Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné - 1967/1968). Trata-se de um diário que vai do dia 1 de Fevereiro de 1967 a 19 de Novembro de 1968.

(4) Vd. posts de:

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2107: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (2): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte II)

Guiné 63/74 - P2157: Álbum das Glórias (29): O misterioso avião IN que eu fotografei na Base Aérea nº 12, Bissalanca, em 1969 (A. Marques Lopes)

Guiné > Bissau > Bissalanca > Base Aérea nº 12 > 1969 > Um bimotor da Guiné-Conacri, capturado pela nossa força aérea.

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)

1. Mensagem do A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968):

Já que se falou de um helicóptero (1), vai aqui um avião capturado (2)...

Nos princípios de 1969, quando estava por Bissau, vi este bimotor na BA12 e perguntei ao polícia da Força Aérea o que era: que era um avião capturado, mas que não sabia dizer exactamente onde, parece que a Norte...

Quis tirar uma fotografia, mas ele disse-me que era proibido. Disse-lhe que se virasse para o lado então, e assim já não me via tirar... Ele virou-se e eu tirei.

Talvez o Diamantino Pereira Monteiro (1) saiba de alguém que possa contar.


A. Marques Lopes

2. Comentário de L.G.:

António, já tinhas mandado essa foto, com legenda, há dois anos!... Como o tempo passa e como a memória nos vai atraiçoando... Na altura dissestes que o avião tinha sido capturado aos nossos vizinhos da Guiné-Conacri, em 27 de Março de 1968... De qualquer modo, esta questão do heli e do bimotor capturados nos norte do território da Guiné, é interessante:

O que nos teria acontecido se o PAIGC tivesse chegado a ter uma verdadeira força aérea ? Até onde nos teria levado a escalada da guerra ? Quem travou (ou tramou) os MIG russos, estacionados na Guiné-Conacri ? Amílcar Cabral (1924-1973) ? Sékou Touré (1922-1984) ? Spínola e Alpoím Galvão ? A guerra fria ? A NATO ? Os americanos ?

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2144: PAIGC: O misterioso helicóptero interceptado pela FAP em meados dos anos 60 (J. C. Abreu Santos / Domingos Perereira Monteiro )

(2) Vd. post de 7 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLV: Bissalanca, Bambadinca, Anura... ou três fotos com legenda (1) (A. Marques Lopes)

(...) "Este avião foi capturado à Guiné-Conacri em 27 de Março de 1968. Estava eu, nos princípios de Maio desse ano, à espera da DO [Dormier] que me havia de levar a Barro quando o vi" (...).

Guiné 63/74 - P2156: Cusa di nos terra (10): Susana, Chão Felupe - Parte V: Casamento (Luiz Fonseca, exFur Mil TRMS)

Foto 1 > Guiné-Bissau > Chão Felupe > 2 de Novembro de 2006 > A magia do pôr do sol na África Ocidental...

Foto: © Jorge Rosmaninho (20906). Africanidades > 2.11.06 > Por aí... (com a devida vénia e o nosso Alfa Bravo para o Jorge...).


Foto 2> Pôr-do-sol no Chão Felupe

Foto: © Luiz Fonseca (2007) (Direitos reservados)


1. Mensagem do dia 1 de Outubro de 2007, do nosso camarada Luiz Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73)

Caros editores:

Enviadas que estão algumas notas(1) chegou, talvez, a altura de questionar sobre o real interesse das mesmas, no presente contexto, para a maioria dos camaradas. Para isso conto com a vossa habitual frontalidade.

É evidente que todas elas, com todas as imprecisões que possam conter, resultam da possibilidade de, durante a minha comissão de serviço, procurar conhecer, em curtas e espaçadas incursões, com alguma (bastante) diplomacia à mistura, um pouco do mundo de uma etnia que, para os próprios guinéus, é praticamente desconhecida e, como consequência, motivo de medos e desconfianças.

Terminada a minha permanência naquele chão, o bichinho da curiosidade e, porque não dizê-lo desde já, admiração, já exponenciado, aumentou pelo que, de uma forma ou outra, tentei manter-me ao corrente, com grandes dificuldades na obtenção de informação fidedigna, do que ali se passava.

Africanidades, do Jorge Neto [opu melhor, Jorge Rosmaninho], foi o meu blog de sustentação e através dele tomando conhecimento do esquecimento a que, voluntária ou involuntariamente, votaram aquela gente e aquela região. Ela só surgia nas notícias dos media quando existiam problemas, na sua grande maioria envolvendo os vizinhos do norte, já antigos, e a que voltarei quando se afigurar oportuno.

No espaço que mantenho, 5ª Rep, já fiz sentir algumas opiniões sobre tal facto.

Mas voltemos ao que me propus.
Desta feita para falar em: Casamento.
Luiz Fonseca
(ex-Fur Mil Trms CCAV 3366)

2. Comentário dos editores

Caro Luiz Fonseca:

Os editores não têm qualquer dúvida em afirmar que os teus apontamentos sobre a etnia Felupe, com que nos tens presenteado regularmente, são do interesse da esmagadora maioria das pessoas que acedem à nossa página, combatentes ou não, porque dão a conhecer uma etnia com costumes muito próprios e desconhecidos de quase todos nós.

A África toca todos os portugueses e a Guiné, particularmente, a nós tertulianos do Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné.

O Casamento (Felupe), que nos mandas agora, é um exemplo do que se acaba de escrever.
A tua narrativa é tão sugestiva que dispensa imagens.

Se cada um de nós tivesse recolhido elementos sobre o uso e costumes do Chão que pisou e o transmitisse nestas páginas, teríamos um fabuloso compêndio de antropologia sobre a Guiné dos nossos tempos.

Já agora fica a sugestão para que se houver entre nós mais alguém, a exemplo do Luís Fonseca, que tenha escritos sobre os usos e costumes dos povos da Guiné, apresente os seus trabalhos e contribua assim para aumentar o nosso conhecimento.
CV

Foto 3 > Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > Iale > 2004 > Festa da saída da Cerimónia de Circuncisão (fanado, em crioulo) da etnia Felupe em Iale.

Foto: © Guiné-Bissau, portal da AD - Acção para o Desenvolvimento (2007) (Com a devida vénia)


3. Casamento (Felupe)

Por Luiz Fonseca

O casamento na etnia Felupe tem regras muito especiais que demoram anos a cumprir. Os preliminares podem começar quando um rapaz tem entre 10 e 14 anos. Ele pode escolher uma rapariga para sua namorada ou ser aconselhado nessa escolha pelos pais, mantendo, no entanto, a possibilidade de não aceitar as sugestões. Tal sucede com pouca frequência, embora a partir dos 15 anos os rapazes não necessitassem de autorização paternal para andar por qualquer lado do território.

Uma vez feita a escolha, o rapaz, pede ao seu pai para falar ao pai da rapariga escolhida que, por sua vez, perguntará à mesma se quer ficar "amiga" do rapaz em questão. Normalmente e por uma questão de pudor, simulado, a rapariga dirá que não conhece o rapaz pelo que numa próxima festa a sua mãe lhe dirá, indicando-o às escondidas, quem é o pretendente. Em qualquer altura posterior a rapariga tem a liberdade de recusar.

Depois da festa, o pai do rapaz leva ao pai da rapariga uma cabaça de vinho de palma e retira-se. Se a cabaça for devolvida vazia significará que o namoro foi aceite. Se a rapariga não aceitar o namorado devolverá o vinho.

A cerimónia do Edjurorai

Quando o rapaz tiver entre 15 e 16 anos tem lugar a cerimónia do Edjurorai. O rapaz tem que arranjar um galo (castrado) e uma galinha e irá, com alguns amigos da tabanca, antes do sol nascer, acordar a rapariga.

Esta deve matar o galo, batendo com a cabeça do animal no chão ou num tronco de árvore, enquanto o rapaz fará o mesmo com a galinha. Após esta cerimónia o rapaz trará os animais para a sua morança e vai comê-los com os amigos.

O Edjurorai é uma cerimónia colectiva feita na mesma madrugada por rapazes (cerca de 15) com namorada já escolhida. Depois desta cerimónia o pai do rapaz começa a criar um ou vários porcos, conforme o seu poder económico, para, passado cerca de um ano, ter lugar a cerimónia do Ebandai.

O porco ou porcos são mortos e divididos rigorosamente, exceptuando as cabeças. Uma das metades da carne é levada, no dia seguinte, muito cedo, pelas mulheres da tabanca do rapaz, à casa da rapariga, onde é distribuída pelos moradores. A família da rapariga retribui a oferta com mandioca e bananas, géneros que são consumidos pelas mulheres carregadoras, uma vez regressadas a casa do rapaz. A outra metade da carne de porco é distribuída pelos moradores da tabanca do rapaz. Nesse mesmo dia, começa a cozinhar-se, para serem comidas no dia seguinte, a cabeça ou cabeças dos porcos, com arroz fornecido por todos os elementos da tabanca do rapaz. A essa refeição assistem, como convidados, os elementos da tabanca da rapariga.


A cerimónia do Bubapassabu

Quando atingir os 21/22 anos, o rapaz começa a construir a sua casa nova, com o precioso auxílio dos amigos e outros rapazes da tabanca e o pai a juntar vinho de palma e galinhas para a cerimónia do Bubapassabu. O vinho e as galinhas são levados para casa do pai da rapariga, procedendo-se a várias cerimónias num santuário anteriormente combinado. Quando se acabam as galinhas o pai da rapariga avisa o pai do rapaz que pode ser realizado o casamento (Buiabu).

Quando existe já suficiente vinho de palma, o pai do rapaz avisa os moradores da sua tabanca enquanto os pais da rapariga fazem igual aviso aos seus, relativamente à data certa do casamento, realizado normalmente num Domingo Felupe (salvo erro Quinta-Feira no nosso calendário).


A cerimónai do Buiabu

Na manhã do dia do casamento há um toque especial do Bombolom, na tabanca do rapaz, após o que os jovens, rapazes e raparigas, vão ao mato buscar o vinho de palma que o noivo juntou, transportando-o para a casa nova. Ao princípio da tarde desse dia, a família da noiva leva para a casa nova um balaio com arroz, um pilão e o respectivo pau de pilar. Nessa noite os homens que são pais, levam o noivo para a mata. Igualmente na tabanca da noiva, as mulheres casadas, que já são mães, levam a noiva para a mata.

Os dois grupos ministram, separadamente, conhecimentos sobre o casamento. Passadas algumas horas, a noiva, chega à casa nova onde espera, acompanhada pela família, a chegada do noivo. A noiva tem, obrigatoriamente, de entrar na casa nova pela porta da frente. A chegada do noivo, que entra pelo quintal, carece do ritual de atravessar a casa seis vezes. Depois disso, o ritualista do Fanado conduz o noivo, para junto da noiva, ficando ambos sentados.

Segue-se a festa em que todos cantam, dançam e... bebem o vinho do noivo. Quando este terminar todos abandonam a casa ficando apenas o Arrontchenau, escolha do pai do noivo. Esta figura é uma espécie de encarregado do casamento e ao mesmo tempo padrinho. A mulher do padrinho leva a noiva ao quarto e ambas colocam uma esteira no chão, a mulher deve ficar sempre do lado da parede. Depois os padrinhos retiram-se, sendo consumado o casamento.

Na manhã seguinte, antes do nascer do sol, a noiva vai novamente para a casa paterna.


A cerimónia do Etuiai.

Nos dias seguintes, à noite, e durante cerca de três semanas, a noiva vai a casa dos padrinhos, pedir-lhes para a acompanharem à casa nova, onde dorme, voltando a sair na madrugada seguinte. Passadas as cerca de três semanas a noiva avisa a mãe que vai começar a fazer comida para o marido.

Esta avisa a sua tabanca e o pai do noivo, que por sua vez avisa a sua tabanca, que vai ter lugar a cerimónia do Etuiai.

O noivo deve arranjar arroz, peixe e vinho de palma. As mulheres da tabanca da noiva é que cozinham, só elas, não a noiva, e só se alimentam os jovens da tabanca do noivo, mas não este. No final da refeição toda a gente lava as mãos numa grande panela de barro com água que entretanto se tinha aquecido.

Após ter sido posta mais lenha no lume, de modo a fazer uma grande fogueira, o rapaz mais velho da tabanca do noivo, sem a presença de testemunhas, levanta a panela no ar e larga-a de modo a que ele se parta e apague o lume.

Depois disso todos saiem, com excepção dos padrinhos que transmitem à noiva que já pode cozinhar. Todavia, embora cozinhando, durante a primeira semana não come na sua casa, indo fazê-lo a casa dos padrinhos.

No final da semana, entra finalmente na rotina diária.

Tanto quanto consegui entender a lei Felupe não admite poligamia. Os casamentos são monogâmicos, permitindo-se no entanto a separação dos casais. O mais comum, contudo, é ver casais que permanecem unidos até morrer um dos conjuges.

Depois desta longa dissertação, o melhor é dizer
Kassumai

Luiz Fonseca
(ex-Fur Mil Trms CCAV 3366)

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Nota do co-editor CV

(1) Vd. posts anteriores:

16 de Setembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luiz Fonseca

5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luiz Fonseca)

31 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Lui Fonseca)

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luiz Fonseca)

Guiné 63/74 - P2155: Estórias de Cufar (1): Se querem uma injecção sem dor, perguntem ao Salvador (ex-1º Cabo Enf Salvador, CCAÇ 4740, 1972/74)


António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Enfermeiro, CCAÇ 4740, Os Leões de Cufar, Cufar , 1972/74


1. Mensagem de António Salvador, em 27 de Setembro de 2007

Amigo Luís:

Foi deveras surpreendente ver e ler tudo aquilo que te escrevi (1). Sem dúvida vocês merecem o máximo de consideração.

Como me pediste, passo a contar mais sobre mim na Guiné (Cufar) e sobre a minha Companhia, a CCAÇ 4740 (Os Leões de Cufar).

Embarcámos em Junho de 1972 num avião dos TAM e no mesmo dia chegámos ao aeroporto de Bissalanca. Estivemos cerca de um mês no Cumeré para fazermos a adaptação ao terreno ou seja, se não me engano, o IAO.

Acabado o IAO, fomos de Bissau em LDG ou LDM até Cufar, sem qualquer problema. Esperava-nos a Companhia velha da qual não me recordo do número. Recordo sim alguns enfermeiros, tais como o Cosme e o Filipe que nos ensinaram tudo aquilo que sabiam. O que se tinha aprendido no HMP [Hospital Militar Principal] era totalmente diferente da realidade do mato.

Quanto a ataques, de vez enquando lá estávamos a embrulhar, mas felizmente nunca caiu nada dentro do aquartelamento. Aliás, caiu um míssil, um dos tais foguetões, mas não rebentou, ainda bem.

Como já havia dito, eu era 1º Cabo Enfermeiro.

Todos temos não histórias, mas realidades para contar e eu também tenho uma.


Se querem uma injecção sem dor perguntem ao Salvador

Havia um major com 23 anos, os graduados eram sempre mais velhos, que não era da nossa Companhia, talvez fosse dos Páras-quedistas ou de outra companhia que estivesse por ali na zona. Ele estava por ali um tempo, depois ia a Bissau e voltava de novo, até que uma vez chegou com uma doença venérea.

Como é óbvio, tinha que levar umas injecções de penicilina de um milhão de unidades.

O nosso médico, o alferes Moita, e o Furriel Enfermeiro Aguiar nunca lhe deram nenhuma, mas sim nós os enfermeiros. Escusado será dizer como doem as injecções de penicilina. Era vulgar as agulhas entupirem e termos que as tirar e voltar a espetar outra vez. O major não queria isso, concerteza.

Calhou-me a mim dar-lhe a última injecção e eu ia com receio de que algo não corresse bem. Ele pôs-se a jeito na cama, as nádegas muito branquinhas, decerto nunca tinham visto sol nem lua, eu tirei a seringa, bati muito bem o líquido e lá vai disto.

Conclusão, a agulha entupiu. Pensei eu no momento que só havia uma solução. Finjir que estava a injectar, levando o tempo necessário e de vez enquando perguntar se doía. Ele que estava por baixo, dizia que não. Finalmente guardei a seringa na caixinha, tirei a agulha e esfreguei de novo com álcool. Tudo bem guardado no estojo, lá me fui embora.

Isto aconteceu de manhã e à tarde, veio o médico agradecer-me da parte do major, dizendo que na vida dele nunca tinha levado uma injecção sem dor.

O título desta minha aventura podia ser Se querem uma injecção sem dor perguntem ao Salvador.

Amigo Luís:

Aqui vão as fotos da praxe, a primeira tirada em Cufar no dia 1 de Dezembro de 1974 e a outra o ano passado em A-dos-Cunhados.
[...]

Está também no blogue o António Graça de Abreu a contar que gravou em audio um ataque a Cufar no dia 20 de Janeiro de 1974. Isso é verdade e foi às dez horas. Tenho aqui escrito na minha agenda o seguinte: Eram cerca de 10 horas quando Cufar foi atacada por RPG7. Foram manga deles, mas não houve feridos, só susto.

Estas dez horas devem ser da noite, porque era a hora deles nos chatearem, embora de vez enquando também aparecessem de dia.

Tinha mais que contar, mas fica para a próxima.

Daqui envio um forte abraço ao Mário Fitas. Já li os seus dois livros que, sem dúvida, estão bem estruturados. Quem ao ler, entrar na personagem, consegue viver a realidade dos acontecimentos.

Sem mais, um forte abraço para todos os tertulianos do Blogue, do qual passarei a ser mais um.

P.S. - Se houver algum elemento da CCAÇ 4740 - Os Leões de Cufar, por exemplo o Alferes Lopes ou o Parracho, que dêem sinal de vida para um futuro encontro. Não posso também esquecer o ex-Furriel Faria, de Pedroso, Vila Nova de Gaia.

A próxima aventura será A Marmelada também cura

António Salvador

2. Comentário de CV:

Caro Salvador dou-te as boas-vindas formais ao nosso Blogue. Na realidade já foste apresentado pelo nosso Editor Luís Graça, aquando do teu primeiro contacto connosco.
Esperamos de ti muitas estórias, que bem podem ser humorísticas como esta.
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Nota de CV:

(1) Vd. post de 16 de Setembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2109: Tabanca Grande (34): António Manuel Salvador, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74, hoje funcionário da KLM, Amesterdão

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2154: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (4): Cartas de Missirá, Setembro de 1969

Texto enviado, em 8 de Agosto último, pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).


Foto (à esquerda) > O Beja Santos, em Bissau, em Janeiro de 1970.

Luís:

Aqui vai o episódio nº 4. Já seguiram os livros correspondentes, amanhã segue uma fotografia do Carlos Sampaio. Não posso escrever mais esta semana, depois faço férias, na semana de 20 escrevo-te.

Vai haver mais uma flagelação a Missirá, depois vou ficar sem o Casanova, exactamente no momento em que mais precisava da sua ajuda. É sempre assim na vida. Recebe um abraço do Mário.


Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (1)
por Beja Santos

Carta para Luís Zagalo Matos

Estimado Luís Zagalo,

Aqui vão notícias que seguramente lhe darão alegria. Voltámos ao Enxalé, conciliei um patrulhamento a Mato de Cão, levei duas viaturas e picadores, ainda há vestígios da época das chuvas, na estrada andámos com água até aos joelhos junto da bolanha, os nossos soldados iam contando histórias vividas em 1966 e 1967, o seu nome era permanentemente invocado, junto da antiga picada para Madina encontrámos um sinal de trânsito de sentido proibido(!) e sinais recentes de presença humana.

Continuam a impressionar-me muito as casas dos ponteiros em ruínas, a maquinaria abandonada, a beleza do Geba é inexcedível, na estrada para Porto Gole virámos á direita e picou-se com muita prudência já que a picada para o Enxalé é muito arenosa, propícia a minas.

O alferes recebeu-nos com simpatia, ao princípio estava desconfiado, julgava tratar-se de uma operação para Madina. A estrada de Porto Gole está interdita, o Enxalé é reabastecido através de um pequeno porto a 3 Km, e o correio é atirado da avioneta (seria assim já no seu tempo?). Alguns dos abrigos foram ainda construídos pelos meu soldados, há dois anos e meio atrás.

Em Missirá, todas as cubatas estão protegidas por abrigos, nenhuma cubata aparece como protecção do abrigo. No Enxalé há um aterro entre as instalações e os abrigos do pelotão, é uma enorme tabanca povoada por balantas e mandingas, escandalizou-me que a tabanca aparecesse com um escudo do quartel.

Dei a notícia ao nosso camarada que passaríamos ambos a pertencer ao sector de Bambadinca e que eu contava que iríamos colaborar regularmente face ao mesmo inimigo. Almoçamos à pressa, tínhamos que regressar rapidamente pois começou a cair uma chuva torrencial, isto quando a manhã fora resplandecente... Coisas do fim da época das chuvas.

Sei que não acredita, mas o seu nome foi várias vezes referido no Enxalé. De Missirá, tenho pouco a contar. No início do mês, fomos fogueados ao anoitecer sem consequências. Com as viaturas muitas vezes empanadas, usamos o Sintex para transportar os combustíveis e munições para Missirá. A burocracia está pior do que no seu tempo. Imagine que caiu um Unimog na bolanha de Finete, foi o cabo dos trabalhos removê-lo, perderam-se acessórios e ferramentas, foi um dia inteiro que passei num auto de averiguações, em Bambadinca. E foi só a abertura do auto...

Tenho um grande favor a pedir-lhe, é se V. podia visitar no Hospital Militar Principal dois militares gravemente feridos que o conhecem. Se estiver disponível, por favor, escreva-me. Junto uma fotografia junto da fonte de Cancumba, tal como me pediu. Receba a muita estima daquele que ouve todos os dias elogios ao seu nome e ás suas façanhas.

Carta para Ruy Cinatti

Ruy, dear Father,

Obrigado pela sua linda carta. Gostei sobretudo dos seus pequenos poemas que me lembram os haiku, não sei porquê. Por exemplo:

Vamos chorar tanto
que a terra se inunda
Como inundar
o mar?
-
Atracção do nada
é o mar em frente.

Vejo aproximar-se
quem do mar me chama.


Que maravilha! Acabo de saber pela a Amélia Lança que V. lhe comprou a Enciclopédia Britânica... Que luxo! As notícias que tenho para si são triviais: cheio de limitações, espero o inimigo e, regra geral, ele não vem; fala-se que iremos abandonar Missirá, o que não me parece razoável quando tenho obras em curso, mas suspeito que os meus soldados anseiam partir, devem ter a ilusão quanto ao fim das nossas dificuldades.

Como eu suspeitava, Finete sofreu uma pequena flagelação, houve um ferido ligeiro e uma cubata atingida, foi um foguetório pesado mas mal dirigido, já que o quartel está num baixio, é fundamental a precisão de tiro, o inimigo não tem a visão a não ser a dos abrigos posicionados no alcantilado da rampa que protege toda a estrada para Canturé e Malandim.

O seu afilhado e meu padrinho, Felipe Fernandes, continua a enviar-me livros da Portugália. Estive a ler cheio de interesse A Revolução de 1383, de António Borges Coelho. É uma visão marxista da caracterização feita por Fernão Lopes da revolução burguesa. O historiador começa por registar o Portugal da segunda metade do Séc. XIV, observando muito bem o que distingue a agricultura feudal dos centros urbanos e os núcleos burgueses rurais do centro e do sul do país, que elegeram o Mestre de Avis.

Depois, descreve o Portugal marítimo, os interesses dos mercadores e a sua hostilidade aos senhores feudais. Temos depois a revolução, a conjura chefiada por Álvaro Pais e Antão Vasques e o confronto a nobreza feudal. Nuno Álvares Pereira é para Borges Coelho um herói dúbio. Segue-se a apresentação de um rei que é eleito pelas Cortes, submetido a essas mesmas Cortes, e a um conselho régio.

Com D. João I entrámos no mundo contemporâneo, no renascimento urbano e, aproveitando-se de um continente em convulsão, os portugueses avançam para África. É uma tese curiosa, guardo aqui o livro para si. Estou a cair de sono, ainda vou escrever à minha Mãe, pelas 5 da manhã parto para Mato de Cão. Como tenho saudades suas e gostava tanto de conversar consigo! Só falta um ano para que isso aconteça. Receba a profunda estima.


Capa do ensaio do historiador António Boregs Coelho, A Revolução de 1383. Lisboa: Portugália Editora. 1965. Capa de João da Câmara Leme

.Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados

Carta para Ângela Carlota Gonçalves Beja

Querida Mãezinha,

Fico contente pela visita que o Teixeira lhe fez. Espero que tenha apreciado o anel em prata filigranada de um ourives de Bafatá, a pedra é insignificante, sugiro que ponha uma ametista ou um topázio.

Passando para assuntos mais sérios, volto a insistir de que gostaria que os meus familiares não se envolvessem nas minhas decisões e que me fosse evitado este massacre de acusações acerca da Cristina. Nada está decidido sobre a sua vinda, não sei se vou para Bissau, gostaria de deixar adiantado o que aqui comecei, independentemente da guerra, as pessoas devem ser respeitadas, verem obras acabadas, enfim, haver continuidade na criação de bem estar, instrução, apoio médico e até reagrupamento das populações. Tenho agora novos milícias em Finete, vai haver um período de adaptação, eles vão colaborar nos patrulhamentos à volta do Geba, são fulas que nunca viveram dentro de uma comunidade mandinga.

Obrigado pelos livros que me enviou. O que é curioso é que eu não conhecia o Dennis McShade, não sei quem é, logo que possa vou ler este Requiem para Dom Quixote. Estive a folheá-lo, lembra-me o romance negro norte-americano tipo Raymond Chandler ou Ed McBain.

Diverti-me imenso com Dois crimes no Inverno, por S.S. Van Dine. Desta vez Philo Vance acompanha o procurador Markham a casa de Carrington Rexon, proprietário da uma importante colecção de esmeraldas. Tudo se passa num sítio campestre, dentro de uma propriedade onde se concentram convidados, jovens do jet set da época, gente que vem acompanhar uma possível noiva do filho do proprietário. É assassinado um guarda e depois um escroque. Desaparecem esmeraldas e Philo Vance, num ápice, desvenda tudo. Como é próprio dos romances de S.S. Van Dine, o criminoso suicida-se. A obra tem subtileza mas não tem chispa.

Falando da guerra, tenho muitos soldados doentes, Missirá e Finete sofreram só pequenas flagelações, não se assuste com os comunicados que aí aparecem, este fogo aqui é uma ninharia. Muito obrigado pela visita que fez ao Paulo Semedo e ao Fodé. Prometo escrever ainda esta semana. Beijinhos do filho que nunca a esquece e reza pelas suas melhoras.



Capa do romance policial de S.S. Van Dine, Dois crimes no inverno. Lisboa: Livro so Brasil. s/d. (Colecção Vampiro, 57). Capa de Cândido Costa Pinto.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Para a Cristina Allen


Meu adorado amor,

A ver se consigo dar ordem a tudo quanto gostaria de te dizer. Não fiques atormentada com os comunicados de guerra que por aí aparecem. As flagelações a Missirá e Finete foram insignificâncias, mais adiante vou falar de Finete onde chegaram novos soldados milícias oriundos de Amedelai e Quirafo, não conhecem esta região.

O gerador eléctrico continua sem poder atravessar o rio. O correio que aqui me chega da minha família, magoa que se farta. O Ruy Cinatti escreveu furioso por causa do casamento por procuração, acha-nos loucos e imprevidentes, desaconselha o casamento por procuração, diz não entender quem está a fazer este casamento uma exigência. Eu penso que deve haver aí uma orquestração de vozes, conjugam-se contra ti más vontades. Já não sei lidar com a situação, no caso do Ruy tinha-lhe dado conhecimento das diligências em Bafatá para o casamento por procuração. Acho estranho este tipo de reacção, paciência.

Gostava que fizesses uma lista dos meus convidados, lembra-te da minha prima Teresa, da Amélia Lança, das minha amigas Cândida Lopes e Maria Júlia Apóstolo, dos serviços mecanográficos. O Paulo Semedo escreveu, mandou a fotografia do seu rosto mais composto, deu-nos a boa notícia que o braço que se julgava perdido já faz movimento. Comprei em Bafatá O Trigo e o Joio, do Fernando Namora, fala dos trabalhos e canseiras do teu Alentejo, vou mandar-te esta leitura para as tuas férias.

Escreveu o Jolá Indjai, está tuberculoso, vai para o Caramulo. Recebi hoje carta do Carlos Sampaio, está num teatro de operações muito duro. Amanhã vou a Bambadinca, o comandante quer falar-me, parece que vamos mesmo sair de Missirá. Nada tenho a opor, os soldados insistem que chegou a hora de mudar, não sei se é bom para as populações estas mudanças e interrupções nos trabalhos. Amanhã escrevo de lá, logo que saiba coisas. Não me esquecerei de ir até Bafatá por causa dos documentos. O Teixeira ainda não chegou. Beijinhos e ternura e até muito breve.

Carta para Carlos Sampaio

Meu inesquecível amigo,

A tua carta deixou-me muito preocupado, não sabia que o norte de Moçambique estava a ferro e fogo. Por favor, não te excedas. Os nossos teatros de guerra são diferentes. Dou-te um exemplo. Chegávamos ontem aqui a Missirá ao fim da tarde, quando foi desencadeada uma flagelação a Finete, de que há tanto suspeitava. Eu vim do tal patrulhamento a Mato de Cão, ainda estive em Finete a falar com os novos milícias, conversei depois sobre o abastecimento de arroz que é sempre deficítário e deixei lá elementos de uma esquadra de morteiro. Logo desencadeado o fogo, pedi pelo rádio para a sede do batalhão que usassem o morteiro 120 na retaguarda da força atacante.

E lá regressámos a Finete, onde cheguei pela meia noite, felizmente fora uma flagelação sem consequências, um fogo desalmado mas desorientado. Apurei que houve um comportamento destemido de um jovem de 16 anos, chamado Mafoge Djau, que combateu de peito feito, quando se acabaram os dilagramas veio para o arame farpado lançar granadas de mão. De manhã fiz um patrulhamento, o inimigo retirou sem baixas, foi um quase empate. Esta é a nossa dura guerra, mas como vez diferente da vossa. Não temos sossego, o inimigo está muito perto, benefiicia do efeito surpresa.

Nos poucos tempos livres, oiço música (estou a descobrir as cantatas de Bach, que prazer), leio e escrevo. Já te disse que deixei de ter ilusões sobre a qualidade da minha poesia e gostava sinceramente de desistir. Mando-te o que escrevi ontem. Podes mandar para o lixo depois de leres:

Patrulhamento de rotina

Tu és o agrimensor do meu passado, a minha primeira litania e primeira testemunha.
Tu és o campanário feito catavento que em mim é o feto libertado.
Redigimos, tu e eu, ao longo destes anos a nossa lei interna,
com o giz traçámos o próximo e o distante,
conformámos todas as sílabas onde se lêem o dia e a noite, a paz e a guerra.
Tu és o proscénio deste teatro da linguagem, em teus dedos ponho anéis,
aos teus lábios levo diademas.

Tun és o exemplo de cadastro terrestre, graças ao drama plaino de tanto sofrimento,
minha Mãe evanescente.
Para ti, nesta lonjura feita de lianas que se prendem nas a´rvores gigantes no mais fundo da floresta tropical,
aqui vai o meu trapézio que se eleva acima do mar azul
e grita a abastança do teu sangue no meu.
Neste trapézio onde te encimo o meu amor, tu és uma nave balouçante.
Porque com a nossa lei interna, eu tenho o poder de te transformar em areia escaldante,
vibração atómica ao olfacto e ao tacto.
E de te dizer que me suavizas com a tua veste opalina
o tormento deste meu tempo com armas na mão.

Sê o mar uterino que me aplaca a solidão,
meu mar encantador que chegará porta do meu abrigo-casamata, minha Mãe!

Carlos, continua, dentro das tuas possibilidades, a dar-me companhia. Não podes imaginar o bom que é receber as tuas notícias. Recebe um abraço que atravessa todo o interior de África.

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último post > 28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2138: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (3): Op Pato Rufia (Xime, Setembro de 1969)

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2153: Hino de Gandembel: talvez a mais popular canção entre as NT no ano de 1969 (José Teixeira)

1. Mensagem do José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada (1968/70).

Caríssimos:

Em complemento da informação do Idálio, devo informar que ouvi pela primeira vez, o hino, ainda em Gandembel, e saquei de imediato a letra que, com os camaradas da minha Companhia, trauteavamos em Aldeia Formosa e em Buba (1).

Posteriormente, a CCAÇ 2317 veio para Aldeia onde convivemos. De seguida juntam-nos em Buba, onde também estava a CCAÇ 2382, a 15ª de Comandos e uma de Fuzas.

Nas tertúlias de convívio que se faziam, toda a gente cantarolava os seus hinos e logicamente o Hino de Gandembel passava mais, pela sua força e pelo mito que já existia, pois que a 2382, quer a 2381 tinha pisado a zona e sentiam na pele os efeitos de Gandembel.

Com isto quero afirmar que não foram só os Páras que contribuiram para a sua divulgação. Ainda há dias consegui contacto com o camarada da minha Companhia que animava com a sua viola os bons momentos de convívio e ele de imediato me confirmou que se recordava da letra e da música.

Fraternal abraço do

J. Teixeira

2. Comentário de L.G.: Não tenho elementos estatísticos, audiométricos, mas era capaz de reforçar a tua afirmação de que o Hino de Gandembel terá sido, em 1969, a canção mais popular, entre nós, na Guiné... No sul, no leste, em Bissau, no norte... Seria interessante especular porquê... Estávamos no 1º ano do spinolismo...

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

4 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2152: Hino de Gandembel, hoje um hino de alegria (Idálio Reis / Gabriel Gonçalves)

3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2150: O Hino de Gandembel, cantado pelo GG [Gabriel Gonçalves], o baladeiro da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2149: Hino de Gandembel: Quem foi o autor da letra ? (José Teixeira / Idálio Reis)

26 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2133: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008)(4): Hino de Gandembel, quem se lembra da música ? (Pepito / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2152: Hino de Gandembel, hoje um hino de alegria (Idálio Reis / Gabriel Gonçalves)



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969) > 1968 > Será este o misterioso autor da letra (e da música) do Hino de Gandembel ? Podemos imaginar que sim... Aí está o homem-toupeira, o homem de nervos de aço de Gandembel/Balana, fazendo da pá do trolha a viola de baladeiro, e ensaiando as primeiras notas e o primeiro verso do Hino de Gandembel: Ó Gandembel das morteiradas, /Dos abrigos de madeira / Onde nós, pobres soldados, /Imitamos a toupeira.(...). Um hino que o Idálio Reis e os seus camaradas da CCAÇ 2317 transformam hoje em Hino da Alegria quando se encontram para confraternizar... LG)

Foto: © Idálio Reis (2007). (Editada por L.G.). Direitos reservados.

1. Ontem, o Idálio Reis escreveu a seguinte mensagem ao Gabriel Gonçalves, a propósito da gravação do Hino de Gandembel (1):

O nosso hino de Gandembel, por razões que conheces, ouço-o todos os anos aquando dos almoços de confraternização da Companhia (2).

É pois cantado pelos presentes, já na parte última do convívio, em que os ânimos estão mais exaltados, satisfeitos. É fundamentalmente um hino de alegria.

Só o nosso Blogue me deu a conhecer que o hino se difundiu por diferentes locais da nossa Guiné, já Gandembel não existia ou mesmo a Companhia tinha regressado (3). E aqui penso que os principais transmissores foram os paraquedistas, que estiveram connosco durante uma larga temporada.

Aquele teu minuto é uma rara preciosidade (1). Felicito-te por isso, pois um belo cantor já cá conta...

Como podes reconhecer, foi-me difícil encontrar um solista. Mas já agora resta-nos esperar o que o meu homem vai apresentar. E depois veremos, se a balada tem merecimento!

De qualquer modo, tornar-se-á obvio que a canção terá de ser internetalizada em banda larguíssima, até maior da que o Sócrates tem prometida ... Mas até parece que na eventualidade de merecer o seu aproveitamento, tens em casa um benjamim, que mexe nestas coisas, que até suplanta o pai nas baladas. Se lhes chamam as novas tecnologias, é porque já não são para os velhos.

Quando receber a encomenda do meu Almeida, contactarei o Luís para me informar como agir.
E até lá um grande abraço do Idálio Reis.


2. Resposta do GG:

Agradeço as tuas palavras, com o respeito que me mereces, de periquito para velhinho. Apenas contribuí como é meu dever, para as recordações virem à tona, passados todos estes anos. Tenho a certeza que o vosso/nosso hino a Gandembel, cantado pela rapaziada da tua Companhia, será a todos os níveis um hino de alegria.

Bem hajam por isso todos vós.

Um abraço
GG
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Notas dos editores:

(1) Vd. post de 3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2150: O Hino de Gandembel, cantado pelo GG [Gabriel Gonçalves], o baladeiro da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)


Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969) > 1968 > Início da construção do aquartelamento > Os homens que fizeram das tripas coração...
Foto: © Idálio Reis (2007). (Editada por L.G.). Direitos reservados.



Hino de Gandembel (voz: Gabriel Gonçalves, ex- 1º Cabo Cripto, cantor e tocador de viola, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1960/71) (1 m e 3 ss)

(2) Vd. posts de:

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1863: Convívios (18): Como a cidade que nos acolheu, foi nobre a confraternização da CCAÇ 2317, Os Gandembelenses (Idálio Reis)

(3) O hino era cantado pela malta de Bissau, de Contuboel e de Bambadinca, quando a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 chegou à Guiné (finais de Maio de 1969). Fazia parte do reportório dos baladeiros da nossa companhia (o GG, o José Luís de Sousa, o Pina...) (4).

Gandembel e Ponte Balana foram abandonados em 28 de Janeiro de 1969. Até 14 de Maio, a CCAÇ 2317 esteve em Buba. Seguiu depois para o Leste: Nova Lamego e Cansissé. Em Julho de 1969, a CCAÇ 12 estava em Contuboel e a CCAÇ 2317 em Cansissé . O Idálio e os seus camaradas eram os heróis de Gandembel. As suas histórias e o seu hino chegaram-nos rapidamente a Contuboel, onde eramos periquitos e treinavamos os nossos queridos nharros. E levámo-los, ao hino, às histórias de Gandembel e aos nossos nharros, para Bambadinca.

Vd. posts do Idálio Reis sobre a sua passagem pela Zona Leste, vindo do sul, já na parte terminal da comissão:

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

(4) Vd. post de 24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2151: Convívios (31): CART 3492/BART 3873 (Xitole, 1972/74), Monte Real, 5 de Outubro de 2007 (Álvaro Basto)

Mensagem de Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, de 3 de Outubro de 2007:

Meus caros editores do Blogue:

Solicitava-lhes a vossa melhor atenção no sentido de publicarmos com urgência no blogue a notícia do encontro a realizar na próxima sexta-feira dia 5 de Outubro do pessoal da CART 3492 - Xitole (1972/74).

É a primeira vez que a Companhia (1) se reúne (tem-se reunido nos encontros anuais do Batalhão, mas nunca se tinha reunido só a nível de companhia) (2), daí o amadorismo da organização que levou a que só agora a notícia possa sair .
Antecipadamente grato
Alvaro Basto


Encontro dos ex-combatentes pertencentes à CART 3492 - Xitole - 1972/1974






Programa

13H00 - Concentração nos jardins das Termas de Monte Real (ver indicações abaixo sobre trajectos aconselháveis)

14h00 - Início da confraternização com o almoço no Restaurante da Pensão Montanha, sita na Rua de Leiria (na mesma rua das Termas, a escassos metros destas)

Para os que fiquem para Sábado em Monte Real o programa é livre.

As dormidas estão marcadas para a Pensão Montanha que possuí umas instalações num anexo, perfeitamente aceitáveis e com preços muito económicos (segundo informação do Joaquim Mexia Alves)

Preços:

Almoço: entradas, sopa, dois pratos, sobremesa e vinhos - 15,00 €
Dormida em quarto duplo sem pequeno-almoço - 25,00 €
Dormida em quarto single sem pequeno-almoço - 18,00 €

O pequeno-almoço toma-se numa pastelaria vizinha.

Indicações sobre o trajecto:

Para os que vêm do Norte:

A1 até à saída para Pombal (saída 10), entra-se no IC8 em direcção a poente, à A17, entra-se na A17 em direcção a sul até à saída em que está indicado Monte Real.

Para os que vêm do Sul:

A8 até à saida para Leiria e continuação pela A17 em direcção a norte até à saída para Monte Real.

Para os que vêm do Centro (Castelo Branco) :

A23 até Torres Novas, A1 até Pombal e depois seguir trajecto indicado para os que vêm do Norte.

À chegada às portas das Termas, entrar e seguir o trajecto até baixo junto das Termas.

Para esclarecer qualquer dúvida podem utilizar os telemóveis do Joaquim Mexia Alves (913455362) (foto ao lado) ou o meu (965031310)

Um grande abraço a todos e até breve

Álvaro Basto


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Notas de CV:

(1) Vd. Post de 2 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2023: A História da CART 3492/BART 3873 (Xitole, 1972/74) ou mais de 2 anos em meia dúzia de linhas (Álvaro Basto)

(2) Vd. posts de:

4 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2028: A História da CART 3492: Afinal, não regressaram todos (Álvaro Basto)

28 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2005: Convívios (21): BART 3873 (Bambadinca 72/74), em Viseu, no dia 16 de Junho último (Álvaro Basto)

16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1957: Em busca de... (1): Antanho Victor Ribeiro Mendes Godinho, Cap Mil, CART 3492, Xitole, 1972/74 (Álvaro Basto)

11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1944: Composição inicial da CART 3492/BART 3873 (Xitole, 1972/74) (Artur Soares)

26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1888: Tabanca Grande (19): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873 (Xitole, 71/74)

21 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1771: Tabanca Grande (4): O que é feito dos camaradas da CART 3492 (Xitole, 1972/74) ? (David Peixoto)

5 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1732: Tertúlia: Apresenta-se o David Peixoto, soldado condutor auto-rodas, CART 3492 (Xitole, 1972/74)

30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1712: Tertúlia: Encontro em Pombal (3): Obrigado e até ao próximo, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

28 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1708: Tertúlia: Apresenta-se o ex-Alf Mil da CART 3492, António Barroso, Xitole, 1972/74

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1667: Tertúlia: Apresenta-se o Furriel Mil Mec Auto Artur Soares, da CART 3492 (Xitole, 1972/74)

Guiné 63/74 - P2150: O Hino de Gandembel, cantado pelo GG [Gabriel Gonçalves], o baladeiro da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

1. Mensagem enviada, em 26 de Setembro último, pelo editor L.G.:

Amigos e camaradas:

Precisamos, com urgência, de identificar a música (fado ? balada ? canção ?) que acompanhava o famoso
Hino de Gandembel (1)...

Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.(...)

Eu tenho uma ideia, mas receio ter sido atraiçoado pela memória...Apelo ao Zé Teixeira, ao Idálio Reis, ao Torcato Mendonça, ao Vacas de Carvalho, ao Joaquim Mexia Alves, ao Gabriel, ao Zé Luís Sousa, ao Tony Levezinho, ao Humberto Reis, ao Abílio Machado, ao David Guimarães, malta dos anos 1968/70, 1970/72...

O Hino estava na moda em meados de 1969...Vejam o post de hoje (1) . Temos já um vasto reportório de letras de canções do nosso tempo, com músicas adaptadas. Temos que continuar a recolha... e procurar identificar as músicas. Vejam as gravações do Cancioneiro de Niassa (2).

Um abração.


Luís Graça


2. Nesse mesmo dia, o GG, o nosso arcanjo Gabriel [Gonçalves], o nosso baladeiro-mor de Bambadinca, que pertencia à CCAÇ 12 (1969/71), mandou-nos uma gravação com a sua versão do Hino de Gandembel. Infelizmente, ele não pode fazer-se mais acompanhar à viola, perdeu vários dedos da mão num acidente grave de automóvel há uns anos. A gravação é, pois, só de voz:

Respondendo ao vosso apelo, junto um cheirinho do hino só para fazerem uma ideia...

Infelizmente , a gravação vinha em formato.wav, num ficheiro pesado de 6 MB, que não permitia uma rápida inserção no blogue, não sendo amigável para o blogue que é editado em html... Era preciso converter o ficheiro para outro formato, alojá-lo num sítio que nos desse hospedagem, fazer um link, etc. Pedi ao GG para nos mandar outra versão... Aqui está o resultado...

2. Mensagem do GG (ex-1º Cabo Cripto da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), de hoje:

Henriques [ assim que ele me trata, do tempo de Guiné]:

O meu filho mais novo que é um cromo nestas coisas de informática já tratou do assunto. Já está no Youtube, podes ir lá buscar.

Um abraço
GG



Hino de Gandembel (voz: Gabriel Gonçalves) (1 m e 3 ss)

3. Respondi de imediato ao GG

GG: Emocionei-me, chorei... ao ouvir-te!!! Grande GG, bons tempos de Bambadinca, de camaradagem e de amizade, de noitadas, de copos, de emoções fortes... que nos marcaram para o resto da vida...

Vou fazer um belo post com a tua musiquinha e as notas complementares do Zé Teixeira e do Idálio Reis (dois camaradas que conheceram o inferno de Gandembel) sobre o misterioso autor da letra do hino (3)...

Hino de Gandembel

Ó Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.

- Meu Alferes, uma saída! -
Tudo começa a correr.
- Não é pr’aqui, é pr’ponte! (i),
Logo se ouve dizer.

Ó Gandembel,
És alvo das canhoadas,
Verilaites (ii) e morteiradas.
Ó Gandembel,
Refúgio de vampiros,
Onde se ligam os rádios
Ao som de estrondos e tiros.

A comida principal
É arroz, massa e feijão.
P’ra se ir ao dabliucê (ii)
É preciso protecção.

Gandembel, encantador,
És um campo de nudismo,
Onde o fogo de artifício
É feito p’lo terrorismo.

Temos por v’zinhos Balana (i),
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três (iv) te protege.

Bebida, diz que nem pó,
Só chocolate ou leitinho;
Patacão, diz que não há,
Acontece o mesmo ao vinho!

Recolha: José Teixeira / Revisão e fixação de texto: L.G.

(i) A famosa ponte sobre o Rio Balana, destacamento da CCAÇ 2317 (que estava em Gandembel, Abr 68/Jan 69)
(ii) Verylights
(iii) WC
(iv) A espingarda automática G-3

4. Comentário do Zé Teixeira, logo a seguir, depois de ouvir a gravação do GG:

Oh meus Deus ! Tudo voltou ao ponto zero. Gandembel, Gandembel ! Que turbilhão de imagens, ruídos, sons, na minha mente a perseguir-me ! Obrigado.

J.Teixeira


5. Comentário do Henrique Matos (Pel Caç Nat 52, Enxalé e Prto Gole, 1966/68)


Caro Luís: O nosso camarada baladeiro da CCAÇ 12 está em boa forma. No meu tempo
ainda não havia o hino. Lembro-me porém de uma canção dos anos 60 com esta música, cuja letra começava com:

África oh... meu berço de embalar,
Tens palmeiras, ao luar...

Não sei se era cantada pelo
João Maria Tudela. Pode ser que alguém ainda tenha o disco.

Abraço
Henrique

_______

Notas de L. G.:

(1) Vd. posts de:

26 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2133: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008)(4): Hino de Gandembel, quem se lembra da música ? (Pepito / Luís Graça)

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (José Teixeira / Luís Graça)

(2) Vd. post de 11 de Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1) (Luís Graça)

(3) Vd. post de 3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2149: Hino de Gandembel: Quem foi o autor da letra ? (José Teixeira / Idálio Reis)

Guiné 63/74 - P2149: Hino de Gandembel: Quem foi o autor da letra ? (José Teixeira / Idálio Reis)

1. Mensagem do José Teixeira (ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70):


Caríssimos:

Segundo consegui apurar, o Hino a Gandembel (1) foi escrito por um soldado pára-quedista do grupo que em Setembro de 1968 andou por Gandembel a fazer a limpeza.

Não só pegou de imediato nos camaradas na CCAÇ 2317 (2) que o passou às Companhia que com eles conviveram, entre os quais a minha (CCAÇ 2381) (3), como foi levado pelos Páras para as localidades por onde estes passaram, incluindo Bissau, tornando-o num hino de escape nas horas difíceis.

O papel que possuo com o texto, é uma das cópias do original que me foi fornecido lá, na minha última visita, a que felizmente ia ajudar a CCAÇ 2317 a regressar a Aldeia Formosa, abandonando-se em definitivo Gandembel.

Fraternal abraço do

J. Teixeira

2. Resposta do Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69).

O substrato musical do Hino de Gandembel há-de aparecer. A letra, essa, é bem conhecida.

Quando o Luís/Pepito difundiram esse pedido, é evidente que não poderia ficar indiferente. Se então, nada disse, é porque o Idálio teria de encontrar alguém que nos fizesse esse favor, e comecei a auscultar alguns antigos companheiros (1) para cantarolar esse brilhante hino, que depois enviarei à edição do Blogue para tratamento e difusão.

Só um apenas... O hino já existia quando os pára-quedistas foram para Gandembel. Quando estes chegaram a Gandembel, já milhares de saídas de morteiro o alferes Reis tinha ouvido. Por enquanto o autor da CCAÇ 2317 é anónimo, ainda que os resultados das sondagens que este assunto me fez mover, aponte para um dos nossos que jamais vimos após o regresso. E não sei do seu paradeiro, porque as minhas buscas têm sido infrutíferas.

Esperemos então pelo hino cantado pelo companheiro António Almeida, com sotaque à tripeiro.

Cordiais abraços
do Idálio Reis

__________

Notas de L.G.:


(1) Vd. posts de:


26 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2133: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008)(4): Hino de Gandembel, quem se lembra da música ? (Pepito / Luís Graça)

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (José Teixeira / Luís Graça)

(2) Vd. posts de:

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo´

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

18 de Setembro de 2007>Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

(3) Vd. posts de:

25 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2129: Quero depositar um ramo de flores em Gandembel (José Teixeira)

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

Guiné 63/74 - P2148: Blogoterapia (34): Da minha proverbial preguiça ao carro de granadeiros e ao Domingos Ramos que eu conheci (Mário Dias)

Exército Português > Campanhas ultramarinas 1961/74 > Viaturas > GM 4X4 TT m/947 /conhecido por granadeiro), fig. 91.

Fonte: © Viriatus - Miniaturas e Figurinos Militares (2001). Direitos reservados (com a devida vénia..)


1. Mensagem do Mário Dias, ex- sargento comando (Brá, 1963/66).


Caro Luis

Li a tua mensagem que me deixou perplexo por supores que eu estou zangado.
Não. Não estou nem nunca poderei estar. Não tenho qualquer motivo para isso, bem pelo contrário.

Continuo fiel e interessado leitor de tudo quanto consta na nossa Tabanca Grande. Não falho um só dia, desde que me encontre em casa. Confesso que não tenho sido bom colaborador nos últimos tempos porque o grosso da minhas memórias dos belos tempos passados na Guiné está praticamente esgotado (1). Tenho ainda algumas coisas para relatar que espero vir ainda a fazer quando me passar a preguiça crónica que me assaltou. Por enquanto, demos voz àqueles que suportaram a pior parte da guerra que foi, sem dúvida, a partir de 1968. Eu, apesar de tudo, fui um privilegiado pois safei-me de lá em Fevereiro de 1966.

Assim, e aproveitando este interregno inesperado na minha amada preguiça, aqui vai um pequeno esclarecimento sobre a razão do nome de granadero dado à Berliet modificada de Enxalé (2).

O que pretendiam dizer era granadeiro. (Fazendo um pouco de humor, sem ofensa, talvez os militares de Enxalé fossem, na sua maioria, alentejanos. Daí, o granadero em vez de granadeiro).

Realmente existiu no EP (não sei se ainda existe) um blindado ligeiro, de caixa aberta, destinado a transportar uma secção de atiradores em missões de reconhecimento avançado e de protecção dos flancos das tropas em progressão e que poderiam fazer uso do lançamento de granadas de mão. Por isso essas viaturas se designavam por carro de granadeiros ou, simplesmente, granadeiro.

Recordo-me perfeitamente que as duas companhias de Caçadores Especiais que foram para a Guiné em 1962 , tinham viaturas dessas ao seu serviço. Também os Esquadrões de Reconhecimento de Cavalaria as tinham.

Pensei que seria melhor mostrar uma - porque uma imagem vale mais que mil palavras - pesquisei no Google e achei. Em anexo segue a fotografia de um granadeiro, com a devida vénia do site www.viriatus.com/GU61_74_07.asp [Viriatus -Miniaturas e Figuras Militares].

Quanto à biografia do Domingos Ramos, pouco mais conseguirei acrescentar ao que já relatei (3). De facto, eu conheci-o apenas durante o tempo em que ambos estivemos a cumprir o serviço militar em Bissau. Não foi muito tempo mas o suficiente para que tivessemos desenvolvido uma verdadeira e grande amizade que ainda hoje recordo com nostalgia e que os caminhos opostos que cada um de nós seguiu não abalou.
Vou tentar, sem compromisso, obter mais elementos tais como data e local de nascimento, filiação e outros de interesse para uma biografia.

Um grande abraço para toda a tabanca.
Mário Dias

2. Comentário de L.G.:

Mário:

Que bom saber de ti e da tua relativa disponibilidade para continuar a colaborar com o nosso projecto, como fizeste no passado. Acredita que entendo (e invejo) a tua proverbial preguiça. Estás a fazer as coisas que gostas e para as quais agora tens tempo, como a música e o canto.

Por outro lado, quero que esclarecer-te que estava a tentar provocar-te, no bom sentido do termo. Seria incapaz de estar zangado contigo, por causa da tropa, da guerra, da política ou do blogue. Para mim já és um velho amigo, embora só tenhamos estado juntos um fracção de tempo das nossas vidas. Quis apenas, piscando o olho ao nosso comum amigo VB, obrigar-te a dar sinais de vida. Estou encantado, porque o consegui...

Guardo, entretanto, a tua promessa de acrescentares mais qualquer coisa aos teus preciosos apontamentos sobre a figura do Domingos Ramos que, imagino, deveria ter a tua idade, se hoje fosse vivo. ´

Obrigado também pelos teus competentíssimos esclarecimentos sobre o insólito e malogrado granadeiro do Enxalé.Inté. Mantenhas. (A propósito, estás disponível na Net o Dicionário Caboverdeano Português, da Priberam, que nos poe ser útil, se bem que o crioulo da Guiné-Bissau e o de Cabo Verde tenham diferenças que, julgo, são acentuadas).

__________

Notas de L.G.:

(1) Há dias tinha-me mandado um mail ao Virgínio Briote com conhecimento ao nosso querido amigo comum, Mário Dias:

(...) Quem melhor do que nós para fazer um pequeno apontamento sobre o Domingos Ramos ? Para a série PAIGC - Quem foi quem ... Só o Mário... Vê se o convences... Ele a mim não me liga, pela simples razão de não ter sido ... comando. O Mário escreveu um dos mais belos textos que se podem escrever sobre a amizade entre dois homens... Não podemos perder o seu talento... Espero que ele não ande zangado connosco... por achar a nossa Tabanca Grande muito maior do que a nossa caserna (...).

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964) (Carlos Fortunato / Mário Dias)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXII: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite

19 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - LDXVI: Memórias do antigamente (Mário Dias) (2): Uma serenata ao Governador

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

(2) Vd.post de 2 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2148: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)

(3) Vd. posts de:

1 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIII: Domingos Ramos e Mário Dias, a bandeira da amizade (Luís Graça / Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIV: O segredo do Mário Dias, ex-sargento comando

Guiné 63/74 - P2147: Ainda os ataques com foguetões a Bissau (Carlos Vinhal)

Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA, CART 2732, Mansabá, 1970/72

Durante o tempo em que a minha Companhia permaneceu na Guiné, houve dois ataques com foguetões à cidade de Bissau (1).

O primeiro foi em 9 de Junho de 1971, data que não esquece, porque coincidiu com uns dias de folga proporcionados a alguns militares da CART 2732, precisamente em Bissau.

Alguém tinha resolvido que dois pelotões, de cada vez, fossem passar dois dias a Bissau, no mês de Junho de 1971, como recompensa pela permanência de 14 meses consecutivos em Mansabá e pelo esforço despendido durante a construção do troço da estrada Bironque-K3.

Aprazado foi o dia 10 de Junho, Dia da Raça, Feriado Nacional, para os primeiros dois pelotões da CART 2732 desfrutarem da tão ansiada visita à capital, deixada para trás há tanto tempo.

Ainda em Mansabá soubemos que Bissau tinha sido atacada na noite anterior mas, como não viesse nenhuma contra-ordem, lá nos pusemos a caminho.

Chegados, deixámos as armas no Regimento de Comandos e fomos passar o resto do dia e princípio de noite no centro da cidade.

Tínhamos connosco as nossas próprias viaturas pelo que não tínhamos problemas de transporte. Depois da chamada visita panorâmica, estacionámos as viaturas e cada um viveu à sua maneira momentos de descompressão, numa cidade atemorizada pelos recentes acontecimentos.

Lembro-me que na noite de 10 de Junho toda a tropa sediada em Bissau estava de prevenção nos respectivos quartéis e que a população civil era muito pouca nas ruas. 
O centro da cidade estava praticamente deserto. Os cafés e restaurantes tinham um movimento reduzido, porque lhes faltavam os seus melhores clientes, os militares.

No dia 11 foi o regresso a Mansabá, enquanto Bissau retomava a normalidade.

Constou-se que nos dias subsequentes houve um desusado movimento aéreo, para trazer para a Metrópole as esposas dos militares que se encontravam a morar em Bissau. Esta deixara de ser uma cidade segura. À noite era proibida a ida a Safim sem escolta militar.

No segundo ataque à cidade, em 1972, mais propriamente ao aeroporto, estávamos já em Bissau à espera que chegasse o dia do regresso, marcado para 19 de Março, num dos aviões dos TAM [Transportes Aéreos Militares].

O acto bélico terá acontecido entre os dias 9 e 12 de Março de 1972 (não sei precisar) e deixou-nos preocupados, pois se a pista fosse afectada, podiam arranjar uma desculpa para nos reter por mais algum tempo.

Porque já fosse a segunda vez, ou porque desta feita os foguetões caíssem mais longe (imediações do aeroporto), não se notou qualquer alteração no quotidiano da cidade.


Guiné > Bissau> Aeroporto de Bissalanca

Vou transcrever um excerto da História da Unidade, CART 2732, página 37, Capítulo II, FASCÍCULO XX - PERÍODO COM INÍCIO EM 01FEV72, A - SITUAÇÃO GERAL, 2. Inimigo: [...]

Em Bissau, para onde a CART se desloca a partir de 08FEV, o IN tem pretendido intensificar a guerrilha, revelando-se por alguns rebentamentos de engenhos explosivos na cidade de BISSAU. Prevê-se que tais acções se estendam a outros objectivos procurando obter resultados espectaculares susceptíveis de aproveitamento junto das populações e na sua propaganda externa.

Esta observação, na HU da CART 2732, dá a entender que Bissau no início de 1972 já não vivia dias muito pacíficos (2).

Carlos Vinhal
ex-Fur Mil

__________________

Notas de CV:

(1) Vd. post de 1 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2146: PAIGC - Instrução, táctica e logísitica (3): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (III Parte) (A. Marques Lopes)

(2) O Germano Santos escreveu-nos o seguinte a propósito do primeiro ataque a Bissau:
Olá Luís e restantes camaradas,

A propósito do ataque a Bissau naquele dia 9 de Junho de 1971, é só para recordar que esse ataque foi designado por nós, em Mansoa, como o ataque à linha do Estoril.


Na verdade o ataque foi feito em simultâneo, salvo erro, a partir de Mansoa e foi por aí abaixo (Jugudul, Uaque, Rossum, Nhacra, creio que também o Cumeré e Bissau).

Um abraço.
Germano Santos

(3) Vd. posts de: