quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20318: Historiografia da presença portuguesa em África (183): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (1): Questionário Etnográfico elaborado pelo Capitão Vellez Caroço (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
A ideia de que constituía um imperativo civilizar gente primitiva, o gentio, aproximando-a dos preceitos ocidentais, dos seus valores políticos e religiosos, tem uma longa história na cultura portuguesa. Era um gentio bárbaro ou selvático, devia ser ajudado a melhorar as práticas agrícolas, a trabalhar nas obras públicas mas também para empresas. Se aprendesse a ler e escrever, podia vir a ser assimilado.
Na hora da luta armada, foi revogada toda esta legislação e camuflada a matriz racial e ideológica de um longo processo colonial. O que neste texto se apresenta é uma breve síntese da ascensão do racismo como evidência científica para depois o podermos comparar com as práticas raciais do nosso colonialismo. O Estado Novo tudo fez para negar haver racismo, mas ele existia no Oriente, mesmo em Goa, em Angola, Moçambique, São Tomé e Guiné, com as especificidades da escravatura mascarada, do trabalho forçado, da distinção entre civilizado, assimilado e gentio.
Talvez um racismo de brandos costumes, mas inequivocamente organizado na discriminação, no preconceito, na descategorização.

Um abraço do
Mário


A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (1)

Beja Santos

Em 1934, o Capitão de Infantaria Jorge Frederico Torres Vellez Caroço, então Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas na Guiné, dirige-se ao Governador Carvalho Viegas, a quem envia um questionário etnográfico que estará na base no seu trabalho, publicado muito mais tarde, no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa sobre o régulo Monjur, do Gabú:
“Excelência
Os factos e as características observadas na vida do indígena e na sua maneira de ser, e na necessidade absoluta e urgente de procurar metódica e progressivamente aproximá-lo da nossa civilização, com a garantia indispensável dos seus direitos, é verdade, mas tendendo sempre para um melhor e mais completo aperfeiçoamento, determinaram a conveniência de criar para ele uma ordem jurídica adaptável à sua mentalidade ‘primitiva’, às suas faculdades psíquicas, aos seus sentimentos e que se harmonize, tanto quanto possível, com o respeito pelos seus usos e costumes, cuja transformação se deve efectuar lenta e gradualmente, evitando assim possíveis perturbações que tanto têm de inúteis como de prejudiciais.
De resto, são estas as directrizes gerais estabelecidas pelo Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas, são estes os princípios preconizados pelo Acto Colonial, que mandam proceder à codificação dos usos e costumes dos indígenas.
Claro está, que não é possível nesta colónia, onde a diversidade de componentes étnicos singulariza a sua população nativa, elaborar um código único regulador de quaisquer das normas referidas.
A diferenciação absoluta de usos e costumes entre muitas das raças que a povoam, obriga ao desdobramento de tantos códigos quantos forem as étnicas caracterizadamente diferentes.
Para este desidrato, porém, são necessários elementos básicos – que nos faltam – em que o conhecimento das minúcias da vida material do indígena, ande a par com a ciência da sua constituição moral. Desta falta de elementos para, sobre eles se assentarem normas que regulem a acção colonizadora e de soberania tendentes à evolução dos povos para um melhor Estado social, repito, sem ataques bruscos à sua insuficiência psíquica e arraiados costumes primitivos, surge a necessidade de elaboração de um Questionário Etnográfico”.



É conveniente recordar que desde os primórdios da República os sucessivos governadores exigiam aos administradores documentos desta natureza que possibilitassem o conhecimento, nas diferentes localidades, de quais os grupos étnicos, a sua identidade e caraterísticas e dados antropológicos, a vida familiar, os direitos de propriedade, as práticas agrícolas, a natureza do comércio e indústria, os tipos de habitação e de alimentação e algo mais. Não era pois original o que o Capitão Vellez Caroço propunha, tratava-se porventura de uma atualização, tais dados existiam em poder da administração. O que para o caso mais interessante se põe à reflexão tem a ver com algo que serviu de eixo veiculador da proposta civilizadora que tem os seus antecedentes na monarquia constitucional, que passa pela I República e que se dinamiza com o Estado Novo: a missão civilizadora face às insuficiências detetadas nos indígenas, havia que proceder à radiografia o mais detalhada quanto possível, e daí este questionário etnográfico que o Capitão Vellez Caroço viu aprovado pelo Governador Carvalho Viegas.

O que nos remete para essa tumultuosa questão do racismo e do colonialismo à maneira portuguesa. Pois vamos ao significado dos termos.
Faz-se recurso ao que em “Racismos, Das Cruzadas ao Século XX”, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2015, Francisco Bethencourt escreve sobre racismo:
“O racismo atribui um único conjunto de traços físicos e/ou mentais reais ou imaginários a grupos étnicos específicos, acreditando que essas caraterísticas são transmitidas de geração em geração. Os grupos étnicos são considerados inferiores ou divergentes da norma representada pelo grupo de referência, justificando assim a discriminação ou a segregação. O racismo tem como alvo não só os grupos étnicos considerados inferiores, mas também os grupos considerados concorrentes, como os judeus, os muçulmanos ou os arménios.
O racismo distingue-se do etnocentrismo no sentido em que não se refere de forma abstrata a bairros ou comunidades outras desprezadas ou temidas; regra geral aplica-se a grupos com quem a comunidade de referência lida – grupos esses considerados associados a regras de sangue ou de descendência. O etnocentrismo pode expressar desprezo por outra comunidade, mas aceita a inclusão de indivíduos dessa comunidade, ao passo que o racismo considera que o sangue afeta todos os elementos da comunidade em causa”.

Voltaremos a este importantíssimo trabalho de Francisco Bethencourt noutra ocasião, ao longo da sua investigação falará do contexto histórico do racismo na Antiguidade Clássica, invasões bárbaras e expansão muçulmana; aludirá à expansão ultramarina europeia, as sociedades coloniais desde os séculos XVI e XIX; mais adiante analisará as teorias das raças e depois as políticas raciais em vários impérios.
O pontapé de saída para esta análise, indispensável na cultura portuguesa, não é saber, como ponto de partida, se fomos colonialistas ferozes ou se praticámos uma espécie de convivência multirracial que nos distinguiu supinamente de todas as outras potências colonialistas, a despeito do trabalho forçado, da escravatura ou da exploração económica. Racismo sempre existiu e a investigação de Francisco Bethencourt é bem elucidativa: esmagamento e escravidão do vencido, também por ser inferior; a discussão, em atmosfera religiosa, se os negros e os índios tinham alma: a própria democracia grega estava confinada a um conjunto de eleitos, os demais era ralé desprezível, etc.

No século XIX, a obra de Darwin veio criar evidência científica quanto a uma evolução da espécie humana, A Origem das Espécies, por interpretações adulteradas irá situar-se como matriz das raças puras e das raças inferiores. Em “A Evolução do Racismo, Diferenças humanas e uso e abuso da Ciência”, Círculo de Leitores, 1996, Pat Shipman enfatiza como esta obra de Darwin gerou uma falange de simpatizantes e de grandes opositores, a Igreja de Inglaterra foi contundente e o nome de Darwin era ridicularizado por ligar o homem ao macaco. Na Alemanha, as ideias de Darwin foram repescadas por Ernst Haeckel, um cientista que irá ter grande peso nas doutrinas arianas. Recorde-se que em território alemão estavam a surgir exemplares do homem de Neandertal, os fósseis começavam a ser datados, os dados expostos na Bíblia contestados. Haeckel, inconscientemente, lançava as bases das doutrinas raciais. “Para ele, uma raça era não o que os biólogos sabem hoje que é: uma subdivisão regional de qualquer espécie; uma população local vagamente unida por uma tendência para compartilhar particulares variações de fenótipo ou genótipo. Uma raça era uma nacionalidade, uma tribo ou mesmo um grupo étnico culturalmente mas não geneticamente diferente dos seus vizinhos. Haeckel nunca escondeu a sua convicção de que a lei biológica devia governar a sociedade humana. Acreditava piamente que as raças eram tão diferentes umas das outras como as espécies de animais, o que parecia ser um suporte científico para o racismo descarado”. E não se escusou a dizer que a raça alemã devia estar sujeita a um poder autoritário e ser dominada pela eugenia.

Dentro das adulterações do darwinismo, falava-se na sobrevivência dos mais aptos, quem sobrevivia controlava os outros. Ideias que ganharam simpatias nos EUA. A guerra civil deixara a população perturbada, vulneravelmente consciente das diferenças entre as raças, a partir de então declaradas legalmente iguais, e das crescentes disparidades entre classes sociais e económicas. Do darwinismo enquanto processo evolucionista passou-se para o darwinismo social, ganhou popularidade estudar famílias com graves problemas de criminalidade ou alcoolismo. Depois das obras de Mendel, cresceu a simpatia pela eugenia. Foram recolhidos dados sobre a frequência e a distribuição de uma espantosa quantidade de variedades de traças dentro das famílias. Estudos sobre: hermafroditismo, hemofilia, fenda palatina, lábio leporino, dedos curtos ou mais de cinco dedos, surdo-mutismo, demências e deficiências mentais. Passo a passo caminhava-se para um abismo racial. Numa época de grande imigração, alguns cientistas da antropologia insistiam que a política de imigração devia ter como base a história hereditária do indivíduo e da sua família. Noutra dimensão do problema, ganhou também popularidade a ideia de esterilizar deficientes mentais, imbecis e a lei da esterilização começou a ser aprovada. A carga fiscal dos doentes, loucos, indigentes e criminosos pesava fortemente sobre o número cada vez menor dos empregados.

Nos EUA, a esterilização tornou-se mais popular como meio de enfrentar o problema dos criminosos, dos pobres ou dos que passavam por loucos congénitos. A esterilização obrigatória dos internados em instituições era perfeitamente legal. Na Alemanha, o quadro doutrinário era diferente, um forte sentido romântico misturava-se com uma confusa ciência ou racismo, fazia-se a apologia das glórias físicas, morais e intelectuais dos verdadeiros alemães: altos, louros, de olhos azuis, escorreitos camponeses de descendência ariana ou nórdica. Escondeu-se que a raça ariana era uma criação largamente mítica, as pessoas que falavam a língua proto-europeia na base comum de sânscrito, zende, arménio, grego, latim, lituano, eslavónio, alemão, céltico, inglês, francês, e muito mais. Atribuiu-se a origem deste arianismo à região do Ganges, eram os indo-europeus. Procurou-se encontrar um povo hostil, um inimigo mortal da futura raça pura, recaiu sobre o judeu. Atenda-se que a história do antissemitismo da Europa em geral e na Alemanha em particular vem de longa data. Desde a Idade Média que os judeus tinham imensas restrições. Antes do século XIX, era legalmente proibido a um judeu na Alemanha possuir terras ou ocupar cargos públicos. Estava constituído o caldo de cultura que Hitler aproveitou para encontrar como inimigo principal, depois de ter posto nos campos de concentração os dirigentes dos partidos de esquerda, os antissociais, o preconceito e a discriminação atingiam o auge entre europeus, com longuíssima história de fixação no continente. Era a mais gigantesca manifestação racial que se conhecera, levou à matança em massa, era um racismo com categorias distintas daquele que se praticou em África, tinha por detrás projetos políticos muito distintos dos do colonialismo.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20290: Historiografia da presença portuguesa em África (181): Dados Informativos 4, publicação da Agência Geral do Ultramar - Guiné, 1968: Os números da educação e saúde (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20317: Parabéns a você (1703): Jorge Cabral, ex-Alf Mil Art, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20305: Parabéns a você (1101): Ten-General PilAv Ref António Martins de Matos, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20316: Blogpoesia (644): "Fogos de guerra", por Rosa Maria Figueiredo Quadros (ROMI), que esteve em Mansabá com o marido

1. Comentário do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), deixado no P20276:

Olá Camarada
Aqui vai uma poesia escrita por uma esposa que esteve em Mansabá.
Repara na crueza da descrição e na sensibilidade da poetisa.
Como podes ler na "Minha Guerra a Petróleo, não era única que por ali andava...

Creio que, nessa altura ainda não tinha 20 anos e tinha um filho de meses. Era mulher de um dos furriéis M/A que fazia trio comigo no campo de Mamboncó.

Isto refere-se também a um "ataque ao arame" no qual os "rapazes do PAIGC" incendiaram 21 moranças e ela naõ soube do filho durante alguns minutos...
Enfim, alegrias

Um Ab.
António J. P. Costa
PS: Não se (ainda) interessa lá para a tal tese..

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Vista aérea de Mansabá


FOGOS DE GUERRA

Trovoadas...
Fogos-de-artifício riscando o céu.
Aflição, aquele espectáculo de fogo.
Labaredas, chamas vermelhas
disparadas numa noite de breu.
Trovoadas...
E eram os sons, as saídas...
Os rebentamentos, distantes...
Ou tão perto como um toque
Que te enchia de pavor...
Deu-se o estrondo e os estilhaços
Já entravam pelas frestas das janelas...
Trovoadas...
Na terra, surgindo do nada
Trazendo o caos e o medo
Num cenário de luto e tragédia...
Episódios de guerra.
De relatos, de vivências inesperadas.
Homens que saem para o mato...
Para matar, para morrer.
Tudo lhes pode acontecer!
Saem “para as minas” os que as têm
no seu caminho, no seu destino!
E o destino levou pernas...
O destino levou olhos...
Levou vidas mal vividas!
No caminho, perdeste a esperança,
nasceu-te o medo e ganhou raiz...
Foi uma dor que ainda teima em doer,
como te doeu a distancia,
como te doeu o medo
como te doeu a solidão.
Como te dói a certeza que hoje tens,
A certeza de que o teu sacrifício
Não fez crescer o teu país
Como quiseram que acreditasses.
Perdeste o sonho...
Perdeste o tempo de sonhar...
E nem viste as trovoadas...
Os raios e os trovões que
A natureza te quis mostrar.
Mas tu não, tu nem as viste.
Não viste o seu encanto,
Os seus raios de mil cores
Riscando o céu de madrugada.
Não viste como naquela terra
Em que só a guerra era triste,
Eram belas as trovoadas.

Romi (Rosa Maria Figueiredo Quadros)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20306: Blogpoesia (643): "Cissiparidade poética", "Asas partidas" e "Quando tudo entorpece", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20315: Memória dos lugares (397): Roteiro de Bissau: velhas e novas toponímias, velhas e novas geografias emocionais... (David Guimarães / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Agostinho Gaspar)



Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Domingos Ramos > 2001 > O mercado municipal, aliás, "Mercado Central"  (entre a Av Domingos Ramos e a R Vitorino Costa, vd. o mapa da Google)... A mesma tabuleta esmaltada de há trinta e tal anos atrás...




Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > Edifício colonial em ruínas, em frente à antiga Casa Pintosinho [, de António Pinto), um dos sítios em Bissau onde comíamos as célebres ostras. Devia ser  na Rua Oliveira Salazar, hoje  Rua Guerra Mendes (paralela à Marginal, agora Av 3 de Agosto, segundo o mapa da Google). Originalmente terá pertencido à Casa Gouveia, fundada por António Silva Gouveia. (A Casa Gouveia mudou para as mãos da CUF em 1927.)



Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > A marginal (hoje Av 3 de Agosto) e, em segundo plano, à esquerda, o antigo Pelicano, de saudosa memória. Ao fundo, veem-se os contentores do porto de Bissau (vd. mapa do Google)... O alcatrão há muito que tinha desaparecido.

Fotos nºs 1 a 3  (e legendas) : © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bissau > 1996 > Aspecto pouco abonatório do estado de conservação do "Pelicano,  Restaurante, Bar, Night Cub"... Em 1970 era o melhor café-esplanada de Bissau.


Foto (e legenda): © Humberto Reis (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Domingos Ramos > 2001 > à esquerda uma agência do BAO - Banco da Africa Ocidental




Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral (antiga Av República) (vd. mapa do Google)  > 2001 >  À esquerda a Pensão D. Berta... A saudosa Berta de Oliveira Bento, cabo-verdiana radicada na Guiné Bissau há várias décadas, faleceu  em 2012, aos 88 anos. Não deixou filhos, mas tinha muitos amigos.


Foto nº 7 < Guiné-Bissau > Bissau > 2001>  Bomba da GALP... Era aqui o antigo Café Bento ou a famosa 5ª Repartição do tempo da guerra colonial.  Ficava na Rua Tomás Ribeiro, hoje Rua António Nbana. O posto de combustível da GALP, é o único na Bissau Velha, pelo mapa do Google fica na Av Amílcar Cabral, fazendo esquina com a R António Nbana. A RTP África também fica aqui perto.

O Café Bento era um dos nossos locais de convívio, dos gajos do mato, dos desenfiados e sobretudo dos heróis da guerra do ar condicionado. Havia 4 grandes repartições militares em Bissau mas a 5ª, o Café Bento, era a mais famosa, porque era lá que paravam todos os "tugas" que estavam em (ou iam a) Bissau, gozar as "delícias do sistema".



Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > Praceta junto ao Forte da Amura (construção militar setecentista), por detrás do Zé da Amura, que fica na rua Capitão Barata Feio (hoje, Rua 24 de Setembro)... Confunde-se o Zé da Amura com o Café Bento (que ficava na Rua Tomás Ribeiro, hoje Rua António Nbana).

Fotos nº 5 a 8 (e legendas): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Bissau > 1998: O velho forte da Amura com os seus canhões de bronze

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Bissau > 2001>    Estrada para o aeroporto ,em Bissalanca. Agora, Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira. À esquerda,  o célebre mercado de Bandim, que ficava a sudoeste da  cidadezinha colonial de Bissau que nós conhecemos: primeiro o Chão de Papel e depois Bandim  (Vd. mapa do Google).

 Foto (e legendas): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Bissau >1998: A cidade de Bissau, vista do lado sudoeste; ao fundo, as duas torres da catedral de Bissau (que fica na Av Amílcar Cabral, antiga Av República, vd. mapa do Google)

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > s/d [. c 19690/70] > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa") (Detalhe). Colecção: Agostinho Gaspar / Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)

Agora a Praça chama-se Che Guevara (vd. mapa do Google)... e o antigo Hotel Portugal agora é Hotel  Kalliste...


1. Há quem lhe chame "saudosismo mórbido, doentio"...  Saudosismo ? Não gosto do termo... Não, não é saudades do "antigamente".  Hoje a Guiné-Bissau é um país independente e pertence à CPLP...  Há um passado que foi irredemediavelmente ultrapassado, pelos dois povos... Mas há também  uma convivência entre esses mesmos dois povos,  há uma história, um património material e imaterial... partilhado por ambos.

Já nada disto existe, a ser não na memória de alguns de nós...Existem as ruas, com outros nomes, existe a maior parte dos edifícios, uns em ruina, outros readaptados... Mas são memórias a que temos direito, aqueles de nós que por lá passámos, não só entre 1961 e 1974 mas depois, nas tais viagens de "saudade" (e não de "saudosismo")... São memórias dos lugares (*). São lugares, são paisagens, que não pertencem a ninguém...  São novas e velhas toponímias, não novas e velhas geografias emocionais...

As imagens de Lisboa ou de Bissau não pertencem a ninguém. As paisagens não pertencem a ninguém. Tal como as cores, os sabores. os cheiros... dos sítios por onde passamos.  Como a terra, que é de todos nós.  Um tsunami (de que Deus, Alá, Jeová e os bons irãs da Tabanca Grande, todos juntos, nos livrem!) pode destruir Lisboa ou Bissau. Mas as imagens, as memórias, essas, ficarão connosco enquanto formos vivos e enquanto existirem os seus suportes digitais: os nossos textos, as nossas fotos, os nossos documentos, este blogue, que não é mais do que um sítio, virtual, onde partilhamos memórias (e afetos), e que oxalá/enxalé/inshallah possa sobreviver-nos...

Adicionalmente, no poste P12980, pode-se ver alguns dos edifícios públicos, com interesse arquitetónico que por lá ficaram, em Bissau, e que é pena se os guineenses não cuidarem deles,  com a nossa ajuda (**)... Sabemos que os guineenses têm outras prioridades mais prementes, como o pão para a boca, o emprego, a saúde, a educção, a paz..., a estabilidade política e a normalidade democrática que, infelizmente, ainda não conseguiram alcançar, quase meio século depois da independência.
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Guiné 61/74 - P20314: Agenda cultural (710): Lançamento do livro "A Nossa Guerra: dois anos de muita luta, Guiné 1964/66", dos nossos camaradas Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira: Instituto de Ação Social das Forças Armadas, Oeiras, 6/11/2019, às 14h30. Apresentação de Beja Santos.


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segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20313: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte VIII: Fulacunda, usos e costumes... Lembro-me pelo menos de uma menina que foi a Bissau ao "fanado", e não voltou... Não havia, na época, preocupação de maior com a Mutilação Genital Feminina, por parte das autoridades. civis e militares


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  Lavadeiras... Mas aqui também, se praticava a Mutilação Genital Feminina, coisa que nunca preocupou nem Spínola nem Amílcar Cabral...

Foto (e legenda): ©  Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1/ CAC 7, 1969/71) > Parte VIII


[ Foto à esquerda: Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda]



Dentro da população, tínhamos o Alferes de 2ª linha, o Malan, que era um homem sensato e que tinha a habilidade de nos contar histórias/lendas do seu povo.


Recordo que alguns desses contos foram reproduzidos no boletim que a Companhia publicava quase mensalmente e que se chamava “O Boina Negra”. 

Entre muitos dos que colaboravam, estava na linha da frente o Alferes  Barbosa,  e eu próprio escrevi alguns artigos. Recordo-me também de reproduzir situações bem conhecidas do “Zé da Fisga”, na contracapa.

Ao fim da tarde, era frequente ver furriéis e soldados passearem pela Tabanca para gáudio dos miúdos que brincavam ao vento. 


Conhecíamos alguns hábitos e costumes destas gentes e entrávamos nas suas tabancas com alguma frequência apenas com a curiosidade de poder conhecer o seu “modus vivendi”. 

Sabíamos que era frequente terem várias mulheres, de acordo com as suas regras de vivência. O dono da morança dormia numa esteira no quarto que só a ele pertencia e os mais afortunados já tinham uma tarimba no seu quarto. As mulheres, normalmente, dormiam todas em outro quarto e ao chamamento do marido lá eram escolhidas para uma noite de acasalamento. 

Quando um homem pretendia casar com terceira mulher, já deveria ter quase sempre em mente o casamento com a quarta mulher,  o mais depressa possível. É que ter três mulheres em casa provoca um desequilíbrio grave pois uma delas virava quase sempre vítima das outras duas.  Até nesta forma de viver os Africanos tinham as suas regras de vivência pacífica.

Com condições de vida muito precárias, viviam de alguns trabalhos que emanavam do Comando da Companhia. Semeavam mancarra, amendoim, que frequentemente iam vender a Bissau, normalmente à Casa Gouveia, pertencente a (ou contratante de) o Grupo CUF.

Havia, também, outras vivências. Recordo de um ou dois casos de raparigas com os seus oito ou dez anos, terem ido a Bissau fazer a ablação do clitóris. Uma delas não voltou, porque, segundo se constou, não sobreviveu às infeções a que estavam expostas. 


Eram rituais da população que ao que sei, à época, as autoridades não dariam muita importância, assim como a circuncisão dos rapazes.

Hoje, sabemos que se está fazendo um esforço de sensibilização para se evitarem tais atos nefastos para a saúde das raparigas, futuras mulheres. Fazem-se leis, mas de difícil cumprimento porque a África é demasiado grande e os meios de comunicação demasiados lentos e escassos. Os costumes milenares levam sempre muito tempo a serem mudados ou erradicados.


Quando havia disponibilidade e sossego para isso, tinha grandes conversas agradáveis com o Comandante [da CCAV 2482]. 


Era um jovem Capitão, Oficial e Cavalheiro da Arma de cavalaria. Tinha um trato fácil e simpático. Era respeitado pelos seus Homens, por quem estes tinham e demonstravam ter uma estima como se de um protetor se tratasse.

Não me lembro de ordens ríspidas ou despropositadas. Era um “ranger” que também respeitava os seus Homens, embora quase todos a iniciarem a maioridade, que na época se alcançava aos 21 anos, a menos que ingressasse nas Forças Armadas com idade inferior. Hoje a maioridade é reconhecida aos 18 anos, mas de uma imaturidade que brada ao Altíssimo. 


(Continua)
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Guiné 61/74 - P20312: Notas de leitura (1233): “A Sociedade Civil e o Estado na Guiné-Bissau, Dinâmicas, Desafios e Perspetivas”, coordenação de Miguel Barros; Edições Corubal, 2014 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Este documento que contou com a coordenação de um dos mais promissores sociólogos guineenses, Miguel de Barros, ativista da democracia participativa, dá-nos um entendimento da fragilização do Estado, das mudanças ocorridas na sociedade civil após 1991, com o reconhecimento do multipartidarismo, fica-se com um quadro de referência de quem é quem na sociedade civil, quais as vulnerabilidades e até perversidades existentes no universo associativo, procede-se a recomendações e não se ilude que no quadro dos cenários se impõem três vias: um Estado funcional, uma sociedade civil forte e um sistema democrático viabilizado, um Estado frágil, uma sociedade civil dependente de um sistema democrático de fachada ou, mais grave ainda, um Estado disfuncional, uma sociedade civil fraca e um sistema democrático ameaçado.
Sem querermos ser patéticos, tudo se encaminha, insidiosamente, para a terceira hipótese.

Um abraço do
Mário


A sociedade civil guineense: ásperos tempos, esperanças enormes

Beja Santos

Miguel de Barros
A obra intitula-se “A Sociedade Civil e o Estado na Guiné-Bissau, Dinâmicas, Desafios e Perspetivas”, coordenação de Miguel Barros, Edições Corubal, 2014.

O autor é um dinâmico sociólogo, diretor executivo da ONG Tiniguena e autor de trabalhos relacionados com a sociedade civil, em dimensões como a segurança alimentar, a participação das mulheres na política, a juventude e as transformações sociais na Guiné-Bissau. Graças a um programa patrocinado pela União Europeia, cujo objetivo é contribuir para a consolidação da boa governação e o envolvimento dos atores não estatais, procede-se neste trabalho a um diagnóstico para identificar as organizações da sociedade civil, em particular organizações não-governamentais (sindicatos, associações de base, redes e plataformas, grupos temáticos), e procurar entender os desafios que se põem para que estes parceiros desenvolvam parcerias com todas as organizações dedicadas ao desenvolvimento da sociedade civil.

Primeiro, o ambiente de trabalho, a grave crise económica e social permanente, em que o Estado reduziu a sua intervenção em simultâneo com a perda de capacidade económica e do poder de compra das famílias. As convulsões político-militares, os golpes de Estado, a fragilidade governamental, o próprio Estado frágil acarretam crescimento negativo, empobrecimento, quebra nos indicadores de desenvolvimento humano. A sociedade civil iniciou um processo de autonomização com o definhamento do partido-Estado e o multipartidarismo, fenómenos contemporâneos do fim dos monopólios estatais e da omnipresença do Estado na esfera dos negócios.

Segundo, foi nesse contexto que cresceram as iniciativas de mobilização coletiva, brotaram as organizações não-governamentais, fenómeno a que não foi indiferente o aparecimento de fundos oriundos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, constelação social que revela aspetos muito positivos mas também perversos, por estarem independentes das agendas dos financiadores e dos programas.

Terceiro, importa não esquecer que a ideia da sociedade civil no contexto guineense não está forçosamente ligada nem à implantação das estruturas modernas do Estado colonial nem ao próprio colonialismo, investigadores de mérito já identificaram uma sequência cronológica desde o período pré-colonial que atesta a existência de movimentos e associações de cidadãos cujo campo de ação está da esfera do Estado. Um desses investigadores, Carlos Cardoso recorda que a sociedade civil guineense retira a sua força de várias fontes históricas, incluindo a evolução das relações e das alianças interétnicas, das estruturas sociais baseadas em classes de idade, dos sistemas de autoridade das aldeias, das formações socio-religiosas, etc. Mas o atual quadro das organizações da sociedade civil deve ser entendido pelo dado primordial da incapacidade do Estado em satisfazer as necessidades elementares das populações e de não estar presente em todo o território. Miguel de Barros enuncia o quadro jurídico-legal constituinte da sociedade civil guineense, releva os seus dilemas, paradoxos e desafios, mostra as suas debilidades, fenómenos de tendência autocrática, inexistência de recursos apropriados, excessiva burocratização do sistema de financiamento das organizações internacionais, falta de criação de atividades alternativas geradoras de rendimento, uma gama de vulnerabilidades, em suma, a que não escapam os sindicatos, as associações socioprofissionais, as organizações não-governamentais, as redes e plataformas, até as universidades e centros de pesquisa.

Quarto, nesta atmosfera, e de acordo com o diagnóstico efetuado mediante questionário e conversas presenciais com estes diferentes agentes sociais, o relatório propõe dinâmicas, rasga perspetivas. É observado na sequência dos imperativos da guerra civil, emergiu uma nova rede de solidariedade e de ajuda humanitária, estabeleceu-se um amplo movimento congregacional, e dão-se exemplos. Um deles é o Movimento da Sociedade Civil para a Democracia e Paz, albergando no seu seio um elevado número de organizações não-governamentais, sindicatos, igrejas, organizações de jovens e de mulheres; outro é a Célula das ONGs (CECRON) que surgiu no âmbito do apoio e canalização da ajuda humanitária aos deslocados da guerra. O desmantelamento do sistema económico-social pós-conflito levou a repensar o Estado e a sociedade civil. Instalou-se a UNIOGBIS, com o intuito de garantir a segurança às populações. Os partidos políticos tiveram que apresentar propostas com base de superação da fragilidade do Estado. A sociedade civil envolveu-se no campo político, proliferam plataformas, certas ONGs como AD – Ação para o Desenvolvimento ou TINIGUENA adquiriram credibilidade, mas o mesmo se pode dizer das organizações religiosas e de muitas associações comunitárias, caso dos grupos de Mandjuandades e no campo dos direitos humanos a Liga Guineense é o farol da vigilância e da denúncia.

Quinto, há que repensar o Estado e sociedade civil, esta tem vindo a caminhar de forma lenta mas positiva. A sociedade civil implica a limitação da intervenção estatal e a clarificação de áreas de intervenção. Interroga-se a insustentabilidade das ONG, e Miguel Barros defende que é preciso encontrar um novo empreendedorismo político e económico baseado no contrato social. 

“Isto quer dizer que a economia deve estar implantada numa sociedade civil mais ampla e que albergue as interações sociais baseadas em normas como a confiança, fiabilidade, capacidade para o compromisso com todos os atores sociais e um reconhecimento mútuo não violento. Para isso é fundamental a reforma do sistema político”.

Sexto, no tocante a recomendações, estratégias e cenários futuros, o documento aponta para a revisão e atualização do quadro legal que enquadra as organizações da sociedade civil, que se esclareça as formas de normalizar a contribuição do Estado para estas organizações e como estas se devem relacionar com o setor privado. Segundo o relatório, temos três cenários pela frente: o primeiro com um Estado funcional numa sociedade civil forte e um sistema democrático viabilizado, portanto um ambiente promissor para a transformação estrutural do país, das instituições públicas, da economia e da estabilidade política; um segundo caraterizado por um Estado frágil, uma sociedade civil dependente de um sistema democrático de fachada, no qual o país continuará a viver ciclos de instabilidade controlada; e por último, um Estado disfuncional, uma sociedade civil fraca e um sistema democrático ameaçado.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20298: Notas de leitura (1232): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (30) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20311: Memória dos lugares (396): Roteiro de Bissau Velha: ruas antigas e ruas atuais, onde se localizavam algumas casas comerciais do nosso tempo: café Bento, Zé da Amura, Pintosinho, Pinto Grande / Henrique Carvalho, Taufik Saad, António Augusto Esteves, Farmácia Moderna...


Mapa de parte da baixa da velha Bissau (colonial), entre a  Avenida da República (hoje, Av Amílcar Cabral) e a fortaleza da Amura.  A escuro, dois prédios que pertenciam a Nha Bijagó.  Fonte: António Estácio, em "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il.),


Guiné- Bissau > Bissau > c. 1975 > Novo mapa, pós-colonial, da capital da nova república, já com as novas designações das ruas, avenidas e praças, que vieram substituir o roteiro português: Av 3 de Agosto (,  Marginal), a Rua Guerra Mendes (, Rua Oliveira Salazar,)  Rua António Nbana (, Rua Tomás Ribeiro) . Veja-se a localização da Fortaleza da Amura, do porto do Pidjiguiti (para os barcos de pesca e de cabotagem), à esquerda do porto de Bissau (para os navios da marinha mercante).


Foto: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Às vezes temos dificuldade em localizar, no mapa de Bissau do nosso tempo (1961/74),  aquela casa comercial, aquele restaurante ou aquela cervejaria de que temos boas memórias... Faltam-nos um mapa com a toponímia do "antigamente", e a correspondência com os nomes das ruas e avenidas atuais... 

Com a ajuda de algumas camaradas que conhecem (ou conheceram) Bissau, aqui fica um pequeno contributo, parcelar,  para nos ajudar a localizar, com mais rigor, alguns desses estabelecimentos, alguns com várias referências do nosso blogue: por exemplo, ainda recentemente falámos aqui do comerciante António Augusto Esteves, fundador da Casa Esteves, transmontano, e que ainda ficou por lá depois da independência,  tendo ido para a Guiné  em 1922 e tendo morrido em Lisboa, em 1976...  [Tinha várias filiais no interior da Guiné. A sede era em Bissau, na antiga Rua Honório Barreto (6). ]

Segundo o António Estácio, no seu livro "Nha Bijagó", "a Rua Honório Barreto foi, na Guiné, a primeira a ser asfaltada e reabriu em 06.04.1953"...  Nesta rua, agora 19 de Setembro,  "encontravam-se estabelecimentos comerciais como, por exemplo, o de Augusto Pinto, a Olímpia Rocha (10), Barbearia Constantino (9), Casa Esteves (6),  Salgado & Tomé (11), Luís A. de Oliveira (12) e, mais tarde, parte o do Taufic Saad (4), na esquina com R Oliveira Salazar.

Na Rua Oliveira e na Marginal, ficavam as instalações da Ultramarina (que pertencia ao BNU) (14), o Hotel Miramar (15), a Gouveia (13)...

Na antiga Rua Miguel Bombarda (hoje 12 de Setembro), tínhamos o Zé da Amura (7),o Abel Dieb (19),  a Casa Escada (17), o Abel Valente de Oliveira (18), o Mamud Elaward (20). Sabemos também onde ficava o Benjamim Correia (16), ao pé da Farmácia Moderna (5), o Barbosa & Comandita (21) e a Esquadra da PSP (22)



Infelizmente o croqui que encontrámos num livrinho do António Estácio, só inclui a parte oriental da Bissau Velha,  entre a  Avenida da República (hoje, Av Amílcar Cabral) e a fortaleza da Amura (8). 

Aguardamos, por parte dos nossos leitores. o envio de sugestões e correções, sob a forma de comentários, na respetiva caixa. Se nos quiserem mandar fotos, terá que ser por email... (LG)


Zé da Amura (7)

(...) Tínhamos o Zé da Amura onde se comiam uns chispes que iam para lá enlatados não sei de onde, mas que, à falta de melhor, eram apreciados. (...)

Café Cervejaria Bento [ou 5ª Rep] (1)

(...) Na Avenida principal [ , a Av da República, hoje Av A,ílcar Cabral], que ía do porto ao Palácio do Governo, também havia o Bento, café e esplanada característica da cidade a que vulgarmente nós, os militares, chamávamos de “5ª Rep.” já que o Quartel-general [, na Amura,]nsó tinha 4 Rep, 4 Repartições.

(...) O comércio de Bissau não era constituído só por cafés, restaurantes e tascas. Havia de tudo. E há nomes que não se esquecem. Para além da Casa Gouveia, o maior empório daquele então Província Ultramarina, como então se dizia, a Casa Pintosinho, a Taufik Saad, a Costa Pinheiro, e muitas outras vendiam de tudo, são nomes que ficaram para sempre na memória.

(...) "Havia, claro, várias casas de fotografia, como por exemplo a Agfa, perto da Amura, que ganhavam muito dinheiro na medida em que era raro o militar que não tivesse comprado a sua Fujica, Pentax, Nicon, etc., a que davam muito uso. Muitas casas vendiam roupa barata, nessa altura já confeccionada em Macau, especialmente aquelas camisas de meia manga, calças de ganga e sapatos leves."


Casa Pintosinho (2)

(...) Na Guiné, mais propriamente em Bissau, fomos encontrar coisas boas no comércio. Uma surpresa! Logo ali na rua paralela à marginal [, ex-Rua Oliveira Salazar, hoje Rua  Guerra Mendes,] na Casa Pintosinho, havia as últimas novidades eletrónicas. Os melhores rádios, transistores, pick-ups, aparelhagens de som, máquinas de barbear e todo o mais. Akai e Pioneer era do mais reclamado e moderno. Estavam na moda.

Um rádio para pôr na mesinha de cabeceira era o que se pretendia mais. No mato, já a ventoinha, a 5 dedos da cara, ganhava bem aos rádios. Alguns compraram autênticos rádios de sala e andavam com eles debaixo do braço, como que a dizer que o meu é maior do que o teu, e os donos da música fossem eles; outros ficavam pelos mais pequenos (vulgo transístor) que se levava no bolso e para qualquer lado.

Um camarada comprou um rádio que se transformava em pick-up após uma ligeira articulação. Foi de abrir a boca. Na Casa Pintosinho comprei ali mais tarde um “Mitsubishi”. Este transístor andava em propaganda radiofónica local e assim andou durante bastante tempo. Seduzido por tanta propaganda fui lá buscar um mais tarde, quando passei por Bissau em trânsito para férias na metrópole. Boa compra, durou muitos anos e tocava dentro do carro como se fosse um auto-rádio. Uma relíquia, mesmo depois de deixar de tocar (os tombos foram muitos), posta fora inadvertidamente, para desespero meu.

A Casa Pintosinho era uma casa atualizada e a tropa era lá muito bem recebida e atendida. Pudera! Sargentos e Oficiais tinham manga de patacão. (...)

 Taufik Saad (4)

(...) Na mesma rua e mais para o lado da Amura, na loja Taufik Saad  [, foto à esquerda, ] comprava-se, principalmente, entre outras, louças decorativas, vulgo bibelots, louças de servir à mesa, faianças e porcelanas, louça fina, entre esta bonitos Serviços de chá e café que vinham da China. 

Louça “casca d’ovo “, louça de fina espessura para não fugir aquele nome, onde no fundo se podia ver recortada na própria louça o rosto de uma linda chinesa. 

Ainda hoje guardo um serviço destes. Era uma casa requintada ao nível das melhores de Lisboa. (...)

Anúncio, Revista de Turismo,
 jan/fev 1956

Casa Pintosinho, de António Pinto  (2)

(...) O anúncio que hoje divulgamos é de uma conhecida casa de Bissau, do nosso tempo, a Casa António Pinto, ou "Pintosinho", alegadamente a melhor e a mais moderna loja da província (, em 1956, já não se dizia, ou pelo menos, não se escrevia, colónia...).

O António Pinto, que ficava na Rua Dr. Oliveira Salazar [, hoje Rua Guerra Mendes,] tinha tudo, a começar pelas "últimas novidades", desde a ourivesaria às armas, munições e demais artigos de caça e desporto, par de rádios e máquinas fotográficas (como a Zeiss Ikon)...

Era o representante,na Guiné, de uma série de marcas famosas, desde os relógios "Longines" às máquinas de escrever "Hermes", além dos "whisk" (sic, em inglês, batedeira, utensílio de cozinha...) das melhores marcas (...)


Pinto Grande, depois Ernesto Carvalho (3)



(...) Guiné > Bissau > Anos 50 > Primeira rua [, Rua Oliveira Salazar,] a ser alcatroada em Bissau. O edifício à esquerda  era o estabelecimento comercial conhecido por Pinto Grande, irmão de um outro Pinto conhecido por “Pintosinho” [,o António Pinto, ] por ser (o estabelecimento) de menores dimensões.

O “Pinto Grande” [, de Augusto Pinto], embora continuando a ser chamado por esse nome, foi, durante a guerra, propriedade de um comerciante anteriormente estabelecido em Bolama, de nome Ernesto de Carvalho que o tomou de trespasse. (...)

Mário Dias

Anúncio, Revista de Turismo, jan/fev 1956
Farmácia Moderna (5)

(...) "O Rui Demba Djassi era um jovem activo e turbulento duma família de funcionários públicos, residente na então rua de S. Luzia, entre o estaleiro da Tecnil e o Quartel-General do CTIG, desertara do Eexército Português para o PAIGC com o posto de furriel miliciano, e, antes de assentar praça, fora cobrador da Farmácia Moderna, muito dedicado à Dr.ª Sofia Pombo Guerra, comunista portuguesa e uma das mães da independência da Guiné (os guineenses não deixaram de ser polígamos na política)" (...)




Guiné > Bissau > Fins de Setembro de 1967 >– Numa rua da Baixa, pobre, suja, velha, a cidade velha, penso ser na zona comercial, onde se localizava a Casa Pintosinho e a Taufik Saad e outras. Penso que estou metido num grupo de amigos, e alguém tirou a foto, acho que estou de camisa branca.

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > s/d [ c. 1960/70] > Rua Oliveira Salazar. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 135". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL).

Era nesta rua, na Bissau Velha, que ficava a Casa Pintosinho, a Taufik Saad,  a Casa Pinto Grande e outras. Colecção de postais da Guiné, do nosso camarada Agostinho Gaspar, natural do concelho de Leiria, ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74).

Digitalização e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).

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domingo, 3 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20310: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXX: Adelino Oliveira Nunes Duarte, cap inf (Castelo Branco, 1939 - Moçambique, 1970)





1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia). 

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

Morais da Silva foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar. É membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 784, desde 7 do corrente.

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20230: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXIX: Henrique Ferreira de Almeida, alf art (Sátão, 1947 - Guiné, Cabedu, 1968); pertenceu à CART 1689 / BART 1913.

Guiné 61/74 - P20309: Manuscritos (Luís Graça) (174): as cores quentes e frias do outono da Tabanca de Candoz - III (e última) Parte


















Marco de Canaveses > Paredes de Viadores >Candoz > Quinta de Candoz > 2 de novembro de 2019 > As cores "outonais"... Morte e renascimento da mãe-natureza,,,


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Estas são as cores, únicas,  do meio do Outono, cores quentes e frias...Mas também são únicas as cores do fim do Outono / princípio do Inverno... Gosto de as contemplar em dia de nevoeiro, com a manhã muito fria, altura em que ainda há folhas nos castanheiros e nos carvalhos... 

Mas já as videiras estão completamente despidas, quando em meados de  Dezembro se iniciar a poda, que pode prolongar-se até Fevereiro/Março... E já as pencas estão boas para apanhar: vão acompanhar, na ceia de Natal, o bacalhau lascudo... Oxalá haja geada, muita e boa, até lá... 

Na Tabanca de Candoz temos também alguns sobreiros, de folha perene...Crescem aqui a um ritmo de fazer inveja ao Alentejo...mas não dão cortiça de jeito.... Não se pode ter tudo. E eu desta vez, de canadiana numa das mãos e máquina fotográfica na outra, não fui lá ao cimo da terra cumprimentar o nosso belo sobreiro, que já é cinquentão.

Por enquanto delicio-.me com as cores quenres e frias do início de Novembro. Não as tinha na Guiné e faziam-me falta... Fizeram-me falta. Fazem-me falta todas as cores do arco-íris...

Esta é a terceira (e última) parte de um seleção de fotos que fiz no dia 2 de Novembro, dia de Finados, com chuva, sem sol, longe do meu mar...

Também me faz falta o mar...Como eu escrevi à Alice,"(...) Posso gostar das tuas montanhas  / e das tuas albufeiras / e das tuas florestas de castanheiros e carvalhos, / da gente rude e franca do teu Norte, / mas preciso de regressar ao meu Sul, / de vez em quando, / para respirar como as baleias" (...)

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