terça-feira, 5 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

Guiné > Zona leste > Subsector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2405 > 1970 > Construção de abrigos. À esquerda, o Al Mil Paulo Raposo. Foto: © Paulo Raposo (2006)


Guiné > 1968 > Mansoa > CCAÇ 2405 > Os Alf Mil Raposo e Felício, dois dos futuros baixinhos de Dulombi. Foto: © Paulo Raposo (2006)


Texto do Rui Felício, enviado por e-mail de 29 de Agosto de 2006:


Meu Caro Luis Graça,

Há longo tempo que não intervinha no teu blogue. Mas tenho lido com alguma frequência o que por lá vai aparecendo.

Aí vai mais uma estória engraçada (1) que publicarás se assim o entenderes.

Espero que o encontro sugerido pelo Paulo Raposo [no próximo mês de Outubro, em Montemor-O-Novo] se concretize. Vale a pena estar umas horas no agradável Hotel que ele possui em Montemor-O-Novo.

Um abraço

Rui Felício
Alf Mil, CCAÇ 2405 (1968/70),
Dulombi, Junho de 1970 (2)

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TRANSFERÊNCIA DE CARGA (ou a arte do desenrascanço que a tropa afinal nos ensinou)...


Daí a poucos dias íamos finalmente embarcar em Bissau no Carvalho Araújo para o ansiado regresso…

Tinhamos acabado de receber no Dulombi a Companhia de atónitos periquitos que, durante uma semana, iam ficar em sobreposição connosco.

Acolhemo-los com o aquele ar superior de guerreiros invencíveis, calejados pelos combates, a pele tisnada dos sóis tropicais, e além das costumadas praxes, meio inofensivas, que exercemos sobre eles, dedicámos-lhes, com a proverbial simpatia característica dos Baixinhos do Dulombi, um hino de recepção ao periquito que ainda hoje cantamos em todos os almoços anuais de comemoração que realizamos.

Fui eu o autor da letra (perdoem-me o orgulho ) que, em versos decassilábicos, procurava transmitir aos novatos o que era o dia a dia que os esperava nos confins do mato onde iriam passar dois anos.

O Alf Mil Rijo sacou dos seus dotes musicais até aí ocultos e plagiou uma música que se adaptasse à versalhada que em momento de suprema inspiração eu tinha produzido. É ele que hoje guarda religiosamente essa letra que eu, embora seu autor, não sou já capaz de reproduzir na íntegra (3).

...Mas urgia transferir o espólio da Companhia aos novos... Formou-se então uma equipa para conferir e entregar aos novos as cargas que oficialmente estavam a cargo da Companhia. E por parte dos periquitos procedeu-se de igual modo para as receber, assinando os respectivos recibos de quitação.

A mim e ao furriel Veiga coube-nos a tarefa, entre algumas outras mais simples, de entregar aos periquitos os materiais de construção que a nossa Companhia tinha (ou devia ter…) em armazém e que recebera com a exclusiva finalidade de serem usados na edificação de casas para a população que foi deslocada no âmbito do programa de reordenamentos.

No essencial, os materiais de construção a que me refiro eram constituídos por sacos de cimento, chapas de zinco, barrotes de madeira, pregos, ferramentas diversas, etc.

O problema é que os mapas de existências e de movimentação de stocks exibiam quantidades muito superiores (!!!) às que efectivamente existiam…

E eram mapas assinados pelo Capitão, pelo Sargento Silvano e por mim próprio, regularmente enviados superiormente para os Serviços de Adminsitração Militar em Bissau e, quiçá, em Lisboa.

Estava portanto fora de questão a sua falsificação!

A verdade é que, se os não entregássemos à nova Companhia e esta, como seria natural, se recusasse a ignorar as diferenças, isso redundaria por certo num demorado e complicado processo de inquérito para apuramento de responsbilidades, seguido de um outro de cariz disciplinar para punição dos responsáveis.

Resumindo: Uma grandessissima chatice a meia dúzia de dias do embarque!

Sei que vos baila no pensamento a natural pergunta:
- E como foram gastas tão significativas quantidades de materiais de construção, se não foram aplicadas na totalidade nos tais reordenamentos?

Os meu queridos amigos Vitor David e Paulo Raposo, ambos alferes dos Baixinhos do Dulombi, se estiverem a ler isto, são dos poucos que não fazem essa pergunta. O primeiro porque sabe o destino dos tais materiais em falta. O segundo porque foi ele mesmo quem lhes deu o (in)devido destino…

Fez ele bem, comento eu!

O Raposo, como já tive ocasião de dizer noutros escritos semelhantes a este, era uma pessoa desenrascada, que não abdicava do mínimo de conforto que as circunstâncias lhe permitissem.

Combater sim, mas confortavelmente, se possível…

Quando começámos a receber o cimento e as chapas de zinco em apreciáveis quantidades, destinadas ao reordenamento da população e também à construção de um heliporto, o Raposo, indiferente aos reparos do Capitão Jerónimo, mobilizou os seus soldados para cimentarem o seu abrigo e para revestirem o respectivo tecto, por baixo da terra que o cobria, com chapas de zinco na tentativa de o impermeabilizar às águas da chuvas que nos restantes abrigos inundavam por completo o interior.

Não seria, porém, na altura da transferência das cargas que iriamos falar disso. Era assunto tabu!

Importante era descortinar uma forma de entregar sem falhas os materiais que constavam dos papéis. Embora sabendo-se que já só existiam em pequena parte…

A noite é boa conselheira e em África acho que ainda mais. E por isso, quando acordei no dia seguinte já tinha mentalmente encontrado a solução.

Contando obviamente com a inexperiência do alferes periquito ( seja me desculpado tratá-lo assim, mas o seu nome já se me varreu…), que me iria assinar os recibos de quitação da entrega, libertando-me de responsabilidades.

Chamei o Veiga, furriel de transmissões e matosinhense muito vivo e desenrascado, e segredei-lhe:
- Oh Veiga, eu vou chamar o alferes periquito e começarei por lhe dizer que os materias de construção que lhe vamos entregar estão dispersos por variados lugares da tabanca.

E continuei:
- Depois digo-lhe que temos que ir anotando num caderno as quantidades que contarmos em cada um desses locais, somando tudo no final e conferindo com os mapas oficiais da Companhia.

Prossegui, perante o olhar atento do Veiga, que ia abanando a cabeça em sinal de assentimento:
- Para que as coisas resultem como eu quero, é necessário iniciarmos este trabalho à hora de maior calor, digamos que por volta da uma da tarde, a seguir ao almoço.

De sobrolho franzido, o Veiga interrompeu-me:
- Porquê? Não entendo o motivo…

Retorqui-lhe, sorrindo:
- Mais adiante você vai compreender!

E continuei, descrevendo o plano:
- Agora você pega em meia dúzia de soldados e manda carregar em cima de um Unimog os poucos sacos de cimento e chapas de zinco que temos fechadas na tabanca que serve de armazém improvisado.

Sem perder o folego, acrescentei:
- De seguida manda-os descarregar num sítio qualquer, de preferência meio escondidos entre as tabancas, por forma a não serem visíveis de longe, e depois vem me chamar à messe onde estarei com ele, para nos deslocarmos ao sítio onde você despejou os materiais.

E porsseguindo:
- Depois de anotarmos no tal caderno as quantidades que tivermos contado, e perante o insuportável calor que estaremos sentindo, eu convido-o a si e ao alferes a virem beber uma cerveja. Você inventará um desculpa e recusará o convite. Logo que eu e ele nos afastarmos, você volta a carregar os materiais e colocá-los-á noutro sítio da tabanca afastado daquele, enquanto o alferes periquito se encharca em cerveja para vencer o tórrido calor da uma da tarde…

O Veiga sorriu e interrompeu-me de novo:
- Agora entendo porque é que o meu alferes disse que mais adiante eu ia perceber a razão da hora do calor para se fazer este trabalho! O homem a cada caminhada que fizer não vai querer outra coisa senão abrigar-se do calor e matar a sede…

- Para mais, periquito transpira como o caraças!...

- ... Enquanto me dá tempo para eu mudar os materiais de um sitio para outro - concluiu o furriel com uma sonora gargalhada.

Epílogo

O alferes periquito sucumbiu ao truque. E encharcou-se com alguns litros de cerveja que eu magnanimamente lhe fui oferecendo ao longo daquela tarde.

Acho que nas últimas duas contagens ele já via tudo a dobrar, o que, se assim foi, acabou por me beneficiar nos cálculos finais…

Lamento dizê-lo mas há uma regra básica que o próprio exército nos ensinou: A tropa manda desenrascar…

Tenho a certeza que ele acabou por fazer algo parecido quando acabou a comissão.. e isso alivia-me os remorsos…

Sim, porque tenho muitas dúvidas que as existências das Companhias do mato alguma vez conferissem com os papéis que constavam das secretarias.

O resultado das contagens acabou por dar no seguinte:

(i) Os mesmos sacos de cimento foram contados 4 vezes;
(ii) As mesmas chapas de zinco, 5 vezes
(iii) Os mesmos pregos, 2 vezes


Tudo somado deu um total praticamente igual ao que constava nos papéis oficiais do Sargento Silvano.

E tudo acabou em bem!

Se isto fosse um romance côr de rosa e se em vez do alferes periquito eu estivesse a transferir as cargas para a enfermeira paraquedista Rosa, podia terminá-lo à laia dos filmes da década de 50:

... e casaram, foram muito felizes e procriaram belos e rechonchudos rebentos…

The End



Rui Felício
Ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2405 (1968/70)
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Notas de L.G.

(1) Estórias anteriores: vd posts de

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral

Vd. também post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1006: Estórias de Mansoa (1): 'Alfero, água num stá bom' (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(2) Vd. post de 7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1029: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (17): Dulombi

(3) Meu caro Rui: Ficamos à espera desses famosos versos...para que não se perca o Cancioneiro de Dulombi.

Guiné 63/74 - P1045: Pedido ao Joaquim Mexia Alves (Pel Caç Nat 52) para ajudar a desvendar o passado (Beja Santos)

E-mail do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Bambadinca e Missirá, 1968/70), datado de 30 de Agosto último:

Camaradas Luís e Joaquim:

Despedi-me do Pel Caç Nat 52 em Agosto de 70 e a partir daí só me interessei pelas pessoas e não pelo destino da unidade militar: era o mais terapêutico para quem estava a refazer a sua vida de alto a baixo.

Escrevi uma vez ao meu substituto, o Nelson Wahnon Reis (1), para lhe desejar as maiores felicidades, mesmo sabendo da existência de profundas tensões irreconciliáveis. Pelo blogue tive a felicidade de saber da existência do Joaquim Mexia Alves e de que o 52 fora para Mato de Cão em 72. Peço pois o favor de o Joaquim, dentro das suas possibilidades, me ajudar a ter uma ideia sobre a história do 52 entre 70 e 74: nos finais de 70, creio que o 52 foi para Fá e depois? Como é que chega a Mato de Cão? Porque é que se criou um destacamento em Mato de Cão (2), a guerrilha tornou-se intolerável?

Não consigo reconhecer o militar sentado na fotografia mas não me é estranho o rosto do soldado que está de pé. Há mais fotografias dessa época, nomes que partiram e nomes que chegaram? Agradeço toda a ajuda.

Outra coisa: o Joaquim que não se preocupe das datas que estão na bruma da memória. Creio que é profiláctico não nos recordarmos de toda a gente, nem de todas as circunstâncias dos eventos e respectivas datas. Há pessoas que não nos marcam a existência ou marcando ficam imprevistamente ao lado. Descubro agora nesta viagem ao diário de 26 meses que passei na Guiné que houve seres humanos com quem partilhei o sofrimento e pesadas responsabilidades que já não existem no meu coração. O fenómeno é seguramente natural, pois evoluímos transformando em matéria viva a aprendizagem do que amamos. E ponto final nesta conversa perfeitamente subjectiva. Abraços do Tigre.

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Notas de L.G.

(1) V. post de 4 de aGOSTO DE 2006 > Guiné 63/74 - P1024: Pel Caç Nat 52, destacamento de Mato Cão (Joaquim Mexia Alves)

(2) o Jorge Cabral assegura que o destacamento do Mato Cão foi inaugurado pelo Pel Caç Nat 63, "já após a minha saída (em meados de 1971)": vd. post de 4 de Agposto de 2 006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

Por sua vez, o Joaquim Mexia Alves assevera que "o Pel Caç Nat 52 esteve largo tempo em Mato Cão, chegou comigo, salvo o erro, um mês ou dois antes do Natal de 72 e por lá foi ficando ao longo de 73": vd. post de 29 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1039: O Pel Caç Nat 52 no Mato Cão (Joaquim Mexia Alves) .

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1044: Estórias do Zé Teixeira (12): As vitaminas abortivas (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mais uma estória do nosso camarada José Teixeira (Ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70)


As vitaminas que provocaram um aborto


Em Empada uma das coisas mais gostosas que a tropa gostava de fazer era ir até à fonte apreciar as bajudas no banho... À falta de melhor e com um bocadinho de sorte aparecia uma ou outra que vestia apenas o fato que a mãe lhe tinha dado ao nascer. Para alguns camaradas virgens aquilo era sopa da boa.

A Fátma - mais uma das muitas Fátmas que conheci na Guiné - abeirou-se de mim:
- Fermero parte quinino pra matá minino que na tem na bariga !
- Como ?
- Minha tio brinca e faz minino na bariga di mim. Tem pacensa, parte quinino !
- Quinino ká tem, vai na mudjer grandi, ele trata di ti.
- Nega mesmo, mudjer grandi ká na tem quinino. Tu tem quinino.
- Olha vou pensar nisso, passa amanhã pela enfermaria.
- Tem de ser hodje. Parte quinino.


Seguiu-me até à enfermaria e eu sem saber o que fazer para afastar a chata, que ainda por cima era daquelas poucas feias que por lá apareciam e de quem todos nós nos afastávamos.

Bem, para grandes males grandes remédios. Se estava grávida, nada como lhe dar uns comprimidos de vitaminas. Mal não faziam. Talvez o milagre se desse...

Quinze dias depois, lá fui eu até à fonte passar um pouco de tempo e treinar uns apalpos, nem sempre bem sucedidos, quando a Fátma aparece.
- Estou tramado, aí vem a chata…

Qual quê! Ao ver-me, desata a correr para mim toda contente.
- Fermero minino na vai. “Coisa” (1) na tchega mesmo. Tu bom pessoal.


Ganhei mais uma amiga e juntei à fama de curandeiro e milagreiro, mais uma: a de aborteiro...

Zé Teixeira
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(1) Menstruação

Guiné 63/74 - P1043: Estórias do Zé Teixeira (11): O camarada embalsamador amador (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

O embalsamador amador, por Zé Teixeira (Ex-1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70)

Conheci em Buba um camarada de Vila do Conde que se dedicava a embalsamar pássaros. Procurei saber que produto químico usava. O químico era formol, produto letal, logo perigoso. Decidi requisitar um frasquinho ao Laboratório Militar e estranhamente fui atendido.

Então cacei um pássaro daqueles muito pequeninos que aparecem aos milhões e são muito coloridos. Enfiei-lhe o formol e o gajo esticou o pernil, e ficou em conserva. Mais uma arte do fermero. Encantar passarinhos que não fugiam quando os putos o tentavam assustar.

Durante cerca de quinze dias, logo de manhã lá o punha num ramo de árvore junto à enfermaria em Chamarra. Até que apareceu um gato e... záz.

O pobre passarito apareceu dois dias depois, em mísero estado de conservação, pois o gato perdeu o apetite e limitou-se a brincar com o gajo.

Valeu pelo funeral que lhe fiz com toda a pequenada.

José Teixeira
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Nota do edito

Último poste da série > Guiné 63/74 - P1042: Estórias do Zé Teixeira (10): camaleões, putos e cobras (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 63/74 - P1042: Estórias do Zé Teixeira (10): camaleões, putos e cobras (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Mensagem do Zé Teixeira, com data de 7 de Agosto:

Eih, Luís.
Nem em férias descansas e deixas de pensar no blogue ? Então aí vão algumas estórias para tempo de férias.

Um abraço e continuação de boas férias

Zé Teixeira

(Ex-1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70)




Vivências num país em guerra – pequenas estórias para tempo de férias

Conheci e vivi histórias engraçadas.

Periquitos (pássaros e não militares recém chegados ao teatro de guerra) a quem se cortava o bico ou se desafiava a picar a chama do cigarro para ganharem medo e não picarem o proprietário e os amigos e que se tornavam uma paixão assolapada do seu dono, chegando a gerar conflitos entre camaradas; macacos saguins ao ombro, e, ai de quem se aproximasse ou fizesse um gesto de agressão ao patrão: tinha o macaco à perna; cães amestrados como o parafuso que corria atrás de um arco, metia a cabeça e trazia-o de volta pendurado no pescoço; embalsamadores de passarinhos que os punham em exposição na caserna e depois vinha um gato atrevido e...zás!

Agora segue-se uma sobre a minha pequena colecção de camaleões.

Comecei por passar horas a observar as diversas camisas que vestiam ao mudar de ambiente.

Achei imensa graça e cacei uma meia dúzia. Amarrei-lhes uma linha de costura a uma pata e prendi-os a um pau junto a um charco. Durante alguns dias, foram a minha distracção e a alegria da pequenada. Divertíamo-nos a apreciar as cores que tomavam face ao local onde se encontravam e sobretudo à sua capacidade de caçar insectos e formigas com a grande língua bifurcada.

Foram baptizados um a um, pelo seu tamanho, já que quanto a cores ou outros pormenores... tinham sido criados segundo o mesmo modelo de série e mudavam de camisa enquanto diabo esfregava um olho. Era um espectáculo.

Os putos tinham medo de pegar neles, pois que na sua defesa bufavam e assustavam os miúdos.

Faziam-se apostas sobre qual o mais rápido a apanhar a mosca ou insecto que aparecesse. Buscavam-se folhas e cascas e árvores, pedregulhos e outros adereços para provocar a sua mudança de cor. Até que apareceu, possivelmente, uma cobra e...teve um lauto banquete.

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)

Mensagem do Jorge Cabral, datada de 16 de Agosto de 2006:


Amigo Luis,

Conheci mal o Pimbas, conheci mal o Corte-Real, conheci mal o Magalhães Filipe, e ainda bem...

Parece que eram todos bons homens, ex-professores, que ao fim de trinta anos de carreira, haviam descoberto não ter vocação militar...

É necessário distinguir, entre a tropa miliciana, civís militarizados à força, e investidos em funções para as quais não estavam preparados, e os profissionais, designadamente os Oficiais Superiores.

Comandar um Batalhão exigia possuir qualidades de liderança, determinação e coragem, que a não existirem, deviam ter impedido a Promoção. Sabemos todos, e alguns pelas piores razões, que assim não sucedeu.

Talvez quem me conheceu e conhece, me possa considerar preconceituoso, dada a minha postura 200% paisana e anti-militar, mas sei que muitos viram, sentiram e sofreram, as prepotentes arrogâncias, os ocos autoritarismos e as criminosas incompetências.
Felizmente que consegui passar a comissão afastado da hierarquia, a qual imbuída de um espírito de casta, não compreendeu muitas vezes, que já não estava numa qualquer Unidade da Metrópole, mas sim em África e na Guerra. Aliás, tendo sido convidado em Julho de 1970 para ir para Bolama, dar instrução, recusei, precisamente por não querer integrar-me num Quartel "normal"...

Reitero o que já escrevi, sobre os quatro Comandantes de Batalhão de Bambadinca, meus contemporâneos - apenas o Polidoro me mereceu consideração, embora desconheça se gostava de ópera ou se alguma vez foi professor...

Continuação de Boas Férias, Amigo
... e desculpa lá, mas mesmo velho ou talvez por isso, não posso branquear a Verdade (a minha).

Grande, Grande Abraço
para ti, Camarada!

Jorge

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1040: Hola, desde España pasando por Bafata (Felix Perales)

Simpática mensagem, datada de 25 de Agosto último, que me foi enviada por um cooperante espanhol, Felix Perales, a quem agradeço, em meu nome e em nome dos restantes amigos e camaradas de tertúlia, as palavras bonitas, simpáticas e solidárias que diz a nosso respeitpo e a respeito da 'nossa' Guiné. Esta é uma das muitas mensagens que estão na minha caixa de correio, que abri hoje, de passagem por Lisboa, e ainda em férias até início de Setembro. L.G.

Hola, le escribe Felix Perales, miembro de una asociacion llamada SILO, que en Mandiga, de Gambasse, significa Camino... Y eso es lo que estamos intentando hacer en el Bairro de Nema en Bafata en la tabanca de Gambasse, Dembamje, Sara-Meta, Priams donde hemos hecho unos jardines de infancia y un dispensario medico en Gambasse, ademas de asociacion de mulleres agricultoras..

Esto era un pequeña introduccion para que viera vds. lo que nos une y espor lo que he leido en su pagina el amor a Guinee con todas suscontradicciones que tiene el pais... Pero aun asi se le quiere y ellos nosquieren, porque una cosa que constatas al menos en las tabancas es que todos dicen que se vivia mejor con los portugueses como tambien pasaba en Guinea Ecuatorial antigua colonia [española] y que tambien estuve alli y pude constatar...

Bueno el motivo de escribirle es muy simple, solo darle las gracias por haber hecho la pagina por ver los mapas tan detallados... Es algo que a me ha emocionado ya que no es facil encontrar documentacion sobre Guinee Bissau y menos sobre la region de Bafata....Nada mas y disculpe mi atrevimiento de escribirle...y espero que algun dia podamos coincidir en Gambasse o Bafata y podamos charlar un abrazo y graciasde nuevo

Felix Perales

Guiné 63/74 - P1039: O Pel Caç Nat 52 no Mato Cão (Joaquim Mexia Alves)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > O Alf Mil Joaquim Mexia Alves, pousando com um babuíno (macaco-cão) mais o Braima Candé (em primeiro plano), tendo na segunda fila, de pé, o seu impedido, o Mamadu, ladeado pelo Manga Turé.

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006)


Mensagem do Joaquim Mexia Alves, de 4 de Agosto último:

Caro Luís Graça:

Espero que as férias estejam a correr bem, embora a gente não te dê descanso.

Guarda as histórias para quando as férias acabarem, mas como tu - tal como nós - gostas disto, acaba por ser um trabalho agradável, desde que não seja vivido como uma obrigação, tal como eu acredito que para ti não é.

Com efeito, para esclarecer o Beja Santos (1), o Pel Caç Nat 52 esteve largo tempo em Mato Cão, chegou comigo, salvo o erro, um mês ou dois antes do Natal de 72 e por lá foi ficando ao longo de 73.

Eu fui para a CCAÇ 15 em meados desse ano de 1973 e o Pelotão ainda lá ficou.

Quando acabares as férias, contarei estas andanças.

É interessante notar em mim, que tendo eu a chamada memória de elefante, para a minha vida passada, o período da Guiné não é preciso, e tenho muitas vezes de fazer um grande esforço para recordar com alguma precisão as coisas que por lá se passaram. As datas então são quase impossiveis de confirmar na minha memória.

Enfim, fenómenos da natureza do homem.

Abraço do
Joaquim Mexia Alves (2)

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1024: Pel Caç Nat 52, destacamento de Mato Cão (Joaquim Mexia Alves)

(2) O Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, durante o período de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, pertenceu às seguintes unidades:

(i) CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas);

(ii) Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Undunduma, Mato Cão); e, por fim,

(iii) CCAÇ 15 (Mansoa ).

sábado, 19 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1038: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (6): Entre o Geba e o Oio, falando do Saiegh e dos meus livros

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Cuor > Missirá > S/d > O comandante do Pel Cacç Nat 52, Alf Mil Beja Santos, dirige a construção dos abrigos.

Foto: © Beja Santos (2006)


Amigos e camaradas: O Tigre de Missirá volta a atacar... Regressado de férias, mandou-me, com data de 18 de Agosto, mais um texto com as suas memórias das terras do Cuor. Eu continuo de férias, na terras do oeste estremenho, a caminho, no próximo domingo, do Norte, do Porto e do Marco de Canaveses. De vez em quando tenho acesso à Net, e já inseri, roubando alguns minutos às horas sagradas das férias, alguns dos textos e mensagens da malta da nossa tertúlia, que estavam em atraso. Infelizmenet não tenho aqui acesso a fotos (novas) que o Beja Santos me mandou para enriquecer o nosso já fabuloso álbum. Numa delas aparace o furriel Saiegh, aqui evocado, no post que hoje insiro. Fica essa foto para divulgação em Setembro. Até um dia destes. Bom regresso ao trabalho ou boa continuaçãod e férias para os amigos e camaradas de tertúlia. L.G.


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Entre o Geba e o Oio

Beja Santos

A 5 de Agosto de 1968, levanto-me com a primeira luz, estonteado por não ter dormido. A minha preocupação é identificar a geografia desta guerra em Missirá e Finete. Para quem me está a ler e não vai consultar o respectivo mapa, o Cuor que eu a partir de hoje vou conhecer tem duas povoações onde se hasteia a bandeira portuguesa e no seu interior, sobretudo na região de Madina/Belel, estão os guerrilheiros (1).

Para quem nunca foi à Guiné, as distâncias que a carta marca são precisas mas a realidade alterou profundamente essa relação na marcha sobre o terreno. É que o mato cresceu por toda a parte, tirando meia dúzia de picadores experimentados atravessar rios, como os de Gambana ou de Daganã ou Queba Jilã ou Passa podem ser dificuldades intransponíveis ou fatais.

O Furriel Saiegh veio fazer-me companhia, tomamos um café horrível enquanto nos debruçamos sobre a carta. Pergunto-lhe por onde anda o inimigo, do lado do Geba. Ele responde que por vezes há indícios da sua presença sobretudo na estrada de Mato de Cão. Continuo a fazer perguntas e ele propõe-me que façamos um patrulhamento a Aldeia de Cuor.

O reconhecimento dá-me a percepção de que não teria havido nos últimos anos a preocupação de vigiar os possíveis itinerários usados pelos guerrilheiros junto ao rio, do lado de Badora. Como a experiência demonstrará, o PAIGC tinha adoptado a estratégia de nos intimidar sem asfixiar: de vez em quando uns tiros de obus e morteiro sobre Missirá, uns raptos de população civil em Finete, umas fogueiras nas bolanhas secas para se saber quem mandava no interior do mato, umas balas abandonadas ao descaso.

Até à Aldeia de Cuor, nada a assinalar: o capim cresceu naturalmente, as ruínas da destilaria erguem-se como um espectro intocado, não há um mínimo de presença humana. E regressamos a Missirá 6 horas depois. Volto a perguntar a Saiegh que outros patrulhamentos têm feito nesta área. Sinto no seu olhar uma sobrançaria de quem se sente beliscado por ter de dar contas: “É a primeira vez que alguém põe em causa o meu trabalho”. Clarifico que pretendo apurar a realidade dos factos e que não estou a emitir juízos de valor. Mal sabia eu que era o primeiro sinal de um conflito entre a autoridade cessante e a emergente.

Saiegh na véspera, depois do jantar, dera-me um sinal de cortesia levando-se ao seu abrigo para bebermos um uísque. Olhando à volta do seu ambiente privado, vi frascos que me lembraram aqueles que se encontram nos laboratórios de biologia. Vendo-me intrigado, sopesando as palavras mas atirando-as a frio, esclareceu-me:
- São restos dos meus despojos. Aproveito sobretudo orelhas.

Aclarei a voz e fui cortante:
- Saiegh, ainda nada sei desta guerra, mas asseguro-lhe que a partir de hoje não haverá despojos humanos, nem relíquias nem troféus. Não trago ódios nem os vou despertar. Recordo-lhe que esta disposição é irrevogável.

Os olhos de Saiegh cuspiram fogo, mas ele conteve a dimensão da chama. Com o tempo, virei a saber que este descendente de sírio-libaneses também se movia por razões raciais, independentemente dos seus interesses económicos têm sido profundamente afectados pela luta de guerrilhas. O nosso conflito estava armado, mas passados estes anos todos reconheço que ele me deu uma colaboração exemplar, apagando-se progressivamente do mando e da decisão militar. Irei chorar amargamente no dia em que soube do seu fuzilamento (2).

A limpeza da morança onde vou habitar já começou. Durante a tarde, depois de ter percorrido a pé o caminho entre Missirá e a fonte de abastecimento de água e o lavadouro onde as mulheres cantam, abro as minhas malas para contemplar livros e discos. Folheio algumas obras que, mal sabia eu, décadas depois ainda serão companheiras indefectíveis: por exemplo, “Rebeca” por Daphne Du Maurier, “O Terceiro Homem” por Graham Greene e “Kaputt” por Curzio Malaparte. Trouxe comigo os livros mais representativos da minha formação, está ali todo o meu investimento de economias e presentes de entes queridos.

Estas centenas de livros irão ficar reduzidas a cinzas, em Março do ano seguinte. No entanto, a sua importância é indelével, e quase que posso justificar caso a caso a sua importância na minha postura cultural. Cito “O Terceiro Homem” de Graham Greene. Não é certamente o título mais representativo deste grande escritor britânico (pessoalmente prefiro “O Mistério do Medo” e “O Nosso Homem em Havana”) mas ensinou-me que um relato pode ser enunciado a várias vozes, em vários tons, sobrepondo protagonistas, e que tal estrutura pode constituir uma potencial riqueza no florilégio literário. “O Terceiro Homem” tem vários relatores, o que adensa magistralmente a intriga e torna ainda mais plausível o cenário de incerteza de um enredo de espionagem e corrupção passado em Viena, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Folheio hoje “O Terceiro Homem” recordando o sonho que tive aos 18 anos quando pensei que ia ser um escritor de ficção.

Estes livros, e os que se seguirão, são companheiros fabulosos e tem pouco sentido repetir aqui todos os elogios sobre a leitura. Ainda hoje leio disciplinadamente de 2 a 4 horas por dia, entre clássicos e uma vanguarda que será joeirada na próxima geração.

Mas é bom dar livre curso à saudade daquelas caixas de livros que me preparam para a vida e para aguentar a brutalidade da guerra, ora no seu início. Nas semanas que se vão seguir , vou descobrir três coisas: tenho um quartel para reconstruir, introduzindo-lhe segurança e algum conforto; os patrulhamentos a Mato Cão são diários, e por vezes a dobrar; vou ter poucas ilusões, logo após a descoberta dos trilhos dos guerrilheiros em quatro pontos estratégicos do rio Geba, sobre a paz flexível que se instalara no Cuor. O primeiro sinal vai chegar no início de Setembro, com uma flagelação nocturna devastadora. A medição de forças vai começar.


____________

Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1021: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (4): A minha paixão pelo Cuor

(...)"No dia 3 de Agosto de 1968, o Capitão Lester Henriques, oficial de operações do Batalhão de Bambadinca, explicou-me a minha missão no regulado do Cuor:- Precisamos de si para manter o Geba navegável. A partir de Bambadinca, o Geba é intransitável já que qualquer embarcação ficará destruída por um RPG2 que dispare a três metros de distância. Você comandará Finete, tem lá um pelotão de milícias e cerca de 150 almas. A sua missão é aguentar a todo o custo Missirá, em frente a três santuários do PAIGC: Madina/Belel, Sara e Sarauol. Em Missirá tem um pelotão de caçadores nativos e um pelotão de mílicias. Não tem electricidade no quartel, aviso-o que não tem nenhum conforto à sua espera, à volta de Missirá é terra de ninguém e estamos em crer que vem muita gente do PAIGC a Badora à procura de alimentos. Das informações que disponho, você vai comandar alguns dos melhores soldados do mundo. Desejo-lhe as maiores felicidades. E acautele-se com as minas" (...)

(2) Vd. post de 23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

Vd. também o meu post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1037: Não cuspir no rancho, mas RDM... nunca mais ! (João Tunes)

Guiné > Região de Tombali > Cacine > 1970 > O Alf Mil Transmissões João Tunes . Legenda do fotógrafo: "Em Cacine, Sul da Guiné-Bissau, Maio de 1970, a meio da comissão na guerra colonial. Faltavam três meses para a Catarina nascer".
Foto: © João Tunes (2006) (com a devida vénia, do blogue do João Tunes, Água Lisa (6) > post de 2 de Agosto de 2006 > Foi no stress, não foi ?) (1)


Resposta do João Tunes, de 28 de Julho de 2006, ao comentário do Joaquim Mexia Alves, inserido no post anterior (P1036, com data de hoje):

Caro camarada Mexia Alves:

Mas porque raio havíamos de estar de acordo seja no que for? O direito de que não abro mão de discordar daquilo que discordo, implica o dever do total respeito para quem discorda de mim. É assim que me tenho sentido na nossa Tertúlia - dizer livremente o que penso e sinto, desde que com respeito pelos outros e pela verdade percebida, dever a que julgo nunca ter faltado, respeitando com absoluto fair-play e bonomia as opiniões divergentes, diferentes, até opostas, de outros camaradas.

Em nada me belisca a diferença, pois só tenho uma cabeça e não sou dono de qualquer uma outra que assente noutros ombros. Assim tenho feito com posições de outros camaradas sobre a forma como sedimentaram a memória da guerra, muitas vezes nas antípodas da forma como eu as sedimentei.

Não sendo para me gabar, julgo que dei um pouquinho do meu canastro para que houvesse liberdade no nosso país. Seria cuspir no rancho, agora não me reconhecer e não reconhecer a todos o pleno e livre direito de concordarem ou discordarem no quer que seja. Desde que se esteja de boa fé, defendo que tudo se deve permitir e que a única coisa que deve ser proibida é proibir. E ... RDM, nunca mais!

Sobre as questões que colocas (descolonização, fuzilamentos dos guineenses que serviram no exército colonial) percebo e respeito os teus pontos de vista. Não os rebato. Por uma simples razão - para estes peditórios já dei em substância noutras abordagens feitas tempos atrás no blogue. Não vou repisar e muito menos polemizar.

Só uma nota: o meu texto que o blogue transcreve e tu comentas foi escrito e publicado na Net em 2004 (antes do blogue-fora-nada e quando eu curtia solitariamente o meu cacimbo). Disse e está no post de introdução à sua republicação no blogue, que hoje não escreveria da mesma forma (a catarse vai fazendo a cura) mas resolvi conservar a sua redacção inicial só porque, assim, o cacimbo se notava mais. Se calhar, fiz mal, admito. Mas a um camarada nem tudo se perdoa?

Sou um admirador dos teus textos que julgo vieram enriquecer e muito o blogue. Obrigado por isso. Grande abraço para ti. Outros iguais para os restantes camaradas. Manda sempre. Mandem sempre.

João Tunes
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1020: Stress pós ou pré-traumático ? (João Tunes)

Guiné 63/74 - P1036: A propósito do aspirante Barros e do 'crime' da descolonização, na evocação do João Tunes (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, datada de 28 de Julho de 2006:

Caro Luís Graça:

Li o Post do João Tunes (1) e recordei essa história do aspirante que ainda se contava quando estive na Guiné.

Tinham-me contado no entanto que o Caco tinha, embora chateado, gostado da resposta do Aspirante.

Pelos vistos não foi assim.

O João Tunes fala no fim do seu post daqueles que clamam contra o crime da descolonização, e penso eu que se refere obviamente aos políticos que hoje em dia se querem aproveitar de algo que nem sequer conheceram ou se baldaram a conhecer.

Porque eu sou muito contra o crime da descolonização, não a dita cuja, mas a forma como foi feita, pois segundo relatos que me foram feitos, e aliás alguns confirmados em postes aqui colocados, muitos daqueles, Guineenses, Angolanos, Moçambicanos, que comdateram connosco, alguns até que nos salvaram algumas vezes de morrermos ou ficarmos feridos, acabaram mortos, fuzilados, etc e segundo sei quando ainda não tinham acontecido as Independências.

Devo dizer aliás, que esse é o assunto que mais me incomoda e dói em toda a história da Guerra do Ultramar e que como Português me envergonho do modo como o meu País tratou aqueles que o serviram e aqui estou a pensar também naqueles que aqui no Continente ainda precisam de ajuda, sobretudo talvez psicológica, e não a têm.

Repito, caro Luis Graça, que este é um assunto que ainda me traz lágrimas aos olhos, lembrar-me dos meus camaradas do Pel Caç Nat 52 e da CCaç 15.

Perdoa, porque o assunto não é o melhor para começares as férias, mas senti necessidade de desabafar.

Boas férias, bem merecidas e se passares por estes lados telefona.

Abraço
Joaquim Mexia Alves

2. Comentário de L.G.:

Mexias Alves: Comigo não há tabus, podes sempre falar de tudo... A liberdade de pensamento, de expressão e de opinião é como o oxigénio: sem isso morreríamos asfixiados na nossa caserna.... Bom fim de semana.
____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1003: Eu, cacimbado, me confesso (João Tunes)(II): tirem-me daqui!


(...) "Uma vez, o General Spínola visitou um quartel onde estava o Aspirante Barros e quis conhecê-lo. O Barros apareceu mal amanhado e com olhar ausente. Spínola disparou a censura:- Você não tem vergonha de ser o único Aspirante na Guiné?

"O Barros concentrou-se, olhou Spínola de frente e disse mansamente:- Estamos em igualdade, o senhor, que eu saiba, é o único General na Guiné.

"Puseram o Barros numa prisão em Bissau por ter insultado o General" (...).

(...) "Não voltei a ver o Barros. Mas, volta e meio, o Barros entra-me pela memória dentro. E então, a raiva, ai a raiva, a raiva aos que alimentam guerras, faz-me um nó na boca do estômago. Não sei sequer se está vivo, onde está e o que faz o meu antigo camarada e companheiro de quarto. Espero bem que não ande a passear, sem olhar, sem falar, sem ler e a gritar TIREM-ME DAQUI!, ouvindo os palermas saudosistas do Império a clamarem contra o crime da descolonização e caçarem votos aos ex-combatentes. Porque esses merdosos não valem um caracol ao pé do Barros. Desejo sinceramente que o Barros esteja recuperado e a discutir Sócrates e Platão. Algures. Em paz".

Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)

Foto: © Paulo Raposo (2006)

Mensagem do Paulo Raposo, datada de 31 de Julho de 2006:

Meu caro Luís Graça:

O meu cripto está de férias, foi para águas para o Cartaxo. É coisa para estar sempre com uma cadela. Não sei como o fígado dele aguenta.

És capaz de re-enviar este rádio em claro ao baixinho do Beja Santos ?

Olá, rapaz:

Leio com gosto os teus escritos, escreves muito bem e com muita amizade para com todos, o que me agrada muitissimo. Bem Hajas.

Depois de sair de Mafra fui para o extinto BC 8 em Elvas, como comandantes estavam o Pimbas e a Alzira (1).

De lá seguimos para Abrantes para formar o Batalhão [de Caçadores] 2852 e depois Guiné (2).

Só tenho boas recordações deles. Ainda serão vivos ? Bem espero. O Pimbas nasceu para ser professor, nunca um militar. Na casa comercial que era do meu Pai, na Rua da Prata, Casa dos Pneus, cruzei-me com ele. Falámos, estava ele na altura no tribunal, em Santa Clara.

O Payne, ao que ouvi dizer, já morreu. O Trigo de Sousa, outro médico que esteve comnosco na Guiné e também era do foro psico, está neste momento no mesmo ramo em Évora nos canaviais.
[Alferes] Augusto e Calado: Recordo-me bem deles. Qual era a especialidade de um e outro?

E tu, rapaz, como estás? Eu estou velho e pesado. 4 filhos, 5 netos. Minha filha casou na semana passada com os seus 22 anos. Estava tão feliz. Já estou na idade de repetir a mesma história montes de vezes.

The best is yet to come.

Um quebra-costelas para ti do

Paulo Lage Raposo
Caçanho da 2405

______________

Notas de L.G.


(1) Vd. posts de:

12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (1): Mafra

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (2): Aspirante em Elvas, Tancos e Abrantes

19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (3): De Santa Margarida ao Uíge

(...) "A largada foi terrível. O barco a afastar-se do cais é muito doloroso para nós, com as carpideiras que para lá eram enviadas, para nos desmoralizarem ainda mais.

"Depois do navio largar e passar S. Julião da Barra, fomos para o bar à espera que nos chamassem para o almoço.

"O Major Branco, que comandava interinamente o nosso Batalhão [o BCAÇ 2852], uma vez que o nosso Comandante, Ten. Cor. Pimentel Bastos, já tinha seguido de avião, perguntou ao nosso Capitão:- Embarcaram todos os rapazes?O Capitão respondeu de imediato:- Sim, sim, meu Comandante.

"Ele sabia lá!" (...)

(2) Vd. post de 1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )
Sobre o primeiro comandante do BCAÇ 2852, o tenente-coronel Pimentel Bastos, vd ainda os seguintes posts da minha autoria:
Também o Jorge Cabral escreveu recentemente um apontamento sobre este controverso militar:

Guiné 63/74 - P1034: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (18): O fim da comissão

Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > O Alf Mil Raposo, mais o seu grupo de combate, atravessando uma bolanha, no início da sua comissão.

Foto: © Paulo Raposo (2006).


XVIII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).

Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. 49-50 (1).


O FIM DA COMISSÃO. A ORDEM DE IR PARA BISSAU


Vem finalmente a ordem para o embarque. É uma alegria, é uma satisfação, é um alívio. Seguimos em coluna até ao Xime para embarcar outra vez na LDG para Bissau.

Lá estava novamente a companhia do Xime (2) a fazer protecção lateral na estrada para passarmos em segurança. Assim que entro na LDG e largo o mato de vez, sinto uma alegria tão grande, tão grande.

A hospitalidade da guarnição do navio foi igual à de ida para cima (3). Ficámos 15 dias em Bissau à espera do navio para Lisboa. Desta vez fico em casa de outro amigo meu, o Núno Geraldes Barba. Foi um amigo, como tinha carro, emprestava-mo para eu ir tratando dos últimos pormenores para o embarque.

A DESPEDIDA

No dia do embarque formámos novamente nos adidos em Brá, onde o General Spínola faz o agradecimento e se despede. Nesta cerimónia faz-se a chamada dos mortos. É um momento muito emocionante. A medida que se vai pronunciando o nome de cada um que caiu, nós respondemos:
- Presente!

Era uma parte de nós próprios que lá ficou. Porquê aqueles e não nós? Como reagiram os pais daqueles rapazes que não voltaram para casa? A pior coisa que pode acontecer a um pai é perder um filho. Não há nenhum que substitua outro.

Vemos hoje os revolucionários da última hora queixarem-se de perseguições do regime anterior. Se alguém passou mal com o regime anterior fomos nós, e no entanto não nos andamos a queixar por todas as esquinas. Aqueles e mais uns ferrabrazes queria tê-los visto por lá. Do que nos queixamos é que os políticos depois do 25 de Abril entregaram África despudoradamente.
___________

Notas de L.G.

(1) Vd. último post, de 7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1029: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (17): Dulombi

(2) Na época a unidade de quadrícula do Xime era CART 2520 (1969/70)

(3) Vd. post de 19 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXIV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (8): A ida para o leste

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1033: Monumento da CART 2716, Xitole, 1972 (Joaquim Mexia Alves)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1972 > Monumento mandado erigir pela CART 2716, em princípios de 1972. Esta unidade foi substituída pela CART 3492, a que pertenceu originalmente o nosso camarada Joaquim Mexia Alves.


1. Mensagem do Joaquim Mexias Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Undunduma, Mato Cão) , CCAÇ 15 (Mansoa ).

Caro Luis Graça

Para gozares melhor as férias, mando-te uma fotografia do monumento que a CART 2716 - que eu penso ser a tua Companhia - deixou no Xitole e que a minha companhia [CART 3492] foi render, pelo que devemos ter estado ao mesmo tempo, Janeiro/Fevereiro de 72, no Xitole.

Abraço do
Joaquim Mexia Alves

2. Comentário de L.G.

Obrigado, Joaquim, pela tua prenda, que apreciei muito. Só uma correcção: a CART 2716, pertencente ao BART 2917 (1970/72), não foi a minha unidade, mas sim a do nosso camarada David Guimarães. A minha unidade foi a CCAÇ 2590 que mais tarde passou a designar-se por CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), uma unidade de intervenção constituída por quadros e especialistas metropolitanos, a par de soldados guineenses.


O Furriel miliciano David J. Guimarães, que pertenceu à CART 2716 (Xitole, 1970/72)

Foto: © David J. Guimarães (2005)

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1032: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (5): Uma carta e um poema de Ruy Cinatti

O poeta Ruy Cinatti. Fonte: Triplov. com > Site dedicado a Ernesto de Sousa > Poesia > Ruy Cinatti (2006) (com a devida vénia...)

Ruy Cinatti (1915-1986) foi amigo do Mário Beja Santos e com ele correspondeu-se durante a sua comissão na Guiné. O Mário já nos tinha prometido a publicação, no nosso blogue, de escritos inéditos do poeta, e em especial de alguns poemas, o que para nós é uma honra. Hoje começamos por publicar uma carta, datada de 28 de Março de 1970, que contém um desses poemas.

Mas quem foi Ruy Cinatti ?

Dos seus registos biobliográficos, consta que o Ruy Cinatti - de seu nome completo, Rui Vaz Monteiro Gomes Cinatti - nasceu em Londres, em 1915, de ascendência luso-italiana, tendo vindo, ainda em criança, para Lisboa onde se formou em Agronomia, em 1941. Viveu em Inglaterra, entre 1941 e 1945, tendo estudado Etnologia e Antropologia em Oxford. Entre 1943 e 1945 desempenhou o cargo de meteorologista aeronáutico da Pan-American Airways .
Após a II Guerra Mundial, parte para Timor como secretário do governador do território, função que exercerá até 1948. É nomeado depois chefe dos Serviços Agronómicos daquele território, por cujo povo e cultura se apaixonou. Foi também investigador da Junta de Investigação do Ultramar. A última vez que volta a Timor foi em 1966. Entretanhto, em 1961, termina o seu doutoramento, pela Universidade de Oxford, em Antropologia Social e Etnografia.

Foi co-fundador em 1940, com Tomás Kim e José Blanc de Portugal de Os Cadernos de Poesia e em 1942 da revista Aventura.
Bibliografia:
Ossonobó (1936),
Nós Não Somos Deste Mundo (1941),
Anoitecendo a Vida Recomeça (1942),
Poemas Escolhidos (1951),
O Livro do Nómada Meu Amigo (1966),
Sete Septetos (1967),
Crónica Cabo-Verdeana (1967),
O Tédio Recompensado (1968),
Borda d'Alma (1970),
Uma Sequência Timorense (1970),
Memória Descritiva (1971),
Conversa de Rotina (1973),
Os Poemas do Itinerário Angolano (1974),
Paisagens Timorenses com Vultos (1974),
Cravo Singular (1974),
Timor-Amor (1974),
O A Fazer, Faz-se (1976),
Import-Export (1976),
Lembranças para São Tomé e Príncipe ? 1972 (1979),
Poemas (1981),
Manhã Imensa (1982).
Recebeu vários prémios literários: (i) em 1958, o Prémio Antero de Quental pela obra O Livro do Nómada Meu Amigo; (ii) em 1968, o Prémio Nacional de Poesia, pela obra Sete Septetos ;(iii) e em 1971, o Prémio Camilo Pessanha, com Uma Sequência Timorense. Faleceu em 1986.

Vd. também as seguintes páginas ou textos: (ii) Peter Stilwel sobre o Timor de Ruy Cinatti, publicado na Camões- Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 14, Julho-Setembro de 2001; (ii) Projecto Vercial > Literatura actual > António Rebordão Navarro > Um aceno amicissímo.; (iii) Instituto Superior de Agronomia > Pedro Bingre > Ruy Cinatti, o poeta agrónomo (LG)
___________________

Carta de Ruy Cinatti para Mário Beja Santos:

Meu caro Mário:

Tenho pena de que a sua segunda operação não fosse tão bem sucedida como a primeira. Isto do ponto de vista estritamente militar, porque a acção reflecte-se na prosa e o entusiasmo tornou-se comunicativo. Estou a ser egoísta, bem sei. Outros diriam, pensando na sua pele, que quanto menos porrada melhor.

Recebi o livro do M.G. V[ocê] fica desde já proibído de me enviar livros, a não ser por via marítima para que eu os guarde. Livros-presente por via aérea, não. Gaste o dinheiro dos selos com os seus gadulhas.

Sobre mandingas na metrópole, parece-me asneira. Não os vejo como proletários urbanos e não me parece haver nada que os enquadre no meio rural. Falarei, no entanto, com gente da [Junta de] Colonização Interna.

A sua prosa tem qualidades: finalmente, economia, mas está um pouco desconchavada, talvez por excesso de sentimentalismo. Dela extraí o seguinte poema, que lhe é dedicado:


Sete horas húmidas, algures.
Progressão, fardas ensopadas.
Silêncio nos corpos, silêncio na terra de combate.
Estacas calcinadas.

O piar das aves, o olhar súplice.
Dois tiros quase num só eco.
O desabar de folhas, ramos rápidos.
Um grito incerto.

Missão cumprida, meta adivinhada.
Febre sem alma ou acordo.
O peso súbito de um morto
Caindo nos meus ombros estreitos
ou
Nos ombros estreitos da minha miséria.


Hoje, sábado de Aleluia. Gostaria de ter cá amanhã o meu amigo Mário. O Teixeira da Mota mandou-me novo endereço: Comando Naval, C.P. 1302. Espero que a sua carta para ele não se tenha perdido. Descobri um gadulha que foi alfero polícia militar em Timor e quer voltar para lá como antropólogo. Acaba o curso este ano. Damo-nos lindamente e, ainda por cima, é casado de fresco. Grande abraço do Ruy.

28/3/70

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1031: Postais Ilustrados (3): Tocador fula, Bafatá (Beja Santos)



Legenda: FF10 - Tocador fula, Bafatá.

Edição: Casa Mendes, Bissau, s/d.

Kodachrome de A. B. Geraldo.

Bilhete postal gentilmente cedido pelo nosso camarada Beja Santos (1).

Segundo a brochura que era distribuída aos militares mobilizados para o TO da Guiné (Missão na Guiné, edição do Estado-Maior do Exército, 1971), os fulas (fulas-forros e fulas-pretos) eram a segunda maior etnia, a seguir aos balantas. O seu número atingia os 120 mil, de acordo com o censo de 1960. Neste número não estavam incluídos os cerca de 10 mil futa-fulas.

Os fulas povoavam, na época, o Nordeste da Guiné, as regiões de Gabu, Bafatá e Forreá.

"Os primeiros fulas a entrar na Província foram os fulas-forros, que subjugaram e escravizaram grande número de mandingas, a quem designaram por fulas-pretos.

"De um modo geral, são hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado.

"Apesar da influência que o islamismo tem entre eles, praticam também o animismo.

"Dedicam-se ao cultivo do arroz, sem grande entusiasmo, milho e amendoim e à pesca, à linha or por envenenamento das águas.

"Do gado que criam, considerado como um sinal de prestígio apenas aproveitam o leite para a sua alimentação".

Fonte: extractos de: Missão na Guiné. Lisboa: Estado-Maior do Exército. 1971. 26-27.
________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts anteriores:

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1023: Postais Ilustrados (1): Pescadora, de etnia papel (Beja Santos)

7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1030: Postais Ilustrados (2): Dança nalu, Cacine (Beja Santos)

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1030: Postais Ilustrados (2): Dança nalu, Cacine (Beja Santos)



Legenda: FF2 - Dança nalu, Cacine

Edição: Casa Mendes, Bissau, s/d.

Kodachrome de A. B. Geraldo.

Bilhete postal gentilmente cedido pelo nosso camarada Beja Santos (1).

Segundo a brochura Missão na Guiné, editada em 1971 pelo Estado-Maior do Exército, os Nalus (cerca de 5500, de acordo com o censo de 1960) habitavam a região de Tombali (Cacine), no sul. Eram descritos pelos nossos etnógrafos, como sendo "pouco robustos e de estatura média. Muito individualistas, recusam-se a manter relações com as tribos vizinhas. Têm um conceito perfeito de justiça. Encontram-se em grande parte islamizados"... (LG)
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1023: Postais Ilustrados (1): Pescadora, de etnia papel (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P1029: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (17): Dulombi

XVII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).

Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. 45-49 (1).

DULOMBI

Dulombi era uma Tabanca que já não tinha população e ficava a sul de Galomaro. Assim que lá chegámos, rodeámos o perímetro com arame farpado e começámos a fazer os abrigos onde passámos a dormir. Passámos à condição de toupeira.

Os abrigos eram feitos da seguinte maneira: abre-se uma cova até à altura da cintura. Depois cobria-se a vala com troncos de palmeiras. Em cima destas colocava-se a chapa dos tambores, que abríamos. Por fim, colocávamos terra.

Era um sufoco ali em baixo! Foi ali que, tal como os presos, comecei a contar um a um os dias que faltavam para me vir embora. O Capitão, que não estava para dormir no chão, fez um bunker em cimento só para ele.

Vou contar alguns episódios que por lá se passaram:

1. Tínhamos acabado de chegar, eu ainda estava a dormir numa tenda de campanha, pois os abrigos ainda não estavam prontos. Estava eu deitado, a meio da tarde, e lá fora havia alguns soldados a jogarem à bola no meio do recinto. Nisto, surge um ataque feroz.

Entro de imediato para o abrigo e começamos a responder ao fogo. Mesmo ao meu lado estava um tambor de ferro cheio de água. Durante a excitação do ataque apercebi-me que houve uma granada que rebentou muito perto de mim. Quando a calma regressou, reparei que o tambor estava todo furado pela granada do RPG-7 que o IN tinha atirado.

Nossa Senhora mais uma vez me valeu. Se aquele tambor não estivesse ali, era eu que tinha apanhado com todos os estilhaços.

Neste ataque um dos meus soldados ficou ferido com alguns estilhaços. Foi evacuado e ao fim de uma semana já estava de volta. No Hospital os estilhaços não eram extraídos da carne. Era o próprio organismo que os expelia.

2. Passámos a ter ataques mais frequentes e dias houve que tivemos dois no mesmo dia. Num desses ataques estava eu só com o meu grupo de combate, pois a companhia tinha saído. Era de dia. O perímetro do aquartelamento era grande e a responsabilidade também. Quis saber se havia homens em todos os lados do aquartelamento.

Durante todo o tempo que durou o fogo, percorri o perímetro para ver se tudo estava bem e ainda parei na messe para ir ao frigorífico beber um pouco de água fresca, pois estava sequioso. Regressei novamente à vala. Depois dos primeiros momentos habituamo-nos a estar debaixo de fogo e já não nos ralámos.

Nunca fiz fogo contra o inimigo. Como os soldados não se continham a fazer fogo, achava que mais um não fazia diferença e, no caso do tiroteio se prolongar, ter munições disponíveis podia ser a nossa salvação. Guardei sempre as minhas munições para o fim caso houvesse necessidade. Habituei-me a controlar-me bem nestas alturas.

Para explicar melhor o que representa uma reserva de munições vou contar uma história passada com o Alferes David. Estava ele a nível de grupo de combate numa Tabanca, que estava a ordenar, quando, à noite, teve um ataque feroz. Chovia que Deus a dava e as valas estavam cheias de água.

Começaram a responder ao fogo inimigo sempre debaixo da chuva torrencial. Com a chuva e a lama, as armas iam encravando. Por fim, só havia uma arma a disparar mas foi o suficiente para o inimigo não avançar.

Se aquela arma tivesse encravado, tinham sido todos apanhados à mão. Nossa Senhora lhes valeu. Nestas ocasiões dividia-se o trabalho. Uns abriam os cunhetes de munições, outros municiavam os carregadores e outros disparavam.

3. Passados tempos, encontrei-me na mesma posição, ou seja, s6 com o meu grupo de combate no perímetro de Dulombi, a companhia fora e um novo ataque durante o dia.

Desta vez estava na messe e corri para o abrigo de transmissões que era ali perto. Atrás e agarrado a mim, veio o Furriel Cabral, de etnia papel. Como não tínhamos armas e estávamos no meio do perímetro, no abrigo de transmissões, resolvi pedir apoio aéreo.

Ao fim de 15 minutos apareceu um Fiat. O fogo inimigo acabou de repente e nunca mais houve ataques ao novo aquartelamento durante o dia.

4. Como esta zona estava a aquecer, foi enviada uma companhia para nos reforçar e fazer patrulhamento em profundidade, de forma a permitir- nos tomar a iniciativa da ofensiva.

Com esta companhia apareceu um amigo meu, o Kiko Salema, de Oeiras. Lá lhe arranjei uma cama para ficar. Como não havia camas e os abrigos estavam cheios, tive de arranjar uma solução para o Kiko. Como durante a noite estava sempre um soldado da sentinela, que se ia revezando, aproveitei essa cama para ele dormir. Mas como o soldado quando regressava tinha a cama ocupada pelo Kiko, ia acordar o soldado que o ia render, e deitava-se na cama dele, e assim sucessivamente.

Assim durante o período que o Kiko lá esteve, os meus soldados deitavam-se numa cama e acordavam noutra por efeito da rotação. Tudo se fazia de boa vontade, para ajudar o próximo.

5. De Dulombi tínhamos de ir às vezes a Galomaro para fazer colunas de reabastecimento. Numa dessas colunas saímos de Dulombi cedo e passámos a bolanha que estava logo a seguir ao aquartelamento. Como íamos com os carros vazios, passávamos bem por todo aquele lamaçal. No regresso, vínhamos carregados, era um inferno.

O terreno estava encharcado e os carros enterravam-se. A solução era lançar o guincho que os Unimog tinham à frente, a uma árvore, para com esta ajudar a safar o carro. Havia também muitos carros que nem com o guincho saíam do lamaçal. Nestes casos tínhamos de descarregar o carro, puxá-lo, e carregá-Io de novo. Este episódio podia repetir-se várias vezes. As colunas levavam horas a percorrerem poucos quilómetros. Era um desespero.

Como os carros resvalavam no lamaçal, nem sempre os carros da frente pisavam o mesmo trilho. Nessa coluna à ida não picámos a estrada e à volta detectámos uma mina. Já lá devia estar antes. Nossa Senhora fez com que o carro resvalasse e não pisasse a dita mina.

6. Um dia à noite estávamos a conversar à porta do bunker do Capitão. De repente o Alferes Rijo diz:
- Olha uma estrela cadente.

Qual quê! Era a primeira bala tracejante do IN, que dava início a mais uma flagelação. Entrámos de rompante pela entrada estreita do bunker do Capitão. Todos quisémos entrar ao mesmo tempo. Lá dentro, foi uma risada. Naquela altura não havia cerimónias.

Uma vez que vivemos muito de perto com os Fulas, quero deixar aqui a impressão com que fiquei deles. Era gente séria e trabalhadora, com hierarquia bem definida e muito respeitada. Eram os homens grandes que, em conselho, davam as orientações que eram por todos respeitadas. A religião era muçulmana. Eram também leais e não conheciam a falsidade, a manha ou a velhacaria. No entanto eram supersticiosos.

Quanto ao inimigo, os que andavam no mato, o comportamento era igual. Estes iam passar férias a Bissau, assim como nós íamos à Metrópole. A luta era só no mato, não havia a cobardia do terrorismo urbano. Tinham um código de conduta mais digno que muitos ditos civilizados.

Contavam-se histórias de entente cordiale com o inimigo. Contaram-me que havia companhias que deixavam regularmente alimentos em determinados pontos. Por sua vez o inimigo não colocava minas nos itinerários assim como não fazia flagelações ou emboscadas.

Não houve outro povo no mundo que se tivesse ligado tão bem com os africanos como nós. O povo Cabo Verdiano é bem o exemplo disso. Salazar teve na gaveta da sua secretária o decreto que tornava Cabo Verde em llhas Adjacentes. Não o quis fazer ou não encontrou oportunidade.

A moeda circulante na Guiné era chamada o peso e valia menos 10% que o escudo. O nome corrente do dinheiro era patacão. Manga de patacão queria dizer muito dinheiro.

A minha comissão aproxima-se do fim. Chegámos à Guiné como rapazinhos e saímos como homens amadurecidos à força pela luta pela sobrevivência e desgastes físico e psíquico. O nosso facies torna-se mais carregado e ganhamos uma ansiedade natural pelo tempo que não passa.

Vou dar um exemplo para ilustrar a diferença. Numa operação que fizemos ainda em Mansoa, pouco tempo depois de termos chegado, dormimos no mato. O inimigo, que andava por perto, lançou uma rajada de arma automática sobre nós. Estava inseguro pois não sabia bem a nossa localização. Não respondemos ao fogo.

Eu estava a dormir e não dei por nada. No dia seguinte diz-me um soldado meu:
- Então, meu Alferes, ouviu as rajadas que eles nos atiraram? - É claro que não.

A dois meses do fim da comissão, como não conseguia dormir capazmente, tinha pedido à minha mãe que me enviasse uns comprimidos para dormir. Para descansar, tomava dois Mogadans antes de me deitar.
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Nota de L.G.

(1) Vd. post anterior:

3 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1022: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (16): De novo em Bissau, a caminho de... Dulombi

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

Amigo Luís,

Mesmo a partir para férias, não quero deixar de voltar a saudar a entrada do Beja Santos no nosso blogue. Através da memória dele, lembro lugares e pessoas.

Claro que o Missirá do Beja Santos foi diferente do meu, e quanto à descrição que faz do Pimbas, nada confere com o que recordo.

Cheguei a Bambadinca no rescaldo do ataque, pelo que já não provei os rissóis da Exma. Sra. D. Maria Alzira, nem conheci a mulher do Tenente Pinheiro. Bambadinca constituía na altura, Junho de 69, um quartel aterrorizado, com medo de novo ataque e à espera das porradas

Aí me mantive, até à chegada da CCaç.12, como única força operacional. Saía todos os dias (Xime, Amedalai, Ponta Coli, Ponte do Rio Undunduma, Mato Cão, etc.), pelo que talvez não tivesse tido oportunidade de avaliar os atributos do Comandante, cuja imagem que guardo, é extremamente negativa – apático, desnorteado, um zombi. Estarei a ser injusto?

Aliás porque depois desse curto período em Bambadinca, vivi sempre em Destacamento, nunca cheguei a conhecer bem os camaradas ali colocados. Visitava o Batalhão sempre à pressa, e raramente almocei na messe…

Os meus Amigos grandes habitaram Fá e Missirá, e comigo partilharam tristezas e alegrias, mas também alguma loucura, necessária para nos sentirmos vivos…(1).

Também não privei assiduamente com o Beja Santos. Se calhar é agora que o estou a conhecer…e mesmo a tentar compreender.

Com um Abraço,
Jorge
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(1) Do louvor que me concederam, o tal que eu ia frustrando com o Jagudi de Barcelos, consta o seguinte: “É de realçar a sua valiosa acção durante a permanência do Pelotão de Caçadores Nativos nº 63, em destacamentos isolados, onde demonstrou de forma inequívoca as suas qualidades de inteligência, chefia e inexcedível sentido de amizade mútua e de boa camaradagem”.

PS - Duas notas, uma sobre os acontecimentos de 28 de Maio de 1969 e outra sobre o Mato Cão:

(i) Tenho quase a certeza que não era o padre Poím que estava de cuecas a conversar com a mulher do Tenente. Pois, ainda em Janeiro de 1971, me visitou em Missirá… Sei que abandonou a vida eclesiástica e é enfermeiro nos Açores.

(ii) O Destacamento do Mato Cão foi inaugurado pelo Pel Caç Nat 63, já após a minha saída (em meados de 1971).

Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Novembro de 2000> Uma cena idílica, quase bíblica... Mulheres e crianças tomando banho nos rápidos do Saltinho... Como no Rio Geba do Renato Monteiro, em Contuboel, no já distante verão de 1969... Um sugestão de verão, continental, de 2006, com votos de boas férias para todos os amigos e camaradas da Guiné...

Foto: © Albano M. Costa (2005)

Quinto (e último) texto do Renato Monteiro, da série de cinco, que intitulei estórias de Contuboel, pequenos apontamentos que o meu amigo escreveu com base na sua experiência de instrutor de recrutas guineenses, em Contuboel, no 1º semestre de 1969 (1).

O Renato Monteiro foi furriel miliciano na CART 2479 - que deu origem à CART 11 e esta, por sua vez, à CCAÇ 11 (Contuboel e Piche). Foi, mais tarde, transferido por motivos disciplinares, para a CART 2520, Xime e Enxalé (1969).


À IMITAÇÃO DO PARAÍSO CELESTIAL

Acordo com os latidos da Daisy, já recuperada da mazela na perna, incitando-me a sair da cama. Como a querer lembrar a combinação que fiz com o Canininhas e o Português Suave em pirarmo-nos hoje para o rio Geba que o Fórmula Um, o condutor, afirma ficar a quinze minutos de Unimog.

Acordo como um animal de sangue frio em período de hibernação e, caso não fosse a barba por fazer desde há três por se ter gripado a bomba de água e a desagradável sensação pegajosa no corpo, bem teria mandado o compromisso para as urtigas. Mas avancemos. Tomado o pequeno almoço à pressa, toca de trepar para a viatura, com os dois camaradas vociferando contra o meu atraso, és sempre o mesmo, mais o Joshua apanhado a atravessar cabisbaixo a parada e a Daisy, como prémio do seu empenho em combater a minha letargia.

Por uma estrada todo o terreno, cheia de covas abertas pelas correntes das chuvas e de sulcos dos rodados das viaturas, em menos tempo que o calculado pelo Fórmula Um chegamos ao Geba: bem estreito quando comparado à sua dimensão em Bissau ou no ponto em que se cruza com o Corubal.

Mas bem mais largo quanto ás vistas que dele se podem colher: aquele pequeno grupo de bajudas, ó Cesário, sem rendas ou ramalhetes rubros de papoilas, apenas cintadas por uma tanga fina, tudo o mais só nudez ali exposta à luz do sol, com natural indiferença aos nossos olhos e sem nada ficarem a dever em graciosidade às virgens do paraíso celestial descrito por Jaló.

Salpicadas de espuma, com a água a escorrer em fios ou em contas pelos ombros, o seios, o colo, quantas aguarelas não dariam? Tantas quantas ninfas ou sereias de outros tempos imaginadas em pedra ou tela.

Pena, para não dizer pequena e simulada raiva, é a Segunda, a quem ironicamente comecei a tratar por Benvinda, nem uma única vez tenha posto os olhos em mim, limitando-se apenas a cumprimentar-me aquando da entrega da roupa à porta da camarata, limpa, sem vincos e ainda quente do ferro, ao fim da tarde.

À hora em que, num breve instante, o dia escurece, as boieiras alinhadas como esquadrões de caça recolhem ao refúgio da mata e o poente se tinge de cores vivas e quentes. Como nunca me foi dado ver.
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Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores:

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)