quarta-feira, 27 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21014: Historiografia da presença portuguesa em África (211): Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
A vasculhar a coleção do Boletim Geral das Colónias e Boletim Geral do Ultramar, publicações naturalmente oficiosas, mas onde, em dado passo, era possível obter informação sobre projetos em curso, encontrei referência ao que se pretendia fazer na regularização e defesa do rio Geba e notícia pormenorizada à Fazenda Experimental de Fá, como aqui se resume.
Seria bem interessante que quem viveu em Fá e conheceu as instalações, e possua delas imagem, aqui as publicasse.
Aproveita-se para pedir aos amigos guineenses se têm imagens atuais do que se procurou fazer para a regularização e defesa do rio Geba e de como é hoje Fá, se algum daqueles projetos teve continuidade ou se está tudo reduzido a ruínas. Talvez o Patrício Ribeiro, um confrade tão esforçado, nos dê notícia do que é a Fá atual...

Um abraço do
Mário


Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra

Beja Santos

Quem procura sempre alcança. Não é taleiga fácil mexer no acervo do Boletim Geral das Colónias e no Boletim Geral do Ultramar, que lhe sucedeu, em 1951, quando deixámos de ter colónias e passámos a ter províncias ultramarinas. Depois de folhear muito papel depara-se no n.º 443, de maio de 1962, um artigo onde a propósito de grandes projetos e realizações em África se faz larga referência às realizações em curso pela Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné: o que se estava a fazer no rio Geba e na Fazenda Experimental de Fá. Vale a pena extrair as informações oferecidas por autores anónimos.

Primeiro o Geba e a sua economia:
“Na agricultura, a principal produção é o arroz de regadio. Outros produtos comercializados da região são o coconote e o óleo de palma. A campanha da mancarra, principal produto de exportação da província, provoca um aumento do movimento de navegação do rio durante a época seca, período em que as condições de navegabilidade são mais deficientes. As estradas existentes na região servem de complemento à rede fluvial de transporte, que, devido às condições topográficas da região, com numerosos cursos de água que tornam a construção de estradas muito onerosa devido às numerosas obras de arte necessárias e desvios anormais dos percursos a que obrigam, se deve considerar como o meio mais económico de drenar os produtos agrícolas da região”.
Não menos curioso é o texto referente às caraterísticas fisiográficas do rio Geba:
“O troço do rio compreendido entre Bafatá e a foz apresenta um primeiro escalão com cerca de 35 km a contar da foz com leito sensivelmente estável, embora meandrizado; a zona seguinte, com 40 km, está altamente meandrizada e é muito instável, com as margens em permanente erosão; a zona final, até Bafatá, é estável, embora ainda meandrizada. Para dar ideia da meandrização, basta dizer que o percurso do rio entre Bafatá e Bambadinca excede 70 km, ao passo que em linha reta a distância se reduz a 27 km. De uma maneira geral pode dizer-se que a largura do leito vai estreitando de Bafatá para jusante, até Fá, onde atinge um mínimo, alargando depois gradualmente até à foz. O leito do rio está em acelerado assoreamento, como prova o facto de se registarem em 1896 marés com a amplitude de 2,40 m em Geba, quando em 1958 não excedem 0,20 metros. Este assoreamento está a dificultar cada vez mais a navegação do rio. As terras baixas marginais, que entre Bafatá e a foz atingem cerca de 18 000 hectares, podem dividir-se em duas partes. A zona de montante, com cerca de 12 600 hectares, é alagada durante a época de chuvas pelas águas do rio, que transborda do seu leito, impossibilitando que aí se faça todo e qualquer aproveitamento agrícola. A zona de jusante, com 5 400 hectares, é somente alagada em alguns pontos de cota mais baixa e nos períodos de maiores marés, sendo já hoje cultivada com arroz”.

Seguidamente, são referenciados os objetivos das obras no setor agrícola, dos transportes, na parte industrial e no setor político-social. Depreende-se que o grande objetivo era a defesa dos terrenos marginais e o aumento da área agricultável, o propósito de diminuir custos dos fretes e das despesas de conservação das vias de transporte. Pretendia-se obturar a foz do rio por um açude, impedir a propagação da maré e das aluviões por ela transportadas e manter o nível das águas a montante a cota suficiente para a navegação. A par deste objetivo pretendia-se construir um canal de navegação, com eclusas, para transpor o desnível entre a albufeira criada pelo açude e a cota natural do canal de Bissau a jusante. Faz-se o elenco do que se pretendia como obras de regularização e navegação: o açude, o canal de navegação, as eclusas de navegação. Em paralelo, haveria obras de aproveitamento agrícola: defesa contra as cheias, obras de enxugo, a estação de bombagem, a rede de rega, sobretudo. Dei voltas à procura de mais elementos sobre o avanço destes projetos, o curioso é que neste artigo do Boletim Geral do Ultramar se veem fotografias da estação de bombagem, da rede de enxugo, do campo experimental de amendoim e da rede de rega. É neste contexto também que se menciona o projeto da Fazenda Experimental de Fá.
Escreve-se o seguinte:
“Para o estudo do interesse agrícola das terras baixas marginais do rio Geba torna-se necessário proceder à experimentação, de modo a obter elementos que permitam elaborar com base segura um esquema de exploração daqueles solos. Com esta finalidade construiu-se em Fá uma fazenda experimental ocupando uma área de cerca de 125 hectares.
Entre as culturas ensaiadas na fazenda contam-se, na zona de terras baixas, arroz, juta, crotalária, cana sacarina, feijão congo e rícino; na zona da base da encosta, a cotas mais altas que a anterior, cana sacarina, citrinos, café, bananeira, coleira, ananaseiro, feijão congo, pimenta preta, mandioca e culturas miscelâneas; finalmente, na zona do planalto, amendoim, rícino e feijão congo”
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E elencam-se igualmente as obras de defesa contra as cheias, de enxugo, de rega, a estação de bombagem, a piscicultura, referindo-se instalações que muitos militares conheceram: instalações agrícolas da fazenda, que constam de celeiro e eira coberta, instalações para pessoal e serviços, e escreve-se o seguinte:
“Num único edifício, com dois corpos, instalaram-se os laboratórios de análises, hidrobiologia, estudo do descasque do arroz e rendimentos, arquivo de sementes, etc.; os gabinetes de trabalho do pessoal técnico e dos serviços administrativos; uma sala de reuniões e biblioteca; e um anexo com o posto de socorros e enfermaria.
Em duas moradias, uma das quais geminada, fica instalado o pessoal técnico com família; numa casa com quatro quartos, o pessoal técnico sem família. Anexo a esta casa existe um centro cívico, que serve de cantina e centro de reunião.
Prevê-se a construção de outra casa para habitação do pessoal auxiliar assalariado na província da Guiné. Para os trabalhadores da fazenda construíram-se várias casas de madeira e querentim rebocado, com cobertura de alumínio, uma cozinha, um refeitório e instalações sanitárias.
A rede de abastecimento de água consta de um poço, cisterna e central elevatória; dois reservatórios de água; uma estação de tratamento de água; e tubagem de condução e distribuição”
.

Seguramente que este mundo aqui versado desapareceu, terá deixado vestígios. Bom seria que quem passou por Fá e captou imagens as publique aqui, são naturalmente posteriores a 1962. Recordo que este Boletim Geral do Ultramar n.º 443 de maio de 1962, está disponível no site, todas as imagens que acompanham a descrição destes projetos também ali aparecem. Resta saber o que é que as autoridades da Guiné-Bissau fizeram deste projeto ou que reutilização deram à Fazenda de Fá. Talvez o Patrício Ribeiro nos possa ajudar…

Fá Mandinga
Imagem retirada de http://trip-suggest.com/guinea-bissau/guinea-bissau-general/fa-mandinga/

Adriano Moreira faz a sua primeira visita à Guiné, vem de Angola, foi muito bem acolhido em Mansoa e Nhacra. Voltará à Guiné em 1962, então sim, uma viagem um pouco mais demorada, a luta armada estará para breve. Imagem extraída do Boletim Geral do Ultramar

Os meandros do Geba, imagem magnificamente captada pelo confrade Humberto Reis, usei-a com enorme satisfação num dos meus livros.
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Nota do editor

Guiné 61/74 - P21013: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXXIX: Hugo Assunção Ventura, cap pilav (Ilha do Príncipe, S. Tomé, 1945 - Moçambique, 1972)






1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972 ]
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Guiné 61/74 - P21012: Parabéns a você (1809): António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de de 26 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21009: Parabéns a você (1808): Carlos Alberto Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66); Carlos Nery, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2383 (Guiné, 1968/70); Gabriel Gonçalves, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71); João Santiago, Amigo Grã-Tabanqueiro e Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 26 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21011: (In)citações (162): Agradecimento pela homenagem que me foi feita, por ocasião do meu 84º aniversário; espero para o ano poder ir ao convívio do pessoal do meu batalhão (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS / BART 2917, Bambadinca, maio 1970 / maio 1971)

1. Mensagem do nosso camarada, amigo e grã-tabanqueiro Arsénio Puim [. ex-alf mil capelão, CCS / BART 2917, Bambadinca, maio 70/ maio 72; natural da ilha de Santa Maria, RA Açores, vive na  ilha de São Miguel]: 

Date: terça, 26/05/2020 à(s) 13:13

Subject: agradecimento

Grande amigo Luís


Muito obrigado pelas tuas palavras de apreço e indesmentível amizade que quiseste incluir no registo de testemunhos organizado pelos meus filhos no meu 84.º aniversário.

Quero também transmitir o meu agradecimento ao Machadinho, o Guimarães, o Levezinho e o Beja Santos pelas suas mensagens de felicitações e apreço que me escreveram. Semesquecer o lino Bicari. Com tempo, hei-de responder individualmente. (`)

Envio também os meus cumprimentos amistosos a todos os camaradas da Guiné, cujo convívio durante um ano ou um ano e 20 meses para alguns, apreciei muito e a quem procurei servir, conciliando, quanto possível, a minha qualidade de capelão militar e de padre da Igreja de Cristo.

Neste contexto de pandemia, e atento o facto de pertencer a um grupo de risco, vivi os últimos dois meses e meio, e vou continuar mais algum tempo, «internado» em casa mais a Leonor. E foi nestas condições que celebrei os meus anos, dum modo muito «sui generis», conjuntamente com a esposa, filho, nora e netas: nós dentro de casa, na sala, eles fora, debaixo do alpendre, separados uns dos outros por uma janela grande; dentro o bolo dos anos, fora uma réplica do bolo; soprei as velas e cantámos, todos, os parabéns; através dos vidros, saudámo-nos e «atirei beijinhos» às netinhas, que corresponderam com o mesmo gesto.

Posso dizer-vos que gostaria de ainda participar mais uma vez num encontro do Batalhão. Talvez para o ano, se Deus quiser.

Um grande abraço para ti e esposa

Arsénio Puim
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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

9 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20957: (In)citações (160): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (a): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)


9 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20957: (In)citações (160): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (a): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)

9 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20955: (In)citações (149): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte V: lembranças do capelão do BART 2917 (Beja Santos)

8 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20954: (In)citações (148): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte IV: o termos vivido e sofrido a mesma contradição numa realidade que nos obrigou, cada um de sua maneira, a uma reviravolta na vida (Lino Bicari)

8 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20952: (In)citações (147): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte II: Mais um de nós (Tony Levezinho); Parte III: O único santo que conheci em Bambadinca (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21010: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (8): Álbum fotográfico - Parte I

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 25 de Maio de 2020:
 
Caro Carlos Vinhal
Hoje envio-te a primeira página de meu Álbum de fotos, digo primeiro porque, no total são 9 páginas. Em todas as páginas diz, CONTINUA.
Assim, e para dar trabalho aos Chefes de Tabanca, vou partilhando com todos os Tertulianos coisa que gosto de fazer.
Para todos vocês, vai um grande abraço, também para os Tertulianos e Régulo Luís Graça.
Depois de estar muito tempo parado, aqui está o Albino Silva a disparar...


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Nota do editor

Último poste da série de 19 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20991: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (7): Composição da CCAÇ 2368/BCAÇ 2845

Guiné 61/74 - P21009: Parabéns a você (1808): Carlos Alberto Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66); Carlos Nery, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2383 (Guiné, 1968/70); Gabriel Gonçalves, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71); João Santiago, Amigo Grã-Tabanqueiro e Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12 (Guiné, 1970/72)





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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21004: Parabéns a você (1807): Rui Gonçalves Santos, ex-Alf Mil Inf da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21008: Notas de leitura (1285): 20 de abril de 1970: o meu casamento na Catedral de Bissau (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2020:

Queridos amigos,
Isto de andarmos a remexer em gavetas fechadas há décadas traz resultados como este: encontra-se um filme super 8, o tema é um casamento que se realizou em 20 de abril de 1970, na pomposamente chamada Sé Catedral de Bissau. Retive o essencial do que se passou neste dia no segundo volume do meu diário, O Tigre Vadio, onde se conta que o Comandante de Batalhão se revelou cúmplice de uma proposta do médico, forjou-se uma baixa à psiquiatria para haver casório.
Numa cena da maior indignidade, durante uma visita de Spínola a Missirá, onde era patente a escassez de recursos, e depois mesmo de se ter mostrado a documentação a pedir materiais para dirigir abrigos seguros e melhores habitações para os Caçadores Nativos e Milícias, o comandante de Bafatá entendeu em premiar-me com dois dias de prisão simples por eu não estar a dar o máximo da minha competência para a segurança do quartel no destacamento. Reagi, pedi mesmo para que este processo chegasse a instâncias superiores. O ignóbil veio depois, quando o mesmo comandante de Bafatá me deu o meu primeiro louvor, onde exarou que a minha mentalidade ofensiva e o garbo dos militares que comandava eram apontados como exemplo para todos. Moral da história: não houve férias, e arranjou-se uma estrangeirinha para aquele casamento de 20 de abril de 1970.

Um abraço do
Mário


20 de abril de 1970: o meu casamento na Catedral de Bissau

Mário Beja Santos

O autor do filme super 8, de onde se extraíram estas imagens, foi o Capitão de Engenharia Rui Gamito, alguém que, vindo um dia de helicóptero na Ponte dos Fulas, ficou surpreendido com uma bandeira portuguesa a tremular no meio de uma mata imensa, pediu ao piloto para baixar e veio conhecer-me. Não indiferente à miséria que viu, abriu-me as portas ao descaro, pedi-lhe tudo e mais alguma coisa, a começar pelos vulgares sacos de cimento, passando pelas tesouras de corte de arame, as chapas onduladas e o Sintex, este fazia muita falta, na época das chuvas a bolanha de Finete ficava intransitável, como boa parte do itinerário entre Canturé e Gã Gémeos, autênticos lodaçais, o Unimog enterrava-se até ao volante, o Sintex era a boa alternativa. E nas minhas visitas ao Batalhão de Engenharia 447 conheci o Emílio Rosa, será ele o meu padrinho de casamento, a mulher, Elzira Dantas Rosa, a minha madrinha, a filha mais velha, muito pequenina ainda, aparece numa imagem. Este filme culmina num restaurante que em 2010 já era uma ruína. No momento em que eu estava a pagar o jantar com escudos metropolitanos, o Rui Gamito fez questão de me emprestar dinheiro, alegando que se justificava pagar em escudos guineenses. Imperdoavelmente, esqueci a dívida. Uns bons anos depois, estava a almoçar com a Cristina na Portugália, vejo chegar o Rui e a mulher, e fui direito a eles movido por uma mola, depois dos cumprimentos, sentei-me e passei um cheque, pedindo mil perdões pela tropelia. A mulher do Rui estava atónita enquanto eu falava sobre uma dívida que o próprio Rui tinha esquecido.

O dia foi muito feliz para os noivos e seguramente para os seus convidados, mas nesse dia na estrada entre Có e Jolmete foram despedaçados à catanada quatro oficiais e elementos de uma comitiva, iam negociar os termos da transferência de um grupo do PAIGC para o Exército português. Tudo correu mal, hoje há elementos fiáveis sobre como tudo se passou. Apercebemo-nos de que algo de muito grave se estava a passar quando o Alexandre Carvalho Neto, a trabalhar junto do General Spínola, meu antigo colega de colégio, apareceu esbaforido a dizer que se estavam a viver momentos dramáticos na Guiné, felicitava os noivos, mais tarde falariam. E agora as imagens de um super 8 que estava esquecido e que foi transformado num CD, talvez a minha neta se venha a interessar por esta relíquia do casamento dos avós.



Na sacramental espera da noiva, conversa-se com o Capitão Laranjeira Henriques e mulher. Conheci este oficial quando fui mandado para uma operação em Mansambo, íamos até Galoiel, uma antiga base do PAIGC e patrulhar uma região do Corubal. Não escondi a minha surpresa quando este oficial chamou os alferes intervenientes para uma apresentação do que era a operação, como se iria proceder, os riscos a perder. Em operações anteriores, limitara-me a ser informado em cima da hora do que se ia fazer. Houve mesmo uma operação ao Buruntoni, a uma certa distância do Xime, em que o major de operações me informara que ia em reforço ao grupo atacante, em cima dos acontecimentos logo se veria. Não se viu nada, à saída do Xime desabou uma chuva diluviana, andámos aos tropeços horas a fio, até que ao princípio da tarde o guia considerou que estava perdido, recebemos ordem para regressar. Este oficial era primoroso no trato, quando descobri que estava em Bissau, convidei-o para o meu casamento, prontamente aceitou. Há anos atrás telefonei-lhe, está octogenário, tagarelámos, bem gostaria de o voltar a ver.




Os padrinhos de casamento da Cristina foram o David Payne Pereira e a mulher, Isabel, com gravidez pronunciada do primeiro filho. Conheci o David na crise académica de 1962, contactos de raspão, reencontrámo-nos a bordo do Uíge, e foi com muita alegria que o vi chegar ao Xime, integrado no BCAÇ 2852, um dos três batalhões de que dependi ao longo da comissão. Foi uma amizade muito terna com este casal que se prolongou por muitos anos, o David especializara-se em psiquiatria, e marcava-me almoços num tasco ao pé do hospital Miguel Bombarda, tínhamos começado rigorosamente ao meio-dia porque ele à uma e meia começava as consultas. Dediquei-lhe várias páginas do meu Diário, recebia regularmente os meus militares e a população civil, visitou-me em Missirá algumas vezes, uma delas ele veio na companhia do então Comandante do Batalhão, o Tenente-Coronel Manuel Pimentel Bastos, após o jantar, e sabedores que eu tinha levado várias óperas, “exigiram” ouvir uma fabulosa versão da Aida, de Verdi, e no final preparavam-se para eu pôr no gira-discos As Bodas de Fígaro, mas aí fiz finca-pé, pedi-lhes para irem fazer oó, tinha patrulhamentos para fazer nas redondezas e suas excelências queriam regressar de manhã cedo a Bambadinca. Como aconteceu. Ainda hoje estou inconsolável com a morte do David.



Considero que a passagem deste super 8 para CD foi uma operação quase milagrosa, desapareceram imagens da cena do jantar, convidei dois primeiros-cabos de quem era muito amigo, o António Ribeiro Teixeira, cabo de transmissões, e o Benjamim Lopes da Costa, guineense, que durante muitos anos encontrei em Lisboa, quando vinha a tratamentos. Na primeira imagem estão o Capitão Laranjeira Henriques e o inesquecível Barbosa, andava sempre com uma boina verde, numa terrível emboscada que preparámos na região de Chicri, e que apanhou em completa surpresa uma coluna que vinha de Medina, fizemos uma retirada em passo de corrida, pela noite escura, até estarmos a meio caminho de Missirá. Pois foi nesse exato momento que o Barbosa me disse, e de forma perentória, que teria de regressar a Chicri porque perdera ali a boina, a discussão a tempestuosa, eu afiancei ao Barbosa que lhe comprava uma boina verde, desse por onde desse, que não, respondeu sempre obstinadamente, era prenda de alguém a quem garantira regressar com aquela boina. E quando eu vi jeitos do Barbosa levar uma coça dos seus camaradas, encontrei uma solução, eu sabia que na tarde seguinte tinha que regressar a Mato de Cão, qualquer coisa como seis quilómetros de Chicri, garanti-lhe que ele viria comigo para resgatar a boina verde. Como aconteceu, dentro daquele quadro macabro de haver corpos espalhados, vítimas da emboscada. Foi assim.

Na última imagem está outro inolvidável amigo, o médico Joaquim Vidal Saraiva, que veio para Bambadinca depois do David Payne Pereira ser chamado para o Hospital Militar em Bissau, fiquei também com uma dívida de gratidão insuperável. Muitos anos mais tarde, telefonou-me do Hospital de Gaia, consegui encontrá-lo, chorei comovidamente quando o ouvi, sempre tonitruante e afetuoso. Aquele capitão fardado era o Capitão Miliciano António dos Santos Maltez, então Comandante da CART 2520, era licenciado em Físico-Química, sofreu muito por ter vindo para a guerra, conversámos e ele extravasou o seu estado de alma, sobre tudo quanto se passou depois e que me levou ao Xime um mês antes de casar, vai comigo para o túmulo. Há segredos que não devem ser desvendados.

No exato momento em que vos escrevo, e revisto o CD de onde se extraíram estas imagens, só resta dizer que a noiva trouxe a fatiota para o noivo, o que havia de indumentária civil foi pasto de chamas em Missirá, na noite de 19 de março de 1969, o comportamento do BCAÇ 2852 quando a nossa tropa apareceu em Bambadinca praticamente sem roupa foi inexcedível, três quintos das moranças arderam, como há imagens a atestar a dimensão do desastre, voltámos a cobrir a nudez graças à pronta disponibilidade da malta de Bambadinca; e aquele restaurante de nome Pelicano, voltado para o Geba e com vista desafogada para o Pidjiquiti, podendo-se mesmo olhar o Ilhéu do Rei, estava muitíssimo bem decorado ao gosto da época. Foi um belo jantar que paguei sem juros, uns bons anos mais tarde.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20987: Notas de leitura (1284): “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21007: 16 anos a blogar (14): A minha visita ao destacamento de Missirá, com o alf mil médico Mário Gonçalves Ferreira", na passagem do ano de 1970, ao tempo do "alfero Cabral (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/71)


Viseu > 26 de Abril de 2008 > 2.º Convívio do pessoal da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas > O Jorge Cabral, ao centro, "entre um Psiquiatra (Marques Vilar) e um Cardiologista (Mário Gonçalves Ferreira, autor do romance 'Tempestade em Bissau")... Diz o Jorge Cabral que ambos os médicos "me visitaram em Missirá, quando eu comandava o Pel Caç Nat 63, tendo o Mário, passado lá o Natal de 70, com o Padre Puim".

[Não foi o Natal, foi o Fim de Ano, emenda o Puim, que apontava tudo no seu famoso caderninho que lhe será confiscado pelo comando do BART 2917, na altura em que veio "a fmigerada ordem de Bissau" para o meterem no avião da TAP, de volta para os Açores, já que tinha passado a ser  "persona non grata" no CTIG; o caderninho, que deve ter ido parar às mãos da PIDE/DGS, só lhe seria devolvido no pós-25 de Abril,  com uma misteriosa folha a menos]...

Os dois médicos foram igualmente companheiros de quarto do capelão. O Marques Vilar substituiu, em março de 1971, o Mário Gonçalves Ferreira. O Arsénio Puim foi expulso do CTIG em maio de 1971.

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A MINHA VISITA A MISSIRÁ NA PASSAGEM DO ANO DE 1970

por Arsénio Puim

[ex-alf mil capelão, CCS/ BART 2917, Bambadinca, maio de 70/maio de 71; aqui ao centro, ladeado à sua direita pelo Benjamim Durães, e à esquerda, pelo "alfero Cabral" > Viana do Castelo, 16 de maio de 2009 > Convívio do pessoal da CCS / BART 2917 e subunidades adidas (Bambadinca, 1970/72).  nFoto: Benjamim Durães (2009)]

Li no blogue uma evocação de Jorge Cabral relativa à visita do Capelão Puim ao Destamento de Missirá, na Guiné, em Dezembro de 1970. (*)

Foi realmente em Dezembro, mas no último do mês, e aí passei a noite de fim de ano. (**)

O transporte foi de sintex através do rio Geba, à tardinha. A placidez das águas, a arborização das margens, a sinuosidade do trajecto e sobretudo a abundância, a variedade e a beleza das aves – de cores as mais variegadas – fizeram desta uma viagem encantadora.

Da margem ao acampamento, julgo que ainda distavam um ou dois quilómetros, que percorri a pé mais o médico Mário Ferreira, que também visitava Missirá. Numa dada altura, ouvimos um grande tropel dentro do mato. Parámos. Mas logo vimos que era um bando enorme de macacos em deslocação. Ao atravessarem o caminho, olhavam-nos e logo continuavam a correria.

A noite de passagem do ano foi muito alegre, com boa comida e alcoolfarta. Houve discursos e música (admito que também discursei) no acampamento, que – é a impressão que guardo – se caracterizava por quase não haver separação física e humana entre ele e a tabanca,  e por todo um espírito que me pareceu nada ter a ver com o lema, demasiado redutor, pertencente a um Pelotão antigo, que ainda se podia ler, impresso num bloco de cimento, na parada [, referência provável ao Pel Caç Nat 52, anterior ao comando do Alf Mil Beja Santos, Missirá, 1968/69, cuja divisa era 'Os Gaviões: Matar ou Morrer' : vd. foto à esquerda].

No primeiro dia do ano tivemos missa no pequeno aquartelamento de Missirá, e voltei a Bambadinca.

Esta é uma das minhas boas recordações da Guiné, graças também ao comandante do Destacamento e 'grande régulo' de Missirá, o ex-alferes Jorge Cabral, que saúdo com amizade. (***)

Arsénio Puim


2. Comentário do editor LG:

Tem andado arredio, do nosso blogue, o "alfero" Cabral, genial criador das "estórias cabralianas"... De tempos a tempos, quando faz anos, lá lhe dou uma telefonadela... Não sei se ainda está "confinado", o que não acredito, mesmo sendo ele do "grupo de risco"... Aliás, somos todos... De qualquer modo, faço votos para que ele  sobreviva à pandemia e ao pandemónio da COVID-19 de que muitos camaradas já não podem ouvir falar mais...

Quanto ao nosso Cabral, já aqui escrevi em tempos que ele  era descendente de militares e que, na sua rica e frondosa árvore genealógica, havia Cabrais e... que Tais!... Na Guiné, foi meu contemporâneo e vizinho, fizemos operações juntas e até bebemos uns copos em Fá... E recordo-o por, entre outras bizarrias,  reivindicar ser ele "o único e legítimo Cabral" (sic), mesmo que o outro, o "usurpador", defendesse os seus pergaminhos de Kalashnikov na mão...

Apesar da sua linhagem ilustre, posso garantir que nunca o vi, nas terras de Badora e do Cuor, a "cantar de galo"... Sempre prezou (e honrou) a sua linhagem, isso é indesmentível e eu disso sou testemunha: costumava garantir, a quem o queria ouvir, que "na Guiné, Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum"... Ou de Fá, conforme o sítio onde estava (e esteve um  ano em cada lado). 

À força de ser propolada e levada pelo vento, de bolanha em bolanha, a histórica e temível frase deve ter chegado aos ouvidos do Corca Só, o chefe da 'barraca' de Madina / Belel, a sul do Morés, a tal ponto que no tempo do "alfero" Cabral não mais voltou a meter-se com a malta de Missirá...(Este Corca Só tinha jurado tirar o escalpe ao Beja Santos, anterior comandante de Missirá, à frente do temível Pel Caç Nat 52).

Em Missirá, um destacamento mais exposto às morteiradas e roquetadas do IN do que Fá Mandinga, contava-se que o "alfero" Cabral, mais do que temido, passara a ser  "respeitado" (e quiçá "venerado")  pelos camaradas do PAIGC, desde o famoso dia em que foi atrás deles, na bolanha, a apaziguá-los e a tranquilizá-los:
- Vocês não fujam, não tenham medo!!!... Sou o Cabral!!!...
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 16 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2847: Convívios (57): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Viseu, 26 de Abril (Jorge Cabral)

domingo, 24 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21006: Blogues da nossa blogosfera (132): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (47): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

MÃE

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Mãe
a palavra universal
a palavra mais consensual da humanidade.
Nem Deus…
Deus é de uns e não de outros
Deus é conceito de muitos
e negação de outros tantos.
A mãe é de todos sem excepção
a mãe é de todos e é só nossa
a mãe é do crente e do ateu
a mãe é do pobre e do rico
do sábio e do ignorante.
A mãe é dos poetas
dos filósofos e artistas
dos bons e dos maus
a mãe é do amigo e do inimigo.
Não há mãe de uns e não de outros
não há ninguém sem mãe
e não há mãe de ninguém.
A mãe é de toda a gente
a mãe é de cada um
a mãe é do mundo inteiro
e do nosso mais pequeno recanto.
A mãe é do longe e do perto
da água e do fogo
do sangue e das lágrimas
da alegria e da tristeza
da doçura e da amargura
da força e da fraqueza.
A mãe é certeza e aventura
medo e firmeza
dúvida e crença
a haste que se ergue no céu
ou se aninha rente ao chão
para que a morte a não vença.
A mãe é a outra parte de nós
sem mãe somos metade
sem mãe nada é exacto
igual a um
igual a infinito
onde se tocam princípio e fim
onde os tempos se encontram
sem presente passado e futuro.
A mãe é a lágrima que não seca
no sorriso que não se apaga
a nuvem que chove no sol que aquece
a mensagem da luz e da harmonia
e dos acordes matinais
com que abre o nosso dia.
A mãe levanta-se nas lágrimas da noite
e mesmo cansada
não perde a voz nem a cor da madrugada.
A mãe é a voz que se não teme
a voz que se confia
a voz que tudo diz
nas consoantes do grito
nas vogais do silêncio
nos abismos da agonia.
Mãe
primeira palavra a nascer
a última palavra a morrer.
A mãe é sempre a mesma
a mãe nunca é outra
na sua infinita diferença.
A mãe é criação
a mãe é sempre o fim
da obra-prima inacabada
a mãe nunca é ensaio
nem esboço nem projecto.
A mãe é um milagre
no milagre do mundo
o único milagre concebido
real e concreto.
Chora para que outros riam
ri para que a dor a não mate
mistura-se com a luz das estrelas
para vencer a escuridão
devora as nuvens por um raio de sol.
A mãe é beleza e poesia
aurora fulgurante
aurora adormecida
a mãe é bela porque é simples
porque nasce da silenciosa lógica da vida.
A mãe é fragilidade da semente
a força do tronco
a beleza da flor
a doçura do fruto
o dom de renascer.
A mãe é tudo numa só coisa
AMOR.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20960: Blogues da nossa blogosfera (130): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (46): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P21005: Blogpoesia (677): "Nossas amarras", "O cesteiro das Idanhas" e "Disponibilidade das pétalas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


Nossas amarras

Não nascemos soltos e livres.
Trazemos dentro novelos de amarras.
Tolhem-nos os gestos e os rasgos que brotam naturais.
Põem-nos à prova a capacidade de reprimir tendências e inclinações.
Somos híbridos nas nossas manifestações.
Temos ânsias de infinito e de perfeição.
Por outro lado, há chamamentos obscuros que nos apelam.
Nem sempre para o bem e a perfeição.
Temos de chamar a vontade e a razão para refrear nossas inclinações.
Nem sempre boas e puras.
Nascemos com algemas no corpo e na alma...

Mafra, 17 de Maio de 2020
12h48m
Jlmg

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O cesteiro das Idanhas

Uma casinha baixa, comprida, ali à face da estrada que vai para a vila.
Existiu ali um cesteiro. Trabalhar o vime era sua arte.
A família ia buscar a matéria-prima na borda do rio. Varas de salgueiro verdes.
Estavam em molhos, encostadas à parede da casa.
A elas recorria para fazer uma giga, um açafate ou, sei lá que mais.
Trabalhava o dia todo. À vista da gente que passava.
Lembro o cheiro forte que se exalava daquelas varas.
Não era agradável.
Mas, a simpatia e a simplicidade tudo suplantava.

A evolução dos tempos destronou o vime.
O malfadado-bem-amado plástico tomou conta de tudo…

Mafra, 17 de Maio de 2020
17h42m
Jlmg

********************

Disponibilidade das pétalas

As pétalas se abrem ao sol.
Se dispõem a tudo.
Se pintam às cores.
Em prole da fertilidade.
Insinuam.
Pintam a manta.
Seduzem insectos.
Buscam o pólen.
Adejam as asas.
Bailam ao vento,
Com véu de rainhas.
Ficam expectantes.
Querem reinar.
Dispostas a tudo,
Enquanto seu viço durar...

Mafra, 23 de Maio de 2020
15h21m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20982: Blogpoesia (677): "Se a vida fosse um mar...", "Tardes suaves" e "Fugir da terra...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21004: Parabéns a você (1807): Rui Gonçalves Santos, ex-Alf Mil Inf da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20997: Parabéns a você (1806): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

sábado, 23 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21003: Agenda cultural (748): "A Batalha do Quitafine", de José Francisco Nico, Ten-General PilAv. O livro pode ser adquirido através do endereço "batalhadoquitafine@sapo.pt" (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69):

Caros amigos e camaradas.

Acabou de ser publicado o livro "A Batalha do Quitafine". da  autoria do Tenenente General Piloto / Aviador José Francisco Fernando Nico, com quem convivi em perfeita simbiose na Guiné - Bissau entre 1967 e 1969. Eu,  Especialista MMA, ele, Piloto/Aviador, na "Esquadra de Tigres", Fiats G-91.

O livro, ilustrado com fotos e grafismos, relata episódios históricos sobre a Guerra em que muitos de nós fomos intérpretes na então Província da Guiné.

Este é um contexto em que a Força Aérea estava orfã: o seu desempenho em combate no âmbito da missão primária, ou seja na defesa do espaço aéreo da Guiné.

Este é o tema desenvolvido que tem um enquadramento claramente incómodo e desalinhado com os "fazedores da história", sem rodeios e sem molduras.

O General Nico oniciou a sua carreira como cadete na Academia Militar em 1960, sendo brevetado em 1964, após 3 anos de tirocínio...

Voou depois em Tiger Moth, Piper Cub, Chipmunk, C-45, Broussard, Alouette III, Puma SA 330, DO27, T6, T-33, T-37, F-86, Fiat G-91, DC-6, C-130H e Boeing 707.

Dedicou toda a sua vida ao ideal da Força Aérea e cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1967 e 1970.

O então Tenente Piloto / Aviador José Nico era um Oficial rigoroso e dedicado.

Em combate, mostrou sempre bravura, coragem e serenidade, apesar do perigo constante da reacção do inimigo; tudo isto, aliado ao seu porte correcto e disciplinado... actuou em missões de reconhecimento fotográfico e visual, bombardeamento, apoio de fogo e escolta de protecção às nossas tropas de superfície e da Marinha.

Este livro é um documento histórico de uma grande riqueza analítica, que relata sem subterfúgios um pedaço indelével das nossas vidas.

Pode ser adquirido através do mail publicado no "flyer" que publico em anexo.

Mário Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20910: Agenda cultural (747): "Voando sobre um ninho de Strelas", de António Martins de Matos: 2ª edição, revista e aumentada (Lisboa, Sítio do Livro, 2020, 456 pp.)

Guiné 61/74 - P21002: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (11): O Bando festejou mais um ano

1. Em mensagem do dia 27 de Abril de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, dedicada ainda ao confinamento.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 10

O Bando fez mais um ano


“Num te mexas beilho, não.
Nem gozes a bida, não.
Bais ber o que perdeste,
Ou a merda que fizeste.
Já foste, ó meu Morcão!”

(autor desconhecido)

No final de cada ano, cada individuo devia fazer uma retrospectiva e destacar quais os melhores dias que passou. Pelo que tenho observado, poucas são as pessoas que ultrapassam o registo do número dos dedos de uma mão.

Felizmente que nem eu nem os meus principais amigos pertencemos a essa multidão de morcões que espera pacientemente pela sua “boa horinha do Senhor”.

Ora aqui está uma boa razão para manifestar a minha satisfação por ter vivido mais um ano de alegrias e de bons convívios. Dentre eles, terei que destacar as oportunidades bem vividas junto do nosso Bando.

Com o Bando, saboreamos boa camaradagem, boa amizade e a boa gastronomia, cultivamos os conhecimentos e promovemos o bom-viver.

Visitámos os lugares mais lindos, os mais históricos e os mais sagrados. Apreendemos o nosso Património, revivemos as nossas raízes e recordamos as nossas tradições.

Quinta Sr.ª da Graça

Com o Bando, tanto olhámos deslumbrados o nosso Douro (Vila Real, Régua, Mogadouro, Pocinho, etc.) como convivemos nas fraldas do Barroso, nas encostas do Alvão e do Marão, nas vinhas de Penafiel e da Sr.ª da Graça, nas escarpas da Senhora do Salto e da Serra do Pilar, nas praias do Litoral, nos jardins do Bom Jesus de Braga, de Aveiro, de Ponte de Lima ou no “presépio” de Crestuma.

Galafura - Douro

O Bando assalta o Castelo do Mogadouro

No Big Beef

Com o Bando, fomos ao Museu do Douro, Museu dos Clérigos, Museu Militar, Museu do Gramido, Museu Vivo dos Combatentes, Museu do FCP, Parque Biológico, Jardim Botânico, Museu do Infante, Museus de Vila do Conde, Museu das Conservas da Murtosa, Museu do Montesinho, Museu dos Pescadores de Espinho, Museu Souza Cardoso de Amarante, a Nau Quinhentista, o Isqueiro da Maia, etc., etc..

Na Nau Quinhentista e outros Museus de Vila do Conde

Com o Bando, relembrando os nossos camaradas, fomos ainda ao RAP 2, ao GACA 3, ao Dia do Combatente de Gondomar, ao 10 de Junho de Crestuma e ao 25 de Abril na Régua.

No GACA 3 - Espinho

Com o Bando, percorremos os lugares mais típicos e mais simbólicos da nossa mui digna Cidade Invicta (o Porto, pois claro!), Património da Humanidade. Aqui, cabe referir que beneficiámos da companhia do Bandalho Jorge Portojo, mais que “Doutor” a falar sobre a História Tripeira. Ribeira, Banharia, Sé, S.Bento, Fontaínhas, Batalha, Aliados, Bolhão, Campo 24 de Agosto, Antas, Areosa, Carvalhido, Boavista, Campo Alegre, Palácio, Caldeireiros, Massarelos, Foz, Alfândega, Infante, etc., etc., são pontos de referência permanente e cheiinhos de Histórias. E, no que toca a nomes, ele discorria facilmente sobre as personagens mais sonantes do burgo portuense e arredores. Dava gosto ouvi-lo quando lembrava as origens do Porto e de Portugal, os seus donos na Idade Média, o Infante D. Henrique, a fauna fluvial do Rio Douro, a Ferreirinha, as guerras, as revoluções, os Bispos, o Camilo, o Eça, o Alexandre Herculano etc., etc..

O Portojo gozando das imagens nas alturas (e dos digestivos), no “17º.” do Hotel D. Henrique

E, por fim, em jeito de Almoço de Natal, já fomos contemplar o Porto, através da panorâmica disponível no Restaurante 17.º, do Hotel D. Henrique, fomos à Taberna do Rústico e à Quinta do Costa.




Também com o Bando, saboreámos os melhores petiscos da região nortenha. Seria injusto se não lembrasse:
- O Cozido Transmontano do Pires
- Os petiscos do Regula e do Ramirinho
- O Sável do Vigário de Atães
- Os Rojões do Pinto da Rua dos Polacos
- As Tripas da Rosinha da Marroca
- A Cabra Velha do Súcio
- A Paella do Ricardo de Recarei
- O Leitão da Casa do Casalinho
- O Bacalhau à Liberdade da Churrasqueira das Antas
- Bacalhau com todos no Carpa
- A Carne Estufada de Penafiel
- Chanfana no Pote Velho
- O Magusto da Campeã
- O Risoto do D. Henrique
- Lampreia de Rio de Moinhos
- Arroz de Sarrabulho de Ponte de Lima
- Feijoada da Luísa
- Bacalhau assado no Monte São Felix
- Assado do Big Beef
- Caldeirada na Casa das Enguias (Torreira)
- Posta no Lareira do Mogadouro
- Cabrito no Zeca Diabo de Brunhoso
- Sardinhas no Milho Rei de Matosinhos
- Vitela no Merendola da Maia
- Espetada no Mar à Vista da Madalena
- Lulas com Gambas em Espinho
- A Francesinha na Marisqueira do Porto
- O Polvo no Madureiras
- Caras de Bacalhau no S. Nicolau
- Cabrito refogado na Taberna do Rústico
- Self Service no Choupal dos Melros


Claro que tudo isto só se consegue graças a um excepcional núcleo de amigos ex-Combatentes que, por coincidência, já reuniam no Café Progresso antes de irem para a tropa, para Vendas Novas e, depois, para a Guiné. A eles se juntaram outros habilitados camaradas que, perante boas provas dadas, foram sendo agradavelmente admitidos. Agora, que o Progresso fechou, vão mais ao Piolho, Adega de Chaves, Badalhoca, Calhambeque, Guedes, etc. E chamam-lhe Reuniões de Trabalho.


Sentimos muito a falta dos que já partiram, especialmente a do Fundador do Bando, o Jorge Portojo e a do Bom Professor, o Carlos Peixoto.

Porém, a sua lembrança dá-nos mais força para cada vez mais nos agarrarmos à vida que nos resta.

E porque essa vida está indissociavelmente ligada às “combatentes” que nos têm acompanhado desde a maldita guerra que nos marcou, chegou a hora de lhes darmos maior atenção e maior abertura nos convívios que participamos. Afinal, elas são valentes e sabem mais da guerra que muitos condecorados da nossa Pátria.

Não vamos parar, ó meu!
Nem vamos esmorecer.
Para irmos par’o Céu,
Falta muito que fazer

Se o Covid nos levar
Sem honras, sem orações,
Nunca nos vai apagar
Das boas recordações.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20980: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (10): Feliz em África (em jeito de biografia)