Lourinhã > Atalaia > Porto das Barcas > 7 de junho de 2020 > O Joaquim Pinto Carvalho na sua casa de verão, onde fez o "confinamento" por causa da pandemia de COVID-19, e onde se reune também a Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã.
Esta casa dos "Duques do Cadaval", é também conhecida por "Atira-te ao Mar" ou "Porta-aviões", designação dada pelos amigos (e camaradas), Luís Graça e João Rebelo, respetivamente. ("By the way", a "duquesa do Cadaval" tem, por graça, o nome Maria do Céu Pinteus.)
Foto (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Com a devida vénia. e as necessárias adaptações ao nosso formato (*), transcrevemos o seguinte poste do blogue da Tabanca do Centro, de que é "régulo" o Joaquim Mexia Alves e editor principal o Miguel Pessoa (, diretor também da "Karas de Monte Real"):
Sábado, 30 de maio de 2020 > P1231: Uma relíquia com 47 anos...
Do nosso camarigo Joaquim Pinto Carvalho recebemos um mail em que dava a conhecer correspondência trocada há cerca de 47 anos com a então sua namorada, mais tarde esposa, em que referia o contacto tido com o famoso Marcelino da Mata e as histórias por ele contadas nessa ocasião, nomeadamente um resgate de um piloto da FAP perdido no meio das matas de Guileje.
Aqui fica a história, que publicamos na data em que este nosso camarigo comemora mais um aniversário ( ).
Que os festejos sejam adequados às normas de contenção que a actual situação exige...
A Tabanca do Centro
Caro Miguel
Tomo a liberdade de te enviar um excerto duma carta que escrevi, há cerca de 47 anos, quando me encontrava na Guiné (Bedanda). Essa carta e o que nela descrevo ficou no esquecimento, por todo este tempo. Encontrei-a porque ando a recolher tudo o que escrevi durante o período em que estive na guerra para eventual publicação.
Não sei se te surpreendi, nem sei se outros “camaradas”, ao tempo, fizeram igual… Há memórias que não podem ser esquecidas!
Fica um forte abraço, esperando que no meio desta “guerra” pandémica tudo vos esteja a correr bem.
Joaquim Pinto Carvalho
(**) Vd. postes de:
Foto (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Com a devida vénia. e as necessárias adaptações ao nosso formato (*), transcrevemos o seguinte poste do blogue da Tabanca do Centro, de que é "régulo" o Joaquim Mexia Alves e editor principal o Miguel Pessoa (, diretor também da "Karas de Monte Real"):
Sábado, 30 de maio de 2020 > P1231: Uma relíquia com 47 anos...
Do nosso camarigo Joaquim Pinto Carvalho recebemos um mail em que dava a conhecer correspondência trocada há cerca de 47 anos com a então sua namorada, mais tarde esposa, em que referia o contacto tido com o famoso Marcelino da Mata e as histórias por ele contadas nessa ocasião, nomeadamente um resgate de um piloto da FAP perdido no meio das matas de Guileje.
Aqui fica a história, que publicamos na data em que este nosso camarigo comemora mais um aniversário ( ).
Que os festejos sejam adequados às normas de contenção que a actual situação exige...
A Tabanca do Centro
Caro Miguel
Tomo a liberdade de te enviar um excerto duma carta que escrevi, há cerca de 47 anos, quando me encontrava na Guiné (Bedanda). Essa carta e o que nela descrevo ficou no esquecimento, por todo este tempo. Encontrei-a porque ando a recolher tudo o que escrevi durante o período em que estive na guerra para eventual publicação.
O relato dos “factos”, por quanto retive, foi-me feito directamente pelo próprio Marcelino da Mata.
Penso que, tomado como verdadeiro o depoimento, não defraudará a verdade histórica, mas poderás, ou não, confirmar. Também não é “essa” verdade o mais importante para mim, mas a leitura que nesse momento fiz do episódio. Para mim é um documento que, agora ao ler, me traz alguma emoção, mais que nostalgia, e que me é grato partilhar contigo. (...)
O excerto faz parte de uma carta que escrevi à então minha namorada, com quem vim a casar (doutra forma ter-se-ia provavelmente perdido este relato) e, por essa razão, envio-te uma reprodução da carta original.
No entanto, para facilitar a leitura, abaixo transcrevo, na íntegra, esse meu relato, sem pretensões jornalísticos nem de exercício literária, mas que é genuíno, acredita! Se corresponde à factualidade e aos sentimentos pessoais que, em tais circunstâncias, procurei então perscrutar em quem não conhecia, logo me dirás!
Guiné > Região de Tombali > Susetor de Guileje > 26 de março de 1970 > Resgaste do ten pilav Miguel Pessoa, cujo Fiat G-91 timha sido abatido na véspera por um míssil Strela (**). No resgate, dois bigrupos da CCP 123 / BCP 12, cap João Cordeiro era o comandante do 1.º bigrupo e o cap Norberto Bernardes do 2. bigrupo, que actuavam isolados. A outra força é o grupo "Os Vingadores", do Marcelino da Mata-
Os créditos fototográficos são atribuídos ao gen ref Norberto Bernardes, que entre 11 de junho de 1972 e 17 de fevereiro de 1974, prestou serviço na CCP123 / BCP12. Cortesia do Miguel Pessoa.
O MARCELINO DA MATA
(Carta enviada pelo Joaquim Pinto Carvalho em 28 de Março de 1973)
“Decerto não ouviste ainda falar dum tal Marcelino da Mata e do seu grupo de “Vingadores” – tal como são chamados aqui. É um grupo especial de combate que não atinge a vintena de homens. Não são “turras” ainda que fardem e se armem à maneira turra, utilizando mesmo emblemas do PAIGC.
Pois o Marcelino e o seu grupo estiveram entre nós alguns dias e, porque se foram embora esta manhã, já poderei falar-te deles. Para reconheceres as qualidades (?) desse grupo basta o seu nome - “OS VINGADORES”.
Nas veias corre-lhes a guerra em vez de sangue e não importam os objetivos. São chamados a actuar isoladamente quando as circunstâncias o exigem e só se sentem bem aí.
O Chefe tem nada menos que três cruzes de guerra e uma Torre Espada. É, entre nós, o combatente mais famoso, depois de Spínola, creio, tal como nas fileiras do PAICG, o Nino de quem se diz primo.
Não vou repetir-te as histórias que ele contou, mas relato a última saída que fizeram já durante a sua estadia aqui.
Chegou notícia de que um piloto de FIAT (bombardeiro a jacto) tinha desaparecido junto da fronteira com a República da Guiné, a algumas dezenas de quilómetros daqui. Uma companhia de “páras” andou durante várias horas à sua procura sem qualquer resultado. Na madrugada seguinte, este grupo saiu e ainda não era meio dia, já o haviam localizado e enviado para Bissau. Este é um outro aspecto da guerra.
Agora imagina o que seja um homem sozinho, numa região estrangeira (Rep. Guiné), desarmado, sofrendo ainda o susto que apanhou ao sentir o avião atingido e ao lançar-se de para-quedas.
Andou cerca de dois quilómetros na direcção do quartel e se os “páras” o não encontraram terá sido pela necessidade de se esconder em qualquer buraquinho logo que ouvisse o mínimo ruído de gente, pois dizem que os paraquedistas passaram a cerca de 100 metros dele, o que em plena mata é bastante.
Pois, “os Vingadores” conseguiram recuperá-lo. Esse piloto terá nascido uma segunda vez, não duvido. Estava deitado – e talvez já meio alucinado, quando o encontraram. Ao ver o grupo aproximar-se chamou-lhes todos os nomes possíveis e imagináveis, mandou-os para a merda e outras coisas mais, dado que seria difícil reconhecê-los. Quando o Marcelino que é alferes por promoção, o agarrou quando tentava fugir e lhe disse quem era deve ter sido um momento de loucura.
Esse piloto que deveria sentir-se já irremediavelmente perdido poderá seguir descansado para Bissau e reabilitar-se do temor e de toda a revolução psicológica que deverá ter experimentado dentro de si.
Foi-se um avião (que deve ter custado alguns milhares de contos), mas salvou-se uma vida que não se pode avaliar em dinheiro. É, sem dúvida, uma outra dimensão da guerra. Mesmo assim não terá saldado as muitas mortes que já devem ter feito nas operações em que entraram.
Mas, deixando em paz os vingadores…"
Penso que, tomado como verdadeiro o depoimento, não defraudará a verdade histórica, mas poderás, ou não, confirmar. Também não é “essa” verdade o mais importante para mim, mas a leitura que nesse momento fiz do episódio. Para mim é um documento que, agora ao ler, me traz alguma emoção, mais que nostalgia, e que me é grato partilhar contigo. (...)
O excerto faz parte de uma carta que escrevi à então minha namorada, com quem vim a casar (doutra forma ter-se-ia provavelmente perdido este relato) e, por essa razão, envio-te uma reprodução da carta original.
No entanto, para facilitar a leitura, abaixo transcrevo, na íntegra, esse meu relato, sem pretensões jornalísticos nem de exercício literária, mas que é genuíno, acredita! Se corresponde à factualidade e aos sentimentos pessoais que, em tais circunstâncias, procurei então perscrutar em quem não conhecia, logo me dirás!
Guiné > Região de Tombali > Susetor de Guileje > 26 de março de 1970 > Resgaste do ten pilav Miguel Pessoa, cujo Fiat G-91 timha sido abatido na véspera por um míssil Strela (**). No resgate, dois bigrupos da CCP 123 / BCP 12, cap João Cordeiro era o comandante do 1.º bigrupo e o cap Norberto Bernardes do 2. bigrupo, que actuavam isolados. A outra força é o grupo "Os Vingadores", do Marcelino da Mata-
O MARCELINO DA MATA
(Carta enviada pelo Joaquim Pinto Carvalho em 28 de Março de 1973)
“Decerto não ouviste ainda falar dum tal Marcelino da Mata e do seu grupo de “Vingadores” – tal como são chamados aqui. É um grupo especial de combate que não atinge a vintena de homens. Não são “turras” ainda que fardem e se armem à maneira turra, utilizando mesmo emblemas do PAIGC.
Pois o Marcelino e o seu grupo estiveram entre nós alguns dias e, porque se foram embora esta manhã, já poderei falar-te deles. Para reconheceres as qualidades (?) desse grupo basta o seu nome - “OS VINGADORES”.
Nas veias corre-lhes a guerra em vez de sangue e não importam os objetivos. São chamados a actuar isoladamente quando as circunstâncias o exigem e só se sentem bem aí.
O Chefe tem nada menos que três cruzes de guerra e uma Torre Espada. É, entre nós, o combatente mais famoso, depois de Spínola, creio, tal como nas fileiras do PAICG, o Nino de quem se diz primo.
Não vou repetir-te as histórias que ele contou, mas relato a última saída que fizeram já durante a sua estadia aqui.
Chegou notícia de que um piloto de FIAT (bombardeiro a jacto) tinha desaparecido junto da fronteira com a República da Guiné, a algumas dezenas de quilómetros daqui. Uma companhia de “páras” andou durante várias horas à sua procura sem qualquer resultado. Na madrugada seguinte, este grupo saiu e ainda não era meio dia, já o haviam localizado e enviado para Bissau. Este é um outro aspecto da guerra.
Agora imagina o que seja um homem sozinho, numa região estrangeira (Rep. Guiné), desarmado, sofrendo ainda o susto que apanhou ao sentir o avião atingido e ao lançar-se de para-quedas.
Andou cerca de dois quilómetros na direcção do quartel e se os “páras” o não encontraram terá sido pela necessidade de se esconder em qualquer buraquinho logo que ouvisse o mínimo ruído de gente, pois dizem que os paraquedistas passaram a cerca de 100 metros dele, o que em plena mata é bastante.
Pois, “os Vingadores” conseguiram recuperá-lo. Esse piloto terá nascido uma segunda vez, não duvido. Estava deitado – e talvez já meio alucinado, quando o encontraram. Ao ver o grupo aproximar-se chamou-lhes todos os nomes possíveis e imagináveis, mandou-os para a merda e outras coisas mais, dado que seria difícil reconhecê-los. Quando o Marcelino que é alferes por promoção, o agarrou quando tentava fugir e lhe disse quem era deve ter sido um momento de loucura.
Esse piloto que deveria sentir-se já irremediavelmente perdido poderá seguir descansado para Bissau e reabilitar-se do temor e de toda a revolução psicológica que deverá ter experimentado dentro de si.
Foi-se um avião (que deve ter custado alguns milhares de contos), mas salvou-se uma vida que não se pode avaliar em dinheiro. É, sem dúvida, uma outra dimensão da guerra. Mesmo assim não terá saldado as muitas mortes que já devem ter feito nas operações em que entraram.
Mas, deixando em paz os vingadores…"
Original da carta enviada em março de 1973
Não sei se te surpreendi, nem sei se outros “camaradas”, ao tempo, fizeram igual… Há memórias que não podem ser esquecidas!
Fica um forte abraço, esperando que no meio desta “guerra” pandémica tudo vos esteja a correr bem.
Joaquim Pinto Carvalho
____________
Nota do editor da Tabanca do Centro:
O texto apresentado está conforme a carta enviada pelo Joaquim Pinto Carvalho em 28 de Março de 1973, que quisemos manter. Mas será conveniente prestar alguns esclarecimentos sobre o que aqui é descrito.
Na verdade não houve forças nossas no terreno a tentar recuperar o piloto no dia em que ele foi abatido. A primeira identificação do local em que ele se encontrava só ocorreu cerca das cinco da tarde, não havendo tempo disponível para efectuar o resgate (, com a noite iria cair muito rapidamente).
No dia seguinte foram posicionados dois grupos na orla da mata referenciada - um com 25 pára-quedistas chefiados pelo Cap Norberto Bernardes e um segundo grupo com 25 pára-quedistas chefiados pelo Cap Cordeiro, que acompanhavam o grupo de Operações Especiais do Marcelino da Mata (14 elementos).
Foi aliás o primeiro grupo que localizou os destroços do avião e recuperou o pára-quedas e o capacete do piloto. Foi depois mandado parar e estabelecer a segurança, avançando então os grupos do Cap. Cordeiro e do Marcelino da Mata para resgatar o piloto, entretanto localizado.
Quanto ao possível estado alucinado do piloto, não exageremos... embora já começasse a ter os platinados a falhar... E os insultos que ele mandou ao pessoal parecem totalmente justificáveis, quando os primeiros elementos da equipa de resgate com que se depara são africanos equipados com fardas cubanas e armados com Kalashnikovs... (**)
O editor (que por sinal era o piloto em questão...)
_______________
Notas do editor LG:
(*) Último poste da série > 24 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21006: Blogues da nossa blogosfera (131): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (47): Palavras e poesia
Nota do editor da Tabanca do Centro:
O texto apresentado está conforme a carta enviada pelo Joaquim Pinto Carvalho em 28 de Março de 1973, que quisemos manter. Mas será conveniente prestar alguns esclarecimentos sobre o que aqui é descrito.
Na verdade não houve forças nossas no terreno a tentar recuperar o piloto no dia em que ele foi abatido. A primeira identificação do local em que ele se encontrava só ocorreu cerca das cinco da tarde, não havendo tempo disponível para efectuar o resgate (, com a noite iria cair muito rapidamente).
No dia seguinte foram posicionados dois grupos na orla da mata referenciada - um com 25 pára-quedistas chefiados pelo Cap Norberto Bernardes e um segundo grupo com 25 pára-quedistas chefiados pelo Cap Cordeiro, que acompanhavam o grupo de Operações Especiais do Marcelino da Mata (14 elementos).
Foi aliás o primeiro grupo que localizou os destroços do avião e recuperou o pára-quedas e o capacete do piloto. Foi depois mandado parar e estabelecer a segurança, avançando então os grupos do Cap. Cordeiro e do Marcelino da Mata para resgatar o piloto, entretanto localizado.
Quanto ao possível estado alucinado do piloto, não exageremos... embora já começasse a ter os platinados a falhar... E os insultos que ele mandou ao pessoal parecem totalmente justificáveis, quando os primeiros elementos da equipa de resgate com que se depara são africanos equipados com fardas cubanas e armados com Kalashnikovs... (**)
O editor (que por sinal era o piloto em questão...)
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Notas do editor LG:
(*) Último poste da série > 24 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21006: Blogues da nossa blogosfera (131): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (47): Palavras e poesia
(**) Vd. postes de: