sábado, 27 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10582: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex-comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (9): Ainda a curta estadia em Cacine, a caminho de Cufar, em dez 69 e jan 70


Guiné > Região de Tombali > Cacine > Dezembro de 1969 > Local do nosso desembarque em Cacine, talvez no dia seguinte, com LDM e uma AML [Junto à AML, o alf mil Armindo Batata, comandante do Pel Caç Nat 51].


1. Mensagem de Armindo Batata, a quem pedi para completar as legendas do poste P10487 (*)

Data: 12 de Outubro de 2012 22:50

Assunto: Re: [Luís Graça & Camaradas da Guiné] Guiné 63/74 - P10487: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (6): Cacine e o Rio Cacine, deslumbrantes (dezembro de 1969)


Caro Luís

Vamos lá então puxar pelas memórias.

Os Pel Caç Nat 51 e 67, este de comando do Alf  Mil Esteves, passaram por Cacine em Dezembro 1969/Janeiro 1970, em trânsito para Cufar. O Pel Caç Nat 67 tinha guarnecido o destacamento do Mejo até à evacuação desta posição em Janeiro de 1969.

O deslocamento de Guileje para Cufar teve um primeiro troço em coluna de Guileje para Gadamael Porto. Prosseguiu em LDM para Cacine onde aguardámos a formação de um comboio fluvial. Chegámos a Cacine já a noite tinha caído. Desembarcámos na praia, (v. foto anexa, s/nº) a jusante da ponte cais, com 1 ou 2 AML  a fazerem a segurança e iluminados por viaturas.

Os militares nativos "espalharam-se" com as familias e haveres pelas tabancas de acordo com as respectivas etnias. Nessa noite dormi num quarto com aspecto de quarto, que até tinha mesa de cabeceira e, paredes meias, uma casa de banho que, para meu grande espanto, tinha um autoclismo, daqueles de puxar uma corrente; que maravilha tecnológica!.

Ficámos uns dias, não me lembro quantos, mas deu para eu ir  a Cameconde,  numa das colunas que se efectuavam diariamente(?). Tenho de Cameconde a imagem de uma fortaleza em betão, daquelas fortalezas dos livros da escola, a que só faltavam as ameias. Quem por lá andou me corrija por favor esta imagem, se for caso disso.

Deu também para umas passeatas no rio Cacine. Mas só na preia-mar, quando era um rio azul digno de um qualquer cartaz turístico daqueles locais chamados de sonho. Depois vinha a baixa-mar e o cartaz turístico ficava cinzento. E naquele tempo era quase sempre baixa-mar.

Num fim de tarde, as marés a isso obrigaram, embarcámos nas LDM  e ficámos fundeados a meio do rio Cacine em companhia do NRP Alvor,  que nos iria comboiar até Catió. O 2º tenente da RN, comandante do NRP Alvor, convidou-nos, a mim e ao alferes Esteves, para bordo e entre umas (muitas) cervejas e não menos ostras, passámos a noite. A hospitalidade habitual da Marinha.

As embarcações suspenderam o ferro com o nascer do sol (exigências da maré) e lá seguimos para Catió. No último troço da viagem,  já o rio era mais estreito, portanto já não era o Cacine, fomos acompanhados por T6 no ar e fuzileiros em zebros a vasculharem o rio, já que tinha havido, recentemente, um qualquer "conflito" entre uma embarcação e uma mina. Nada se passou, e o fogo de reconhecimento para as margens, a partir das LDM, não teve resposta.

Não houve incidente algum portanto, mas a  viagem foi um bocado complicada, em termos logísticos. Um pelotão de nativos integra as familias dos militares, os seus haveres e animais domésticos. Família, haveres e animais domésticos que afinal eram o triplo ou quádruplo do inicialmente inventariado.  Nos animais domésticos estão incluídos os porcos dos não islamizados, que terão que viajar separados dos islamizados. E a aguardente de cana. E o ... e a mulher do ... e o "alferes desculpa mas não pode ser". Em coluna auto lá se arranjam, mas em LDM não foi fácil. Valeu a paciência dos furrieis, um deles de nome Neves e do 2º sargento (... ?).

Catió tinha uma estação de correios com telefone para a metrópole, um restaurante daqueles em que se come e no fim se pede a conta e se paga. E pessoas brancas sem serem militares. Um espanto!

O plano inicial era os dois pelotões deslocarem-se por estrada de Catio para Cufar. Esse percurso já não era utilizado ha bastante tempo (meses?) e foi considerado de risco muito elevado. Não me lembro dos argumentos avançados, mas acabámos por ir para Cufar por rio (LDM com desembarque em Impugueda no rio Cumbijã ou sintex/zebro com desembarque em Cantone?  - não tenho a certeza, pode ser que alguém de mais fresca memória se lembre).

Vamos agora ás legendas das fotografias:


Foto nº 49 > Rio Cacine imediatamente a jusante da ponte cais de Cacine




Foto nº 55 > Cacine - A ponte cais ao fundo e a messe (ou bar?) de sargentos à direita. A messe, bar e alojamentos dos oficiais era do lado opsto,  donde tirei a fotografia.O acesso à ponte cais, era uma agradável avenida ladeada de palmeiras.





Fotos nºs 53 e 54 > A mesma ponte cais, com os batelões a seco (baixa mar). Ao fundo o Cantanhez.




Fotos nºs 47, 48 e 51 > Comboio fluvial no rio Cacine a caminho de Catió





Foto nº 50 > O NRP Alvor, que escoltou o comboio fluvial.



Foto nº 52 > Cacine - Praia a jusante da ponte cais onde desembarcámos das LDMs, durante a noite, vindos de Gadamael Porto


Foto anexa [, vd acima] >  Local do nosso desembarque em Cacine, talvez no dia seguinte, com LDM e uma AML


Espero que não haja para aqui nenhum erro. Estou convicto que não.


Abraço, Armindo Batata


Fotos: © Armindo Batata (2007-2012). Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]

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Notas do editor:

(*) Vd poste de  6 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10487: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (6): Cacine e o Rio Cacine, deslumbrantes (dezembro de 1969)


(**) Último poste da série > 11 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P10515: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (8): Cufar, 1970 (Parte II)

Guiné 63/74 - P10581: Agenda cultural (226): A banda musical portuguesa Melech Mechaya no 20º Festival Sete Sóis Sete Luas: seis concertos em quatro ilhas de Cabo Verde, 6-11 de novembro de 2012 (João Graça)







1. Do nosso grã-tabanqueiro João Graça, médico, interno de psiquiatria e músico, membro da banda de música portuguesa Melech Mechaya, recebemos a seguinte informação:

Daqui a uma semana entramos nós no avião em direcção a Cabo Verde! Vai ser uma aventura, 6 concertos em 4 ilhas diferentes, entre barcos e aviões e carrinhas! Fiquem com as datas:

- 4 Novembro - São Filipe [, Ilha do Fogo]

- 6 Novembro - Ilha Brava

- 8 Novembro - Praia [, Ilha de Santiago]

- 9 Novembro - Ribeira Grande [, Ilha de Santo Antão]

- 10 Novembro - Tarrafal [, Ilha de Santiago]

- 11 Novembro - Cidade Velha [, Ilha de Santiago]


Abraço! João

[Ouvir aqui um dos temas mais populares da banda, o Buglar de Odessa, a cidade onde nasceu a avó materna do nosso querido Pepito, cuja mãe, Clara Schwarz, nascida em Lisboa, de pai judeu polaco - e que é a decana da nossa Tabanca Grande ! - iria casar com um homem de origem caboverdiana e guineense, Artur Augusto Silva, nascido na Ilha da Brava...]


2. Festival Sete Sóis Sete Luas em Novembro distribuído por quatro ilhas

A edição de 2012 do Festival Sete Sóis Sete Luas vai decorrer de 6 a 11 de Novembro em cinco cidades de Cabo Verde, na presença de grupos musicais e teatrais de Portugal, Brasil, Espanha e Itália.

Numa nota à imprensa, os promotores do evento adiantam que a novidade para a edição deste ano passa pela aceitação do presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, do convite que lhe foi formulado, já aceite, para se tornar "presidente honorário" do certame, sucedendo ao escritor português José Saramago, já falecido.

O festival, lê-se na nota, vai decorrer em cinco cidades de quatro ilhas - Ribeira Grande de Santiago (também conhecida por "Cidade Velha") e Tarrafal (ambas em Santiago), Ribeira Grande (Santo Antão), São Filipe (Fogo) e Nova Sintra (Brava).

O Sete Sóis Sete Luas é um festival de música popular e arte contemporânea, que abrange 30 cidades de 11 países espalhados pela bacia Mediterrânica e mundo lusófono, nomeadamente no Brasil, Cabo Verde, Croácia, Espanha, França, Grécia, Israel, Itália, Marrocos, Roménia e Portugal.

Segundo a nota, a organização do Festival Sete Sóis Sete Luas tem "uma relação especial com Cabo Verde", por ser o primeiro país extra europeu a entrar na grande Rede SSSL em 1998.

"Desde essa altura", lê-se no documento, "o Festival Sete Sóis Sete Luas trabalhou para valorizar a cultura cabo-verdiana no mundo e levou para a Europa, na maioria das vezes em estreia nacional, muitos grandes artistas" cabo-verdianos. São os casos, nomeadamente, de Cesária Évora, Bana, Tito Paris, Mayra Andrade, Teté Alhinho, Mário Lúcio, Tcheka, Mariana Ramos, Voz de Cabo Verde, Hermínia, Ildo Lobo, Tchalê Figueira e Bento Oliveira, entre outros.

Fonte: Expresso das Ilhas (Com a devida vénia)

3. O que é o Festival Sete Sóis, Sete Luas (Excertos do sítio oficial)

(i) Como nasceu:

Pela curiosidade e audácia de um grupo de estudantes da Toscana [, Itália,] e o apoio de um escritor português [, Jorge Saramago,] nasce a experiência do Festival Sete Sóis Sete Luas. 

Jovens sonhadores, com uma grande paixão pelo teatro, fundam o Gruppo Teatrale Immagini (Grupo Teatral Imagens) em 1987. Ansiosos por atravessar a fronteira italiana, em 1991, voam até ao Alentejo. Aqui apresentam vários espectáculos, com muito sucesso, e entram em contacto com José Saramago, convidando-o a visitar Pontedera. O escritor português não só aceita o convite, como também lhes oferece os direitos de autor em Itália do seu livro “O ano de 1993”. Em 1993 nasce o Festival Sete Sóis Sete Luas, dirigido por Marco Abbondanza desde a sua primeira edição, e começa o original e rico intercâmbio cultural entre Itália e Portugal que, ao longo dos seus 20 anos (1993-2012), já viu aderir muitos outros países: Grécia (1993), Espanha (1997), Cabo Verde (1998), França e Marrocos (2005), Israel (2006), Croácia (2008), Brasil (2009), Roménia (2012) privilegiando sempre as localidades periféricas e não os grandes centros.

(ii) Objetivos e projetos:

  • É uma Rede cultural de 30 cidades de 11 Países - Brasil, Cabo Verde, Croácia, França, Grécia, Israel, Itália, Marrocos, Portugal, Espanha e Roménia - que privilegia relações vivas e directas com os pequenos centros e os artistas; 
  • É uma viagem pelo Mediterrâneo e pelo mundo lusófono: uma viagem feita de encontros. Viajam os artistas, os operadores culturais e os espectadores;
  • É um Festival que vai ao encontro das pessoas, não das praças e dos monumentos;
  • Projectos de música popular contemporânea e arte figurativa do mundo mediterrâneo e lusófono; 
  • Promotor de turismo cultural: o público pode seguir o Festival nas várias paragens da sua viagem pelo mundo lusófono e mediterrneo;
  • Experiências directas de música, arte e sabores através da promoção dos produtos de excelência de cada país.
(iii) José Saramago: "um presidente honorário militante e um símbolo iluminista"

José Saramago deu ao Festival SSSL os instrumentos, filosóficos e práticos, para começar esta fantástica viagem pelo Mediterrâneo e pelo mundo lusófono. O Festival inspira-se nos valores presentes na sua obra “Memorial do Convento”, cujas personagens são sonhadores de alma visionária, que vivem numa Europa medieval, oprimidos por uma intolerante e tenebrosa Inquisição. Baltazar Sete Sóis e Blimunda Sete Luas, acompanhados pelo padre Bartolomeu de Gusmão, criam a “passarola”, uma máquina voadora, que é o símbolo do Festival pelo seu poder evocativo e simbólico, representando a metáfora do sonho e da liberdade utópica.

O Festival serve-se da capacidade da arte, da música e da literatura de ver para além da realidade do nosso tempo. Neste contexto compreende-se como o espectáculo, o concerto, a exposição – momentos de visibilidade deste projecto cultural – representam os seus instrumentos e não o seu fim. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10567: Agenda cultural (225): Doclisboa'12, de 18-28 de outubro de 2012: Um filme a não perder: "Terra de ninguém", de Salomé Lamas (estreia mundial absoluta, a 24, na Culturgest; repetição a 26, no cinema São Jorge, 16h)

Guiné 63/74 - P10580: Memória dos lugares (193): O inferno de São Domingos, em março de 1972, ao tempo da CCAV 3365 / BCAV 3846, Os Quixotes (Bernardino Parreira / Plácido Teixeira)








Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Meados de 1972 > CCAV 3365, Os Quixotes (Domingos,1971/1973) > Testemunhos do "inferno" que se viveu em São Domingos, em resultado de vários dias de ataques do PAIGC

Fotos : © Plácido Teixeira / Bernardino Parreira  (2012). Todos os direitos reservados



Bernardino Parreira
1. Mensagem do nosso camarada Bernardino Parreira, na sequência do poste P10525, de que lhe enviei uma cópia (*)


Data: 16 de Outubro de 2012 14:31

Assunto:  Guiné 63/74 - P10525: Um história do artilheiro de Gadamael, Vasco Pires (...) 

Caro amigo, Luís Graça

Aí envio essas fotografias de meados de 1972, que me foram facultadas pelo meu camarada e amigo Plácido Teixeira, que cumpriu toda a comissão em S. Domingos,[na CCAV 3365,]  desde Maio de 1971 a Março de 1973, e que ilustram bem o estado em que ficou o aquartelamento de S. Domingos após mais um ataque ao quartel que durou alguns dias. 

Conforme consta num relato efectuado pelo meu camarada e amigo Plácido Teixeira, que já vos facultei, em que o mesmo manifestava agradecimento ao General Spinola pela visita que fez àquele aquartelamento na sequência desses episódios.(**)

Refiro ainda que à data já não me encontrava lá, em virtude de no princípio de 1972 ter sido destacado para a companhia africana, CCaç 16, sediada no Bachile -Teixeira Pinto, onde acabei a comissão. Mas recordo-me de muitos ataques ao quartel enquanto lá estive, tendo sentido grande alivio quando saí de lá, e parti preocupado com os camaradas que lá deixei a ferro e fogo.


Enquanto estive em S. Domingos vi e vivi situações de guerra e nunca me senti num "resort". No período que lá estive, os Furrieis dos Obuses eram os meus amigos Pimenta e Rebelo. Tudo isto pode ser testemunhado pelos meus camaradas da CCAV 3365 [, Os Quixotes].

No entanto, regozijo-me que a situação estivesse calma no período em que o Alferes Vasco Pires lá esteve. Ainda acrescento ter conhecimento que, depois da minha saída de S. Domingos, o meu amigo Furriel Pimenta, dos Obuses, ficou gravemente ferido numa operação no mato, tendo sido evacuado para Lisboa.

Um abraço

Bernardino Parreira

2. Mensagem do Vasco Pires (*):


Caro Luís,

Muito obrigado pelo informe. Li o depoimento do nobre camarada Bernardino Parreira, e conclui que devemos ter estado lá em datas diferentes, pois não tenho memória de nenhuma flagelação, tão pouco me lembro de ter havido um disparo dos nossos obuses. A única hipotética acção seria uma pretensa operação perto da fronteira, para onde o Major de Operações pretendia levar os obuses. Ora a ordem do Comando do GAC 7 era de que os obuses não deveriam sair nunca do aquartelamento, se o Comando da unidade a que estávamos adidos insistisse na saída, deveria ser dada ordem por escrito, e, quando eu solicitei essa ordem, ficou por isso mesmo. Creia-me,  caro Luis, que na minha memória, a palavra "resort", não é exagero, excepto, que a essa data, por direito, já devia estar em casa. abraço, VP

3. Comentário do L.G.:

Meu caro Bernardo, gostaria que transmitisses ao teu amigo e nosso camarada Plácido Teixeira o meu desejo de o ver mais perto de nós, sentado sob o poilão mágico e fraterno da nossa Tabanca Grande. No caso dele, basta-lhe mandar as duas fotos da praxe, uma do antigamente e outro do agora. Fazes isso por todos nós ?... Um abração. LG (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10525: Um história do artilheiro de Gadamael, Vasco Pires, à beira da peluda, no 'bem-bom' de São Domingos... (Vasco Pires, Brasil)



Plácido Teixeira (Cortesia do blogue Luar da Meia Noite)


(**) Reproduz-se, de novo aqui, o texto escrito por Plácido Teixeira, da CCAV 3365 / BCAV 3846, colocado em S. Domingos,1971/1973, e que vive atualmente nos EUA, em Boston. [O  BCAV 3846, 1971/73,  era composto pelas CCAV 3364 (Ingoré), CCAV 3365 (S.Domingos) e CCAV 3366 (Suzana)].

(..:) Senhor Spínola... sim, Senhor, porque outros tempos vão longe! Mas,  Senhor Spínola, com muito respeito eu digo e escrevo o seguinte:

Muito obrigado pelas palavras que proferiu uma vez em S. Domingos, para uma Companhia abusada, e maltratada e deitada ao abandono. Lembro-me que uma vez, num horrível mês, do ano de 1972, a nossa Companhia foi um alvo, uma carreira de tiro. Sim, uma carreira de tiro e nós o alvo!!! Era bombardeamento diário. Não havia comida, não havia bebida ou até luz.

Lembro-me que andava a passar uma ronda e fomos apanhados no meio do campo de futebol. Todos saltámos do Jeep, uns para a direita, outros para a esquerda. Como fomos apanhados no meio do campo de futebol, a vala e os abrigos estava muito longe. Corri e cheguei finalmente a vala, sem arma, sem sapatos e sem oculos! Bonito para a minha defesa. Mais uma vez a ideia era sobreviver. Havia fumo por todo o lado. Como tinha chovido, na vala era só lama. Não havia luz e com o fumo nada se via para fora da vala. Era até impossível por a cabeça de fora. O tiroteio do outro lado do arame era intenso. Constou que estávamos a ser atacados com bombas de fumo e que até já tinham entrado para dentro do "quartel".

Ficámos toda a noite nos abrigos. Mesmo após o tiroteio ter parado, estava tudo cansado e desmoralizado, sabe-se lá até com que ideias... Sabíamos que do lado de fora do arame, o ataque estava bem organizado e como tal para sobreviver não havia que dar chances ou oportunidades.

Na manhã seguinte com a luz do dia só se via destruição. Poucos foram os que se aventuraram para fora dos abrigos. No entanto como era normal principiaram os boatos... o Jeep está destruído... o bar está acabado... ha dois mortos... há inúmeros feridos... na enfermaria só há sangue etc. etc.

Foi bombardeamento diário durante muitos dias. Era afinal S. Domingos. Era a razão pela qual a sede do Batalhão foi para lugar seguro. Foi assim o nosso pesadelo!

Durante os ataques e certas vezes podia-se ouvir o outro lado, sabiamos portanto que eles não estavam longe, e que afinal eram seres humanos como nós, só que defendiam a sua terra a qual não nos pertencia. Eles tinham razão. Nós éramos invasores, éramos seres humanos como eles, com pais e irmãos, alguns casados e com filhos. Ficámos esgotados e sem energia para sobreviver, água não havia a não ser a da chuva, comer não havia, e munições também estavam a esgotar rápido.

A lama acabou por secar e as pernas foram ficando presas como no cimento. As armas, muitas não trabalhavam de sujidade. Estávamos deitados ao abandono e à mercê da sorte ou do destino.

Não veio ajuda... nem do ar, nem por terra, nem tão pouco por água. Esperávamos somente ajuda, mas do Céu. Mais um dia e seríamos todos mortos ou prisioneiros tal foi essa semana maldita.

Os aviões não podiam vir, pois eles estavam tão perto, corriam o risco de ser também feridos ou mortos. Helicópteros não vinham mandar mantimentos, medicamentos e o necessário, pois seriam alvejados... estes foram os boatos!.

Finalmente ao fim de uma semana, fomos ajudados. Talvez tenha sido por Deus... Como ratos saímos das valas. A cara estava amarela, a barba enorme as roupas rasgadas, e havia lama por todo o lado e até ao cabelo.

O choque final foi saber quem ficou ferido, quem morreu etc.

Ficou tudo destruído. Gerador, frigoríficos, fogões até as panelas ficaram como um assador de castanhas! Água não havia. Passamos a beber água amarela dos "poços" da tabanca. Estávamos portanto sujeitos a malária etc.

Era uma Companhia desmoralizada, sem energia sem sono! Uns choravam com o stress de Guerra, outros não falavam, outros ficaram sem o sorriso da juventude.

Finalmente. um dia, um helicóptero!

Foi tudo reunido para ouvir o Governador da Guiné. Senhor Spínola,  eu agradeço imenso e esteja onde estiver, esteja em paz, como em paz nos deixou! Agradeço as palavras, não de um General mas palavras de um amigo, palavras de reconhecimento. Agradeço ter compreendido estes jovens que foram deixados a mercê das armas e da sorte.

Senhor Spínola... muito e muito obrigado por ter dito a todos nós, em frente do Comandante da Companhia que... a culpa não foi nossa... que: "a culpa foi do vosso Comandante que deixou que o vosso quartel fosse uma carreira de tiro..."!

Resta-me portanto dizer que fomos bombardeados diariamente, que sofremos porque gente sem escrúpulos, sem dignidade, gente agarrada à
s ideias fascistas e de poder, orgulhosos de uma farda e de peso nos ombros famintos por medalhas ao peito, nunca pediu ajuda! Esse Comandante não teve dignidade humana...

Senhor Spínola, muito obrigado é verdade... aquele senhor desumano, realmente deixou fazer do nosso quartel uma carreira de tiro, onde todos nós fomos o alvo.

Bem-haja.
Plácido Teixeira (...) 



(***) Último poste da série > 13 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10523: Memória dos lugares (192): Cufar (Mário Fitas, 1965/67; Eduardo Campos, 1972)

Guiné 63/74 - P10579: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (5): 6.º episódio: Pela primeira vez o quartel foi atacado

1. Em mensagem do dia 24 de Outubro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), mandou-nos o 6.º episódio da sua odisseia militar, correspondente aos melhores 40 meses da sua vida; diz ele e nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

6.º episódio - Pela primeira vez o quartel foi atacado

Perdão peço pela expressão com que terminei a última crónica, aquela do BOLAS... BOLAS... BOLAS.

As palavras usadas foram outras e bem mais provocadoras para as mães dos sacanóides que me estragaram o frango assado na brasa e muito bem temperado com jindungo.
Não me julguem um malcriadão, pois o que sou, é um GRANDE malcriadão.
............

Recapitulemos: "Pela primeira vez o quartel é atacado.........."

Organizei-me, procurei a arma adequada para responder a tal situação e lá descobri o meu caro morteiro 60 e um cunhete com 6 poderosas granadas.
Fiz o reconhecimento da zona para onde as enviaria acompanhadas que seriam com os meus cumprimentos, raiva e votos de festas felizes e DISPAREI.

Não deviam ter conhecimento da letalidade da coisa... acabaram com a flagelação... e ouviram-se gritos de foge... foge.
Em boa verdade, até eu, o municiador e apontador, fiquei deslumbrado com tanta luz.
É que as granadas atrás citadas, em vez de explosivas como convém para casos idênticos, saíram iluminantes, mas que os fez tremer e "cavar", lá isso fez.

Ainda hoje não devem ter percebido porque foi que a negra noite se transformou num ápice, em luminoso dia.

Tínhamos um ligeiro ferido nas nossa hostes, que apanhara de raspão com uma bala no... na anca, o que lhe causava algumas dores.
Não havendo enfermeiro, fiz disso e administrei-lhe uma injecção de morfina, resultando daí que cinco minutos depois, ele quis iniciar uma perseguição na mata, para se vingar.
..............

Partimos dali ao nascer do dia, picando a estrada... no pressuposto de que e como era habitual, iríamos detectar minas.

Em Bissau recolhemos alguns haveres e lá vamos para Mansabá onde nessa mesma noite, participámos numa operação (de triste memória) na região de Manhau.

Localização de Manhau, a Leste de Mansabá. Carta de Farim

Marchámos depois, em coluna militar protegida do ar pelos velhinhos T6 e fomos tomar conta do ainda não terminado de construir, K3 e só então e finalmente, voltámos a estar juntos (a CCAÇ 1422).

Eram bem bons os quartos... dormíamos debaixo do chão... e havia umas frestas viradas para a floresta, através das quais ripostávamos ao fogo inimigo, se por acaso se atrevessem a fazê-lo.

 Vista aérea de Saliquinhedim (K3). Foto © Carlos Silva (2008). Direitos reservados

E então não é que se atreveram mesmo ???

Só que e com a ajuda dos canhões de Farim e por vezes até com os de Mansabá quando os tipos eram mais teimosos, sempre acabavam por abalar de mãos a abanar e menos.

Chatos do caraças.... tal qual as melgas que eram mais que muitas e não nos deixavam sossegar, obrigando-nos a estar, como que embrulhados nos mosquiteiros, uma espécie de rede com buraquinhos onde só devia entrar e sair o ar, mas que deixavam passar aqueles nojentos insectos, que tanta comichão produziam na nossa pobre mas bem cuidada cútis.

Volto às instalações, para referir que alguns chamavam-lhes abrigos, mas que para nós eram suites e de luxo.

Estavam protegidos por cima, com duas camadas de troncos do coqueiro, árvore alta, que para além do líquido aquoso e fresco dos seus arredondados, grandes e duros frutos, também costumava ser a casa preferida duma cobra verde, a cuspideira, de quem os nossos ajudantes autóctones fugiam que nem o diabo do inferno.

Dizia-se que o veneno cuspido por tais najas, matava que se fartava.

Em Portugal Continental, é um rastejante comum, da família das víboras e conhecido por, SOGRAS.

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10558: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (4): 5.º episódio: Partida para o CTIG em Agosto de 1965

Guiné 63/74 - P10578: Do Ninho D'Águia até África (21): O Tabaco, para alguns (Tony Borié)

1. Mais um episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (21)

O Tabaco, para alguns

Já foi dito mais que uma vez que se vivia com alguma angústia e desespero em cenário de guerra, alguns militares pensavam que para atenuar estes factos, o cigarro ajudava, como tal quase todos os militares fumavam em cenário de guerra. Isto já era um hábito. Diziam que dava uma certa auto estima, ajudava a passar as horas e mantinha o militar, um pouco mais ocupado. Talvez, mais distraído.

Não sabiam como explicar, mas talvez fizesse a pessoa mais importante puxar pelo seu cigarro, batê-lo na palma da mão e acendê-lo com o seu isqueiro. Os que tinham vindo da cidade faziam esta operação com uma ligeireza e habilidade de espantar. Os da província, como era o caso do Cifra, aprendiam e depois também se vangloriavam com certas habilidades. Enchiam a boca e os pulmões com fumo, por algum tempo, depois faziam círculos, com esse mesmo fumo, alguns mais habilidosos, colocavam o fumo dentro de um copo, que depois largavam, com destreza tal, que faziam uma coluna de fumo, com várias curvas, em cima de uma mesa, feita com o tampão de um barril de vinho vazio.

Ao acenderem o isqueiro, produziam uma série de malabarismos, uns mais habilidosos que outros. Para o final do mês, alguns andavam “à crava”, que era o que se dizia na gíria, quando alguém não tinha tabaco e pedia a um colega, mas nesse aspecto, havia um pacto entre militares, de nunca deixar um colega sem tabaco.

As marcas que se usavam eram, “Três Vintes”, “Paris” e “High Life”, todos sem filtro, da companhia tabaqueira portuguesa, e “Marlboro”, com filtro, americano, que era só para dias de festa, pois a embalagem, tinha “manga de ronco”, ou seja muita classe, e quando um militar se vestia com roupa lavada, colocava a embalagem de “Marlboro”, no bolso da camisa, às vezes cheia de cigarros “Três Vintes”, de modo a que se pudesse ver, pois era um luxo e dava mais estilo.

O “Marlboro” custava um pouco mais. Depois havia os cigarros que se faziam e que circulavam entre alguns militares, pelo menos os que já se conheciam e estavam ali estacionados há bastante tempo, e às vezes não só, normalmente com o nome de “especiais”. Era um mistura de ervas, um pouco maiores que o tabaco normal, que se amassava com os dedos, fazendo pequenas partículas, que por vezes se misturava com o tabaco normal, outras vezes se faziam os cigarros só com essas ervas.

Esta mistura de ervas vinha em embrulhos pequenos, num papel amarelado, amarrado com um fio, tipo onça de tabaco, mas um pouco maior, que depois se faziam os cigarros com uma mortalha de papel. Quase sempre vinham do norte da província, ou talvez do país vizinho, das terras mais secas. Tinham um aroma delicioso, e quando se fumavam tirava a dor de dentes, relaxava e parecia que não havia guerrilheiros no mundo, custava quase o mesmo preço de um maço de tabaco “Marlboro”, pouco mais, mas tinham que se fazer os cigarros, era mais difícil arranjar as mortalhas de papel, do que própriamente a mistura de ervas, pois só quando passava uma coluna militar, vinda do norte, é que abastecia o pessoal.

Havia um africano que vivia na tal aldeia, com casas cobertas de colmo, próximo do aquartelamento, que fazia estes cigarros, enrolados em folhas de tabaco seco, eram uns charutos pequenos e finos, um pouco maiores que um cigarro normal, esse homem não chegava para as encomendas, mas só vendia aos conhecidos e não cobrava mais caro, por cada cigarro, algumas vezes não queria dinheiro, queria um embrulho de ervas, que depois fazia o preço. Ele dizia mais ou menos isto:
- Antes do pessoal branco, eu ter sempre erva, agora não tenho, pessoal leva tudo. Antes, ia na mata e apanhava erva, agora, vem “homem mau” e leva pessoal.

Com toda a certeza, quando dizia “homem mau”, se referia aos guerrilheiros. Este homem passava o dia deitado na rede, mascando cola, debaixo de uma espécie de alpendre, na frente de sua “morança”, com um rádio portátil ligado com uns fios a uma bateria que o Cifra lhe arranjou de um Unimog que tinha sido quase destruído por um fornilho, e ouvindo música e orações numa língua em que parecia que estavam a chorar, e as suas quatro mulheres trabalhavam na “bolanha”, juntamente com os filhos e as filhas. Só se levantava da rede, para entrar na “morança” e dar continuidade a um pequenino fogo que existia a um canto do principal compartimento, onde ardiam madeira e folhas de cheiro, que ele dizia ser por causa dos mosquitos, mas quase todos sabiam que esse não era o motivo, pois quando se entrava naquele compartimento, havia um odor agradável e ficava-se tonto e a cambalear.

Muitas vezes o Cifra via esse homem na vila, talvez distribuindo o seu produto por alguns residentes, descalço, trajando uma vestimenta branca que o cobria até aos pés, um gorro de lã na cabeça, com cores que iam do amarelo ao preto, o rádio portátil seguro com uma das mãos, no ombro, e com os fios ligados à tal bateria que o Cifra lhe tinha dado, que uma das suas mulheres caminhando atrás de si, carregava à cabeça.

Só se fumava esta mistura de ervas quando alguém não recebia correio, ou se recebia, as notícias não eram as melhores, como por exemplo a namorada ter ido ao baile da paróquia com o vizinho e já não gostar dele como no princípio, ou ter que sair ao outro dia para determinada operação ou andava com dores em qualquer parte do corpo.

Quando se desejava um cigarro destes, com toda a naturalidade se dizia:
- Estou com fortes dores neste maldito dente, tens aí um “especial”?

Às vezes era melhor um cigarro destes do que ir ver o “Pastilhas”, o tal cabo enfermeiro.
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Nota de CV:

Vd. últimos 10 postes da série de:

22 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10419: Do Ninho D'Águia até África (11): Zarco, o combatente (Tony Borié)

26 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10438: Do Ninho D'Águia até África (12): O Madragoa (Tony Borié)

29 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10454: Do Ninho D'Águia até África (13): O Bóia (Tony Borié)

2 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10467: Do Ninho D'Águia até África (14): O herói "Curvas" (Tony Borié)

6 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10488: Do Ninho D'Águia até África (15): O "Caneta" (Tony Borié)

9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10504: Do Ninho D'Águia até África (16): As notícias (Tony Borié)

13 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10524: Do Ninho D'Águia até África (17): Meia Missão, em África (Tony Borié)

16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10536: Do Ninho D'Águia até África (18): O clima do Equador (Tony Borié)

20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói (Tony Borié)
e
23 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10559: Do Ninho D'Águia até África (20): Ida à capital da Província (Tony Borié)

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10577: Convívios (479): Paraquedistas do Cartaxo, do 'antigamente' e do 'agora' , reuniram-se no 5 de outubro


Cartaxo > 5 de outubro de 2012 > 1º encontro nacional dos paraquedistas do concelho do Cartaxo. Foto da revista Dada (Com a devida vénia...).


1. Mensagem, de 12 do corrente, do nosso leitor (e camarada) Salvador Nogueira, ex-para (passou pelo CTIG em 1969):


Decorreu no dia 5 de outubro o 1º Encontro de Paraquedistas do Concelho do Cartaxo.

Das cerca de 100 pessoas, uns 80 eram paraquedistas, dos quais 90% do 'antigamente', estando presentes homens dos primórdios, 'de 59', e a que se juntaram e muito bem, alguns 'bósnios e afeganos', 'de agora'.

Das iniciativas de reencontro a que tenho assistido, esta terá sido uma das mais homogéneas e amistosas, sobretudo tendo em conta que se tratou de uma reunião de elementos 'indiscriminados', sem referência de passado comum que não seja o facto de serem paraquedistas - o espírito mantém-se... e "que nunca por vencidos se conheçam"!

Aqui podem ver, os leitores do nosso blogue, um conjunto de fotos publicadas no Facebook

http://www.facebook.com/media/set/?set=a.10151276185594453.490252.243438434452&type=1


Um abraço, Salvador.

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10565: Convívios (478): I Encontro, nos Açores, do Pessoal da CCAÇ 3414 - BII17 - Ilha Terceira, levado a efeito no passado dia 25 de Agosto de 2012 (Joaquim Carlos Peixoto)

Guiné 63/74 - P10576: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte I): Tabanca e destacamento de Mejo, 1965


Alcobaça > São Martinho do Porto > Tabanca de São Martinho do Porto >  21 de agosto de 2010> O Alberto Pires, o Teco,  ex-mil, CCAÇ 726 (Guileje, 1964/66). 
 
Foto de L.G. (2012)




Foto nº 2

Foto nº 4


Foto nº 6


Foto nº 1



Foto nº 3



Foto nº 5


Foto nº 7

Guiné > Região de Tombali >Mejo > CCAÇ 726 (Out 64/jun 66) > 1965 > Aspetos da vida em Mejo. Esta tabanca foi ocupada em 30 de Março de 1965, na sequência da Op Arpão, tendo lá ficado dois pelotões. Fotos do álbum fotográfico do Teco.

Fotos: © Alberto Pires (Teco) (2007) / AD - Acção para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados

1. O Teco, natural de Angola, de seu nome Alberto Pires, foi Fur Mil na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964)...A companhia esteve em Guileje entre de Outubro de 1974 e Junho de 1966. Tinha um destacamento em Mejo.

O Teco tem um fabuloso arquivo fotográfico desse tempo (mais de 500 fotos) que já prometeu partilhar connosco. Encontrámo-nos duas vezes, mas eu ainda não consegui trazê-lo até à nossa Tabanca Grande. Mas se o Maomé não vai  à montanha, a gente traz a montanha até junto ao Maomé. O mesmo é dizer, que pegamos nas fotos que ele, Teco, pôs à disposição do Núcleo Museológico Memória de Guiledje, e reproduzimos algumas aqui, no blogue. Com a devida vénia, está claro... Não trazem legenda, mas estão agrupadas por temas. Estas que publicamos hoje foram tiradas em Mejo (provavelmente em 1965). 

Os mejenses podem tentar legendá-las, seria uma boa ação. O Teco, se nos estiver a ler, que nos dê notícias, dele e da história da sua CCAÇ 7267, que estava a escrever em dezembro de 2007.  Dele também já aqui publicamos fotos da fortificação de Guileje. (LG).

2. O nosso co-editor,  jubilado, Virgínio Briote, já aqui em tempos nos deu notícia resumida da história da CCAÇ 726, ao receber o novo grã-tabanqueiro Carlos Guedes, em 24 de maio de 2010:

(...) CCAÇ 726 (breve resenha)

Mobilizada através do RI 16 a CCaç 726 embarcou para a Guiné em 6 de Outubro de 1964, tendo por Comandante o Tenente de Infantaria, Joaquim Manuel Martins Cavaleiro, até 27 de Janeiro de 1966. altura em que deixou o comando.
[A CCAÇ 726 teve ainda como Comandantes o Cap Inf Arménio Teodósio e o Cap Art Nuno Rubim].

O desembarque em Bissau  foi a 14 do mesmo mês. O 1º grupo de combate a ser destacado para Guileje, marchou a 28 de Outubro, o 2º a 17 de Novembro, a Formação a 30 de Novembro, e finalmente o 3º grupo de combate, vindo de Cacine, a 15 de Janeiro de 1965.

Em 30 de Março de 1965, após a Operação "Arpão", ocupou a povoação de Mejo, onde foram colocados dois Pelotões.

Em 27 de Janeiro de 1966, para reforçar a CCaç 1424, destacou dois Pelotões para o Cachil (Ilha do Como ).

A partir de 1 de Fevereiro de 1966, a actividade operacional da CCaç 726 era alargado a 4 frentes de combate: Guileje, Mejo, Cachil e em grupos de Comandos  onde prestam serviço: 1 Oficial, 4 Furrieis e 4 Praças.

Em 6 de Agosto de 1966, seguiu para Bissau, a fim de embarcar de regresso a Lisboa.

Baixas em combate de Novembro de 1964 a Junho de 1966.
Mortos: 9
Feridos: 8 (...)


Guiné 63/74 - P10575: O nosso livro de visitas (150): Agradecimento (Vanda Silva)

1. Mensagem da nossa leitora Vanda Silva, ex-madrinha de guerra (*)

Data: 26 de Outubro de 2012 10:13
Assunto: Agradecimento

Agradeço-lhe o empenho e a rapidez em satisfazer o meu pedido que, infelizmente, tem um resultado desagradável.

Soube, através do email indicado por si (**),  que o Alferes Oliveira Marques já morreu,  facto que me deixou consternada.

Quanto a partilhar memórias desse tempo, deixe-me primeiro ordenar as ideias ( e o coração que a vida não afecta só o aspecto físico com rugas e cabelos brancos ).

Bem haja e felicidades para o seu (vosso) excelente trabalho.
_____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série >  Guiné 63/74 - P10552: O nosso livro de visitas (149): Vanda Silva, madrinha de guerra, procura o paradeiro do ex- alf mil António Augusto Oliveira Marques, CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69)

(**) Troca de emails entre a Vanda Silva e o o nosso camarada Manuel Santos [ou Domingos Santos]:

(i) Vanda Silva, 24 de Outubro de 2012 16:51:

Manuel Santos:

O sr. Luís Graça deu-me o seu email porque talvez me informasse sobre o Alferes Miliciano dos Comandos, António Augusto Oliveira Marques ( Tony Marques ) que esteve colocado em Susana durante 1967- 1968. Correspondia-me com ele durante esse periodo e perdi o seu contacto após a desmobilização em Dezembro de 68. Desde já lhe agradeço.

(ii) Manuel Santos, 25 de Outubro de 2012 17:47

Eu estive em Suzana de 67-69 com esse meu grande amigo Tony Marques, era do meu pelotão. Não sei se sabe, a sua Mãe morava em Bissau e estive lá em casa dele por várias vezes.

Mas tenho que lhe dar uma má noticia , ele já morreu. Ficou em Bissau quando na disponibilidade, em casa de sua mãe.

Se pretender mais algumas informações, pode contar comigo.
Manuel Santos
Furriel miliciano
Comp 684,
Suzana e Varela 67-69

Guiné 63/74 - P10574: Notas de leitura (422): "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", de Manuel Luís Lomba (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,
Aqui fica a crónica dos acontecimentos que envolveram um conjunto de operações para afastar a guerrilha da mata de Cufar Nalu.
Terá sido o episódio que mais impressionou o então furriel Manuel Lomba que aproveita esta circunstância para analisar por sua conta e risco a luta armada vista dos dois lados, de acordo com o que leu e as opiniões que recolheu, antes e depois do 25 de Abril. Bem vistas as coisas, são memórias da guerra e uma análise política, um olhar contundente sobre o fim do Império. Há para ali parágrafos que não poderão ser sonegados ao que melhor a literatura da guerra irá acolher nas antologias a publicar.

Um abraço do
Mário


A batalha de Cufar Nalu (2) 

Beja Santos

As memórias “Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu” (por Manuel Luís Lomba, Terras de Faria, Lda., 2012) são uma peça singularíssima na literatura da guerra colonial, como foi lembrado no texto anterior. Toda a recordação da vida operacional da CCAV 703 aparece entremeada pelo enquadramento histórico e político, é um longo olhar do combatente como se pretendesse fazer o arco entre a chegada de Nuno Tristão até à independência da Guiné-Bissau, quase mesmo ao presente. Manuel Lomba, vê-se à légua, fez leituras e nos seus regressos à Guiné-Bissau fez muitas perguntas para encontrar uma elucidação dos acontecimentos. Quem pretende tocar em muitos assuntos, inevitavelmente corre riscos de ser contraditado. Não para atiçar a curiosidade do leitor que referi que há aqui pasto para controvérsia, o importante é ler tudo do princípio ao fim e não ficar condicionado pelas notas da recensão.

Pois estamos dentro da mata de Cufar Nalu, o furriel Lomba e os seus homens estão desarticulados, seguem sozinhos para um acampamento, entre explosões e gritos de mulheres e crianças e animais domésticos resolveram incendiar algumas moranças. O regresso será acidentado, muitos daqueles homens levam as tripas revolvidas, há para ali muita soltura de ventre, a noite caiu, aconchegaram-se sob a mortalha da noite tropical. Ao amanhecer, deu-se o agradável reencontro com a Companhia. As instâncias do comando mostraram-se furibundas, ameaçou-se com punição até que se descobriu que o rádio estava mesmo avariado. Final feliz para um episódio brilhantemente contado. Os sargentos do BCAV 705 vivam aboletados extramuros do forte da Amura, no rés-do-chão do que fora o consulado do Senegal, temos aqui matéria para regressar a Bissau e às comemorações do Natal de 1964. Afinal as três tentativas de assalto à mata de Cufar Nalu tinham redondamente falhado. A prosa agora divaga para as sabotagens a partir de 1962, no Sul da Guiné, é preciso entender como o PAIGC pôs toda a região em polvorosa. E em 16 de Janeiro de 1965 a CCAV 703 vai regressar à mata/santuário. Chegam a Cufar que ele assim descreve: “Um aglomerado fantasmagórico de casas de arquitetura colonial, de gente com patacão, hora todas em ruínas, consumidas por explosões e incêndios. Algumas buganvílias subsistiram, a crescer desordenadas, sob o que restava das balaustradas das suas longas varandas. O pomar de mangueiras, laranjeiras e toranjeiras também subsistira à intempérie bélica, cravejadas de estilhaços de bombas. No discreto canto das ruínas interiores da fábrica recolhemos publicações de Amílcar Cabral, umas versando as culturas do arroz e da mancarra na Guiné, outras de subversão e de doutrinação da sua guerra de libertação, emblemas e flâmulas do PAIGC e os livros, muito manuseados, Centro e Cinquenta Perguntas a um Guerrilheiro”.

Ergue-se a primeira vedação de arame farpado, montam-se emboscadas nas redondezas, algures nos trilhos entre a mata de Cufar Nalu e Boche Mende, aí os guerrilheiros têm plena circulação, por enquanto. Uma grande lala, com a extensão de talvez 2 km, entrepunha-se entre as ruínas da fábrica e a mata de Cufar Nalu. A guerrilha parece demorar a reagir à ocupação de Cufar. O autor enquadra os acontecimentos: “A operação Campo e a nomadização em Cufar da CCAV 703 tinha como missão criar a base de apoio às operações Alicate 1, 2 e 3 à até então inexpugnável mata de Cufar Nalu. O comandante-chefe investiu na sua complexidade o seu potencial disponível: a CCAV 703; todos os meios de ataque aéreo da base de Bissalanca; as CCAÇ 617 e 619, de Catió; a companhia de milícias de Catió, comandada por João Bacar Djaló; e o remanescente do Grupo de Comandos “Os Fantasmas”; e o eficiente apoio logístico e de patrulhamento fluvial da Armada”. E pelo que adiante ele dirá, a esquadra do pelotão de morteiros 912 veio de Jabadá para ficar adida a toda a força militar sediada em Cufar. Temos a descrição da construção dos abrigos e dos sucessivos patrulhamentos, um combate épico começa a travar-se. Chegou a hora das flagelações, as nossas tropas não se atemorizam, respondem com batidas e patrulhamentos ofensivos. Logo em 3 de Fevereiro, no âmbito da operação Alicate 2, "Os Fantasmas", reforçadas pela CCAÇ 617, voltaram a montar uma emboscada na acessibilidade à mata de Cufar Nalu, ter-se-á o mesmo procedimento na operação Alicate 3. Da mata, as demonstrações de força caem no interior de Cufar, os guerrilheiros estão dotados do canhão sem recuo 122, felizmente que os seus disparos não têm precisão, não destroem mais em Cufar do que já estava destruído. A descrição das flagelações é sempre viva, faz o leitor sentir a reação das nossas tropas numa grande angular. Iremos gostar de João Bacar Djaló e do capelão, este muito ativo, adaptou as ruínas da fábrica de descasco de arroz a capela improvisada, a imagem publicada no livro é elucidativa, a fé derrama-se em qualquer paradeiro por mais inopinado que possa parecer.

A 18 de Março, chegou ao cais do rio Meterunga o grosso do efetivo da CCAÇ 763, comandada pelo capitão Costa Campos, dotada de 8 cães de guerra, a CCAV 703 regressa a Bissau. No entanto, irá participar nas operações dos dias 10 e 11 de Abril à zona de Antuane, operação Faena, dias depois, igualmente ao lado dos fantasmas participará na operação Açor. Tenta-se de novo a sorte em afastar a guerrilha da mata de Cufar Nalu, em Maio, juntam-se as Companhias 728 e 764, a enquadrar o Batalhão 619 e a CCAÇ 13, de Catió; a Companhia 763 de Cufar; o Destacamento de Fuzileiros comandado por Alpoim Calvão, bem como duas esquadrilhas de bombardeiros T6, dois pelotões de granadeiros e autometralhadoras Fox e duas baterias de obuses 8.8. e escreve: “A famigerada base turra da mata de Cufar Nalu, apertada no anel de cerco e de fogo, por terra, mar e ar, não obstante a tenacidade dos turras defensores, o seu armamento pesado, o manto protetor da virgindade do seu mato, dos seus poilões, acabou por cair, as tropas tugas da operação Razia iniciaram o assalto ao início da manhã, de 15 de Maio, e entraram no seu reduto, abandonado ao meio da tarde. Segundo os intervenientes, os cães de guerra da Companhia 763 revelaram-se fantásticos. As chapas metálicas onduladas das suas 4 casas foram removidas e utilizadas na recobertura da parte da fábrica de descasque de arroz, para sede da Companhia 763, que viverá 3 meses nos abrigos subterrâneos, enquanto construía o aquartelamento”.

Depois, o autor abalança-se a escrever sobre a formação do estado da Guiné-Bissau, dá especial ênfase aos acontecimentos de 1973 e 1974 e detalha alguns aspetos relevantes do que se passou durante a fase de transição do poder. Podemos tomar este testemunho como o de alguém que viveu em pleno a série de operações que conduziram ao desbaratamento dos grupos do PAIGC implantados perto de Cufar e que igualmente aproveita para dar a sua própria interpretação sobre os acontecimentos da luta armada e da descolonização.

É uma obra sem precedentes, em que se matiza uma leitura histórica a pretexto da vivência de um conjunto de operações, neste caso na região Sul, em condições muito ásperas.
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Nota de CV:

22 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10554: Notas de leitura (421): "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", de Manuel Luís Lomba (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10573: Estórias avulsas (63): Os pés inchados do António Silva (António Carvalho)

1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), com data de 22 de Outubro de 2012, trazendo uma história relacionada com uma doença (que parecia) bem grave:


Os pés inchados

Em todas as companhias havia sempre uns mais medrosos do que outros e também uns mais astutos do que outros. Arranjar uma forma de ficar no bar, na cozinha, no depósito de géneros, na arrecadação de armamento, na secretaria ou em qualquer outro sítio dentro do arame farpado, era a preocupação de alguns que, nalguns casos, iam já “cunhados” à saída de Lisboa, noutros, teciam o seu ardil, por conta própria.

Como se sabe, competia geralmente ao furriel enfermeiro ajuizar sobre a (in)capacidade física para sair para o mato, de qualquer camarada e comunicar a “sentença” ao comandante do pelotão respetivo ou ao capitão. Se a incapacidade física se tornava frequente, o próprio capitão mandava o rapaz para o médico do batalhão que por sua vez, julgando o caso grave, desresponsabilizava-se, submetendo-o a uma consulta no Hospital Militar de Bissau.

Umas vezes regressavam à sede da companhia, com a indicação de que deviam ser dispensados de tarefas muito penosas, nomeadamente alinhar nas saídas, outras vezes vinham frustrados porque não tinham conseguido enganar o hospital.

Vem este intróito a propósito de uma história alegadamente verdadeira, passada na minha companhia e narrada agora, passados 40 anos, no decurso do nosso convívio ocorrido no último 30 de junho, em Leça do Balio.

O narrador e protagonista principal foi o António Fernando Moreira da Silva, atirador do 3º grupo, quanto à segunda figura que entrou na história fui eu próprio, na qualidade de Fur. Enf. Confesso que não me lembro dos factos mas se o Silva diz que foi assim, foi mesmo.

Por entre sorrisos marotos e sonoras gargalhadas, contou o Silva como arranjou forma de me enganar assim como ao médico do batalhão e aos do HM 241, ou será que alguns se deixaram enganar, propositadamente? Eu estou tranquilo porque fui literalmente enganado.

Vejamos a esperteza e a vontade do rapaz (e sabemos como a vontade move montanhas).

Aparece-me o Silva na enfermaria, com um ar muito confrangido, mostrando-me os pés inchados como cepos. Não achando as causas e temendo as consequências de eventual agravamento do estado clínico do rapaz, toca a mandá-lo ao médico do batalhão e este, incapaz de decifrar as causas do inchaço, pede uma evacuação para o Hospital Militar de Bissau, e lá vai o Silva pelos ares a pensar: enquanto o pau vai e vem folgam-me as costas.

Na verdade, conseguiu trazer de Bissau um relatório clínico que uma vez entregue ao nosso Capitão mereceu deste a decisão de o colocar na carpintaria a ajudante do carpinteiro Costa. E por ali se manteve até ao resto da comissão, exceptuando um período intermédio durante o qual esteve deslocado em Catió na construção de um aldeamento (também não se pode ter tudo).

Mas afinal, o que há de especial nesta história?

É que o Silva teve a manha de, propositadamente, fazer inchar os seus pés, apertando-os com ligaduras durante a noite. De manhã, lá aparecia ele na enfermaria, com ar de inocente, a mostrar os pés inchados como cepos. E este rapaz acreditava que era doença… e das grandes.

A história vai aqui contada com a aquiescência do António Silva, sendo certo que muitas outras semelhantes se passaram, na Guiné e nos outros territórios.

António Carvalho
ex-Fur Mil Enf.º
CART 6250/72
Mampatá
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (62): A minha ida para a Guiné (António Melo)

Guiné 63/74 - P10572: Os nossos seres, saberes e lazeres (49): Mário Beja Santos, passa à situação de aposentado a partir de 31 de Outubro

1. Uma mensagem de carácter particular e de despedida, do nosso camarada Mário Beja Santos, foi enviada aos seus companheiros de trabalho, com conhecimento ao Blogue, a propósito da sua passagem à situação de Aposentado a partir do próximo dia 31 de Outubro de 2012.

Por que achamos que a passagem à situação de aposentação, na vida civil, é uma espécie de passagem à disponibilidade/reserva na vida militar, pedimos-lhe autorização para dar conhecimento público da novidade à tertúlia.

Reza assim a sua mensagem:

Meus prezados colegas, 
Chegou a hora de me reformar, mudo de estatuto no próximo dia 31.

Confesso que não era sem tempo, comecei em 1 de Agosto de 1964, fui mecanógrafo, depois fui para a tropa, a seguir entrei nestas lides de que tanto me orgulho. Projetos não me faltam, tenho mais livros na forja, continuo muito ligado à imprensa regional e participo ativamente numa IPSS da saúde, mas não ficarei por aqui.

Venho saudar-vos, agradecer-vos muitíssimo as provas de estima de que beneficiei ao longo de todo o tempo em que convosco convivi, vim para aqui logo em Janeiro de 1986, tinha sido extinto o Gabinete de Defesa do Consumidor, onde fui diretor de serviços, a seguir trabalhei 4 meses para a FAO, na cidade de São Paulo, nunca mais saí daqui, mesmo dando aulas fora do horário de trabalho.
[...]
Com muita cordialidade e os maiores e melhores votos pessoais e profissionais,
Mário Beja Santos


2. Comentário de CV:

Julgo poder falar em nome da esmagadora maioria da tertúlia, e aproveitar esta oportunidade para desejar ao nosso camarada Mário Beja Santos os maiores êxitos na sua nova vida.

Agora que vai ter mais tempo disponível, não o vai desperdiçar a descansar, mas a fazer aquilo que não conseguia fazer antes por o dia só ter 24 horas.

Vamos com certeza continuar a ter a sua colaboração no Blogue, dando-nos a conhecer, através das suas recensões, a literatura sobre a história da Guiné e a bibliografia da guerra colonial.

Sabemos que continuará a escrever os seus romances e livros temáticos e a colaborar em iniciativas de carácter cultural e de solidariedade. Vamos continuar, assim, a ouvir falar muito de si

Termino com um bem-vindo ao grupo dos pensionistas que se negam a passar a tarde sentados nos bancos dos jardins.

Em nome da tertúlia, um abraço de
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10123: Os nossos seres, saberes e lazeres (48): Festa do pão do moinho, 1 de julho de 2012, Atalaia, Lourinhã (Parte II): A banda da Associação Musical da Atalaia... é uma festa! ... (E onde se fala também dos antigos prisioneiros portugueses na ìndia, 1961/62) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P10571: (Ex)citações (202): A coragem que muda a vida dos outros (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 20 de Outubro de 2012:


A CORAGEM QUE MUDA A VIDA DOS OUTROS 

A coragem é um acto não programável difícil de entender e mais difícil de explicar

Este texto é motivado pelo o último poste do Tony Borié* do qual transcrevo aqui um excerto dedicado ao ex Furriel Roger:

“Estas simples palavras são uma homenagem, em nome daqueles que ele tinha a esperança de salvar, ao atirar para longe a granada, embora já estivesse ferido, com desprezo pela sua própria vida, pois nesse momento sentia o dever da sua responsabilidade como líder, embora já não pudesse mover as suas pernas, destroçadas e cobertas de sangue”. 
Tony Borié

Rogério Cardoso (Roger) junto da sua autometralhadora Paulucha, viatura batizada com este nome em homenagem a sua filha Paula

O heroísmo é um acto não programável, é difícil de entender e mais difícil de explicar. Não tem idade, quem a pratica não é por ser bonito ou feio, não tem boa o má forma física, nem grau académico e por fim não tem causas pois pode-se ser corajoso mesmo numa causa errada.

Tem muitas fardas, mas também existe na ausência delas, não sei se existe algum estudo aprofundado, que daí resulte um padrão que enquadre quem a pratica. É ponto assente que o heroísmo aparece na beira de um rio, no mar em terra, em combate, num salvamento e é sempre um momento de dádiva supremo, porque tem risco da própria vida.

Será heroísmo a ausência do medo? Por outro lado sem o medo também não há heróis. Não faltariam heróis .

Haverá algum treino psicológico para o efeito? Penso que ninguém decide quando vai ser corajoso para além do racional.

“Não há outra saída”
“Não posso deixar o nosso camarada ali”
“Não posso deixar de ir”

Será que a ocasião fará o “ladrão”?

Quantos actos heróicos nasceram de uma certa insensatez, que faz o individuo desprezar as mais elementares regras da sua própria sobrevivência? Há dias a falar com um camarada que combateu na Guiné, contou-me como tinha caído numa emboscada com feridos e um morto. Retiraram deixando o morto no terreno. No quartel reorganizaram-se e formaram um grupo de combate só com voluntários para voltar ao local. Dos tinham caído na primeira emboscada só dois se ofereceram. Ao chegar ao local nova emboscada com mais feridos e mortos, sendo um deles um dos que já tinham caído na primeira emboscada.

O que levou aqueles homens a oferecerem-se para lá regressar?
Solidariedade?
No fundo era-lhes intolerável deixarem os outros irem e eles protegerem-se no quartel?

Em Alcobaça temos um ex combatente da Guiné com várias condecorações e entre elas a Cruz de Guerra. Numa das minhas deslocações lá, tentei falar com ele. Quis saber de viva voz como tinha acontecido, o que tinha sentido e o que o tinha levado a passar de soldado normal, para o patamar dos heróis.

Não quis falar do que lá se passou, o seu estado físico e depressivo denunciam um profundo desgosto pela vida que tem presentemente. Gostaria que ele tivesse falado comigo, porque na altura era ideia minha escrever a sua estória para o blogue. De qualquer forma, sabemos que ele contribuiu com a sua coragem para evitar maiores desgraças para si e seus camaradas.

Talvez ainda faça mais uma tentativa sem melindrar o camarada. Quanto aos nossos heróis muita coisa se poderá escrever sobre eles, é que muitos de nós, devemos muito, a muito poucos.

Diz o Tony no fim do seu texto:
“Felizmente, ainda está vivo [O Roger], e faz parte dos nossos, que cada vez somos menos, os antigos combatentes.”

Eu congratulo-me por ele estar vivo e aproveito para lhe enviar um abraço.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói

Vd. último poste da série 25 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10569: (Ex)citações (201): Não me lixem com o Pifas! (Salvador Nogueira)

Guiné 63/74 - P10570: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte III): De Porto Gole a Cutia: Op Escudo Negro: conseguimos entrar no 'santuário' de Sará / Sarauol


Guiné > Região de Quínara > Empada > 1969 >  S
entados: primeiro plano, Furriel Serôdio, Furriel Gonçalves (à esquerda), segundo Sargento Nogueira; de joelhos: Furriel Silva (enfermeiro); de pé: à esquerda: Furriel Silva e soldado Andrade.

Fotos: © Manuel Serôdio (2012). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Serôdio que vive em França, Rennes, capital da região da Bretanha (*)

Data: 15 de Outubro de 2012 15:01

Assunto: Companhia 1787
Mon cher ami Luis, voici la continuation des récits concernant la 1787. Je vois que ton français est de très bonne qualité, si tu parles aussi bien que tu l'écris, bravo. [Meu caro amigo Luís, aqui vai a continuação dos relatos sobre a minha CCAÇ 1787. Vejo que o teu francês é excelente, se falares tão bem como escreves, estás de parabéns. ] Um abraço amigo.


2. Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte III):  De Porto Gole a Cutia

A 13 de Janeiro de 1968,  deslocou-se a Unidade para Porto Gole, a fim de tomar parte na mais importante e perigosa de todas as operações que [a CCAÇ 1787] efetuou na Província

Operação "ESCUDO NEGRO"


Situação: 

a) Forças inimigas

Entre os rios Olom e Mansoa, estão referenciados a base do Sará e o grupo itenerante de Suarecumba.


b) Base do Sará:

Efetivo entre 25 a 50 elementos armados. 
Armamento: Morteiros de 82, e de 60, Lança Granadas-Foguete, Lança-Roquetes, Metralhadoras Pesadas, e Pistolas Metralhadoras. Instalações: 10 a 12 casas, 1 enfermaria, 1 arrecadação.


c) Grupo de Suarecumba:

Efetivo: entre 20 a 25 elementos armados, podendo estar em reforço, e dispondo de Morteiros de 60 e de Lança Granadas-Foguete.


d) A sul do rio Mansoa, conhecem-se a base de Lorcher e os grupo itenerantes de Mato Corba, Cubadjal e Mato Cão.


Nossas tropas: CCaç 1787, 2 grupos de combate da Companhia 1879, e a 5ª Companhia de Comandos.
Missão: 1) Destruir a base do Sará; 2) Patrulhar a região entre os rios Olom e Mansoa.; 3) Capturar ou aniquilar os elementos rebeles, destruindo instalações e meios de vida; 4) Pesquisar informações.


Deslocamento por Cã Mamadú para a passagem do afluente do rio Mansoa a sul de Manter, de modo a atingi-lo ao fim da tarde. No dia 16, após a ação da Força Aérea de ataque ao objetivo, deslocamento rápido para a margem esquerda do rio Mansoa, procurando interceptar o inimigo que se deslocasse para sul, e prevendo o reforço à 5ª Companhia de Comandos. Bater a região do Sarauol, explorar o eixo Sarauol- Ambum Nhire, e render a C.Cava 1749 na segurança do local de transposição do rio Olom em Mandingará. A 17, retirar para Cutia.

Em 15 de Janeiro, pelas 10 horas, iniciou-se a operação, progredindo com grande rapidez por um trilho situado em mata fechada. Cerca das 15,30 horas, foi deflagrada uma armadilha por um elemento da coluna. Ferido aparentemente sem gravidade, veio o soldado nativo Ansumane, a falecer pouco depois, sem se ter conseguido ligação rádio a fim de o poder evacuar. 

Nota pessoal: o irmão do soldado falecido, que também fazia parte da coluna, recuperou as botas do irmão que eram novas, ( tinham-lhe sido oferecidas dias antes da operação) e calçou-as, jà que as suas estavam em mau estado. Imagens simples e terríveis ao mesmo tempo.
A Companhia saíu do trilho, o que se revelou avisado, pois ao voltar ao mesmo para orientação, foram detetadas outras duas armadilhas. Quase ao anoitecer foi atingida uma clareira onde se resolveu passar a noite.

Depois de se ter reabastecido de àgua e quando, jà de noite, o segundo grupo de combate procurava local para se instalar, foi deflagrada nova armadilha que causou dois feridos graves e quatro ligeiros. Entretanto foi conseguida ligação com Porto Gole a quem foi pedida evacuação dos feridos. Escolheu-se local para a mesma, montando-se a seguarança. No local escolhido, os helicópteros não conseguiram poisar, pelo que foi tentado novo local, onde foi necessário abater algumas árvores.

Ao cansaço moral juntou-se esgotante cansaço físico. Finalmente os helicópteros conseguiram aterrar, evacuando-se o morto e os feridos.

De seguida dirigimo-nos para o rio Mansoa, por forma a cumprir a missão, atravessando matas densas, onde por vezes era necessário rastejar, mas chegando ao local a tempo de assistir ao bombardeamento do objetivo pela Força Aérea. A cerca de 1 km do rio Mansoa foram observados vestígios de sangue no capim. Pouco depois, na antiga tabanca do Sarauol efetuou-se a junção da Companhia com a quinta Companhia de Comandos. Descançaram-se 20 minutos, aproveitados para consumir a segunda refeição.

Depois continuou-se a marcha a corta-mato pois os trilhos podiam estar armadilhados. O rio Olom foi alcançado pela 21,30 horas. Foram mais de 12 horas consecutivas de marcha através de matas densas. Montado o dispositivo de segurança, passamos a noite na margem do rio. 


No dia seguinte [, 16 de janeiro], foi detetada a nossa presença, e o inimigo flagelou-nos por duas vezes. Da segunda vez, o inimigo revelou-se extraordináriamente agressivo, tendo chegado a poucos metros de nós, ouvindo-se elementos a gritar: "fôgo, fôgo". O inimigo sofreu 1 morto confirmado e outras baixas prováveis.

Foi pedido o apoio da Força Aérea para a travessia do rio, a fim que as nossas tropas não arriscassem a sofrer ataques, sem poder reagir. A travessia do rio extraordináriamente difícil, foi efetuada por meios de barcos de borracha em vagas sucessivas. Cerca das 17 horas concluiu-se a travessia. A Companhia dirigiu-se então para Cutia, de onde em viaturas seguiu para Mansoa.

A Companhia conseguira penetrar em território totalmente controlado pelo inimigo, e onde jamais as nossas tropas tinham atuado.


(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10526: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte II): Bula, Op Bolo Rei, uma grande operação de 15 dias, de 22/12/67 a 3/1/68: 40 mortos e 5 feridos confirmados e 14 capturados, do lado IN; 7 mortos e 32 feridos do lado das NT; recuperados 44 elementos pop