quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13618: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (8): Notas soltas de viagem em Inglaterra, Maio-Julho de 2014

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Agosto de 2014:

Queridos amigos,
Não sei como os outros fazem, regresso de qualquer viagem ajoujado de papelada de variada espécie, em muitos casos é tudo metido num saco de plástico e nas circunstâncias de uma mudança eventualmente haverá uma rememoração de tudo quanto se viu, ou quase. Neste mundo em que vivemos emulsionados em imagens, achei fazer tudo o sentido recapitular alguma dessa papelada e expô-la aqui, estes foram os sentimentos vividos, nestes momentos coincidentes com estas imagens era este o meu estado de alma, era assim a alegria do viajante. E que no caso de Inglaterra está sempre pronto a regressar, tudo aquilo tem caráter, tal como estes materiais vão para um saco de plástico, vale sempre a pena revisitar.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (8)

Notas soltas de viagem em Inglaterra, Maio-Julho de 2014

Beja Santos

Não é novidade para ninguém que vivemos numa sociedade de hiperconsumo onde as imagens, a estética e o entretenimento em geral nos estilizam e padronizam. O viajante tira fotografias, compra álbuns, aqui e acolá saca brochuras, às tantas regressa com um saco cheio que inevitavelmente irá parar a certas caixas que jamais voltarão a ser consultadas, ou quase.

No campo das imagens, é quase sempre intolerável ter que selecionar: o que nos sensibiliza a fundo, as recordações afetivas, a sedução daquela paisagem, as alegrias que se viveram naquela hora, por exemplo, e sabemos todos nós que o se vê de manhã não é o que se vê à tarde, o mesmo se passa com as estações do ano e com uma coisa sobre a qual não filosofamos muito, o chamado estado de espírito. A que propósito vem este arrazoado? É que já estive em Oxford, em Faringdon, já lhes teci hossanas, e cheio de convicção. Mas tenho aqui material solto, que me é prazenteiro, estamos em férias, permitam-me que vos fale dele, antes de continuar a viagem por outras paragens.

Primeiro, este espantoso celeiro a poucas milhas e Faringdon, conhecido por Great Coxwell Barn, vem do tempo do rei João, data de meados do século XIII, pertenceu à Abadia de Beaulieu. Sempre que venho a Faringdon, rumo até esta construção austera, estou absolutamente convicto que o Siza Vieira partilharia da minha admiração. Tentei vezes sem conta uma boa imagem, saía tudo truncado. Por isso recorro ao postal do National Trust, uma fundação nacional do património reconstruído e paisagístico. O monumento é rigorosamente aquele que eu amo, o azul envolvente nunca o vi, deve ser um toque de artista para relevar o ebúrneo daquela pedra talhada para guardar cereais, silo precioso para proteger os cereais na longa invernia. Não é uma beleza?


Segundo, deixo-vos algumas reminiscências de Oxford. O grande museu da cidade é o Ashmolean, visito-o para me reencontrar com os Pré-Rafaelitas, há para ali dádivas solenes, desde preciosidades egípcias até às vestimentas que o coronel Lawrence usou nas guerras do deserto, onde se cobriu de glória. Estava então patente uma exposição sobre Cézanne e seus contemporâneos, quadros pertencentes à famosíssima coleção Pearlman. Sempre apreciei o figurativismo de Amedeo Modigliani e gostei de conhecer este retrato de Jean Cocteau, pintado entre 1916 e 1917, dou-me bem com estas formas adelgaçadas, os tons carmins e alaranjados a contrastar com a fatiota acinzentada e um fundo que até pode lembrar a pintura cubista. E, sabe-se lá porquê, lembrei-me do nosso Amadeu Souza Cardoso com quem Modigliani conviveu, em cuja casa se aboletou, em cujo estúdio trabalhou. É revoltante pouco se falar desta ligação de dois artistas ímpares, há bem dez anos visitei em Paris uma exposição no museu de arte contemporânea da cidade dedicado à primeira escola de Paris, só se falava de raspão de Souza Cardoso, não gostei, mais tarde ou mais cedo a verdade virá à tona de água, de há muito que os investigadores sabem como Souza Cardoso era estimado por Modigliani. Viva Amedeo!


Saí do Ashmolean com uma grande vontade de ir visitar lojas de velharias e passear-me por onde se vende música e livros. Dei comigo a olhar esta ponte que liga dois colégios, de há muito que aqui paro, sempre curioso, há nesta construção algo que me lembra a Ponte dos Suspiros, no Palácio dos Doges, em Veneza, é um construção sóbria, uma réplica do renascimento italiano mas cabe bem nesta cidade. Não acham que é verdade?


Já vos falei de que os colégios em Oxford, tal como em Cambridge, têm as suas igrejas e capelas. A mais célebre está em Cambridge, a capela real, com o teto em leque, do tempo dos Tudors, uma obra-prima. Mas esta igreja cuja imagem vos mostro é dedicada à Virgem Maria, faz parte da tradição liberal católica da Igreja de Inglaterra, empolgou-me o cromatismo dos vitrais, espero não vos desiludir.


Um bom acumulador que se preza não deita fora os programas musicais, lembrança dos espetáculos a que assistiu. Fui ouvir no Sheldonian Theatre o Quarteto de Cordas Elias, executaram três quartetos de Beethoven. São aqueles fios de música que nos infundem a vontade de lutar, de deixar o ouvido à escuta a enovelar-se com a gratidão, a vastidão dos mares, o arrebatamento puro. É um bom agrupamento musical e nem me atrevo a compará-lo com os agrupamentos míticos que se podem escutar na temporada musical da Gulbenkian. Soube-me muito bem, a despeito desta histórica sala não ter os requisitos mínimos de conforto e haver até imprevisíveis pontapés nas costas ou pisões de dedos dos pés, tal a estreiteza dos corredores, é claro que tudo isto foi concebido no tempo em que tínhamos estaturas médias e a obesidade e a corpulência eram pouco comuns.


Pronto, estamos a viajar para o Norte, alguém sugeriu que fossemos até Devizes, no Wiltshire, visitar a rede de canais, tem a sua magia. E tem mesmo, a gente sobe e desce nas bermas dos canais recuperados depois de séculos de abandono ou maus tratos. Tirei duas ou três fotografias, ficou tudo esborratado. Entrámos numa casa de chá e vi este postal, comprei logo. Elucida, parece-me com é a vida dos canais e das suas comportas, dá gosto ver estas embarcações, por vezes em filas enormes, parecem bairros em trânsito aquático. Deixem-me divagar…


Porque é que guardei esta brochura numa viagem num velho comboio até Swanage? Se a nossa civilização é um espetáculo, a permanente busca do deslumbramento, esta imagem tem a marca da realidade, o comboio existe, tal como as ruínas, lá no alto, de Corfe Castle, tudo se conjuga e harmoniza, dentro da carruagem vê-se tudo a correr, esta imagem retém, em perenidade, a panorâmica de um castelo em ruínas, em cujo vale uma locomotiva a vapor sacode o silêncio. Gostei muito desta imagem. Por isso vos ofereço o que me parece invulgar, muito belo.


Prossegue a viagem para o Norte, vamos para Ilam Hall, em pleno Dovedale, Peak District, o primeiro parque nacional inglês. Ilam Hall é do século XIX, construção vitoriana, a igreja é medieval, com vitrais novecentistas. Não resisti a estas cores vibrantes, goste-se ou não está aqui a apologia da fé, uma das fontes que nos pode levar a crer na superioridade do imaterial. Seja como for, tocou-me, aqui fica à vossa consideração.


Estamos agora em Haddon Hall apresentado como “The most perfect english house to survive from the middle ages”. Tenho mais para vos mostrar, fica para a próxima. Vejam este teto que nos deixa pequeninos, é impressionante o vigamento, percorre-se a casa sala por sala e sente-se que há uma gema inconfundível, houve, com rara felicidade, uma intervenção feliz, apropriada, que permite olhar o passado e sentirmos que não há ali cenários de papelão, para turista se impressionar.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13592: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (7): Primeiro, Wakefield e arredores, depois Derbyshire

Guiné 63/74 - P13617: O meu baptismo de fogo (27): Às 16H45 do dia 17 de Setembro de 1963, o IN atacou o que iria ser o futuro aquartelamento de Ganjola (Coutinho e Lima)

1. Mensagem do dia 12 de Setembro de 2014 do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel na situação de Reforma (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné, 1968/70 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73):


Baptismo de fogo da CART 494 - 17SET63

A CART 494, uma Companhia Independente, isto é, não integrada em nenhum Batalhão, desembarcou em Bissau em 22 de Julho de 1963.

O seu destino era Gadamael, mas porque ali não havia instalações (foi o que me disseram) e, porque o Batalhão com sede em Catió, vinha insistindo na necessidade de instalação de tropa em Ganjola, para permitir que a sua Companhia de Intervenção (CI) pudesse fazer operações na península do Tombali, onde o PAIGC estava instalado, foi atribuída de reforço temporário a este Batalhão.

Desta forma, a Companhia embarcou em Bissau, em 4 batelões da Casa Gouveia (um motor e os outros rebocados), em 15SET, com destino a Catió, onde chegou às 18 horas do dia 16SET. Fui então transportado de jeep, ao Comando do Batalhão, onde me foi comunicado que, no dia seguinte, 2 Grupos de Combate (GC) da CI, se deslocariam por terra, atravessariam o rio Ganjola e montariam a segurança para que, quando a CART 494 chegasse, nos batelões, pudesse desembarcar à vontade.

Na manhã de 17SET, quando a maré o permitiu, partimos de Catió para Ganjola; quando aqui chegamos (cerca da 11 horas), verificamos, que os GC da CI ainda não tinham feito a travessia do rio (Catió ficava a Sul do rio Ganjola e a posição a ocupar a Norte do mesmo rio), pelo que atracamos ao pequeno cais, sem estar montada qualquer espécie de segurança.

 Ganjola. Vd. Carta de Catió 1/50.000

Começamos a descarregar os batelões, enquanto era montada a segurança; o atraso verificado nesta era preocupante porque, seguramente, o Inimigo (IN), com muita probabilidade, tinha tido conhecimento da nossa chegada.

Uma das primeiras medidas foi montar a Metralhadora Breda e os Morteiros de 60mm, para permitir a reacção a qualquer acção do IN.

Às 16H45, o IN atacou o que iria ser o futuro aquartelamento, com grande intensidade de fogo, tendo-se aproximado a poucos metros do arame farpado (nas zonas onde já estava instalado), a coberto das bananeiras e de outras árvores de fruto, bem como do alto capim, que, obviamente, não houvera ainda tempo de cortar.
O ataque durou cerca de uma hora. O pessoal da Companhia, juntamente com os 2 GC da Companhia de Catió, reagiu ao fogo inimigo, tendo o IN retirado. Às 22H45, verificou-se novo ataque, igualmente com grande poder de fogo e foi novamente rechaçado.

No dia seguinte, foram encontrados 4 mortos do IN, deixados no meio do capim. Pelos rastos de sangue observados, o IN teve, certamente, mais baixas.
Foi capturado o seguinte material: 2 Espingardas Mauser, 1 carabina, 1 pistola metralhadora PPSH e 1 pistola de sinais; 1 cunhete de Metralhadora Ligeira Browning com 1 fita de munições completa e outras incompletas, bem como grande quantidade de granadas de mão. Durante os trabalhos de capinagem subsequentes, com o objectivo de abrir campos de tiro, foram encontradas dezenas de granadas de mão, que o IN tinha abandonado.
As Nossas Tropas (NT), com uma enorme dose de felicidade, não tiveram uma beliscadura sequer.

Duas conclusões se podem tirar do que aconteceu:
- A primeira, relativa à actuação do IN, que demonstrou grande ousadia e determinação, ao atacar, em pleno dia, as NT.
É de salientar que, só nos primeiros meses de 1973, isto é, quase 10 anos depois, o PAIGC voltou a atacar aquartelamentos das NT de dia: em Guidage (MAI/JUN 73), Guileje (MAR e MAI 73) e Gadamael (MAI/JUN 73); estas actuações foram associadas à utilização pelo IN de mísseis terra-ar STRELLA.

- A segunda conclusão diz respeito ao comportamento do pessoal da CI de Catió, cuja missão era a montagem da segurança, enquanto a CART 494 descarregava os barcos; é incompreensível e inaceitável a maneira, no mínimo desleixada, como executou a missão; de facto, uma segurança minimamente eficaz, teria detectado o avanço do grupo IN, não permitindo tão grande aproximação, o que poderia ter tido graves consequências para as NT, que, felizmente, não se verificaram.
Penso que a sua actuação, irresponsável, se pode enquadrar numa usual manifestação de pretensa superioridade da “tropa velhinha” (pessoal da Companhia de Catió), face à inexperiência dos “periquitos” (CART 494). Só assim é possível tentar um esforço de compreensão, ao concluir que o pessoal que, supostamente, deveria estar com a máxima atenção à segurança, se tenha “deitado à sombra da bananeira”, no verdadeiro sentido da expressão.

Foi este o inesperado “Baptismo de fogo da CART 494”, em pleno dia, em 17SET63, há 51 anos.

Alexandre da Costa Coutinho e Lima
Coronel de Artª: Reformado
Ex- Comandante da CART 494
Guiné 63/65
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12829: O meu baptismo de fogo (26): Có - os primeiros contactos de fogo: um teste para os "piriquitos" (Francisco Henriques da Silva)

Guiné 63/74 - P13616: Os nossos capelães (4): O bispo de Madarsuma, capelão-mor das Forças Armadas, em Gandembel, no natal de 1968 (Idálio Reis, ex-alf mil, CCAÇ 2317, Gandembel / Balana, 1968/69)



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > Natal de 1968 > Missa de Natal celebrada pelo capelão-mor das Forças Armadas, bispo de Madarsuma (*).


Foto: © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


Idálio Reis (1968)
1. Excerto de um antigo poste  do Idálio Reis ex-alf mil, CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana 1968/69), engenheiro agrónomo reformado, residente em Cantanhede (**) e autor do livro de memórias "A CCAÇ 2317, na Guerra da Guiné: Gandembel/ Ponte Balana" (edição de autor, 2012):

(...) No início da semana de Natal [de 1968], foi-nos dado a conhecer que o capelão-mor das Forças Armadas viria celebrar uma missa campal.

Os preparativos para esse dia não poderiam ser de grande monta, mercê das circunstâncias que nos eram impostas, mas houve a alegria bastante para se proceder a uma limpeza mais esmerada da pequena parada, que serviria de lugar de culto.

Assim, numa quarta-feira, dia 25 de Dezembro, como habitualmente fomo-nos levantando aos primeiros raios do alvor. Era dia de Natal, e muito certamente o único que a Companhia passaria em Gandembel/Ponte Balana, e talvez mesmo em terras da Guiné, já que do tempo de comissão decorrido, tudo indiciava que a próxima Natividade seria passada no tão desejado aconchego familiar.

Bastante cedo, fomos procedendo às tarefas de rotina, e com um efectivo redobrado, seguimos até ao rio Balana buscar água; tudo haveria de correr de feição. O almoço haveria de ser mais avantajado e suculento, já que tínhamos recebido determinados víveres que deram azo a que a ementa fosse das melhores que durante esta longa estada nos fora proporcionado.

E ao princípio da tarde, vestidos a preceito (onde a camisa era indumentária de gala), esperámos o séquito que haveria de vir ao nosso encontro. E pouco tempo passado, irrompiam, nos ares do horizonte, um conjunto de helicópteros que aterravam celeremente no centro de Gandembel, donde iam saindo diversas personalidades. E logo, aquelas singulares máquinas alares - as únicas que nos puderam tantas e tantas vezes socorrer -, levantavam.

Recordo os que pisaram este chão térreo: uma comitiva do Movimento Nacional Feminino, onde pontificava a sua Presidente, D. Ana Supico Pinto; presbíteros liderados pelo Bispo de Madarsuma; o Comandante-Chefe António de Spínola com alguns militares do seu Estado-Maior; um jornalista do Diário Popular.

A Companhia postou-se junto a uma das casernas-abrigo e aprestou-se a dar as boas-vindas. Em silêncio (não em sentido), Spínola aproximou-se de nós e durante alguns momentos fitou-nos de frente [apresentava um fácies de olhar lânguido] e profere uma alocução muito breve em que abordando o tema do Natal, deu particular ênfase aos conceitos de Deus, Pátria e Família. Muito seguramente já havia tomado a decisão pela evacuação daquele aquartelamento, mas nada exteriorizou. De todo o modo, julgo que ao findar as suas palavras, parece ter-lhe perpassado um frémito de emoção, e repentinamente manda descer o seu helicóptero e segue um outro caminho, porventura menos ínvio e liberto que este.

As senhoras do MNF, em atitude bastante contida, simpaticamente fizeram uma pequena oferta a cada um de nós. O Natal de 1968 também nos obsequiara com o maior número de mulheres que Gandembel jamais tivera oportunidade de agregar, e ”nas conversas de caserna” referia-se que talvez fosse a maior prenda que o Pai Natal nos aportara.

Também se retiraram rapidamente.

Ficavam os membros do Clero, para a concelebração da missa. Um altar improvisado e uma Companhia em que a maioria dos seus homens eram católicos praticantes, sentida e contemplativamente ouvem e rezam em murmúrio dolente e fervoroso.

Mas, mal a missa acabou, começam a detonar uma série de granadas de morteiro 82, lançadas junto à fronteira. O bispo e seus acólitos ficam atónitos ante tal quadro e num relance meia dúzia de soldados vão em seu socorro, pegam-lhes nos braços e conduzem-nos para uma das casernas-abrigo. Passaram-se cerca de 10 minutos, terminam as deflagrações, e o helicóptero que devia estar em Aldeia Formosa é chamado, e os membros da Cúria também seguiram outros destinos.

Restou ente nós, o jornalista do extinto Diário Popular, que haveria de escrever um belo artigo sobre a guerra de Gandembel/Ponte Balana, e que o Blogue já o divulgou na sua quase generalidade. (...)


Capa do livro "A CCAÇ 2317, na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana", da autoria de Idálio Reis. Edião de autor, 2012.


2. O bispo auxiliar de Lisboa, sob o título de bispo de Madarsuma, com funções de capelão mor das Forças Armadas, no período de 1967-1975. era D. António dos Reis Rodrigues (1918-2009), capelão e professor da Academia Militar, e procurador da Câmara Corporativa antes do 25 de abril (VIII Legislatura).





Ficha biográfica do bispo de Madarsuma, António dos Reis Rodrigues (Ourém, 1918 - Lisboa, 2009). Fonte: Sítio oficial da Assembelia da Repúblicia (Com a devida vénia)
_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 5 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13577: Os nossos capelães (3): O capelão do BCAÇ 619 ia, de Catió, ao Cachil dizer missa... Creio que era Pinho de apelido, e tinha a patente de capitão (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

(**) Vd. poste de 24 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3666: O meu Natal no mato (19): Spínola, as meninas do MNF, o bispo de Madarsuma e um jornalista, em Gandembel, 1968 (Idálio Reis)

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13615: Convívios (627): Rescaldo do Encontro do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, ocorrido no passado dia 11 de Setembro de 2014 (José Manuel Matos Dinis e Manuel Resende)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 11 de Setembro de 2014:

Olá Carlos e restantes Camaradas, boa tarde!
Aqui vai a notícia possível, e politicamente correcta, sobre o encontro acima referido. Peço, no entanto, que prestes atenção, às manifestações subterrâneas que um eterno candidato a ídolo anda a imaginar promover, no sentido de criar um feudo onde lhe prestem vassalagem. Ora leiam.

Oitavos continua a agradar, e a concitar a atenção de uns quantos já indefectíveis da bianda com estilhaços da orla marítima. Só por isso é que eles aparecem, porque de resto, anda lá mãozinha marota a semear a divisão, com inconfessáveis objectivos, mas que o nosso serviço de informações detectou, e confirmou estar associada ao desejo de um eterno candidato a ídolo, na área da interpretação fadista, e, ao que parece, mais não quer do que comprazer-se com mordomias e seguidismo subserviente.
De facto, oriundo do Ribatejo onde não conseguiu atingir o patamar artístico da sua ambição (quem é que vai da Linha ao Ribatejo para ouvir um faducho melancólico?), o indivíduo em apreço, ainda tentou singrar a carreira na antiga província da Guiné, mas desmobilizaram-lhe o intento logo aos primeiros berros angustiantes. Depois frequentou as mais rascas aulas de canto, e andou por esse mundo a ver se impunha o estilo adquirido, mas com balas a rasar a carola, o melhor que encontrou, foi o caminho de regresso ao rincão. E agora, já com evidente falta de penugem no alto da tola, como quem experimenta nova personalidade, anda a intrigar na Magnífica, com o sentido de abrir um estaminé em Carnaxide, qual tabanca típica, com violas, guitarras e borladero. A pinga e o shope, diz o promotor da ideia, cada um que trate de si. Uma coisa destas pode incomodar, mas o pessoal comportou-se com galhardia e não quis ouvir o fado.

A questão não merece demasiada atenção, que é disso que ele carece, mas por se tratar de notícia em primeira mão, e dado o apetite dos estimados leitores por escândalos desta índole, não poderia o escrita cumprir o seu papel com eficiência sem dar lugar destacado à intriga.

Pelo meio-dia tocou o telefone, e era já a grande atraqueção do encontro, a dizer que se encontrava à porta do Paraíso. Melhor, de Oitavos. Que aguentasse, respondi, que a glória seria certa. E cheguei meia-hora depois, já alguns confrades dialogavam animadamente no terraço com vista para o infinito. Querem saber quem lá foi? Pronto, vou revelar, ainda que com o risco de faltar alguém, pois hoje foi dia de algumas estreias.

Assim: entre novos e usados, compareceram os seguintes tabanqueiros: o Senhor Comandante Rosales, naturalmente embevecido; o Lema Santos e a mulher; o Fernando Marques, sem a Gina; o João Sacoto, com a Mercedes, reluzente e linda; o João José Martins; o Malafaia Felício, um periquito de tenra idade, apesar de averbar 91 primaveras, senhor de notável juventude; o ciclópico Pires, eterno candidato a revelação em concursos da tê-vê; o Marcelino da Mata, personagem da antiga História de Portugal, e o Manuel Joaquim, que lhe serviu de guia e pisteiro; o José Rodrigues e a mulher, sempre bem disposta e camarada; o António Patrocínio, que voltou a arriscar a viagem desde Nisa; o Luís Paulino, mais o José Chaves; mais o Manuel Macias; mais o Jorge Rocha, mais o Miguel Rocha, todos estes em estreia mundial na Magnífica; o Luís Moreira, mais o Jorge e o António Maria Silva, desta vez muito bem acolitados por uma especialidade destilada com zimbro, fiquei fã; o José Louro da mesma proveniência; o José Manuel Horta, também do tempo da farda amarela; o Francisco Palma, que mantém a fidelidade; o Rogê, que compareceu pela 15H00 e andou a rapar os tachos com evidente satisfação; o Carlos Silva e a mulher, sempre prontos a alinhar; o Manuel Resende, indispensável para o registo histórico e figura destacada deste sítio; o Jorge Canhão, que merece a equivalência do Resende; o Zé Carioca, outro indefectível; o Segundo-Comandante Mário Fitas e a mulher que, calhando ao meu lado, ficou de lhe providenciar coisas para a memória, a ver se ele não se esquece dos deveres correspondentes ao alto cargo que deve exercer; o Zeca Caetano, outro distraído que só hoje, pelas 13H00 se lembrou de avisar que comparecia; eu, este atento e venerando escrita, e, a revelação que parecia impossível, o homem que tem vivido na sombra, mas que é observador atento, e finalmente desce aos terreiros das lutas devidamente certificado de que a bianda corresponde à bianda, tal e qual a apreciamos, e que os estilhaços, na sua frescura, não causam outras dores, do que esportular 15 paus pela paisagem.

Eis, então, a revelação desejada: connosco esteve o verdadeiro, e genuíno... JOSÉ DINIS, que ninguém sabe quem é, de onde veio, para onde iria, mas sabe-se já, que fica connosco para as próximas aquetuações dentífricas, vulgo, de dar ao serrote, em companhia que lhe causou agrado, conforme foi ouvisto a confessar a um camarada não identificado.

Tudo comido e bebido nos termos regulamentares, e a registar nota muito elevada, aos doces ainda se deu a resposta adequada.
Nos finalmente, todos os sortudos que puderam contactar com o produto destilado já antes referido, e houve quem reincidisse, ficaram desejosos e crentes na Senhora dos Aflitos, para que da próxima a encomenda possa valorizar-se no volume oferecido. A h Silva!!!

Nota final: Um grupo destes cidadãos (não confundir com cidadães da linguagem oficial portuguesa) parece impelido na intenção de, em Outubro, demandarem as bandas da Moita onde ocorrem alguns festins com enguias.
Voltaremos ao assunto.

 Francisco Palma

 Armando Pires

Manuel Lema Santos

José Rodrigues

Comandante Jorge Rosales

 Jorge Pinto

O fotógrafo oficial dos Convívios, Manuel Resende, à esquerda, acompanhado do Marcelino da Mata e do João Parreira

 Mendonça

 Manuel Macias

Marcelino da Mata, Mário Fitas e João Parreira

António Fernando Marques

Jorge Canhão

 Carlos Silva

 Zeca Caetano

Texto: José Manuel Matos Dinis
Fotos: Manuel Resende


2. Mensagens de apreço:

i)
Caro José MM Dinis (para distinguir do outro José Dinis):
Grato pelo convívio, simpatia, pelo bom repasto e magnífica paisagem.
Parabéns ao fotógrafo e a si pelo texto, ainda que para mim esteja demasiado encriptado por desconhecer os personagens nele referidos.
Espero que o tempo me resolva esta dificuldade.

Abraço
Miguel Rocha

ii)
Caro José Manuel Matos Dinis e antigos Companheiros e Camaradas,
Mais uma jornada de Amizade e Camaradagem vivida em companhia de excelência e num ambiente de são convívio.
São momentos como estes que nos permitem o alheamento de algumas duras realidades que sentimos e vivemos no nosso dia-a-dia. Por breves momentos, foi possível o esquecimento numa breve romagem de saudade ao passado recente de todos nós.
Ainda que não desejável de todo aquele regresso, ali deixámos mais um marco de que continua a ter sentido a continuidade de valores, ainda hoje preservados, no rumo de vida que cada um de nós traçou.
Mais uma vez, os nossos agradecimentos por nos ter sido conferida a honra de os partilharem connosco.

Saudações navais!
Abraço,
Mauel Lema Santos
____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13608: Convívios (626): Encontro anual do pessoal do HM 241 de Bissau, dia 4 de Outubro de 2014 em Coimbra (Manuel Freitas)

Guiné 63/74 - P13614: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXII: No T/T Niassa,, em 24/5/1969, a caminho do "desterro"... (Agostinho Evangelista, 1º pelotão)


Chaves , BCAÇ 10 (?) > CCAÇ 2533 > Desfile antes da partida para Lisboa, para embarque, em 24/5/1969, no  N/M  com destino ao TO da Guiné. À frente das suas torpas, o cap inf  Sidónio Martins Ribeiro da Silva, hoje cor inf ref.



T/T Niassa > Maio de 1969 > Uma imagem repetida até à exaustão; o transporte de tropas era feito em cargueiros, mistos, adaptados... As condições a bordo eram execráveis... Neste caso foram transportadas 13 companhias independentes.

Fotos do livro "Histórias da CCAÇ 2533" [Edição e legendagem: LG]



1. Continuação da publicação das "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). (*)

Mais dois episódios naarados pelo sold Agostinho Gomes Evangelista, do 1º pelotão:

 (i) natural de Viana do Castelo, o autor passou trambém pelo BCAÇ 9;

(ii) partida para o TO da Guiné no T/T Niassa, em 24 de maio dce 1969 (com outras subunidades, incluindo a CCAÇ 2590, mais tarde CCAÇ 12, a que pertenceu o nosso editor Luís Graça), revista às tropas em parada, na oresença do gen Spínola, e viagem de LDG até Farim (pp. 80/81).


Registe-se, mais uma vez, como facto digno de nota, que esta publicação é uma obra coletiva, feita com a participação de diversos ex-militares da CCAÇ 2533 (oficiais, sargentos e praças), num esforço esforço de partilha de memórias comuns...

A brochura, com cerca de 6 dezenas de curtas histórias (de 1 a 2 pp.), e proiusamente ilustrada (c. meia centena de fotos), chegou-nos às mãos, em suporte digital, através do Luís Nascimento, que vive em Viseu, e que também nos facultou um exemplar em papel. para consulta. Até ao momento, ele é o único representante da CCAÇ 2533, na nossa Tabanca Grande, apesar dos convites, públicos, que temos feito aos autores cujas histórias vamos publicando.

Temos autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as aventuras e as desventuras vividas pelo pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras (Farim, 1969/71). (LG)







Foto de Canjambari, presume-se. Do álbum do Luís Nascimento (aqui, ao centro, sentado) (p. 80)





(Continua)
_____________

Guiné 63/74 - P13613: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Anexo II: Confirma-se a sua presença em Bambadinca, ao serviço do BCAÇ 2852, no 2º semsstre de 1969


Capa do livro sobre a família Maçarico, que tem centenas de descendentes, originários de Ribqmar, Lourinhã. Estão hoje espalhados pela diáspora lusitana (por ex., Brasil, Estados Unidos, Canadá). Há um rano em Mira, que deve ter emigrado para lá no séc. XIX. Uma das caraterísticas dos Maçaricos é que sempre viveram junto ao mar, e ligados a atividades maritímas (desde a marinha mercanbte à marinha de guerra, desde a pesca à construção naval).

Na sua página na Net pode ler-se: 

"Ribamar na época dos Descobrimentos era já um importante centro de construção naval, tendo ainda existido até cerca de 1930 um estaleiro que situava no local onde está hoje a escola primária.

"E já nesses tempos idos os Maçaricos eram reconhecidos como especialistas nessa área tendo acompanhado diversas expedições navais. E provavelmente estabeleceram-se também noutras localidades onde existiam estaleiros, possível explicação para haver outras famílias Maçarico espalhadas pelo Pais, como por exemplo em Mira."





Bolo do 1º almoço convívio que reuniu algunas centenas de Maçaricos em Ribamar, Lourinhã, em 22 de julho de 2001. Seguiu-se,  no ano seguinte, um outro convívio. Foto: cortesia da página Maçaricos - Ribamar - Lourinhã.



Da esquerda para a direita, Horácio Net Feernandes e Júlio Alberto Maçarico Fernandes  (já falecido). São da mesma geração, são oprimos e nascidos em Ribamar.. O primeiro em 15/9/1935 e o segundo 21/11/1934. Ambos foram padres franciscanos, tendio sido ordenados em 15/8/1959- O Júlio foi missionário em Moçambique, em João Belo. O Horácio foi capelão militar (1967/69), abandonou o sacerdócio em 1972. Fez ontem 79 anos, e merece os nossos votos de parabéns!... Muita saúde e longa vida para ele!

Foto: cortesia do livro "Vila de Ribamar", de Américo Teodoro Maçarico Moreia Remédio, primeiro tenente reformado, edição de autor, Lourinhã, Ribamar, 2002, p. 123.


1. Em conversa telefónica, há dias, pude esclarecer, um pouco melhor, a situação do Horácio Fernandes nos seus últimos 6 meses de comissão de serviço na Guiné.

Acabada a comissão do BART 1913 (Catió, 1967/69), em maio de 1969, o Horácio, que era de rendição individual, foi colocado no BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Ele confirmou-me que conhecia os (ou alguns dos) aquartelamentos do setor L1 como o Xime e o Xitole. Diz que foi pelo menos uma vez ao Saltinho, muito provavlemnet numa coluna logística com segurança da CCAÇ 12....

Não passava muito tempo em Bambadinca, andando pelos aquartelamentos e destacamentos. Não me falou de Mansambo, o que é estranho e o que parece ir ao encontro do que nos disse o Torcato Mendonça, que não se lembrava de nenhum capelão....

Conhecia o destacamento no Rio Udunduma, entre o Xime e Bambadinca. Parece ter conhecido melhor o Xime. Falou-me de uma emboscada, na estrada Xime-Bambadinca, com dois mortos, e que eu ainda não consegui localizar no tem,po e no espaço. Também não foi precisao em relação à data em que esteve internado no HM 241 com paluidismo.

O Horácio participa nos convívios anuais do pessoal do BART 1913, não tendo ficado com ligações afetivas com o pessoal do BCAÇ 2852. Não se lembra do ataque a Bambadinca, em 29/5/1969, pelo que terá chegado mais tarde. Eu, que fui para Bambadinca em 18/7/1969, também não me lembro dele.Enfim, dois primos que só se voltam a reencontrar meio século depois: estive na missa nova (em 1959), voltei a abraço em Ribamar, em 2013.

Mas aqui fica a sua versão dos seus seis a nove meses na Guiné.  Ontem fez 79 anos. tentei ligar-lhe mas ninguém atendeu (na sua casa do Porto). Aqui  ficam os meus votos pessoais de parabéns, como camarada e editor deste blogue, para além de parente. (LG)´


Excerto da História da Unidade - BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), Cap I, p2... Como se vê,  o nome do oficial capelão está em branco... Talvez o Fernando Calado e o Ismael Augusto, nossos grã-tabanqueiros, nos possam dar esclarecimentos adicionais sobre a presença do Horácio Fernandes em Bambadinca, no fianl do 1º semestre ou início do 2º semestre de 1969... Na história desta unidade, não parece haver "vestígios" do Horácio Fernandes, embora ele jure a pés juntos que por lá passou, na fase terminal da coissão de serviço, de rendição individual.



Guiné < Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Meninos cristãos, em dia de primeira comunhão, ao tempo da CCS/BCAÇ 2952 (1968/70). Foto do álbum do ex-fur mil rebastecimentos José Carlso Lopes, grã-tabanqueiro nº 604.

Em Bambadinca, o Horácio Fernandes não teve praticamente nenhum contacto com a pequena comunidade cristã local. E terá dito poucas missas na capela local, que se situava à direita da secretaria da CCAÇ 12 (1969/71). Contrariamente ao ques e passou em Catió (CCS/BART 1913, 1967/69), em Bambadinca ele limitou-se a ser "capelão militar".


Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a capela (que servia também de casa mortuária...) e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/74)

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados

2. Arribas do Mar [Ribamar]

Na sua rese de dissertação de mestrado em ciências da educação, pela Faculdade de Piscologia e Ciências das Educação da Universidade do Porto (1995, já aqui citada), Horácio Fernabndes descreve assim, na pag. 102,  a suia terra  [que é também a terra da minha bisavá paterna, Maria Augusta (Maçario) (1864-1920), que foi casar na Lourinhã, com um negociante de peixe, Francisco José de Sousa)]:

(...) Arribas do Mar, aldeia de Francisco Caboz, estava predestinada a ser viveiro de três vocações sacerdotais nos anos 30/40. Isolada entre dois concelhos «saloios», Lourinhã e Torres Vedras, a agricultura de subsistência e a pesca sazonal eram os seus únicos recursos.

Lisboa, que distava 50 km, ficava muito longe, já que as estradas que lhe davam acesso eram intransitáveis e o percurso inseguro, sujeitos os transeuntes a frequentes assaltos. Só a pé ou a cavalo é que era possível transpor tão curta-longa distância. O mar era a única saída possível.

Sempre com o credo-na-boca se o mar embravesse, esta gente é ao mesmo tempo desconfiada, crente e devota. Quase todos analfabetos, prostam-se e veneram, temendo alguém que é mais do que eles e que constantemente os ameaça. Santos, bruxos, mulheres de virtude, todos são requisitados em marés de azar: doenças dos homens e dos animais, do corpo e da alma, amores estragados e maresias.

A escola existia, mas secundariamente em relação à omnipresença do Mar: o mais importante era saber fazer um "côvo" para apanhar lagosta, lavagante ou navalheira, saber fazer um camaroeiro e uma sartela para atrair o peixe na maré vazia, consertar uma rede, saber medir os fundões em braças, saber lançar a poita, saber manejar a vela, o remo e o leme, «safar a tralha», o que não se aprendia nos bancos da escola. 

A aldeia de Francisco era, digamos assim, a realização nas suas potencialidades mais substantivas do salazarismo, enquanto projecto político: imobilismo social, pobre, conformada, trabalhadora, disciplinada vivendo o quotidiano ao ritmo do anti-quotidiano. (...)

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13612: (Ex)citações (237): Li a versão do António Nobre onde está referenciado o meu acidente. Não havia ninguém até agora que se tivesse lembrado de mim (José Maria Claro)

1. Mensagem do nosso camarada José Maria Pinto Claro(1), Deficiente das Forças Armadas (ex-Soldado Radiotelegrafista de Engenharia da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Biambe, 1969), com data de 10 de Setembro de 2014:

Boa tarde camaradas
No decorrer do Post colocado pelo camarada António Nobre (2), reuni alguns dados e fotos que seguem em anexo.
Disponham das informações e fotos que considerem relevantes.

Um abraço
José Claro


Claro, o Radiotelegrafista

Camaradas de Guerra 
BCAÇ 2464/BCAÇ 2861:
Biambe 1969

Ao camarada António Nobre

Camarada,
Sou o radiotelegrafista Claro que no dia 7 de Abril de 1969 foi ferido com gravidade ficando com amputação da perna esquerda, no rebentamento de uma mina antipessoal.

Amigo, por curiosidade estive a ver e a ler situações referentes à Guerra na Guiné e li a tua versão onde referenciaste o meu acidente, pois até este dia não havia ninguém que se lembrasse do Claro, por isso, meu amigo, um muito obrigado, por me fazeres chorar.

Amigo, como deves saber, eu fui formar e completar a companhia tudo à pressa e neste caso não tive convivência nem grandes amizades convosco, tinha sempre muito trabalho de rádio. Ninguém sabia o que eu passava, estava de 2 em 2 horas no rádio, noite e dia, dormia de 2 em 2 horas, nem tinha tempo de jogar umas cartadas.
Por isso te digo, ninguém da companhia sabia que em todas as operações que tivemos e que aparecia a Força Aérea, era sempre a meu pedido, nunca por ordens superiores, e não nos demos mal Graças a Deus. As preocupações que tive por não termos rádios operacionais, com avarias por vários dias enquanto todos dormiam… E às 3 da madrugada agarrei-me ao portátil e vim para o meio da parada fazer alto sarrabulho, que até acordei o Pratas, a pedir auxílio, também correu bem.

No levantamento de rancho, a meu pedido, também correu bem, pois como sabíamos para o soldado era, ao almoço, bianda com duas rodelas de chouriço e ao jantar, duas rodelas de chouriço com bianda, e se cheirava bem para os lados dos nossos queridos oficiais, até cabrito assado com batatinhas faziam…

Tive várias ocasiões em que a minha intervenção foi crucial, como aquela da saída dos pelotões em que intervieram os T6 e o capitão Pratas indicou--me que a situação da coluna se encontrava a Norte e os aviões lá foram. Não era para Norte, era para Sul que a coluna se encontrava. Tentei contacto com os T6, indiquei-lhes a rota correcta com panos reflectores no chão em forma de seta. Resultou.

A emboscada que tivemos na bolanha com a nossa companhia e outra posicionada no lado esquerdo em que pedi auxílio à FA pela outra companhia não ter transmissões apropriadas para a situação e terem feridos e apareceu o FIAT, correu tudo bem.

Os arranjos nos rádios, porque o furriel não percebia nada daquilo, ou não se estava para ralar, enfim, etc. etc. etc., era eu que os fazia.

Amigo e camarada, estou a desabafar para contigo e estou com a lágrima no canto do olho, porque os camaradas não sabem o que os RTs têm na memória, e digo-te que todos os RTs, estejam onde estiverem sabem, por informações dadas por todos os outros RTs as situações presentes.

Dia 7 de Abril, dia trágico para mim, depois de estar 2 horas de serviço no rádio fui tentar adormecer. Ao fim de meia hora acordaram-me para que fosse formar a coluna para sair, mas voltei a adormecer. Daí a mais meia hora voltaram a acordar-me e disseram que o pelotão já estava à minha espera há uma hora, até parecia que não havia mais operadores.

Até este dia protegi os meus camaradas, pedindo auxílios via FA e outros, e neste dia, até pedi a minha própria evacuação, com a consternação de todos os colegas de curso de Radiotelegrafista de Engenharia, posicionados nos postos do nosso Sector.

O Claro
Radiotelegrafista de Engenharia.
Soldado RT


Biambe, 1969

Biambe, 1969

Biambe, 1969

No HMP de Lisboa
____________

Notas do editor

(1) Vd. poste de 11 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13601: Tabanca Grande (444): José Maria Pinto Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista de Eng.ª da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861 (Biambe, 1969)

(2) Vd. poste de 4 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9853: Breve historial da CCAÇ 2464 / BCAÇ 2861 que esteve em Biambe, Encheia, Buba, Nhala e Binar (António Nobre)

Último poste da série de 9 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13381: (Ex)citações (236): O horror e a beleza: Buba, meados de 1971 [ Francisco Baptista, mil inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

Guiné 63/74 - P13611: Notas de leitura (632): “Guiné: Até amanhã se Deus quiser" por Vítor Nogueira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Março de 2014:

Queridos amigos,
Do que conhecemos, este diário de um franciscano que missionou em Bula entre 1993 e 1994 é um documento singular, expõe uma confidência e um inquietação há para ali tantas emoções, confrangimento e solidariedade, que agarra o leitor do princípio ao fim.
Uma missão que soçobra, o Frei Vítor tinha feito uma entrega total, como relata neste livro onde observa, meticulosamente, o sofrimento guineense, não se escusando a críticas ao desempenho da missionação. E há uma outra leitura possível, a do cântico franciscano, encantado pela defesa dos pobres, constantemente a proclamar “é no dar que se recebe, no amar que se é amado”.
O autor recorda-nos que quem compra este livro está a ajudar os mais pequeninos.

Um abraço do
Mário


Guiné: Até amanhã se Deus quiser

Beja Santos

“Guiné: Até Amanhã se Deus Quiser”, com prefácio do padre Vítor Milícias e autoria de Vítor Nogueira, Folheto, Edições e Design, 2010, é o diário de um franciscano na Guiné, diário minucioso escrito em cadernos e a pensar em religiosos e leigos com quem conviveu, no período de Outubro de 1993 e Abril de 1994. Um franciscano de pouco mais de 30 anos, entrara na Ordem Franciscana descontente com a sua vida de prazeres imediatos, considerava-se adormecido espiritualmente. Descobre as alegrias do despojamento, esteve no Convento do Varatojo e depois da na Luz, África atraia-o, deram-lhe a Guiné-Bissau como experiência missionária. A partir de 29 de outubro, o seu diário começa sempre assim: “Queridos irmãos! Paz e Bem!”. Recém-chegado, está exuberante: “O dia de hoje já dava um livro. Os irmãos cá da missão de Bissau contaram-me ao jantar que tinham comprado 30 contos de bananas, sabem quanto custa um saco de arroz? Custa um mês de ordenado. Sabem quanto ganha um professor? 150 contos guineenses, isto é, 2 contos portugueses”. Começa a ser inteirado da realidade do país, não para de fazer perguntas: muitos carros velhos à beira da estrada por falta de peças; as casas aqui não se pintam há séculos; deu com uma grande porca preta nas ruas de Bissau, viu lixo por todo o lado, a cidade tem muito pouco tempo energia elétrica, regista no seu diário o nome de quem encontrou em Bissau, alegrou-se quando encontrou um benfiquista. Está empolgado, tem um sentimento de cruzada: “Estou a viver uma sensação de fé, de estar nas mãos do Senhor, totalmente abandonado nas Suas Mãos. Já vim sem medo. Se morrer, mordido por alguma cobra, morro feliz”. A sua veia descritiva estende-se numa enxurrada, regista tudo quanto vê em Bissau. Irá escrevendo obsessivamente, aliás, nunca esconde o seu contentamento com cartas que lhe chegam de todas as proveniências. Quer saber tudo sobre este povo sofredor.

Debate-se entre a crítica do que vê e condena e insiste na tecla que se entregou a Deus, a fonte inesgotável da sua alegria. A 6 de novembro marcha para Bula, extasia-se em João Landim, Bula é uma cidade “com as dimensões que uma aldeiazinha pobre, das mais pobres de Portugal”. É magnificamente acolhido, sente-se em família, dão-lhe um candeeiro, fundamental para a sua escrita. Sofre com o calor, vai referindo as várias missões existentes na Guiné, equipas de três continentes. Está atento a todas as dificuldades que se põem à missionação, antes de ser catequista trabalha como assiste de limpezas, na cozinha aos fins de semana, é também assistente de mecânica e nos trabalhos agrícolas. Está feliz, veio para servir. Faz visitas, vai até Cacheu, “cidade desprezada e com alguns edifícios muito bonitos”. A sua curiosidade é febril: gosta de futebol, gosta de ler, gosta de conversar, está atento à vida africana e escreve: “já deu para ver que esta Guiné tem em si tanto de bom, de belo como de mau, de horrível. Tem um lado luminoso e um lado tenebroso, tem tanto de terra bondosa, generosa, como de impiedosa e cruel, tanto de alegre como lamentavelmente triste, tem tanto de amor como tem de dor e sofrimento atroz”. Tem saudades do frio, irá estudar latim, não se percebe bem para quê, está insatisfeito e desinteressado. Adora fazer culinária. Relata ao pormenor o ano litúrgico, a catequese, as visitas às tabancas, vive compungido com a muita miséria à volta, tem sempre meninos à volta do Frei Vítor a pedir material escolar, os meninos não têm nada, só sonhos.

Foi a Cajence dar catequese, pelo caminho encontrou um rapaz que o cumprimentou friamente, cuspindo no chão e voltando-lhe as costas. Alguém lhe observa que são ressentimentos que vêm do período colonial. Quando o dia lhe corre mal não o esconde, começa a adoecer, tem grandes dores de cabeça, encara o ensino do latim cada vez mais contrafeito, sente monotonia mas escreve que já ultrapassou fases na sua vida muito mais difíceis. Sente-se consternado com os gravíssimos problemas de saúde, medicamentos só a 20 ou 30 quilómetros de Bula. No seu registo diário fala de saudades de Lisboa. Começa a ser recorrente o seu desapontamento com a natureza da missionação na Guiné: “Depois de terminada a catequese, pelo caminho eu e a irmã viemos a conversar. Desta vez foi sobre a eficácia ou ineficácia da pastoral juvenil. Os nossos pontos de vista convergem quanto ao assunto. De facto, para nós, a pastoral juvenil que fazemos na Guiné não está bem de saúde. É importante a introdução de novas dinâmicas, mas também é verdade que temos um problema, precisamos de sangue novo nesta terra. Se soubessem como vale a pena estar aqui vinham todos e largavam todas as ninharias a que vivem agarrados ou andam atrás delas a correr”.
Em meados de fevereiro de 1994 conclui 160 páginas da sua partilha diária. Começa a duvidar das suas capacidades: “acho que ainda estou muito cru e me falta vencer ainda uma grande batalha: vencer-me a mim próprio”. Ao fim de três meses na Guiné repisa que está verdadeiramente emocionado, sente-se deslumbrado no coração de África. O seu humor oscila: “Ando a sentir rotina por todo o lado, ou então a rotina é criada por nós. Se me deixo enrolar por esta ideia da vida rotineira, ainda acabo por começar a descurar o apreço devido pela vida e acabo para aí a dizer mal dela”.

Está mesmo doente, levam-no ao hospital de Canchungo: “Quando entrei no hospital foi como se entrasse num filme, num pesadelo. Vi todo o tipo de coisas. Pessoas deitadas por todo o lado no chão, enroladas em panos, gemendo ou chorando, de tal forma que me pus num estado em que não sabia se haveria de cair para o chão, havia de chorar". Os profissionais de saúde convivem com todos os tipos de doenças infectocontagiosas. Tem um paludismo que inquieta os médicos, não prega olho, com calafrios e dores como uma faca dilacerante. A febre não passa. Crescem as saudades de Lisboa: “Não imaginam o que eu dava para estar convosco alguns minutos e poder ver-vos e ouvir-vos”. Escreve revoltado sobre o comportamento dos ricos que possuem várias casas e ostentam carros dispendiosos, a corrupção é escandalosa. Escreve que não vai voltar a Portugal, a sua vida é ali: “É aqui que a minha vida tem sentido, é aqui que me sinto útil, que se lixe a teologia. Já sei o suficiente para saber o que o senhor quer de mim”. As dores não param, chega a pensar que foi acometido de paludismo cerebral. O desalento invade o seu diário, há mesmo dias reduzidos a um parágrafo, devido à febre e às dores. É transferido para Portugal. Aqui acaba o diário, o que se segue são considerações póstumas. Lembra que esteve hospitalizado ao pé da leprosaria de Cumura, descreve a impressão que lhe provocou o sofrimento dos outros. Em Portugal tratado na enfermaria da Luz. Bula não lhe sai da mente e todos os protagonistas. Vemo-lo oscilante: “Não dá para ser meio franciscano. Pelo menos para mim. Depois de vir da Guiné ainda tentei. Mas foram dias com sabor a fracasso. E os fracassos e insucessos sucederam-se”. E saiu do convento em 1996, foi morar para Lisboa na Comunidade Vida e Paz, para o meio dos sem-abrigo. Recusou voltar para casa. E um dia constituiu família. Sente a sua alma franciscana. A Guiné é uma saudade, as coisas correram mal, mas entregou-se a fundo. Pede para lhe comprarem este livro que é para ajudar os pequeninos.


Fotografias da contracapa
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13603: Notas de leitura (631): “2011 Guiné-Bissau" por Ana Vaz Milheiro (Mário Beja Santos)