sexta-feira, 15 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23171: Notas de leitura (1437): "Os Forjanenses e a Guerra Colonial", organização de Luís G. Coutinho de Almeida e Carlos M. Gomes de Sá; edição da Junta de Freguesia de Forjães, 2018 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
A saga destes forjanenses merece a nossa atenção. Não é a primeira vez que uma Junta de Freguesia estende a mão aos antigos combatentes. No caso vertente, o Coronel Coutinho de Almeida contou com um credenciado publicista, Carlos Gomes de Sá, e lançaram-se nesta empreitada na recolha dos testemunhos, o resultado é um sucesso, vem sempre ao de cima o sentido da identidade local, onde quer que o militar chegue pergunta se há gente de Esposende ou Viana, por exemplo. São testemunhos comedidos, nada de jactâncias, vaidadezinhas ou azedumes que ficaram para o resto da vida. Todos deploram ao que a Guiné chegou e à inutilidade daquela guerra. E é profundamente comovente ver estes velhos combatentes nalguns casos abraçados às mulheres e até às suas mães. Uma edição exemplar que todas as autarquias deviam conhecer.

Um abraço do
Mário



Memórias insuperáveis, a historiografia as saiba escutar (2)

Beja Santos

É um belíssimo, inolvidável, trabalho de recolha junto de antigos combatentes ligados à freguesia de Forjães (concelho de Esposende), a organização pertence a Luís G. Coutinho de Almeida e Carlos M. Gomes de Sá, a edição é da Junta de Freguesia de Forjães, 2018. Não conheço nada de tão tocante, tal é o vigor do testemunho entre os vínculos locais e, em inúmeros casos, uma saudade guineense que não secou. Como é evidente, os testemunhos recolhidos são amplos, estes forjanenses e suas famílias falam da Índia, da guerra de África mas também de São Tomé e Príncipe, Timor e outras paragens. O que aqui se regista, obviamente, circunscreve-se à Guiné, mas desde já se adverte o leitor que se sentirá gratificado com a leitura de todos estes testemunhos, esta memória é aparentemente regional, não haja ilusões, mas estamos lá todos nós.

Temos agora o soldado Carlos Alberto Maciel Martins Gomes, fez a sua comissão na Guiné entre 1968 e 1970. Os vínculos locais afloram imediatamente, acaba de chegar a Bissau e logo se estabelece uma identificação com a terra de onde vem, aparece um soldado que lhe diz: “Ó Meira, também estás por aqui? Era o Sr. Manuel Neiva, o homem da Marta da Porcena. Era marinheiro. Nós seguíamos para cima, para Bambadinca. Também vi o Armindo da Gena”. Seguiram para Contuboel e Sare Bacar, confessa que os meses iniciais foram muito difíceis, refere o desastre da jangada no Cheche, no início de fevereiro de 1969. É comedido nas suas considerações, de como viveu e se adaptou. Adorava jogar futebol, apelidavam-no por “Pedro Gomes”, o defesa lateral direito do Sporting. Ajudava na horta. Regressou e procurou arranjar trabalho em França. Inserção difícil, teve pesadelos, sonhava que ainda estava na guerra.

Carlos Alberto Brochado de Almeida foi furriel miliciano entre 1967 e 1969, ficou adstrito à CART 1661, cujo primeiro-comandante foi o arquiteto Luís Vassalo Rosa. Desembarcou e foi colocado em Porto Gole, onde se encontrava o Pelotão de Caçadores Nativos N.º 54, a que pertencia. “Embora integrado numa Companhia de Artilharia, o meu grupo era um Pelotão de Soldados Nativos comandados por um Alferes teoricamente auxiliado por três Furriéis. O Pelotão de Soldados Nativos era um grupo heterogéneo formado por Balantas, Fulas, Futa-Fulas, Mandingas e Papéis. Cristãos eram alguns dos Papéis oriundos da ilha de Bissau. Apesar da sua heterogeneidade, o pelotão era um grupo coeso onde não havia fronteiras de relacionamento entre brancos e nativos. O segredo desta boa relação alicerçou-se, basicamente, no nosso respeito pela cultura de cada etnia e no tratamento de igualdade que havia entre todos os membros”. Não esquece uma flagelação ao quartel numa noite de abril de 1968, 45 minutos de fogo infernal. Ao fim de 18 meses, o furriel Almeida foi transferido para o Quartel-General, trabalho de secretaria. “Foi ali, durante seis meses, que vi a outra face da guerra: a dos papéis, a das cunhas, a das contrapartidas, mas também a das noites dormidas sem a arma à cabeceira da cama”.

O soldado José Boucinha da Cruz, condutor auto, esteve na Guiné entre 1970 e 1972, colocado na CCS do Batalhão de Bissorã e temos mais uma história de vínculos locais: “Fora, fazíamos segurança às colunas que traziam os géneros de Mansoa, onde os íamos esperar. Cada vez que lá ia perguntava sempre se havia por lá militares de Esposende, Barcelos ou Viana. Foi assim que encontrei o Carlos do Rogério, que me apresentou o Guilherme Pimentel e que viria a casar com a sua prima Lúcia Torres. Noutra ocasião em Bissau, encontrei o Couto dos Santos, que estava na Marinha e que andava a estudar. Encontrei também o Baltazar Costa, que estava de férias em Bissau. Por lá também me cruzei com o falecido Ascânio, de Antas (que foi guarda-redes do Forjães) e com o filho do moleiro da Azenha do Grilo, de S. Paio”. Não sendo operacional, escasseava-lhe o tempo livre, tinha de fazer a limpeza do Depósito de Géneros. É tocante o final do seu depoimento: “Quando cheguei a casa, o meu pai não estava. Tinha ido a Barroselas com o Zé Matos para me ir esperar. Estava só a minha mãe e que alegria que ela sentiu quando entrei em casa. Quando o meu pai chegou, mandou deitar uns foguetes. Eu estava à mesa a comer e, quando começaram a rebentar, mandei-me para debaixo da mesa, ainda com a ideia dos ataques. Casei em 9 de Dezembro e dali a uma semana fui com a minha mulher a Santa Maria Adelaide oferecer o vestido de casamento, como promessa de eu ter voltado vivo da guerra. Em termos de camaradagem, vimos lá momentos muito bons. Vou sempre aos encontros anuais do meu batalhão 2927. E, de há seis anos para cá, em Forjães, eu e o Albino do Firmino organizamos, anualmente, o encontro dos combatentes da Guiné. Há uma missa cantada, uma romagem ao cemitério para depor um ramo de flores pelos que já faleceram. E nunca nos esquecemos de ir a Aldreu, deixar também um ramo de flores na campa do António Amorim Torres, que faleceu na Guiné”.

José Carlos Ribeiro da Fonseca faz a sua comissão de 1970 a 1972, é furriel miliciano, vagomestre, pertenceu à Companhia de Caçadores Nativos 15. De Bissau segue para Bolama, para o Centro de Instrução Militar, logo se pôs à procura de alguém de Esposende ou Viana. Encontrou o Fernando Macedo (Ferreiro), bem como o seu chefe, um natural de Carvoeiro, seu colega na escola em Viana. Foi integrado na Companhia Balanta. Em 3 de março de 1970, partem para Mansoa, ficam junto do BCAÇ 2885. Numa coluna, em Safim, encontrou-se com o Jorge Gomes. Construiu um bom relacionamento com o Capitão Mário Tomé. Em 27 de março tem o seu batismo de fogo, um ataque a Mansoa com misseis terra-terra. No fim de maio chega-lhe a notícia do nascimento da filha. Vê chegar a Mansoa o Joaquim Luís e o Ascânio, seu amigo de S. Paio de Antas. Vêm de férias e no regresso apercebe-se do endurecimento da luta, o alcatroamento de Mansabá a Farim foi trabalhoso. Assiste à rendição do Batalhão 2885 pelo Batalhão 3832. Refere o ataque de 9 de junho de 1971 a Bissau e os muitos confrontos em patrulhamentos dentro da zona de ação. Regressou a 28 de janeiro de 1972, diz não ter experimentado perturbações de ordem psíquica ou física, o que gostou foi o frio do inverno. “Mas o meu tempo após o regresso foi muito difícil no âmbito familiar, porque a minha filha, já com vinte meses, não me conhecia de lado algum, fugia a qualquer contato comigo e, embora a mãe tudo fizesse para explicar quem eu era, só reconhecia o avô materno com quem conviveu desde o nascimento”.


O Coronel Luís Gonzaga Coutinho de Almeida entre o autarca da Murtosa e um elemento da GNR
Mário Leitão, escritor limiano, que se associou a este empreendimento
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23159: Notas de leitura (1436): "Os Forjanenses e a Guerra Colonial", organização de Luís G. Coutinho de Almeida e Carlos M. Gomes de Sá; edição da Junta de Freguesia de Forjães, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23170: Humor de caserna (48): o major art José Joaquim Vilares Gaspar, o "Gasparinho", visto por Salgueiro Maia: loucura ou contestação do sistema?

1. Trancrição de um excerto do poste P3262 (*), da autoria do nosso saudoso amigo, Leopoldo Amado (1960-2021), historiador guineense,  vítima da pandemia de Covid-19:


(...) O exemplo mais sonante de loucura, traço muito comum à literatura de guerra colonial, é-nos dado por Salgueiro Maia, ao referir-se à caricata figura do major Gaspar, cuja irreverência abeirava-se da loucura, aliás, motivo pelo qual acabou ser hospitalizado:

(...) o major Gaspar vai comandar o CAOP 2 em Mansabá, onde, dando boa conta do recado, é solicitado para se deslocar a Bissau, à reunião semanal do Com-Chefe, onde deveria ser salientado o seu compor­tamento. Só que a coluna que, vinda de Farim, o devia transportar a Bissau nunca mais chegava. 

Farto de esperar, avança para Mansoa só com o condutor, percorrendo um itinerário onde eram frequentes as emboscadas, pois passava ao lado do Morés. À sua chegada a Mansoa, umas centenas de elementos da população agitam-se, pe­gando nas suas mercadorias com vista a ocupar lugar na coluna. Aí, o major Gaspar acha conveniente mandar parar o jipe. A população acerca-se e ele explica: 

«Meu povo, permaneçam mansos, porque a coluna ainda não vem aí, só vem o Gaspar.» 

Continua só em direcção a Bissau. Começa por visitar os seus amigos páras à entrada da cidade, depois o seu amigo director do Hospital Militar, os seus amigos comandos, etc. 

Entra em Bissau feliz e, desejando dar saída à sua alegria, descobre que o único sítio da Guiné onde havia uma peanha para um polícia dirigir o trânsito tinha um PSP guineense, que o major Gaspar considerou estar a fazer mal o seu trabalho. 

Fez parar o jipe ao lado da peanha e fez sair o polícia do sítio e, de pistola-metralhadora ao pescoço, o major Gaspar foi dirigir o trânsito. Lá, como noutros sítios, os condutores, apesar de na maioria serem militares, não eram obe­dientes, e assim o nosso amigo fartou-se de desobediências. Tanto, que atirou uma rajada por cima de uma camioneta da engenharia militar que não lhe obedeceu. 

Continuou em funções, mas surge mais uma camioneta, do Depósito de Adidos, que também não lhe obedece, e aí vai o resto do carregador. 

O Palácio do Governo, onde se encontrava o general Spínola, distava uns 400 m em linha recta, pelo que os disparos eram nítidos e originaram que a polícia do Exército fosse chamada ao local.

Postas perante a realidade, as entidades competentes determi­naram a baixa à neuropsiquiatria do major Gaspar. Mas alguns, suficientemente conhecedores da maneira de ser do «doente», con­seguiram autorização para o director do Hospital Militar conven­cer o major a descansar uns dias no Hospital, onde os amigos o visitaram com assiduidade, criando talvez o único período de ver­dadeiro descanso e convívio que este homem teve ao longo de vários anos de guerra e de guerras com o sistema. 

As histórias do major Gaspar foram para muitos combatentes o escape natural nas vicissitudes da vida em campanha; quem o conheceu guarda dele a imagem do lutador pela dignidade e pela justiça, a certeza de que a sua luta foi imortal (...) ”[19] )**)

[ Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Realce a amarelo, para  efeitos de publicação deste poste no blogue: LG]
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Nota do Leopoldo Amado:

[19] Maia, Salgueiro, O Acaso, In Capitão de Abril – Memórias da guerra do Ultramar e do 25 de Abril, Editorial Notícias, pp. 56 e 57.
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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P23169: Parabéns a você (2055): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf da CCS/BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23157: Parabéns a você (2054): Jorge Picado, ex-Cap Mil Inf, CMDT da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1970/71); CMDT da CART 2732 (Mansabá, 1971) ; CAOP 1 (Teixeira Pinto, 1971/72)

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23168: Agenda cultural (807): Seminário Internacional de História Militar - "As Forças Armadas e a Guerra Colonial (1961-1974): Adaptações, Evoluções e Impactos", a levar a efeito no próximo dia 4 de Maio de 2022 na Amadora

SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA MILITAR DA ACADEMIA MILITAR

“AS FORÇAS ARMADAS E A GUERRA COLONIAL (1961-1974): ADAPTAÇÕES, EVOLUÇÕES E IMPACTOS”

Portugal, Amadora, 04 de Maio de 2022


A Academia Militar organiza e desenvolve o Seminário “As Forças Armadas e a Guerra Colonial (1961-1974): Adaptações, Evoluções e Impactos”, em maio de 2022, com o objetivo principal de promover a divulgação científica deste tema central da História de Portugal mais recente.

O Seminário pretende reunir investigadores, académicos, estudantes e outros interessados nesta área da História de Portugal, de forma a proporcionar uma oportunidade para a divulgação de estudos e o debate de ideias no domínio da História da Guerra Colonial.

O evento será organizado no âmbito de uma parceria que reúne as sinergias da Academia Militar e do ISCTE-IUL, tal como tem vindo a ser feito no âmbito do Doutoramento em História Defesa e Estudos de Segurança, com o envolvimento da Comissão Portuguesa de História Militar.

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23136: Agenda cultural (806): Salgueiro Maia - O Implicado, filme de Sérgio Graciano (Portugal, 2021, 1h 55m), a estrear nos cinemas no próximo dia 14

Guiné 61/74 - P23167: Humor de caserna (47): O Gasparinho, que eu... não conheci no BAC 1 / GA 7 (Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71; ex-comandante do 22º Pel Art, Fulacunda, 1969/70)

1. Comentário publicado na nossa página do Facebook, Tabanca Grande Luía Graça, pelo nosso camarada Domingos Robalo, com data de 11 de abril de 2022, 21h18;

Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71; foi comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda (1969/70); nasceu em Castelo Branco, trabalhou na Lisnave, vive em Almada; tem 26 eferências no nosso blogue. 

[ Foto atual, à esquerda, Tabanca da Linha, Algés, 2019; foto de Manuel Resende].



Olá amigos, camaradas. 

Li os relatos do blogue (*) e algo não bate certo em termos de datas em relação ao major Gaspar. Irei confirmar, pois sou desse tempo na BAC1/GA7. 

Em março de 1969, estava eu colocado no RALIS, tendo como 2° Comandante o Coronel Ferreira da Silva. Já na altura não era militar de quem se gostasse. 

Em maio de 69 embarco para a Guiné, sendo mobilizado em rendição individual,  colocado ns BAC1, então comandada pelo capitão Moura S. 

Em novembro de 69 venho de férias e em Almada conversei casualmente com um anterior camarada do RALIS, que me informou da mobilização do Coronel Ferreira da Silva para comandar a BAC1, em vias de passar a GAC7, o que viria acontecer pouco tempo depois.

 Quando regressei de férias e me apresentei na unidade eu e o "novo comandante" já eramos conhecidos por termos tido alguns arrufos no RALIS. 

"Ó filho" era um termo muito do agrado deste militar. Um dia, o Sargento Canário do QP e encarregado das obras da unidade, já falecido, teve um caso com o " Ó filho" e foi de imediato recambiado para o mato. Disse o Coronel:  "Então Canário, as obras andam ou não andam? Resposta do Seiras,  sargento; "Meu comandante, como quer que as obras andem se não têm pernas ?". 

O Comandante não gostou do à vontade do "pobre Canário", que já teria mais de 50 anos de idade, eu era um puto com 21 anos. 

Ao tempo do capitão Moura S. era eu que participava na regulação de tiro em todos os PELART do TO juntamente com o capitão Viriato O. alternando com o capitão Fradique. O coronel, comandante da unidade resolveu ir fazer uma regulação de tiro a um PELART. Deu os elementos ao chefe de secção, furriel Monj.... fez-se a pontaria, tudo pronto?! Fogo...!!!

Granada pelo ar..., vai cair numa palhota amiga, vários feridos... Aqui deu- se a bronca. De quem foi a culpa? Dos dados mal calculados, mal introduzidos na BF ou deficiente comunicação? 

Levantou-se um auto que andou enrolado muito tempo até que chegaram mesmo a propor ao furriel que assumisse culpa e poder embarcar e passar à peluda. Só que este não aceitou porque entendeu não ter de assumir uma culpa que não sentia ter. 

Entretanto, o Coronel tinha dado baixa e regressou à Metrópole. Em maio de 71 sou desmobilizado e regresso com mais um louvor, desta feita dado pelo 2° Comandante, recém chegado de Piche, o major Mexia, já falecido. 

O major Gaspar será figura posterior à minha desmobilização. Do coronel, nunca mais ouvi referência, a não ser agora no blogue.

Os oficiais do QP, à data de maio de 71 eram ; major Mexia, capitães Viriato, Fradique, Pereira S, Evaristo e Lourenço, estes últimos da A.A. [Artilharia Anti-Aérea].

Mais estórias haveria, mas a prosa já vai longa. 

Abraço. Saudações artilheiras. Domingos Robalo.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 11 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23158: Humor de caserna (46): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte III (António J. Pereira da Costa / Luís Faria / José Afonso / José Borrego): (vi) Picagem automática: as rajadas de G3 em vez da pica; (vii) Mensagem-relâmpago: Quem viu passar as minhas chapas de zinco, levadas pelo tornado? (viii) Informo Vexa que Sexa passou na mecha

Guiné 61/74 - P23166: (Ex)citações (406): Mudo-me, de vez, depois da Páscoa, para Key-West, Florida, EUA: foi um privilégio poder contactar, através do nosso blogue, camaradas que não conhecia, alguns dos quais se tornaram amigos (José Belo, régulo vitalício da Tabanca da Lapónia)


José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, repartia, até agora. a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida; (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, agora jubilado; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem cerca de 220 referências no nosso blogue.


1. Mensagem do Joseph Belo:

Data - quarta, 13/04/2022, 23:31   
Assunto - O último pombo-correio... congelado

Este é o último pombo-correio desde o extremo do extremo Norte da Escandinávia.

Depois da Páscoa,  a mudança para o outro lado do Atlântico é definitiva, passando o meu “centro operacional “ a ser a minha casa de Key West onde estarei à disposição de Amigos e Camaradas.

Mantenho o meu apartamento em Estocolmo para visitas “turísticas” à Suécia.

Foi um privilégio ter tido a oportunidade de, através do teu blogue, ter tido a oportunidade de contactar com Camaradas da Guiné. Alguns dos quais, não os conhecendo a
nteriormente, se tornaram Amigos.

Um grande abraço com votos, para Ti e Família, de uma Feliz Páscoa. 
J. Brelo


2. Comentário do editor LG:

Publico a tua mensagem, por entender que não é pessoal, nem sequer uma despedida. É apenas um Olá, Mudas-te para Key West, onde já tinhas casa, mas agora a título definitivo: afinal, é nos EUA que tens a tua família, filhos e netos, e os negócios da família. Fico com a ideia que a Lapónia fica agora ainda mais longe, mas tu serás sempre, até ao fim dos teus e nossos dias, o nosso mítico régulo da mítica Tabanca da Lapónia. E passas a ter o raro privilégio de acumular o cargo: também já tinhas sido investido do alto cargo de régulo da Tabanca de Key West, Florida. (Não indico a morada nem a localização GPS por causa dos mísseis balísticos que andam para aí meio perdidos ou desnorteados, nunca sabendo nós quando é que algum nos pode cair no prato da sopa.)

Permite-me só fazer uma correção: o blogue que te aproximou dos camaradas da Guiné, e onde fizeste amigos, não é meu, é teu, é nosso... E continuará a ser nosso, enquanto todos nós quisermos. Haja saúde e paz e algum patacão para pagar o aluguer... e alimentar o "bicho".

Daqui da Tabanca de Candoz, desejo-te o melhor para a tua "nova vida". E espero poder continuar a contar com a tua colaboração. Em vez de pombos-correios congelados, vais-nos mandar agora uns inofensivos aligatores... Boa viagem até Kew West.  E nunca percas a ponta do fio de Ariadne que começaste a tecer em terras lusas... Um alfabraço. Doce Páscoa para ti e os teus. Luís
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Nota do editor:

Guiné 61/74 – P23165: Memórias de Gabú (José Saúde) (97): Gabu, região com história que me fora particularmente familiar na guerrilha da Guiné (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

As minhas memórias de Gabu

Gabu, região com história que me fora particularmente familiar na guerrilha da Guiné 

Somos antigos combatentes numa Guiné onde as histórias, e as suas hilariantes estórias onde a camaradagem entre o pessoal proliferava, se conservarão armazenadas em “esqueletos” que, por ironia de um destino nos vai por ora contemplando como seres viventes ao cimo deste planeta chamado Terra, permanecerão hirtos em memórias que jamais se apagarão no limbo do esquecimento da nossa existência.

Somos, também, pequeníssimos sopros de vento que se diluem facilmente na infinidade de um horizonte, onde a perceção de confronto com o além parece, por enquanto, distante. Todavia, somos, no fundo, pessoas com uma mente privilegiada para recordar, com saudade, camaradas que o evoluir dos tempos ousou separar, algo que, em meu entender, naturalmente se aceita.

A imagem que exponho dos “piriquitos” na “5ª Avenida de Nova Lamego”, assim como o texto seguinte, são conteúdos que fazem parte do meu livro “Um Ranger na Guerra Colonial 1973/1974 Memórias de Gabu”, lançado a público pelas Edições Colibri.

Piriquitos desbravavam o ambiente da “avenida”. Da esquerda para a direita: o Cardoso, Operações Especiais/Ranger, eu, José Saúde, Operações Especiais/Ranger, o Santos, Minas e Armadilhas, Freitas e o Rui, Operações Especiais/Ranger.

Antiga Nova Lamego

Denominada como Nova Lamego, sobretudo ao longo da guerra colonial, Gabu é uma região cujas fronteiras confinam a Norte com o Senegal, a Leste e a Sul com as regiões de Tombali e a Oeste com Bafatá.

Recorrendo a dados históricos contemplados na Wikipédia, enciclopédia livre, Gabu foi a capital do Império Kaabu, um reino Mandinga que existiu entre os anos de 1537 e 1867 e que se chamava Senegâmbia. Antes, tinha sido uma província do Império Mali. No século XIX a etnia fula impôs a sua supremacia na região e colocou ponto final no domínio de Kaabu.

Gabu é, igualmente, a pátria do chão fula (79,6%), existindo ainda a etnia mandiga (14,2%) que se espalha por toda a zona, mas numa menor escala. Foi-me dado a oportunidade em conhecer alguns dos princípios éticos de uma população que prima pela honra de uma herança que assumem como um indeclinável direito.

No plano territorial Gabu possui uma área de 9.150 kms2 e tinha no ano de 2004 uma população que se estimava em 178.318 almas, sendo, por isso, considerada uma das maiores, senão a maior, das regiões do país.

Introduzo como credível uma nota de rodapé que após a independência do país Gabu recuperou o seu nome tradicional existindo, atualmente, um pequeno núcleo urbano de inspiração colonial.

Detentora de clima tropical, quente e húmido, a região de Gabu é composta por uma população em que a doutrina praticada aponta como alvo principal a religião muçulmana (77,1%).

As temperaturas rondam normalmente os 30/33 graus durante o dia e os 18/23 à noite. As estações anuais definem-se como as das chuvas que vai de maio a novembro e a de seca de dezembro a abril. Dezembro e janeiro são considerados os mais frescos. Por outro lado, a economia assenta no comércio, agricultura e pecuária.

Os usos e costumes das gentes de Gabu derrapam para primórdios éticos onde é visível uma hierarquia humana que não abdica do erário transmitido de gerações para gerações.

Redijo este tema sobre um “estágio” obrigatório nessa zona e na qual me foi proporcionado observar algo mais ao longo da minha comissão em solo guineense, embora encurtada devido à Revolução de Abril de 1974, uma vez que fui um dos cerca de 45 mil militares dos três ramos das Forças Armadas – Exército, Força Aérea e Marinha – quando por lá prestava serviço. Conheci, portanto, a guerra e a paz e um pouco das vivências tradicionais das suas gentes.

Aliás, num trivial conhecimento com os nativos que muito me estimulou, pessoas simples que viviam no interior de um adensado mato e entre as duas frentes da guerra, usufrui da possibilidade em conhecer alguns dos seus expeditos hábitos, assim como as memórias que nós combatentes incessantemente recordaremos.

Um abraço, camaradas 

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

9 DE SETEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 – P21341: Memórias de Gabú (José Saúde) (96): A fé na guerra (José Saúde)

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23164: Historiografia da presença portuguesa em África (312): Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
São mesmo leituras espúrias, com grande elasticidade para o termo antiguidade, desta feita conclui-se esta curta incursão com o relatório que Orlando Ribeiro preparou para a Junta de Investigações Coloniais quanto à sua missão em 1947, ele sonhava voltar, pensava mesmo numa permanência de 4 meses, não aconteceu, felizmente que há este rico documento e em 2011 Philip Havik e Suzanne Daveau publicaram o caderno de campo da missão da Guiné, um dos mais belos textos científicos de caráter social que pude ler, não foi por acaso que Orlando Ribeiro além de ter sido a figura proeminente da Geografia em Portugal no século XX foi um eminente humanista, muito se esforçou, depois do 25 de abril, para que se consolidassem os estudos africanos numa base de aproveitamento do muito valor acrescentado em posse das instituições científicas nacionais, deploravelmente não veio a acontecer, para prejuízo da nossa cooperação nos países africanos de língua portuguesa.

Um abraço do
Mário



Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (3)

Mário Beja Santos

Aquele que terá sido o maior geógrafo português do século XX, Orlando Ribeiro, visitou Guiné em 1947, há alguns anos aqui se fez referência ao seu importantíssimo caderno de apontamentos elaborado no terreno, Orlando Ribeiro: Guiné 1947, organizado por Philip Havik e Suzanne Daveau, Edições Húmus, 2011.

Em 1950, os anais da Junta de Investigações Coloniais davam à estampa a notícia sumária da sua missão científica, Orlando Ribeiro começa por abordar a missão em que esteve envolvido com outro eminente cientista, o Prof. Carríngton da Costa, este a chefiar a missão de Geologia, havia o plano de percorrer toda a colónia, só que, entretanto, Orlando Ribeiro adoeceu, chegou tardiamente. E escreve:
“Que vantagens trouxe a coordenação duas missões? Economia, por certo, e a possibilidade de discutir in loco muitas observações. Mas a Guiné é muito uniforme na terra e variada na gente. Desejava agrupar aquele emaranhado dos povos em conjuntos definidos pelos modos de vida, formas de habitação e povoamento, economia, etc. Para isso tinha de fazer um reconhecimento vasto e, tanto quanto possível, completo. As minhas observações são muito desequilibradas: a permanência mais larga que tive em chão de Fulas e Mandingas permitiu-me reunir sobre estes povos muitos elementos. Estudei também algumas tabancas de Papéis, Balantas, Manjacos e Brames. Em todas fiz inquéritos sumários, que às vezes ocuparam mais do que uma manhã ou que uma tarde de trabalho. Um acampamento com vários brancos, se por um lado torna a vida mais agradável, empata muito também. Creio que, para missões de pouca duração, o material muito completo traz menos vantagens do que inconvenientes. Uma cama portátil e o indispensável para cozinhar, um ou dois criados e, numa palhota ou na casa de um posto, o abrigo para a noite, dão maior mobilidade e fazem perder menos tempo”.

E explica o seu trabalho de campo: “A época era má, visto que as culturas se fazem quase só durante o tempo das chuvas. Vi ainda lavrar algumas bolanhas e recolhi uma coleção de instrumentos gentílicos usados no amanho da terra”. Faz agradecimentos à hospitalidade recebida, em particular a guineenses: “Não posso esquecer os amáveis informadores indígenas, que se prestavam, com uma compreensão que nem sempre se encontra na gente do povo da Metrópole, a mostrar-nos as suas casas e a descrever-nos os usos e costumes locais. Recordo em especial os veneráveis anciãos de Djabicunda, a cuja mesquita fui algumas vezes, que me receberem sempre com inexcedível cortesia e me fizeram dizer pelo intérprete quanto tinham gostado de falar comigo das coisas do tempo antigo”.

Deplora a carência de elementos cartográficos: “Qualquer trabalho de Geografia carece de base cartográfica. A colónia possui apenas um mapa de reconhecimento na escala de 1:500.000, cheio de imperfeições, lacunas e erros”. Deixa a sua esperança que o trabalho da missão Geoidrográfica venha a suprir tão grave lacuna. Revela satisfação com os avanços da investigação: “Tive a surpresa e o prazer de verificar que os estudo etnográficos, indispensável subsídio de Geografia humana, com que têm larga margem de afinidade, se encontravam na Guiné em pleno florescimento, animados pelo entusiástico apoio do Governador e a competência e dedicação do Tenente Teixeira da Mota”. Seguidamente dá conta dos objetivos do trabalho, lavrando que não dá por terminada a sua missão e deseja que lhe seja facultada uma nova permanência de 3 a 4 meses na Guiné. Faz o reconhecimento geral e apresenta as grandes unidades geográficas, do seguinte modo:
“1) Litoral – Ilhas adjacentes e uma costa rasa, rias e bolanhas – vegetação exuberante, mangal e floresta-galeria ao longo dos rios. Agricultura intensa, palmares, culturas alagadas, e pesca.
2) Região de transição (mata do Oio) – Relevo um pouco mais movido, mata densa, população esparsa. Uma grande reserva natural.
3) Planalto do interior (Bafatá – Gabu) – Dois ciclos geomorfológicos, planalto de erosão com rios encaixados, de largo leito maior entre margens escarpadas. Savana. População mista de Mandingas (fixos) e Fulas (móveis). Agricultura e pastoreio.
4) Boé (Bowal dos geógrafos franceses) – Não limitado pelo Cocoli (o outro nome do rio Corubal), como o mapa e o uso podem fazer crer; atravessa o rio. Colinas e planaltos desnudados. Região muito pobre, solo mau, agricultura rudimentar, gado raro, dizimados pelas glossinas”
.

Descreve minuciosamente a morfologia dos solos e daí transita para as questões do povoamento, economia e modos de vida indígenas, escreve parágrafos de elevado recorte literário e que mostram a sua inusitada capacidade de análise, falando dos Fulas, Mandingas, Balantas, Manjacos e Papéis, sobretudo. E expõe sem tibiezas os grandes problemas da colonização guineense:
“A Guiné não é uma colónia de povoamento. Sejam quais forem os atrativos que o desenvolvimento recente da capital e outras vilas proporcionem aos europeus, sem embargo da exceção de velhos colonos que gozaram sempre de saúde e robustez, o clima é pouco propício aos brancos. A própria lei que regula a utilização de licença graciosa para os funcionários públicos inclui a Guiné entre os lugares menos favorecidos. O paludismo graça com intensidade, principalmente na época das chuvas, as formosíssimas ilhas de Pecixe e Jata são grandes focos de doença do sono, espalhada mais ou menos por toda a colónia, assim como a lepra, a disenteria amibiana, a ancilostomíase, etc.
(…)
Salvo durante umas breves horas da manhã ou à tarde, está vedado aos brancos o trabalho agrícola e a longa exposição ao sol. Onde principalmente se vê quanto esta terra é imprópria para o europeu é no aspeto, pálido enfezado, que crianças normalmente robustas adquirem ao fim de pouco tempo de permanência. Daqui o especial caráter da colonização da Guiné. O branco vem para se demorar uns anos, que os azares da vida podem alongar, mas nunca com o espírito fixar-se; a família fica muitas vezes longe. Lentamente, o homem isolado, roído pela melancolia, abandona-se à sedução das belezas locais e, às vezes, uma prole matizada acaba por fixá-lo ao solo hostil. Apenas entre crioulos cabo-verdianos, em especial das ilhas de Barlavento, se encontram agricultores, que exploram a cana-de-açúcar para obter água-ardente. À parte algumas granjas do Estado, e uma ou outra horta à roda da casa de algum colono mais progressivo, as pontas lançadas pelo mato destinam-se quase apenas à cultura da cana. A restante agricultura é praticada por indígenas. O branco é, portanto, na Guiné, comerciante ou funcionário. O objetivo fundamental é demorar-se pouco enriquecendo depressa”
.

E comenta assim a economia guineense: “A economia da Guiné assenta numa base restrita; as fontes de receita essenciais são o imposto indígena e os impostos alfandegários, que incidem gravosamente sobre artefactos ou produtos de consumo corrente e indispensável, prejudicando deste modo o desenvolvimento da região. Outra grande fonte de receita é o comércio de oleaginosas, sendo a mancarra quase o único produto que os indígenas cultivam para vender. Assim, à parte a que se destina satisfazer as necessidades alimentares, é a monocultura, com todos os seus riscos, que fornece o essencial da exportação. Não há indústrias; são raras as plantações; o comércio, numa crise possível de oleaginosas, soçobrará sem remédio. A economia da colónia, primitiva e rudimentar, assenta numa base cuja fragilidade é evidente”.

Tanto quanto nos é dado perceber, Orlando Ribeiro jamais deu continuidade à missão que ambicionara fazer na Guiné. Esteve em Bissau no mês de dezembro, na Conferência Internacional do Africanistas Ocidentais, 1947, onde fez uma conferência e apresentou duas comunicações. Manifesta o seu desenho de prosseguir o estudo na Guiné. Não aconteceu.

E aqui se põe termo a um escasso número de textos que intitulei Fundos da Gaveta, papéis que me foram aparecendo enquanto trabalhava no meu projeto Guiné, Bilhete de Identidade, sempre a sonhar encontrar uma raridade, um documento fundamental para a História da Guiné, digamos que tive sorte em encontrar este relatório de Orlando Ribeiro, cronologicamente coincidente com o termo da investigação a que me afoitei, já que considero que é na governação de Sarmento Rodrigues que fica esclarecida a identidade da Guiné depois da presença portuguesa, a despeito das verdades como punhos que o geógrafo Orlando Ribeiro aqui deixa exaradas.


Carregamento de amendoim no porto do Pidjiquiti, fotografia de Orlando Ribeiro, 1947
Orlando Ribeiro na Guiné, com o seu guia
Bissau. 1947. Tabancas Brames com o seu cercado de pau alto, fotografia de Orlando Ribeiro
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23146: Historiografia da presença portuguesa em África (311): Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23163: Manuscrito(s) (Luís Graça) (210): Quinta de Candoz, no país do arco-da-velha...


 

Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Vista das janelas da nossa casa, na Quinta de Candoz > 11 de abril de 2022, c. 19h16 > 

Um  arco-íris  (ou o "arco-da-velho") sobre a albufeira da barragem do Carrapatelo, no rio Douro, a maior dos cinco aproveitamentos do Douro Nacional, com uma superfície inundada de quase mil hectares, e uma queda de 36 metros. Estende-se por 40 km e vários concelhos, atingindo na extremidade de montante o aproveitamento hidroeléctrico da Régua.

Nas fotos, vê-se ao fundo parte da albufeira e o Porto Antigo, na margem esquerda, já no concelho de Cinfâes, distrito de Viseu, a terra do explorador Serpa Pinto (1840-1900), Coberta de nuvens, em frente a serra de Montemuro (a sul). Candoz, a norte, está em contacto visual com Cinfães (não visível na foto, à direita de Porto Antigo, a caminho de Montemuro).

Segundo a Wikipedia, "Arco-da-velha é uma expressão usada quando se quer referir algo de tempos antigos, espantoso, inacreditável, inverossímil. Pensa-se tratar-se de uma forma reduzida de arco da lei velha, em referência ao arco-íris, que, segundo a Bíblia Sagrada, Deus teria criado em sinal da eterna aliança entre ele e os homens."

Também é a Wikipedia que nos explica, em termos simples, que o "arco-íris (também popularmente denominado arco-da-velha (...)  é um fenômeno óptico e meteorológico que separa a luz do sol em seu espectro (aproximadamente) contínuo quando o sol brilha sobre gotículas de água suspensas no ar. É um arco multicolorido com o vermelho em seu exterior e o violeta em seu interior. (..:).É mais conhecido por uma simplificação criada culturalmente que resume o espectro em sete cores na seguinte ordem: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil (ou índigo) e violeta" (...) 

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Candoz,  no país do arco-da-velha...

por Luís Graça

Não sei quantos habitantes tem Candoz,
entre indivíduos das diferentes espécies, 
da fauna e da flora que Deus criou,
do grilo à andorinha, 
do azevinho à videira,
do castanheiro ao sobreiro,
do ouriço-cacheiro ao gaio,
do melro de bico amarelo à boeira,
sem esquecer o "homo sapiens sapiens"...
que cultiva a vinha e cuida da horta e limpa os montes...
ou do javali que de vez em quando desce, esfaimado, até ao milheiral.

Ainda venho cá meia dúzia de vezes por ano,
pelo Natal, Carnaval, Pàscoa, 
Festa de Nossa Senhora do Socorro,
vindimas, Festa da Família (no nosso querido mês de agosto)...
e, claro, pelos batizados, casamentos e funerais.

Fica a Norte, a 400 quilómetros de Lisboa, a 320 da Lourinhã
(itinerário: IC 17, A8, A17, A25, CREP, A4, 
e depois  EN 222, Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, Alto, 
e M642, Candoz...).

De Candoz vê-se Cinfães, 
a albufeira do Carrapatelo no rio Douro, 
o Porto Antigo, a serra de Montemuro...
e, em dias de nevoeiro,
os fantasma do Zé do Telhado, do Serpa Pinto ou do Eça de Queiroz,

Tenho uma grande ternura por Candoz,
e sobretudo pelas suas gentes, 
incluindo bichos, árvores e plantas.
Às vezes fico lá uns dias,
mesmo que não tenha o oceano Atlântico para "limpar a vista"
e os dias sejam mais curtos por causa da cidade e das serras...
Há sempre coisas novas para descobrir
e outras para confirmar:
o amor, a amizade, a ternura, a solidariedade
(coisas estas que são mais difíceis de captar pela máquina fotográfica)...

Quando eu morrer, 
vou ter saudades de muitas coisas e gentes,
a começar por Candoz  onde fui feliz,
pelos seus socalcos de pedra que sustem a terra arável,
roubada à floresta de castanheiros e carvalhos,
e pelo arco-íris sobre a albufeira do Carrapatelo,
e o seu caleidoscópio de mil e uma cores 
que guardam memórias da mágica ligação da terra ao céu...

Foi lá, em Candoz,  que aprendi coisas que não existiam 
nos lugares da minha infância, no Oeste Estremenho,
na ponta mais ocidental da Europa,
como comer as "cebolinhas do talho" com presunto 
e um naco de broa de milho, 
acompanhadas com o vinho verde tinto, 
bebido pela malga de barro vidrado...

Para não falar do anho assado com o arroz de forno,
ou do sável frito com a açorda de ovas,
ou da dança do fado ao som da rebeca...
Ou ver um avô a brincar com o seu pequeno neto macho, 
sentado nos seus joelhos, e a cantarolar:
"O fadinho é bonito, os c... ao pé do pito!".

Tinha de se passar, há quase meio século atrás, 
vários testes  
até se ser aceite  no clã dos Ferreiras e Carneiros de Candoz,
terra que pertenceu ao concelho de Bem Viver,
extinto em 1852 e com foral de 1514...

Testes difíceis, 
ainda para mais quando se era mouro, 
se usava barbas e cabelos compridos, 
cachimbo e boina preta basca ...

Fui lá pela primeira vez no verão quente de 1975,
quando o meu país estava a arder...
Percebo agora melhor a história deste país do arco-da-velha
que nasceu entre dois vales apertados, 
o do Sousa e o do Tâmega...
Disso fala a fabulosa rota do Românico
que é obrigatório percorrer, pelo menos uma vez na vida...

Hoje o arco-da-velha ilumina-nos,
sinal de que Deus ainda não se cansou totalmente desta terra milenar.

Luís Graça

Candoz, 12 de abril de 2022, semana santa
(Poema dedicado também à minha neta Clarinha, 
que hoje faz 29 meses)

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Nota do editor:

terça-feira, 12 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23162: In Memoriam (434): Sargento Ajudante Manuel Gomes Valente (1938-2022), que cumpriu uma comissão de serviço na Guiné integrado no BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71

IN MEMORIAM



1. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, Fev 1970/DEZ 1971, com data de 10 de Abril de 2022:

Caros amigos
Votos de ótima saúde.

Venho ao contacto para referir uma triste notícia. Mais um camarada que nos deixou. Foi o Sarg. Manuel Valente que pertenceu ao BCaç 2885 sediado em Mansoa e que residia em Tomar.

Tive conhecimento no âmbito da atividade profissional, pelo ex-Furriel Silva, também ele residente na zona de Tomar e que também pertenceu ao B Caç 2885.
Fiquei surpreendido com a notícia, pois ainda há pouco tempo tínhamos falado, o que não era infrequente, tendo desenvolvido uma relação de amizade desde a minha chegada a Tomar em 1983.

O cerco vai-se apertando.

Aqui ficam expressas as minhas condolências.

Um abraço
Ernestino Caniço


********************

2. À família do nosso camarada Manuel Valente, a tertúlia deste blogue, assim como os seus editores e colaboradores permanentes, apresentam as suas mais sentidas condolências.
Aos camaradas do BCAÇ 2885, o nosso abraço solidário pela perda do seu companheiro de jornada em terras da Guiné entre 1969 e 1971.

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23100: In Memoriam (433): Joaquim Bonifácio Brito (1950-2022), um Tigre do Cumbijã (CCAV 8351, 1972/74), que ficou em Bissau até à guerra civil de 1998, como empresário na área da restauração, e que agora vivia no Algarve (Joaquim Costa)

Guiné 61/74 - P23161: (Ex)citações (405): A Lapónia (ou "Sápmi") que muitos lusitanos desconhecem... (José Belo, Suécia)


Mapa da Lapónia (na língua local, "Sápmi"), um vasto território, que inclui o Círculo Polar Ártico, e que vai da Noruega à Rússia, passando pela Suécia e a Finlândia.



Lapónia: um aeroporto servido pela SAS - Scandinavian Airlines



José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Nova Orleans...); (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, agora jubilado; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem cerca de 220 referências no nosso blogue.



1. Mensagem de Joseph Belo:

Data - domingo, 10/04/2022, 13:40



Assunto - Os mistérios profundos do Círculo Polar Árctico



Nos últimos 10 anos tem havido um aumento muito considerável de turistas interessados pela vastíssima área da Lapónia, seja ela a sueca, norueguesa ou finlandesa.

De um tipo de turismo anteriormente centrado nas visitas, por parte de famílias com crianças, à casa do Pai Natal ou a exóticas deslocações em trenós de cães ou renas, passou-se a um turismo mais diversificado.

Desde as Auroras Boreais do Inverno,às semanas de 24 horas do Sol da Meia-noite, até aos  modernos e muito confortáveis “safaris”.

Nestes, os turistas são transportados de helicóptero para acampamentos pré-colocados nas melhores zonas de pesca e caça que é verdadeiramente abundante!

O turismo e o artesanato estão hoje intimamente ligados. O artesanato escandinavo, e especialmente o da Lapónia, é reconhecido pela qualidade dos materiais, originalidade e bom gosto.



Lapónia; faca típica


Surgem novas oportunidades de negócios vantajosos proporcionadas pelos visitantes. Um dos artefactos mais procurado são as facas de mato com lâmina de aço de primeiríssima qualidade e cabo e bainha feitos de corno de rena altamente trabalhado.

Os turistas pagam desde mil euros pelas mais simples até cinco mil euros (ou mais) pelas de originalidade superior. E vendem-se até esgotar!

Um “Chico esperto “ local lembrou-se de moer cornos de rena num fino pó branco. Colocá-lo em pequenos e bonitos frascos de cristal embrulhados em macia pela de rena e……vendê-los aos turistas como produto natural que aumenta a potência sexual!

Na descrição que acompanha o produto afirma-se (falsamente) que este tipo de pó é usado na Lapónia desde tempos imemoriais….com bons resultados nos quarenta e tal graus negativos dos invernos locais. Bom reclame tendo em conta as condições “envolventes “!

Os vendedores locais riem-se à gargalhada com o oportunismo do negócio e do muito dinheiro que têm vindo a render ao “Chico-esperto” inventor.

Curiosamente o produto é muito popular entre os numerosos grupos de turistas asiáticos que cada vez são mais frequentes por aqui.

Um abraço.

J. Belo (*)

PS - E,inesperadamente,surge uma possível, e muito vantajosa, troca comercial entre os “Pós” do Círculo Polar Árctico e as”Penas Amarelas” dos perus asiáticos referidos pelo Amigo, Camarada e Poeta Graça de Abreu em texto anterior (*)
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Guiné 61/74 - P23160: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XIII: Conto - O leão e o javali no tempo da sede

 


Ilustração (pág. 73) do mestre Augusto Trigo, pai da pintura guineense e grande ilustrador,
a sua obra é uma referência




O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga




1. Transcrição das pp. 73-74 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)



J. Carlos M. Fortunato
Lendas e contos da Guiné-Bissau



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5

Conto - O leão e o  javali 

no tempo da sede (pp. 73/74)

 

No tempo da sede, os animais tiveram que partir para longe para procurar água para beber, pois a chuva não vinha, as bolanhas estavam  secas, e pior ainda é que, sem chuva, a água do mar tinha continuado a  subir até à nascente dos rios, e toda a água era agora salgada.

O leão e o seu amigo javali partiram juntos, à procura da terra da água  doce, na esperança de encontrarem alguma água boa pelo caminho, pois  a sede era muita e essa terra ficava muito longe.

Depois de vários dias a andar sem encontrarem água, o leão disse para  o seu amigo:

Não vou aguentar, estou muito cansado e a terra da água doce ainda fica muito longe.

Aguenta. Eu vou à frente, pode ser que encontre alguma água disse o javali.

E por sorte o javali encontrou logo uma pequena bolanha, que ainda tinha um pouco de água.

Água! Água! gritou o javali.

O leão reuniu todas as forças e correu para beber a água.

O javali já se preparava para beber a água, quando o leão o empurrou e disse:

Eu sou o Rei dos animais, eu é que vou beber primeiro.

Eu é que cheguei primeiro, eu é que vou beber primeiro respondeu o javali, empurrando o leão.

O leão e o javali começaram a lutar. O leão era mais forte, mas não conseguia vencer o javali, porque estava fraco, e o javali era muito rápido, mas não tinha força suficiente para vencer o leão.

Se continuarmos a lutar, vamos morrer os dois. Eu deixo-te beber a água primeiro, se prometeres só beber metade disse o javali.

Tens razão, não devemos lutar, desculpa ter-te empurrado, eu quero que continues a ser meu amigo respondeu o leão.

Fizeram as pazes. O leão bebeu a água primeiro, depois foi a vez do javali, e com novas forças continuaram a viagem.

E foi assim, que os dois amigos conseguiram chegar à terra da água doce.



2. C
omo ajudar a "Ajuda Amiga"?


Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente, o Projeto Água e Energia para a Escola Ajuda Amiga de Nhenque):

(i) fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP

(ii) Podes também fazer uma declaração de IRS solidária, não tem quaisquer encargos para ti.

A Ajuda Amiga é uma Pessoa Coletiva de Utilidade Pública e são muitas pequenas ajudas que lhe permitem realizar a sua Missão.

Ajuda Amiga ONGD > NIF > 508 617 910

Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23159: Notas de leitura (1436): "Os Forjanenses e a Guerra Colonial", organização de Luís G. Coutinho de Almeida e Carlos M. Gomes de Sá; edição da Junta de Freguesia de Forjães, 2018 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Para quem gosta de imprevistos, encontrar gente da nossa idade que recorda com quem andou na escola, que mantém intocáveis os vínculos do meio local, neste caso sempre com um sentimento forjanense, porque toda a obra é dedicada a militares desta vila do concelho de Esposende, e que nunca mais esqueceu a Guiné, vai ter aqui lauta leitura, elos de solidariedade que jamais se perderam. Testemunhos de oficiais, sargentos e praças, aqui se confirma a universalidade que reside na memória de gente de um terrunho que a todos toca no coração. Um livro que faz todo o sentido estar nas nossas estantes, lê-se e relê-se com imenso carinho, são registos autênticos da têmpera portuguesa.

Um abraço do
Mário



Memórias insuperáveis, a historiografia as saiba escutar (1)

Beja Santos

É um belíssimo, inolvidável, trabalho de recolha junto de antigos combatentes ligados à freguesia de Forjães (concelho de Esposende), a organização pertence a Luís G. Coutinho de Almeida e Carlos M. Gomes de Sá, a edição é da Junta de Freguesia de Forjães, 2018. Não conheço nada de tão tocante, tal é o vigor do testemunho entre os vínculos locais e, em inúmeros casos, uma saudade guineense que não secou. Como é evidente, os testemunhos recolhidos são amplos, estes forjanenses e suas famílias falam da Índia, da guerra de África mas também de São Tomé e Príncipe, Timor e outras paragens. O que aqui se regista, obviamente, circunscreve-se à Guiné, mas desde já se adverte o leitor que se sentirá gratificado com a leitura de todos estes testemunhos, esta memória é aparentemente regional, não haja ilusões, mas estamos lá todos nós.

O soldado Alcino Alves Pereira esteve na Guiné entre 1959 e 1961. De imediato, vemos como os forjanenses falam uns dos outros. Ele está no BC 5 em Lisboa, já lá andavam o Albino do Hilário e o Avelino de Palme. Certamente em consequência do 3 de agosto de 1959, foi tropa de urgência na Guiné, não teve tempo para ir até casa, nem lhes deram licença de mobilização, “só tive tempo de ir à procura do Armando do Rio que trabalhava em Lisboa e que me emprestou 40 escudos, para eu não ir completamente teso para a Guiné”. Embarcaram no Manuel Alfredo, descreve a vida em Bissau, as atividades desportivas a que se dedicou, era ciclista exímio. Lembra que houve um ataque a S. Domingos, em 1961. Tem imensas saudades da Guiné, e critica o colonialismo que ele viu com os seus próprios olhos, havia duas companhias comerciais, A Gouveia e a Ultramarina. “Vendiam de tudo. Quando iam comprar arroz aos guineenses, aquilo funcionava assim: recebiam um saco com 50 kg, ao pesar diziam que só tinha 40 kg e ao fazer contas só pagavam 30 kg. Depois, davam-lhes uns farrapos coloridos para colocar nas costas, para transportar os rapazes e, no final, os guineenses ainda lhes ficavam a dever dinheiro. Exploravam ao máximo aquela gente desgraçada”. O Alcino estava integrado na Companhia Expedicionária 352.

O soldado José Albino Sousa Ribeiro fez parte da CCAÇ 152, esteve na Guiné de 1961 a 1963. Soube que ia para a guerra e foi chamado com o Torcato do Gidório, o Manuel Boucinha e o Álvaro da Isolina. Viaja de avião, desembarca em Bissalanca no fim de julho de 1961, seguiu para Buba. “Tínhamos pelotões destacados em Aldeia Formosa, Cacine e Catió. A sede do batalhão ficou em Tite”. Não esconde como a comissão o marcou indelevelmente: “Lembro-me muitas vezes da Guiné e tenho saudades. Lembro-me muito daquela camaradagem entre a tropa. O povo da Guiné era muito bom. Cheguei a ir muitas vezes com eles para o batuque. Eram um joguete nas nossas mãos e nas dos turras. A guerra não me afetou. Apanhei o paludismo em Bissau e estive internado duas semanas, mas nunca mais tive sintomas. Em Forjães, costumo organizar os convívios dos militares da Guiné, juntamente com o Zé Boucinha. Tenho muito orgulho nisso. Gostamos de nos reunir para conversar e recordar aqueles bons tempos. Agora já é mais um convívio familiar. À volta da Guiné há um sentimento que nos une”.

O 1.º Cabo Paraquedista Manuel da Cruz Dias, que pertenceu à 1.ª Companhia de Caçadores Paraquedistas, esteve na Guiné em 1965 e 1966. Foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra de 3.ª Classe. “O meu comandante de pelotão era o Alferes Ferreira da Silva e o comandante de companhia era o Capitão Pardal. Vim de férias a Portugal, na Páscoa de 1966, de regresso, levei duas encomendas: uma da Fernanda Lajes para o marido, António do Neiva; a outra para o nosso capitão, da parte do seu sogro, que tinha uma loja ali para os lados da estação de S. Bento, no Porto”. Ficou bem estilhaçado em Fulacunda, semanas depois regressou ao ativo. “De passagem por Xitole, encontrei e conversei durante uns minutos com o Tone do Mouco. Andámos juntos na escola. Coitado, viria a morrer na Guiné, já depois de eu de lá regressar. Em Catió, encontrei o Quim Maria. Era furriel. Nunca tive madrinha de guerra. Escrevia para casa e quem me respondia era a minha mãe. Fui condecorado no 10 de junho de 1967. No mesmo dia, também foi condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe e promovido ao posto de Major, a título póstumo, o meu Capitão Tinoco de Faria. Sinto muito orgulho nisso e ainda gosto de olhar e admirar a minha medalha. Um dia, um sujeito de Barroselas, que tinha ouvido falar de mim ao António Casal Martins, ligou-me a perguntar se eu recebia alguma coisa por causa da medalha. Respondi que não e ele disse-me o que é que eu deveria fazer para receber os meus direitos. Assim fiz e hoje recebo uma coisa pouca. A guerra tinha que acabar e ainda bem. Eles também tinham os seus direitos e direito a todas as independências que se deram”.

António de Amorim Torres pertenceu à CCAÇ 1547, esteve na Guiné de 1966 a 1967, faleceu em serviço em Bigene, em 7 de agosto, quem depõe é a viúva, Maria de Fátima Gonçalves de Sá. “Com 16 anos, fui servir para a casa do Sr. Manuel do Abreu, no Matinho, e foi lá que conheci o meu homem, que era lá vizinho. Havia uma fonte ao pé da casa dele. Eu ia para lá lavar e ele aparecia por aqui. Começámos a falar, depois a namorar, mas sempre às escondidas. Quando tinha 18 anos, vim embora para Aldreu, mas continuámos a namorar. Casei em abril, com 19 anos feitos, e fomos viver para casa dos meus pais. Ele foi trabalhar de trolha com os meus irmãos. Mas dali a pouco tempo chamaram-no para a tropa para Lisboa. Depois foi para a Guiné, embarcou no Uíge, seguiu para Bigene. Mandava-me aerogramas de lá. Um dia disse-me: ‘Estou num sítio muito mau. Aconteça o que me acontecer, uma coisa te peço, nunca dês padrasto à minha filha’.”

Imprevistamente, recebe um telegrama a comunicar a morte do António, por motivo de afogamento. “Já se passaram quase cinquenta anos e isso ainda me marca. Eu viúva, com 21 anos, com uma filha órfã, a viver com o meu pai e mais treze irmãos, sete deles abaixo de mim… Foi tudo muito duro!”. Depois de porfiadas diligências, passou a receber uma pensão de 600 escudos, começou a construir uma casinha, tomou conta de sobrinhos, recebia mais um dinheirinho. “O corpo dele demorou seis meses a vir da Guiné. Foram duas dores: a da notícia e do choque e, depois, a dor do funeral. Não acreditava que ele tinha morrido, sonhava que ele estava vivo. Passei muitos anos a sonhar que ele estava vivo. Ainda há dois anos sonhei que ele me apareceu por aí, todo contente, com a mesma roupa que levou ao nosso casamento. O meu pai foi a Lisboa para o reconhecer. Diz que o caixão tinha um vidro por cima e que se via metade do corpo. Diz que estava perfeitinho. No cemitério, os colegas dele fizeram uma fileira e dispararam umas rajadas para o ar. Foi uma marca que me ficou para sempre. Vou todos os anos à festa e ao almoço dos militares da Guiné, em Forjães. Eles convidam-me sempre, o Boucinha e o Albino taxista. Começa às 10 horas com a missa, depois eles vêm cá sempre ao cemitério de Aldreu colocar um ramo de flores na sepultura do meu falecido homem”.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23152: Notas de leitura (1435): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (4) (Mário Beja Santos)