sábado, 14 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26265: Os nossos seres, saberes e lazeres (658): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (183): From Southeast to the North of England; and back to London (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Começo agora a perceber por que razão os ingleses ganharam um ódio de estimação a viajar pelas autoestradas, seis faixas permanentemente repletas, camiões gigantescos, um ruído infernal do rodado de veículos de todas as dimensões, fico com a sensação de que toda a gente está a viajar em grande velocidade para sair de um inferno e entrar noutro; daí o prazer que se sente em andar em estradas secundárias, como é o caso das Dales, em Yorkshire. Houve uma alteração de última hora, seguiu-se para perto de Wakefield, aproveitei para dar um salto a uma cidade que muito aprecio, Leeds, é dessa curta viagem que aqui registo algumas imagens, o passeio continuará para uma zona de natureza exuberante, o Peak District, já não tenho arcabouço para subidas e descidas íngremes, em caminhos pedregosos, mas vou contente pelas caminhadas em terreno plano, em Dove Dale, e tudo a partir de um local com um casarão vitoriano, mesmo neogótico, Ilam Hall, aí sim, senti-me à solta nessa Inglaterra rural, longe das medonhas autoestradas.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (183):
From Southeast to the North of England; and back to London – 3


Mário Beja Santos


Estamos a sair de Faringdon, é uma verdadeira correria por estradas até alcançar a famosa M40, em direção ao Norte. Trânsito assustador, não há pausa para automóveis e camiões, num sentido e noutro, barulheira alucinante para quem se atreva a abrir os vidros, então o rodado dos camiões TIR até provocam angústia. Na véspera à noite fico a saber que houve alteração de planos, quem nos irá receber no condado de Yorkshire pede para partirmos imediatamente, há meninos que nos querem ver e que vão para uma excursão, é só um afinar de agulhas, comunica-se para Ilam Hall que seguiremos depois, estamos todos de acordo por um belo passeio pelo Peak Park. Após a estafadeira da M40 envereda-se por estradas secundárias, chega-se aos arredores de Leeds, receção calorosa, terei o dia seguinte por minha conta, inevitavelmente vou pôr-me ao caminho de autocarro até esta cidade que me fascina, e por várias razões.
A primeira, observo que há no planeamento urbano medidas sensatas na complementaridade entre a chamada arquitetura vitoriana e eduardiana com a contemporânea. Basta conferir o que me foi dado ver à saída do terminal rodoviário, construções modernas que prosseguem até à entrada do centro de Leeds, são edifícios que não ferem pela escala, que embrincam tanto pelo volume como pela cor, como procuro pela imagem exemplificar.

Mercado multiétnico, uma estrutura asseada que poderá um dia ser removida, sem danos urbanísticos
Do lado direito de quem sobe, uma conjugação acertada entre o antigo e o moderno, o lado esquerdo a seu tempo será demolido e seguramente que irá adquirir harmonia na escala.
Estrutura residencial antiga, não há destruições ao nível do espaço comercial do rés do chão
Leeds tem tradições industriais e comerciais. É, depois de Londres e Glasgow, uma praça financeira forte, que dinamiza todo o tipo de mercados, incluindo o cultural. O seu conjunto de galerias é de uma impressionante beleza, faz mesmo parte da rede europeia das galerias cobertas.
Era inevitável, depois de andar embasbacado a ver fachadas de edifícios, procurar polos artísticos. O Instituto Henry Moore está em obras, fiquei triste, dou-me muitíssimo bem com o génio deste grande escultor britânico. E resolvi mergulhar na Leeds Art Gallery, eis-me na sua sala maior, abarca o romantismo, o naturalismo, o realismo, não há aqui propriamente arte contemporânea, temos uma cópia desta escultura de Rodin no Museu Nacional de Arte Contemporânea, há muito para contemplar aqui, e com prazer. Vou fixar-me em duas obras.
O título deste óleo, John Atkinson Grimshaw (1836-1893) é Reflexos no rio Aire – em greve. Grimshaw parece focar-se nos seus efeitos de luz noturna na sua pintura que contrasta com a silenciosa fundição de ferro no lado oposto do rio Aire. Grimshaw era inequivocamente um adepto da pintura realista-social, procurava temas industriais, cenas de trabalho industrial e de condições de vida. O que mais aprecio são as tonalidades do céu e a riqueza da luz que partindo da Lua se espalha pelo rio.
Este quadro de Arthur Hacker (1858-1919) intitula-se A Tentação de Sir Percival, 1894. Hacker foi um bem-sucedido retratista, consagrado pela Royal Academy, a sua pintura, como se pode ver neste quadro reflete o movimento pré-rafaelita. Espelha, aquele movimento de desencanto com a vida moderna e o desejo de que a arte pudesse expressar um sentido moral. Obviamente que esta tentação de Sir Percival coincide com o interesse pela lenda arturiana, muito comum ao tempo.
Pago de bom grado mais de 5 euros para um cafezinho aqui, naqueles tempos vitorianos os espaços públicos de museus ou bibliotecas deviam possuir toques de requinte quase palaciano, o povo devia ser acolhido em construções de elevado gosto artístico. Este movimento fez escola, quando se implantou o comunismo na Rússia, Lenine fez questão de designar as estações de metropolitano em Moscovo como espaços quase palacianos, o povo merecia o melhor. Mas esta ideia já tinha antecedentes, como aqui se pode ver.
Não é a primeira vez que me deito no chão ou acocoro para tirar efeito de certo ângulo, estou no rés do chão da Leeds Art Gallery e gosto muito desta mistura de um estilo clássico e pintura contemporânea.
Como resistir a esta estatuária pomposa (trata-se da rainha Ana) ao lado de produtos de merchandising artístico?
Vou agora passear para o rio Aire, outrora um espaço azafamado pela ocupação de armazéns comerciais. Esse comércio morreu e houve o bom senso de reaproveitar estes esplêndidos equipamentos para habitação. O sucesso está à vista
Despeço-me de Leeds, ainda vou até à biblioteca e a dois edifícios religiosos, mas tenho quase a certeza de que numa viagem anterior deles já vos fiz o registo. Volto para junto de gente amiga, está mesmo garantido que amanhã rumamos para Ilam Hall, já não tenho pernas para a clássica peregrinação no Peak District (39 milhas), mas há pormenores de Dove Dale em que poderei cirandar sem martirizar a coluna e os joelhos. Depois eu conto.

(continuar)

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Nota do editor

Último post da série de 7 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26244: Os nossos seres, saberes e lazeres (657): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (182): From Southeast to the North of England; and back to London (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26264: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (50): A velha fortaleza do Cacheu, com os seus inúteis canhões de bronze, e o triste Diogo Gomes lá aprisionado, a ver o pintor de canoas nhomincas...

Foto nº 13


Foto nº 14A


Foto nº 14

Foto nº 15

Foto nº 16A


Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 17A


Foto nº 2 

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 e 5 de dezembro de 2024 >  

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Aqui vai o resto das fotos da  última viagem ao Cacheu, em 4 e 5 do corrente,  partilhadas pelo  Patrício Ribeiro, nosso amigo e camarada, histórico membro da Tabanca Grande, nosso "embaixador em Bissau",  cicerone, autor da série "Bom dia desde Bissau" (*)...

Legendas:

Foto nº 13 > Ele, o Diogo Gomes, lá dentro, fechado, a assistir às pinturas das canoa nhomincas 

Foto nº 14 >   Os canhóes apontados para o rio

Foto nº 15 > O portrão da fortaleza

Foto nº 16 > Lateral oeste da fortaleza

Foto nº 17 > Igreja de Cacheu (ou de Nossa Senhora da Natividade)  

Foto nº 2 > Canoas nhomincas, com pinturas originais, no porto de manutenção, na margem esquerda do rio Cacheu

Sobre a foto nº 17, o fotógrafo escreveu, já com data de 8 do corrente:


"Hoje está a decorrer a peregrinação anual entre Canchugo e Cacheu.

"A peregrinação é a pé. Normalmente, é nesta altura de Dezembro, com o tempo frio, em que alguns milhares de pessoas percorrem a estrada durante a noite, onde o capim tem cerca três metros de altura e o cheiro da palha anima os corações dos fiéis crentes. As pessoas, durante a maior parte do tempo vão a cantar cânticos religiosos. No percurso passam em cima da ponte metálica antes do Bachil, e da mítica floresta de Cobina [ou Caboiana, segundo a nossa antiga carta militar de 1953],  local onde os Manjacos fazem as cerimónias ao irã ."


Igreja do Cacheu. Fonte: HIPP

2. Comentário do edit0r LG:

Sobre esta igreja, lê-se no portal HIPP - Património de Influência Portuguesa, este apontamento de Manuel Teixeira:

"Historicamente, constitui a primeira igreja portuguesa erigida na costa ocidental africana, padroeira da urbe. Em 1680 ruiu, devido a uma inundação do Rio Cacheu, sendo mandada reconstruir pouco depois pelo bispo de Cabo Verde, D. António de São Dionísio. Encontra‐se hoje relativamente bem preservada".



Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) > Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau, frente à ponte cais de Bissau...


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




(...) "Edificado à beira‐rio, em 1641‐1647, é de pequena dimensão, consistindo num quadrado de cerca de vinte metros de lado, defendido nos cantos por pequenos bastiões, e uma muralha com quatro ou cinco metros de altura. 

"Em 1822 há notícia da sua existência, com estrutura de paredes em adobe. 


Forte do Cacheu (séc. XVII).
 Fonte: HIPP
"Em 1988 foi assinado um protocolo de geminação com Viana do Castelo, que contribui para diversos melhoramentos da vila, nomeadamente a recuperação do forte e o restauro da Capela de Nossa Senhora da Natividade. Mais recentemente, por iniciativa da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e da Câmara Municipal de Lisboa, procedeu‐se a nova reabilitação do forte. A reabilitação incluiu o interior e as muralhas exteriores, danificadas pelo tempo e pelas correntes do Rio Cacheu, que em alguns pontos lhe corroeram os alicerces. 

"A zona adjacente ao forte é o local onde as autoridades da Guiné‐Bissau, após a independência, vieram depositar as estátuas ligadas ao período colonial. Estão há trinta anos no meio da vegetação, desmontadas, à beira do forte."



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26263: Notas de leitura (1754): Ex-combatentes açorianos da Guiné falam das suas tatuagens (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
Ao fazer a minha ronda habitual na Biblioteca da Liga dos Combatentes, o solícito bibliotecário pôs na secretária este livro e, embora sabendo que a temática tem vindo a ser tratada com alguma proficiência, não hesitei em pôs estes antigos combatentes açorianos da Guiné a falarem calorosamente do que guardam na pele, simples infantes, enfermeiros, condutores, paraquedistas, explicam ao pormenor quando e como foi tomada a decisão, alguns arrependeram-se de pôr um nome e 50 anos depois vão a um estúdio de tatuagem para apagar o que os incomoda. Hesito em formular um comentário quanto à importância dos signos da tatuagem, curiosamente vi que na internet há gente a mexer no assunto. Não escondo que me comoveu a ternura desta iniciativa, uma viagem ao passado, à intimidade daqueles que quiseram selar na pele a memória de um tempo de guerra. E que não fique dúvidas de que é a frase "amor de mãe" ou "amor de pais" a que mais pesa.

Um abraço do
Mário



Ex-combatentes açorianos da Guiné falam das suas tatuagens

Mário Beja Santos

O livro intitula-se "Ultramar na Pele", texto de Diana Gomes e fotografia de Rui Caria, edição do Instituto Açoriano de Cultura, 2020. Testemunham ex-combatentes das três frentes da guerra, guardam memórias do que viram e experimentaram, deles sobrevive uma lembrança, sobretudo um braço tatuado, identificam lugares, datas, amor de mãe ou da mulher. Recorda um escritor açoriano de quem hoje tão pouco se fala e que combateu na Guiné, Cristóvão de Aguiar, legou-nos uma obra expressiva, "Braço Tatuado", tem a ver com um militar ressabiado pelo repúdio da namorada, quer à viva força retirar-lhe o nome do seu braço, tudo se consumará em tragédia. O que se gravava na pele, graças a três agulhas de costura juntas e enroladas em linha, molhadas em tinta-da-china, era fixar no corpo a saudade, o afeto pela mãe, a fidelidade à mulher ou à potencial noiva, tudo em desenhos de básicos, a dimensão ou perspetiva pouco contavam. Podem ter a forma de um coração, de um paraquedas, de uma palmeira, pode meter-se areias ou corações com setas – mas prevalece a palavra “mãe”. Como escreve Diana Gomes, estas tatuagens são impossíveis de copiar, parecem possuir vida própria, não exigem explicação e hoje em dia quem as observa é imediatamente invadido pelo sentimento de respeito por quem a carrega na pele.

Há de tudo para explicar estas tatuagens. Rui Teixeira, que esteve na Guiné entre 1968 e 1970, na Companhia “Os Furiosos”, tinha no braço “Viva Salazar”, volvidos 45 anos entrou num estúdio de tatuagem, cobriu as antigas e agora pode exibir “Viva Portugal”. Francisco Nunes Martins Nogueira, que combateu em Moçambique entre 1972 e 1974 ter-se-á lembrado de uma frase mítica de Churchill e tem no braço “Sangue, suor e lágrimas”. Francisco Melo partiu em 1971 para a Guiné, era condutor de carros de todo-o-terreno. A sua tatuagem é inusitada, como se pode ver na imagem: “God bless me with peace and love”. A autora explica a operação: “O algodão embebido em álcool foi passando pela pele várias vezes para limpar o sangue da luta que as três agulhas enroladas em linha foram metendo. Ao tatuar a pele, acontece, por vezes, um pequeno sangramento, no entanto, o efeito do álcool no sangue, faz esse sangramento ser mais acentuado, fazendo com que o sangue fique mais diluído. Nestas condições o pigmento poderá não ser tão fácil de aplicar ou o resultado não ser tão sólido.”

Há uma âncora no braço de Fernando Simas que partiu em 1967 para Angola. A autora esclarece: “A âncora é um símbolo que se vê frequentemente nas tatuagens dos soldados. Está associado à firmeza, força e fidelidade. É a âncora que garante a estabilidade.”

Vejamos agora Manuel Valadão, foi paraquedista na Guiné, a Companhia 121, quis deixar no braço o comprovativo de que foi paraquedista, Valadão, apesar da sua tatuagem estar desgastada, tem para ele um valor precioso. Há quem teve comissões benignas. José Fernando Lima, condutor em Angola, dirá à autora: “Foram as melhores férias da minha vida, gostei de estar lá e tinha muito gosto em poder voltar e ver como está agora aquela terra que nunca esqueci.” Norberto da Silva Goulart especializou-se na condução de lanchas rápidas em Bissau. Fez duas tatuagens. A primeira em homenagem à pátria, “Guiné 1973-1974”. Na segunda tatuagem, no antebraço direito, quis ver gravadas as iniciais do seu nome e as iniciais da sua namorada, tudo adornado com duas flores.

José Luís Correia de Azevedo seguiu para Bula. No seu pelotão havia um soldado que para além de adorar tirar fotografias fazia tatuagens quando lhe pediam, fez das tatuagens um negócio. Pediu para que lhe tatuassem as palavras “Amor de pais” e “Guiné 70-72”. Pagou ao camarada, ficou a promessa de que este lhe iria oferecer outra tatuagem, quando o José Luís fizesse anos. E no antebraço direito, desde o cotovelo até quase ao pulso está tatuado em letras maiúsculas “Micelina meu amor”. Micelina era o nome da mulher que ele namorava. Regressou a casa em outubro de 1972 e pediu Micelina em casamento. Um amor que já conta mais de meio século.

João Lourenço Oliveira conheceu um outro açoriano em Sare Bácar, na fronteira com o Senegal, foi Mário quem o tatuou com a frase “Justiça Lealdade Guiné 71-73”. Mais tarde, Mário tatuou no braço direito com o nome da sua madrinha de guerra, “Grimanesa”. Acabou por não casar com a Grimanesa, cobriu o nome com tinta-da-china. Pouco tempo depois, apaixonou-se por Isabel e estão casados até ao presente.

Quanto a açorianos, estamos falados. Diana encontrou aspetos muitos versáteis e impressivos nas entrevistas que fez, Rui Caria mostra as tatuagens, mãos calejadas, há mesmo rostos devastados, capta o que eles dizem à entrevistadora, como o tempo passava muito devagar, como a saudade apertava, como se sonhava regressar ao local onde se vivia. Diana Gomes terá razão quando escreve que “a tatuagem não deixou de ser uma pequena ajuda na expiação das más lembranças destes homens, que, por mais vulneráveis que se sentissem não viravam o rosto à luta.” Fizeram confissões, são captados pela máquina fotográfica a apontar a dedo fotografias dos álbuns, há mesmo Mário Areia que foi para Angola em 1970 que mostrou um poema popular, que ela transcreve: “Onze dias levámos/Naquela triste solidão/E à noite nos deitávamos/Lá no fundo do porão. /Quando a Luana chegámos/Era um tal chover/Ficámos todos molhados/E nada podíamos ver/Lá fomos para o Grafanil/Com grande tristeza no coração/Enquanto lá estivemos/Foi sempre a dormir no chão/Depois fomos para o Bom Jesus/Com o corpo a tremer/Fiz o sinal da cruz/Julgando que ia morrer.” E assaltou-me ao espírito o livro que escrevi com o poeta popular António dos Santos Andrade, do BCAV 490, continuo a pensar que é indispensável procurar-se fazer a recolha desta poesia e procurar contextualizá-la.

Saúdo este levantamento de tatuagens em gente açoriana, a escolha de depoimentos singelos, como o de Belmiro Miguel, que combateu em Xai-Xai, Moçambique, e cuja tatuagem, ele não esqueceu a data, foi feita no dia em que Portugal, no campeonato do mundo de futebol de 1966, venceu a Coreia por 5-3. E a entrevistadora usa frases oportunas como a propósito de uma palmeira e de uma cubata no braço de Belmiro Miguel, a necessidade de marcar aquele lugar no corpo, pelos medos que sentiu, pela força interior que tinha de encontrar para enfrentar aquela guerra. E escreve: “O cabo-enfermeiro Miguel é dono de uma imensa simpatia, sorriso e energia contagiante: um herói desconhecido que apenas se revela na sua tatuagem.”

Que se pode dizer mais? Uma terna viagem pelas tatuagens de guerra, um aviso claro que ainda se podem encontrar muitos mais testemunhos.


José Luís Correia de Azevedo
Francisco Melo
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Nota do editor

Último post da série de 9 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26249: Notas de leitura (1753): A Guiné Que Conhecemos: as histórias sobre unidades do BCAV 2867 (3) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26262: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (49): Porto do Cacheu, junto à fortaleza: a canoa nhominca, o pintor e o "aui"

 


Foto nº 11C


Foto nº 11B


Foto nº 11A


Foto nº 11


Foto nº 12 B


Foto nº 12A


Foto nº 12


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Cacheu > Porto de manutenção > Canoas > 5 de dezembro de 2024 >  O pintor, a canoa nhominca e o "aui"

 
Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Mais duas fotos da sua última viagem ao Cacheu, em 4 e 5 do corrente,  partilhadas pelo  Patrício Ribeiro, nosso amigo e camarada, histórico membro da Tabanca Grande, nosso "embaixador em Bissau",  cicerone, autor da série "Bom dia desde Bissau" (**)...

Legendas:

Foto nº 11 > Pintura decoartiva de uma canoa nhominca, junto à fortaleza de Cacheu.

Foto nº 12 >   O artista a pintar a canoa


2. Comentário do editor LG:

Duas fotos fantásticas, reveladores de um arte mal conhecida, a pintura  decorativa das canoas de pesca nhomincas, com cores muitos quentes e motivos da fauna e da flora da Guiné... Neste caso, o pintor ("apanhado" em plena atividade criativa) inspirou-se num "aui", um pássaro da  região...

Vamos lançar o desafio aos nossos leitores:  o que é o "aui" ? Como é o seu nome em português? E,  já agora, por que razão  é pintado na proa da canoa e com estas cores tão vivas ? Dará sorte ao pescador ? E dá visibilidade à embarcação em manhãs de cacimbo ? 

Deve haver alguma explicação para a escolha deste tema e destas cores fortíssimas (fazem-me lembrar as cores, também muito vivas, dos moliceiros da Ria de Aveiro)...

Obrigado, Patrício. Uma bela prenda de Natal !.. (Mas tenho que fazer render o "peixe", ainda me restam duas ou três do Cacheu...)

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Notas do editor:

Último poste da série > 10 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26253: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (48): Viagem entre Canchungo e Bachil(e), em chão manjaco, 4 e 5 do corrente

Guiné 61/74 - P26261: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (6)

Foto 43 > Junho de 1970 > Destacamento do Maqué > Esquadra da bazooka: Cunha, cabo Rodrigues, Caetano, Barata Correia e João Moreira > 2.ª esquadra da 2.ª secção do 4.º pelotão/grupo de combate da CCAV 2721.
Foto 44 > Junho de 1970 > Ponte do Maqué > João Moreira.
Foto 45 > Junho de 1970 > Olossato > João Moreira.
Foto 46 > Junho de 1970 > Destacamento do Maqué > João Moreira e 2 "djubis" que apareciam sempre que viam uma máquina fotográfica.
Foto 47 > Junho de 1970 > Olossato > João Moreira.
Foto 48 > Junho de 1970 > Olossato.
Foto 49 > Junho de 1970 > Tabanca do Olossato > João Moreira.
Foto 50 > Junho de 1970 > 2.ª secção: Martins, Belejo, Caetano, Cunha, João Moreira, cabo Rodrigues, Rafael, Correia e cabo Lopes. Falta o soldado Barata.

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 5 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26235: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (5)