terça-feira, 10 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4008: As abelhinhas, nossas amigas (1): Com NEP ou sem NEP ... (Luís Graça / António Matos)

1. O Mexia Alves (*) levantou uma questão processual e deu-nos aqui uma boa sugestão. Refiro-me à famigerada NEP das abelhas, que ele jura que existe(ou existia, no nosso tempo) mas que nunca ninguém viu.

A título de curiosidade, também me meti nas minhas tamanquinhas e fui procurar... Deitei mão ao Manual do Oficial Miliciano, ou parte dele, já aqui publicado no blogue (Refiro-me à cópia, parcial, que nos chegou, por cortesia do A. Marques Lopes, nosso camarada, Cor DFA Ref, que tem também andado arredado das nossas blogarias) (**).

Népias, o book deve ter sido escrito por um qualquer prussiano da Guerra de 14, não encontro nenhuma referência à tal NEP das abelhas. De qualquer modo, devo acrescentar que o acrónimo NEP deve querer dizer Normas E Procedimentos (Nunca fui bom em secretaria, razão por que me mandaram para a especialidade de Atirador de Armas Pesadas de Infantaria e, como prémio, meteram-ne num barquinho a caminho da Guiné e lá deram-me uma G3).

Como é sabido, a vocação do nosso blogue é contar histórias (não as dos outros, como fazem os jornalistas, os ficcionistas, os cineastas, etc.), mas as nossas próprias... Nós fomos actores numa guerra (que nos calhou em sorte), e é dessa guerra que devemos falar, não do antes e do depois, das causas e consequências, das causas remotas e próximas, e das consequências~, locais, regionais e globais (políticas, económicas, sociais, culturais, diplomáticas...) mas das estruturas, dos processos e dos resultados...da guerra.

Ora as tais abelhas ou abelhinhas ("africanas, selvagens, assassinas") também nos combatiam... Não sei porquê, mas acho que tinham alergia, não à cor da pele, mas à nossa farda (em especial ao camuflado; ou seria ao cheiro a merda que exalávamos no regresso ao quartel ?): de facto, tanto atacavam os tugas como os seus aliados fulas, que eram pretos retintos, a maior parte deles (tirando os futa-fulas)... Falo por experiência própria (enquanto operacional da CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Mas pergunto-me: será que elas, as abelhas da Guiné (**), também foram treinadas na China, tal como o Nino Veira, o últimos dos comandantes do PAIGC, agora morto, "de morte matada" ?

Cá está um ponto que eu gostaria de ver descrito, documentado, ilustrado, discutido, analisado, dissecado, postado no nosso blogue, indo atrás da sugestão do Mexia Alves e já entusiasticamente apoiada por diversos camaradas...

Sugiro, pois, a criação de uma nova série: "As abelhas, nossas amiguinhas"... ou "As abelhinhas, nossas amigas". Gosto mais da segunda alternativa, é um título mais ternurento...

O título é irónico, claro: eu soube, por diversas vezes, quão dolorosa era uma só picada destes terríveis insectos... Agora imaginem mil!... Caí em várias emboscadads onde elas eram foram muito mais eficazes do que as costureirinhas, as kalash, os morteiros ou os RPG do Inimigo.

O Mexia Alves deu o pontapé de saída, lançou a granada de fumos, armou o granel, mandou o piquete de serviço à procura da NEP... Quem vier a atrás, que feche a porta ou se atire ao primeiro charco que encontrar... Por mim, obrigado, amiguinhas. Ainda temos umas contas para ajustar, ao fim destes anos todos...com ou sem NEP.

O Mexia Alves é um bom cristão, mas como eu costumo recordar Cristo, Deus Filho, mandava ser bom, mas Deus Pai, não mandava ser parvo.... As outras contas (com os homens), essas, já as perdoei... Acho eu de que... LG


2. Comentário do António Matos ao poste do J. Mexia Alves (*):

Caro Joaquim,

As abelhas ...

Confesso que, para além dumas colheres de mel que emborco cada vez que apanho uma daquelas gripalhadas de caixão à cova, passo infinidades de tempo sem me lembrar das ditas. Excepção quando sou obrigado a "conviver" com elas, por isto ou por aquilo.

Que me recorde, o meu 1º encontro de homem-para-abelha que tive na vida foi precisamente na Guiné.

Relatei-o num dos primeiros postes que mandei para o blogue e cujo cenário estava montado no meio dum campo de minas, algures entre Ponta Matar e Choquemone, à beira da estrada Bula - S.Vicente.

Aí, e com um barulho de aproximação a fazer lembrar o ronco dum automóvel de corridas, ficámos colados ao chão quando, olhando para cima, vimos uma núvem delas ! Pararam a deslocação e planaram ...

Do enxame libertou-se uma delas que picou na nossa direcção com o "consentimento" e passividade do grupo ...

Desceu, desceu e aterrou no corpo do camarada Luís Faria ... Com nervos de aço, o Luís "permitiu" que ela o "farejasse" ... Todos estávamos transpiradíssimos, de tronco nu, a "assentar" minas ...

A abelhinha, que não tinha aspecto de abelhinha Maia, caminhou para-ante-pata, pelo peito do Luís, depois pela perna (ah! estava de calção curto !!) e enfiou-se no cano da bota !

O momento foi de uma tensão incalculável pois o "pelotão de fuzilamento" mantinha-se em posição de ataque lá em cima !!

A páginas tantas, incomodada talvez pelo cheiro que aquela bota poderia estar a exalar, saiu, cumprimentou e levantou voo, dirigindo-se, com todas as outras, em direcção a S. Vicente.

Não houve ataque, não houve feridos, mas a estória ficou!

Já o mesmo não direi dum verdadeiro "arrastão" que um outro enxame fez ao passar pelo quartel de Bula. Alguns feridos, alguns olhos inchados, anti-estamínicos esgotados, mas, parece-me, o maior azar foi dos macacos que existiam por lá. Passada a loucura, contabilizaram-se variadíssimos bichos mortos a atestar da sua perigosidade.

Finalmente, e porque a curiosidade da coincidência do tema é, no mínimo, engraçada, posso-te contar que no último fim de semana, em Leiria, e numa prova dum campeonato de karting em que participo, fui visitado por um desses "adoráveis" estupores que invadiu o interior do capacete o que, calcularás, provocou um quase acidente e a perca, óbvio, de qualquer veleidade de campeão !!!

Em todas estas experiências, porém, nunca me lembrei que poderia haver uma NEP que ensinava como bem domar uma abelha, se mergulhando no rio mais próximo, se ir a correr para os bombeiros e pedir-lhes que lhes apontassem a mangueira ao focinho. E ainda bem porque em todos os casos estava demasiado longe desses apoios logísticos o que complicaria a situação pelo stress que provocaria !

Um abraço e ... cuidado que elas ferram mesmo ! (***)

António
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 9 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P4005: Para amenizar, quem conhece a NEP das abelhas? (J. Mexia Alves)

(..) Era conhecida pela NEP das abelhas e eu nunca a vi e nunca a li, mas ao que me diziam, continha coisas de "bradar aos céus".

Segundo diziam, a NEP preconizava entre outras coisas, em caso de ataque de abelhas, a entrada imediata no curso de água mais perto... Dizia-se também que a mesma aconselhava o rebentamento de granadas de fumo, talvez com o intuito de dar a conhecer ao inimigo a nossa posição!!!

Não sei se a NEP existia ou não e se continha tais "conselhos", mas embora nunca tenha tido nenhum ataque de abelhas, sei que era uma coisa terrivel, que fazia o pessoal atacado entrar num descontrole total e lembro-me de ouvir referir, que um Alferes de uma Companhia Independente teria morrido na mata de vido às multiplas picadas de um ataque de abelhas.

Alguém sabe alguma coisa sobre isto, da NEP, ou mortes causadas pelas abelhas? (...)


(**) Vd. postes de:

3 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2717: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (1): A Selva, perigos, demónios e manhas (A. Marques Lopes)

9 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2738: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (2): A Selva: Struggle for Life... (A. Marques Lopes)

(***) Vd. Wikipédia > Abelha africana (Apis mellifera scutellata)
Vd. também Killer bees

Guiné 63/74 - P4007: Blogoterapia (95): Há mais vida no alfabeto da guerra, para lá dos G: Guileje, Gadamael, Gandembel, Guidaje... (António Matos)

1. Mensagem do António Matos (ex-Alf Mil, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72 (*):

Meu caro Luis Graça

Aqui fica algo que tem vindo a demonstrar-se impossível de não fazer bater com o pé a pedir mais atenção a TODOS quantos combateram na Guiné nos idos de 1963-74.

Pouco me impressiona se se perturbarem consciências pesadas, daí que te agradeça publiques este meu desabafo / reflexão.
Um abraço,
António



2. Reflexão,
por António Matos

Acompanho este blogue desde o dia da minha apresentação em 1 de Novembro de 2008.

(i) Fiz artigos, contei estórias, contribuí para a história do pelotão, da companhia, do batalhão, de Bula, da Guiné;

(ii) Falei de lugares e de movimentações militares;

(iii) Ouvi relatos de outros ex-combatentes;

(iv) Prazentei-me com belos trechos de prosa e poesia de muitos camaradas;

(v) Estabeleci polémicas;

(vi) Intervi noutras;

(vii) Reencontrei amigos ao fim de trinta e tal anos;

(viii) Deram-se-me a conhecer alguns nomes mais interventivos no blogue;L

(ix) Conheci realidades individuais fantásticas;

(x) Maravilhei-me a ler relatos de combates;

(xi) Comovi-me com os sentimentos de outros;

(xii) Consegui colocar no mapa da Guiné pontos como Gandamael, Gandambel e Guileje .

(xiii)... Mas, c'os diabos!, houve quem fizesse a guerra igualmente feroz noutros sítios daquele território !!


Estou cansado de ler em todo e qualquer poste eesses nomes como se a guerra da Guiné se limitasse ao tal cerco, à tal retirada, à tal proximidade com a loucura!

Começo a pensar que se está a subvalorizar toda a intervenção de todos os outros milhares de jovens que do mesmo modo combateram, se feriram, se estropiaram, morreram!

Com o maior dos respeitos por quem possa ter tido uma acção militar sem descanso, pergunto, alguém sente que fez férias naquelas paragens ?

Alguém sente que os combates em que participou foram menores do que os outros ?

As balas em Guileje feriam mais do que as de outros lugares ?

Graças a Deus que há humanistas que se têm deslocado à Guiné em obra de apoio àquelas gentes;

Graças a Deus que emergiram escritores que têm abanado as consciências mais anquilosadas;

Graças a Deus que até já houve simpósios (não isentos de críticas ácidas consultáveis na Net ).

A ideia que me foi transmitida no princípio foi de que se pretendiam as estórias na 1ª pessoa para que um dia se conseguisse fazer a história daqueles anos.

Apoiei desinteressada e apaixonadamente esse projecto mas receio que, quem vier ler a catadupa de textos que, felizmente, ultrapassaram a barreira da periclitante assiduidade, conclui que a guerra da Guiné foi Guileje e o resto foi paisagem ...

Às tantas a dar azo a que, afinal, haja quem diga que se morria, não da guerra mas de acidentes viários ...

Não dou conselhos a ninguém mas não me coíbo de sugerir reflexões.

Desde já que a parte editorial do blogue tente "caldear" estas informações de modo a não criar um elefante branco de deturpada realidade que não ajudará ninguém a entender a nossa intervenção no teatro operacional nem a sermos fiéis à memória de tantos e tantos que já não nos acompanham e não conseguem fazer ouvir as suas vozes.

Não posso acabar esta minha intervenção sem me dirigir pessoalmente a dois tipos de ex-combatentes:

- Aos que foram colocados em Guileje e outros G...

Recebam um abraço (não direi do tamanho do Cumbijã porque não sei se é suficientemente grande) mas do tamanho daqui até à Lua ( parafraseando Sardet ) pelo respeito que me merece a vossa heroicidade, mas permitam-me que não esqueça todos os outros que banharam a Guiné com o seu suor, com as suas lágrimas e com o seu sangue !

- A todos os outros

Participem activamente neste nosso/vosso espaço de modo a que a história em que fomos actores seja contada de corpo inteiro e para que amanhã não sejam assaltados por esta sensação estranha do tipo "pequeno ciúme" que agasta, molesta, e nos consome em lume brando ....

Bem hajam !
António

2. Comentário de Luis Graça, editor (Na foto à esquerda, em Bambadinca, Sector L1, no século passado, em cima de um Unimog, c. 1970, ao lado de um grande amigo, Tony Levezinho, ambos Fur Mil da CCAÇ 12):

Assunto - Polarização / saturação do nosso blogue no tema Guileje / Gadamael

Camarada António:

Viva!.. Só posso estar de acordo contigo. A guerra da Guiné (e a nossa vivência dela) ia de A a Z como o alfabeto... Seria seguramente empobrecê-la (em termos da sua geografia, sociografia, historiografia, arqueologia, museologia...) se a reduzíssemos apenas à letra G... Eu pessoalmente, tal como tu e muitos outros camaradas, conhecemos os mais diversos sítios, qual deles o mais exótico, dos cenários de guerra... A guerra estava por todo o lado, do Choquemone ao Fiofioli, de Varela ao Xitole, de Buruntuma a Canjadude, de Tite a Cacine, do Morés ao Cantanhez, do Rio Cacheu ao Rio Corubal, de Bissau a Bafatá, de Teixeira Pinto a Madina do Boé, da Ilha do Como ao Saltinho, da Ponta do Inglês a Piche, de Cufar a Copá, de Fá Mandinga a... Conacri, ou de Lisboa a... Cacine.

A tua crítica é também, em primeiro lugar, à minha orientação editorial que parece, objectivamente, favorecer a publicação de textos sobre a batalha de Guileje/Gadamael... Ora, eu tenho a obrigação, até pelas próprias regras que criei e que fazem parte do nosso contrato de cavalheiros, em garantir o pluralismo das vivências, experiências, memórias, idiossincrasias, sentimentos, perspectivas, informações opiniões de todos e de cada um, a diversidade dos tempos e dos lugares, etc...

A alimentação desta 'máquina voraz' que se tornou o blogue (com expectativas e exigências cada vez mais altas) é um problema precariamente resolvido dia a dia, por um número crescente de colaboradores/autores e uma equipa (reduzida) de três editores, voluntários, a tempo parcial...

A diversidade e a qualidade das mensagens/textos/postes que publicamos também dependem da quantidade. Para garantir igualdade de oportunidades a todos é preciso também um esforço acrescido da nossa pequena equipa. Não basta fazer "copy & paste" das mensagens que nos chegam... O processo não é automático, por causa do "Garbage in, garbage out" (se sai lixo, sai lixo, uma velha máxima que aprendi do meu tempo da imnformática fiscal)...

Concordo que temos andado demasiado polarizados em lugares como Guileje / Gadamael e e centrados, obsessivamemnte, nos meses de Maio / Junho / Junho de 1973, polarização essa que está a atingir a saturação, e que foi provocada em parte por dois acontecimentos: (i) a realização do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008); (ii) o lançamento do livro de Coutinho e Lima, em finais do último ano.

Dito isto, aceito que temos de fazer uma recentragem dos temas do blogue, apelando à participação activa de gente que esteve noutras frentes, noutras épocas e até em outros ramos das Forças Armadas, para além do Exército. Se já reparaste, não conseguimos trazer à nossa blogosfera os nossos camaradas da Marinha (temos três ou quatro representantes dos nossos bravos marinheiros, mas que andam mudos e calados)... A malta da Força Aérea está a aparecer, de devagarinho... mas com excelentes histórias. Vamos dar-lhes mais tempo de antena.

Concordo contigo que devemos privilegiar os contadores de histórias na 1ª pessoa do singular, sem menosprezar... os treinadores e comentadores de bancada.

Disto isto, vamos ao trabalho!

Um Alfa Bravo. Luís Graça

PS - Até por que o melhor do blogue não és tu, não sou eu, não é o A e o B, o soldado ou o general... Somos todos nós, ex-combatentes, de um lado e de outro... Há muito que eu teria fechado a loja, se nós fossemos apenas meia dúzia de 'poetas mortos' ou, pior ainda, como alguém insinuou, um 'clube de saudosistas'...

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Nota de L.G.:

(*) 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390 Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)

Guiné 63/74 - P4006: (Ex)citações (20): Nino Vieira, carismático, calculista, vingativo, violento, solitário (Eduardo Costa Dias)

1. Excertos de uma peça jornalística que gostei de ler, da autoria de Ana Dias Cordeiro > Nino Vieira: Combatente exemplar, ditador temido, Presidente sozinho. Público 4/3/2009.

Destaco aqui as opiniões (qualificadas), recolhidas pela jornalista, junto do meu amigo e colega Eduardo Costa Dias, grande especialista da cultura e da história da Guiné-Bissau, professor de Estudos Africanos, Departamento sde Sociologia, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) (foto à esquerda, Bissau, 2008).

Ele prometeu-me há dias um artigo para o blogue com a sua leitura socioantropológica da morte (física e simbólica) do Nino Vieira. Os camaradas e amigos da Guiné ficar-lhe-ão gratos. Até lá, fica aqui uma pequena amostra (*) do seu pensamento sobre um homem que ele conheceu pessoalmente...

O Prof Doutor Eduardo Costa Dias vai regularmente à Guiné-Bissau. Apresentou uma comunicação ao Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008), subordinada ao título "Papel e influência das dinâmicas sócio-religiosas e políticas nos movimentos de libertação nacional na África Ocidental: o caso da Guiné-Bissau". (**)

O homem que vai hoje a enterrar a Bissau, oito dias depois de ter sido brutalmente assassinado em sua casa, foi combatente, do outro lado da barricada, numa guerra onde estivemos envolvidos... Não foi um combatente qualquer. Foi um grande combatente. Foi objectivamente um inimigo que os tugas, apesar de tudo, aprenderam a respeitar. É também o último dos históricos comandantes do PAIGC... Com ele, há um grande capítulo da guerra colonial que se vira ou que se arruma, mal ou bem... Penso que mal: com ele (e com Tagme Na Waie) morrem também memórias privilegiadas de uma época, que não chegaram a ser recolhidas, tratadas e socializadas... Nenhum homem devia morrer sem primeiro passar o seu testemunho, sem escrever ou ditar as suas memórias... (LG)

(Bold, da responsabilidade do editor. L.G.)


(…) Foi alvo de verdadeiras tentativas de golpe de Estado, mas também fabricou algumas, para ter apoio em momentos de fragilidade. "Como todos os chefes guerrilheiros míticos, Nino escapou várias vezes à morte. Foi um chefe guerrilheiro que teve a morte sempre presente e foi esse espírito que levou para a governação", diz Eduardo Costa Dias, professor de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa.

Entre os guerrilheiros era visto como um chefe corajoso, mas ao mesmo tempo muito temido, porque traiçoeiro. "Continuou a jogar com o carisma que tinha de guerrilheiro junto de outros guerrilheiros", acrescenta Eduardo Costa Dias. Mas esse carisma foi-se desvanecendo. Terminou os seus dias praticamente sozinho. Manteve a confiança de alguns antigos guerrilheiros fora das Forças Armadas, de um pequeno núcleo dentro do PAIGC de que foi líder, e junto de alguns régulos. Mas mesmo nas eleições de Novembro do ano passado associou-se ao PRID, um partido novo que apenas elegeu três deputados numa Assembleia em que o PAIGC de Carlos Gomes Júnior obteve maioria absoluta. À derrota militar de 1999 seguiu-se a derrota política.

Quando em 2005 voltou ao país e foi eleito nas presidenciais, o seu regresso chegou a ser remotamente imaginado como uma tentativa de redenção e as suas palavras como um genuíno gesto de reconciliação com inimigos de um passado conturbado e violento. Mas Nino não escolheu redimir-se.

"Além de calculista, Nino Vieira era extremamente vingativo", continua Costa Dias, para quem o ex-Presidente regressou sobretudo para vingar o seu passado, o seu derrube pela junta militar.

(…) Quem vive na violência morre na violência, sugeriram algumas figuras, como o ex-Presidente português Mário Soares. O professor universitário Eduardo Costa Dias diz que Nino Vieira ilustra na perfeição esse conceito. E acrescenta: "Além de violento, Nino não era amigo de ninguém." Nos últimos dias, provavelmente, tinha como única e eterna companheira a mulher, Isabel Romano Vieira, de uma família ligada à administração colonial e irmã do cônsul-geral da Guiné em Portugal. Foi poupada pelo comando que matou o Presidente.

Para Costa Dias, "a fragilidade de Nino Vieira veio dar um novo papel, de conselheira, a Isabel Vieira, que contudo teve sempre um papel importante". E que esteve com Nino até ao fim.


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Notas de L.G.:

(*) Vd. 7 de Março de 2009 >
Guiné 63/74 - P3993: (Ex)citações (20): Órfãos de guerra: Rogério Soares, aos dois anos, em Nhabijões (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12)

(**) Nota curricular,constante da página do
Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008):

(i) Professor de Sociologia e de Estudos Africanos coordenador científico dos Programas de Mestrado e de Doutoramento em Estudos Africanos do ISCTE e professor visitante no Institut d’Études Politiques (Sciences Po-Paris) e na Université de Laval (Canada).

(ii) Tem desenvolvido investigações sobre as relações entre o Estado e as Autoridades Tradicionais, o “Islão Politico” e o ensino muçulmano na África Ocidental, em especial na região senegambiana (Gâmbia, Guiné-Bissau, Senegal).

(iii) Autor de vários trabalhos sobre problemáticas sociais e politicas contemporâneas da Guiné-Bissau, prepara actualmente a publicação de um livro sobre a islamização do antigo Kaabú e tem no prelo uma recolha de artigos publicados e inéditos sobre a politica colonial nas regiões islamizadas da antiga Guiné Portuguesa (1880-1930).

(v) Título da comunicação > Papel e influência das dinâmicas sócio-religiosas e políticas nos movimentos de libertação nacional na África Ocidental: o caso da Guiné-Bissau

(vi) Sinopse da comunicação

O assunto desta comunicação tem directamente a ver com as diferenças de peso, de dinâmica e de tempo de intervenção que muçulmanos e seguidores das religiões ditas tradicionais tiveram no movimento de libertação nacional liderado pelo PAIGC na Guiné-Bissau.

Trata-se, do meu ponto de vista, de um tema de grande importância para a compreensão, por exemplo, das razões sócio-politicas e político-religiosas da, globalmente, menor presença dos muçulmanos durante todo o período da luta de libertação, nas fileiras da guerrilha.

Com efeito, embora muitos muçulmanos tivessem, a título individual, integrado a guerrilha e alguns nela desempenhado papéis político-militares de relevo, durante a luta de libertação, a larga maioria dos membros do establishment muçulmano guineense (dirigentes das vários ramos guineenses da confraria qadriyya e da tijâniyya, imãs, letrados, régulos, etc.) teve um papel pouco colaborante com o PAIGC e muitos mesmo de assumido colaboracionismo com o poder colonial.

Nesta comunicação procurarei, descrevendo o quadro sócio-religioso da Guiné-Bissau e enumerando alguns dos acontecimentos mais marcantes das relações tecidas, antes e durante a luta de libertação, pelos dignitários muçulmanos guineenses com o poder colonial, questionar globalmente o papel dos vários grupos religiosos não cristãos durante a luta de libertação nacional e, numa dimensão mais precisa, aduzir elementos para a compreensão das razões da manifesta hostilidade por parte da maioria do establishment muçulmano guineense para com a luta de libertação.

Na minha opinião, as razões desta hostilidade não se radicam, no fundamental, na eventual incompatibilidade entre o Islão e o ideário filosófico-político proclamado pelo PAIGC ou na simples discordância sobre os métodos seguidos por este movimento na luta pela independência da Guiné-Bissau, mas sim em questões fundadas na política de alianças com o Estado seguida pelos dignitários político-religiosos muçulmanos guineenses e de um modo geral pelos dos países vizinhos desde os anos 1880-1890. Entroncam, na política dita do muwalat (“acomodação sob reserva”/”coabitação” com o Estado) encetada pelos dignitários muçulmanos no 3º quartel do século XIX em toda a África Ocidental e que, como o atestam, no caso guineense, a antiga “tradição” de aliança com o Estado colonial, a oposição do establishment muçulmano à luta de libertação e a “reentrada” na área do poder de muitos dignitários passado pouco tempo sobre a independência da Guiné-Bissau, transitou, nos seus contornos fundamentais, da situação colonial para a pós-colonial.

Cabral, fino conhecedor do xadrez social e político-religioso da Guiné-Bissau, tinha, bem antes do início da luta de libertação, consciência da tendência “estrutural” do establishment muçulmano para acomodar-se ao “poder do momento” qualquer que ele seja! Disse-o nos seus escritos, teve-a em atenção no delinear da estratégia de mobilização das populações para a Luta.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4005: Para amenizar, quem conhece a NEP das abelhas? (J. Mexia Alves)

1. Caros camaradas, atentemos à mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves(*), com data de 6 de Março de 2009, que nos traz uma questão, que tempos idos teria uma importância primordial. Felizmente hoje as nossas abelhas são bem mais pacíficas, eu que o diga pois experimentei ataques daqueles insectos lá e cá.

Quem estiver em condições de esclerecer o nosso camarada Mexia Alves, faça o favor de se apresentar.


Caros Luis, Virgínio, Carlos e todos os camarigos.

Vamos lá então amenizar a coisa que isto por aqui está muito denso!

E então lanço um desafio aos camarigos que souberem da coisa, para darem ao conhecimento da Tabanca, uma célebre NEP, de que no meu tempo muito se falava na Guiné.

Era conhecida pela NEP das abelhas e eu nunca a vi e nunca a li, mas ao que me diziam, continha coisas de "bradar aos céus".

Segundo diziam, a NEP preconizava entre outras coisas, em caso de ataque de abelhas, a entrada imediata no curso de água mais perto...

Dizia-se também que a mesma aconselhava o rebentamento de granadas de fumo, talvez com o intuito de dar a conhecer ao inimigo a nossa posição!!!

Não sei se a NEP existia ou não e se continha tais "conselhos", mas embora nunca tenha tido nenhum ataque de abelhas, sei que era uma coisa terrivel, que fazia o pessoal atacado entrar num descontrole total e lembro-me de ouvir referir, que um Alferes de uma Companhia Independente teria morrido na mata de vido às multiplas picadas de um ataque de abelhas.

Alguém sabe alguma coisa sobre isto, da NEP, ou mortes causadas pelas abelhas?

Abraço camarigo a todos do
Joaquim Mexia Alves

(*) Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, CART 3942 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa)
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Nota de CV:

Vd. poste da última intervenção de Joaquim Mexia Alves de 2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3965: Nuvens negras sobre Bissau (7): Ao combatente Nino Veira, um poema de Joaquim Mexia Alves

Guiné 63/74 - P4004: Memória dos lugares (18): Cafine, no Cantanhez, ocupada pela 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (Manuel Maia)




Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cafine > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74) , Os Terríveis > Imagens da 'ocupação' de um dos lugares míticos de uma região libertada que era então um verdadeiro 'ex-libris' do PAIGC, aparentemente inexpugnável desde 1966 até finais de 1972.

Fotos: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Não confundir com Cafine... Pedras que falam da CCAÇ 4540 - Somos um Caso Sério - que esteve aqui, em Cadique, em pleno coração do Cantanhez, na margem esquerda do Rio Cumbijã, de 12 de Dezembro de 1972 a 17 de Agosto de 1973. (**)


1. Mensagem do Manuel Maia, ex-Fur Mil, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74) (*)

Caro Luis não sei se cheguei a enviar estas fotografias de Cafine que evidenciam termos sido "os primeiros" (fizemos o quartel...) numa das paredes do forno que lá construímos, bem como o problema que representava "circular" por trás da cozinha. Só de barco!

Numa dessas fotos pode ver-se o saudoso Lima que morreu de acidente juntamente com o Afonso (outro furriel) na semana do regresso (***).

Um dos jacarés fora abatido por ele [, o Fur Mil Lima].

Um abraço.

Manuel Maia

P.S. - Sabes alguma coisa mais do pessoal que foi em missão de solidariedade [à Guiné-Bissau] ? Tenho um amigo, e conterrâneo, entre eles (Tabanca de Matosinhos), e gostaria de saber se está tudo bem.


2. Comentário de L.G.:

Manuel:

(i) Obrigado, pelas imagens de Cafine (que eu estou sempre a confundir com Cadique). Temos poucas imagens do Cantanhez, do tempo da guerra.

(ii) A malta está bem, está de volta, por terra (falei com o José Manuel Lopes, ao telefone; tenho falado também Luisa Valente Lopes). Devem chegar na 3ª feira. O Carvalho era pressuposto vir de avião [, no sábado passado ou no próximo ?] .

(iii) Vocês aguentaram Cafine até quando ? Foram rendidos por outra sub-unidade ? Se sim, sabes qual ?

(iv) Explica-me melhor essa história da "captura fortuita" do Rafael Barbosa, primeiro presidente do Comité Central do PAIGC, preso pela PIDE em Fevereiro ou Março de 1962, deportado para a Ilha das Galinhas, libertado por Spínola e, mais tarde, depois da independência, acusado de estar envolvido na conspiração que levou ao assassinato de Amílcar Cabral. Condenado à morte, viu a pena ser comutada em prisão perpétua, por Luís Cabral... 'Nino' Vieira, de etnia papel, como o Rafael Barbosa, mandou-o libertar... Morreu em 2007.

Um abraço, Luís
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Notas de L.G.:

(*) Vd.poste de 14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

(...) Fui Furriel Miliciano da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 que rumou, depois do necessário IAO do Cumeré, para Bissum/Naga.

Aí nos mantivemos uns sete a oito meses para sermos apanhados na famosa operação do Cantanhez que implicou a ida de dois Grupos de Combate, (entre os quais o meu...) para Cafal - Balanta, ficando adstritos à Companhia residente (que ali se encontrava apenas há dias...) vivendo em condições infrahumanas em buracos escavados no solo sem a possibilidade de protecção de "tecto" pois o homem do monóculo não autorizava senão panos de tenda e folhas de palmeira.

Esta parceria com Cafal durou uns três a quatro meses até à chegada do resto da minha Companhia que foi destacada para Cafine (distando cerca de 2 km dali...)

Então, já reunidos, passámos a viver em tendas de campanha até termos concluída a feitura dos reordenamentos, consubstanciada em largas dezenas de habitações para a população. Só então procedemos à construção de mais algumas para serventia da companhia...

Foi um trabalho insano, mas que nos deu plena satisfação e que permitiu, estou certo, - a juntar ao episódio da captura algo fortuita de Rafael Barbosa, líder guinéu do PAIGC (em rota de colisão com os dirigentes caboverdeanos...) - a saída precoce da região, a título de prémio, creio bem...

Foram nove ou dez meses ali passados, naquela zona minguada de tudo menos de mosquitos e balas... (...)


(**) 22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2871: Excerto do Diário do ex-Alf Mil A. Nunes Ferreira (CCAÇ 4540, Cadique, 31/1/73 a 20/2/73)

(...) 20 de Fevereiro de 1973:

(...) Amanhã vamos sair novamente em missão operacional e há notícias de que o Caco Baldé vem aqui mais uma vez a Cadique, desta feita acompanhado de uma equipe da TV alemã para filmar alguns aspectos do destacamento e o andamento dos trabalhos de construção da estrada Cadique – Jemberém. (...)

(***) Vd. poste de 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)

Vd. outros postes do Manuel Maia:

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72, o Camões do Cantanhez

23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3928: PAIGC: O Nosso Livro da 1ª Classe (Manuel Maia, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610, Cafal Balanta / Cafine, 1972/74)

Guiné 63/74 - P4003: Tabanca Grande (125): Júlio Pinto, ex-2.º Srgt Mil da CART 1769/BART 1926 (Angola, 1967/69)

Júlio Pinto, ex-2.º Srgt Mil da CART 1769/BART 1926, Angola 1967/69

1. Estamos a apresentar formalmente o nosso tertuliano, Júlio Pinto, que apesar de ter cumprido a sua comissão de serviço em Angola, segue o nosso Blogue com atenção, onde já teve algumas intervenções(1) quer em postes quer comentando aquilo que se escreve.

Júlio Pinto vem assim engrossar o grupo de tertulianos militares que não tendo combatido na Guiné, se interessam pela história da guerra naquele TO, a par de outros tertulianos civis que por uma ou outra razão têm afinidades com a actual Guiné-Bissau.

Com muito prazer recebemos estes tertulianos pois a diversidade de opiniões só enriquece o conteúdo histórico do nosso Blogue.

Não sendo o Júlio Pinto propriamente um periquito na nossa Tabanca, aqui deixamos as nossas saudações de boas-vindas, esperarando a continuação da sua colaboração.

2. Para evitar mal-entendidos, vou comentar a mensagem do nosso camarada Júlio Pinto, que se segue:

De:
Júlio Pinto
Sent: Sunday, March 01, 2009 6:17 PM
Subject: Tertúlia

Amigos
Sabeis quão grande é a minha admiração por todos aqueles que combateram na Guiné, já o manifestei publicamente no blogue do Luís Graça.
Mas pelos dois motivos que apresento a seguir não me parece muito provável que possa vir a integrar a tertúlia:

1º - Não participei na guerra da Guiné. Estive em Angola de 67 a 69;

2º - Como não estive na Guiné, o meu comentário feito ontem no Post 3951, não foi publicado. Julguei que teria direito a manifestar-me pois o artigo da Visão não me parece que diga só respeito aos combatentes da Guiné, assim a todos que participaram duma maneira ou de outra na Guerra Colonial, do Ultramar ou de África.

3º - O comentário que enviei não devia ter a qualidade literária necessária e por isso não mereceu ser publicado.

Tudo bem, na tertúlia já vi que não, mas convosco SANTOS OLIVEIRA e MAGALHÂES RIBEIRO; estarei sempre PRESENTE, convosco e em mémória do JÚLIO LEMOS.

Um grande, grande XI
Júlio Pinto
ex- combatente em Angola 67/69

Caro Júlio:

1.º - Ser ou não ex-combatente da Guiné, ou até ser ex-combatente, não é conditio sine qua non para se ser tertuliano no nosso Blogue. Exemplo disso são alguns civis que temos o prazer de contar como nossos amigos, como gostamos de dizer.

2.º - O aparecimento ou não dos comentários no Blogue não depende de nós. Se se seguir todos os passos pedidos, o comentário aparece imediatamente no respectivo Poste. Qualquer pessoa que aceda ao Blogue tem a hipótese de se expressar independentemente das suas intenções, poderá, infelizmente, até ser inconveniente se o quiser.

3.º - Logo os comentários não são seleccionados pela qualidade literária, nem por qualquer outro filtro.

Julgando que te tínhamos desconsiderado, foste algo injusto connosco, mas entre camaradas devemos ser francos e dizer aquilo que pensamos ou sentimos.

Se futuramente continuares a ter dificuldade em publicares os teus comentários, dar-te-ei umas dicas.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3213: O Nosso Livro de Visitas (28): Homenagem aos ex-combatentes da Guiné (Júlio Pinto)

18 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2115: Em busca de...(12): Notícias do desaparecimento de Júlio Lemos, ex-Fur Mil da CCAÇ 797, Tite, 1965/67 (Júlio Pinto)

13 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3617: Em busca de... (55): Ex-combatentes da CCAÇ 594 (Guiné, 1963/65) (Júlio Pinto/Artur da Costa Rodrigues)

27 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3670: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (11): Mais algumas mensagens dos nossos tertulianos (Carlos Vinhal)

9. Amigos Carlos Vinhal e Luis Graça
Venho desejar-vos e à vossa família um santo Natal e um Prospero Ano Novo.

Ao mesmo tempo quero desejar a todos os ex-combatentes da Guiné, de Angola e Moçambique um Santo Natal.

Eu estive na Guerra de Angola de 1967/69, mas consulto todos os dias a vossa página e felicito-vos por através de vós, se estar a contar a verdadeira história da guerra na Guiné, todos estes depoimentos que narram as vivências dos ex-combatentes da Guiné deviam ser transportas para livro e esse livro ser adoptado nas escolas de modo a que os vindouros ficassem a saber o que os seus avós e bisavós passaram e as páginas gloriosas que escreveram com o seu suor e sangue.

Bom Natal a toda a Tabanca

Um abraço deste ex-combatente de Angola da CART 1769
Júlio Pinto


Vd. último poste da série de 8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3998: Tabanca Grande (124): José Belo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70), actualmente Cap Inf Reformado a viver na Suécia

Guiné 63/74 - P4002: Nino: Vídeos (2): O amigo de Cuba... e de Portugal, que em Março de 2008 pedia mais professores de português (Luís Graça)




Guiné-Bissau > Bissau > Palácio Presidencial > 6 de Março de 2008 > Excerto da audiência que o Presidente João Bernardo 'Nino' Vieira (1939-2009) deu, por volta das 12 horas, a cerca de duas dezenas de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008).

O grupo incluía 3 cubanos, Oscar Oramas e Ulises Estrada (acompanhados do respectivo embaixador na Guiné-Bissau) e três ou quatro guineenses.

Uma boa parte eram ex-combatentes da guerra colonial, portugueses... Estiveram também presentes o Dr. Alfredo Caldeira, da Fundação Mário Soares, a Diana Andringa, jornalista e cineasta, e o José Carlos Marques, jornalista do Correio da Manhã. Creio que o Prof Doutor Patrick Chabal, o melhor biógrafo de Amílcar Cabral, também estaria presente. Há outros camaradas que fizeram parte da delegação, e que poderei mencionar mais tarde: por exemplo, o Coutinho e Lima e o Carlos Silva. Ao todo, não estariam na sala mais do que vinte pessoas (, número máximo imposto pela segurança presidencial).

A audiência foi decidida à última hora, ao que parece por vontade expressa do 'Nino' Vieira. Não estava prevista no programa do Simpósio, se bem que uma hora antes, fomos também recebidos pelo então 1.º Ministro, Martinho N'Dafa Cabi. Não estava prevista, de resto, qualquer intervenção do Presidente da República, que fazia apenas parte da comissão de honra (**).

Escusado será dizer que, nesta audiência, cada de um de nós se representava a si próprio. À entrada do edifício da Presidência fomos todos cumprimentados pelo Gen Tagme Na Waie que, se bem me lembro, não assistiu à audiência: julgo que ele não falava português, apenas crioulo... A sua presença não era, porém, de todo acidental: o Simpósio agitou as águas mornas de Bissau, e nomeadamente remexeu as memórias dos velhos combatentes... A essa hora, no Hotel Palace, havia comunicações em crioulo de gente que combatera em Guileje, do lado do PAIGC...

Como em todos os rituais de poder, o Presidente fez-se esperar, enquanto os seguranças e o homem do protocolo nos distribuíam pelos lugares disponíveis da sala, à volta da mesa em U. 'Nino' chegou e pôs-nos logo à vontade, tendo cumprimentado, um a um, todos os presentes à volta da mesa. E ao mesmo tempo ia metendo conversa com este e com aquele. Em resultado disso, eu não tive direito a um bacalhau... Enfim, o senhor passou à frente... Mas era visível a sua satisfação pessoal por estar ali, numa certa cumplicidade e furando o protocolo de Estado, a conversar com os antigos 'tugas' (a expressão é minha, ele nunca a usaria naquela circunstância)... 

Curioso: "circunstância da vida" é uma expressão que ele vai usar duas ou três vezes, e uma delas para comentar a decisão de Coutinho e Lima de retirar de Guileje... e lamentar a sua sorte... "Morto por circunstância da vida" poderia ser também o epitáfio a pôr, amanhã, no mausoléu onde será sepultado...

Ao lado de 'Nino', à sua esquerda estava um coronel, seu assessor e homem de confiança (João Monteiro, se não me engano). Dos portugueses, falaram a Diana Andringa e o Cor Art Ref Coutinho e Lima. Creio que também houve uma pequena intervenção do Carlos Silva, um homem que vai regularmente à Guiné e já tinha sido em tempos recebido pelo 'Nino'. (É advogado e tem clientes guineenses. Por brincadeira, chamo-lhe o régulo de Farim). Falou também o cubano Oscar Oramas e a guineense na diáspora Fernanda de Barros, intervenções de que não fiz registo.

Neste excerto de vídeo, de menos de 9 minutos, 'Nino' Vieira aborda três ou quatros temas:

(i) saudação aos representantes cubanos, cuja participação na luta foi evocada com apreço e reconhecimento, com destaque para apoio a nível dos serviços de saúde militares (o PAIGC nem sequer tinha enfermeiros e muitos feridos em combate morriam de infecções e falta de assistência (até 1' 45'');

(ii) a Op Amílcar Cabral, contra Guileje (18 a 25 de Maio de 1973), a evocação do famigerado 'Corredor da Morte' onde o PAIGC tinha frequentes baixas, a manifestação de apreço e admiração pelo comportamento do então major Coutinho e Lima que poupou vidas de um lado e de outro, e que ia ao encontro do pensamento de Amílcar Cabral que não queria a guerra (de 1' 45'' a 5'00);

(iii) a importância do ensino do português e da cooperação com Portugal e a CPLP; a confissão de ele, 'Nino', ter sido obrigado a emigrar para Conacri, para poder singrar na vida, antes de aderir ao PAIGC, pedido do presidente em exercício da CPLP para Portugal mandar mais professores de português para a Guiné-Bissau (de 5' 01'' até ao fim).

Desta audiência há ainda mais três pequenos vídeos que iremos aqui apresentar, sendo este o segundo. Embora de fraca qualidade, os vídeos poderão ter algum interesse documental, agora que morreu e vai a enterrar o último dos grandes combatentes da luta de libertação levada a cabo pelo PAIGC, o partido do Amílcar Cabral (1924-1973). O malogrado Tagme Na Waie, embora também um histórico da guerrilha, no sul, não tinha a mesma dimensão e estatura.

Uma nota final: Os vídeos não foram editados, alindados, cortados/censurados... Foram apenas divididos em partes inferiores a 10 minutos, o tamanho suportado pelo You Tube. Amigos e camaradas: façam com eles o que bem entenderem... Às vezes uma imagem vale mais do que mil palavras...

Vídeo (8' 43''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Alojado em You Tube > Nhabijoes


Guiné-Bissau > Bissau > Palácio Presidencial > 6 de Março de 2008 > Audiência do Presidente João Bernardo 'Nino' Vieira a um delegação dos participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008) > Um aspecto da sala de audiências, em forma de U. Ao fundo da sala, um segurança; no lado direito da foto, identifico dois camaradas nossos, do nosso blogue, o José António Carioca, ex-Fur Mil de Transmissões e Cripto, e Abílio Delgado, ex-Capitão Mil, ambos da CCAÇ 3477, Gringos de Guileje (Guileje, 1971/72). No lado esquerdo, a Professora Doutora Fernanda de Barros, uma feminista guineense na diáspora (vive no  Brasil, em São Paulo), e mais um ex-combatente português que não consigo agora identificar.

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Da esquerda para a direita: Sérgio Manuel Silvestre de Sousa, ex-Fur Mil At, CCAÇ 3477 (Gringos de Guileje, 1971/72), Diana Andringa (RTP), Alfredo Caldeira (Fundação Mário Soares), Oscar Oramas (antigo Embaixador de Cuba na Guiné-Conacri, em 1973), Ulises Estrada (antigo combatente cubano, nas fileiras do PAIGC, 1966) e o embaixador de Cuba em Bissau.


Da esquerda para a direita: José Rocha, ex-Alf Mil, CART 2410, Os Dráculas, e Alexandre Coutinho e Lima, antigo Comandante do COP 5 (1973).

À saída do edifício da Presidência da República, a então Ministra dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria, Isabel Buscardin, de costas; e um elemento da comissão organizadora do Simpósio, presidente da Assembleia Geral da AD - Acção para o Desenvolvimento, Roberto Quessangue.

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje > 3 de Março de 2008 > Os participantes cubanos Oscar Oramas, antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri em 1973, e Ulisses Estrada, antigo 'combatente internacionalista' que integrou, como voluntário, as fileiras do PAIGC.

Ambos manifestaram o seu regozijo por voltar a encontrar antigos camaradas de armas (guineenses e cabo-verdianos) mas também também portugueses que estavam do outro lado da barricada... No final do Simpósio, Ulises Estrada fez um belíssimo improviso sobre o "momento histórico" que se estava a viver, ao juntar-se antigos inimigos, hoje reconciliados, num seminário "científico mas também político" que honrava e premiava "a qualidade do ser humano" (sic) (***)...

Fotos: © Luís Graça (008). Todos os direitos reservados
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3996: Nino: Vídeos (1): Ouvindo a versão do Coutinho e Lima sobre a retirada de Guileje (Luís Graça)

(**) Recorde-se a composição do Comissão de Honra do Simpósio [A página já não está disponível. LG, 3/11/2014]

Presidente da República da Guiné-Bissau, General João Bernardo Vieira
Dr. Francisco Benante, Presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau
Dr. Martinho N’Dafa Cabi, Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau
Doutor Nuno Severiano Teixeira, Ministro da Defesa de Portugal
Doutor João Cravinho, Secretário de Estado da Cooperação Internacional de Portugal
Professor Doutor Patrick Chabal, docente da King’s College, Londres, Grã-Bretanha
Professor Doutor Luís Moita, Vice-Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal
Doutor Óscar Oramas, Ex-Embaixador de Cuba na Republica da Guiné-Conakry.
Professor Doutor João Medina, Professor Catedrático da Universidade de Lisboa, Portugal
Flora Gomes, Cineasta guineense
Professor Doutor Peter Mendy, docente no Rhoad Islands College, Boston, USA.

(***) Vd. poste de 24 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3090: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação do cubano Ulises Estrada

Guiné 63/74 - P4001: Nuvens negras sobre Bissau (19): 'Nino' Vieira (1939-2009): tão bom combatente como mau político (Virgínio Briote)


Guiné-Bissau > Bissau > Presidência da República > 6 de Março de 2008 > 'Nino' em pose de Estado... Fotos extraídos de vídeos feitos durante a audiência que o Presidente João Bernardo Vieira 'Nino' (1939-2009) deu a cerca de duas dezenas de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008).

Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Com a devida vénia, fomos ao blogue do Gil Duarte (pseudónimo literário do nosso co-editor Virgínio Briote), Guiné, Ir e Voltar, Tantas Vidas, e repescámos esta nota biográfica sobre o 'Nino' Vieira, cujos restos mortais vão a sepultar, na próxima 3ª feira, em enterro de Estado... Recorde-se que no sábado passado foi enterrado no Cemitério Municipal de Bissau o general Tagmé Na Waie, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, outro histórico da guerrilha, no sul.

O nosso querido co-editor, VB, tem andado um pouco mais arredado do nosso blogue, por razões de saúde... A publicação, à revelia dele, destas notas, é também uma pequena homenagem ao um amigo e um camarada que, tanto quanto eu sei, já desistiu diversas vezes da tentação de fechar, definitivamente, o dossiê Guiné (1963/74). É que houve um ir e voltar, mas há sempre um ir e voltar, haverá sempre uma eterno retorno... A Guiné é uma espécie de segunda pele que ficou colada ao nosso corpo...

O VB tem vindo a fazer, no seu blogue, a recolha e a divulgação de pequenas mas preciosas notas biográficas dos principais protagonistas do PAIGC... Como é sabido, faltam-nos biografias (sérias) destes homens e mulheres que nos combateram, ou melhor, combateram um sistema e um regime, e que são os pais-fundadores e as mães-fundadores da República da Guiné-Bissau. (LG)


Nino Vieira (1939/2009) passa à história como o símbolo da guerrilha na luta pela independência da Guiné-Bissau.

João Bernardo Vieira, 'Nino' Vieira, 'Nino' ou 'Kabi Nafantchammma', como também era chamado, foi uma personalidade que nos acompanhou ao longo dos anos que durou a guerra. Uns só ouviram falar dele, outros, principalmente os que estiveram no sul do território, sentiram na pele as acções em que directa ou indirectamente esteve envolvido.

Nino nasceu em Bissau, em 27 de Abril de 1939. Em Janeiro de 1961 partiu para a China, integrado num grupo de dez camaradas (Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Rui Djassi, Vitorino Costa, Constantino Teixeira, Hilário Gomes, Pedro Ramos, Manuel Saturnino da Costa e Chico Mendes) escolhidos por Amílcar Cabral, a fim de receber treino militar. Foram esses os primeiros comandantes da guerrilha.

Com 25 anos apenas, Nino já era o Comandante Militar da zona sul, que abrangia a região de Catió até à fronteira com a Guiné-Conacri. Aliás, foi quase sempre no Sul que actuou durante a luta, transformando esta zona, que abrangia o Cantanhez e o Quitafine, num dos mais duros, senão o mais duro, de todos os teatros de operações em que as forças portuguesas estiveram empenhadas e do qual ainda restam nomes míticos como Guileje, que ele veio a ocupar em 25 de Maio de 1973, Gadamael, Gandembel, Cacine, Catió, Cufar, Cadique, Bedanda e tantos outros.

Embora se tenha dedicado principalmente à actividade operacional, como comandante de unidades de guerrilheiros, Nino Vieira ocupou os mais altos cargos na estrutura do PAIGC, sendo membro eleito do bureau político do seu Comité Central desde 1964, vice-presidente do Conselho de Guerra presidido por Amílcar Cabral em 1965, acumulando com o comando da Frente Sul, e ainda comandante militar de todo o território a partir de 1970.

Foi eleito deputado em 1973 e, posteriormente, Presidente da Assembleia Nacional Popular, que proclamou no Boé a República da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973.

Após a Independência foi Comissário do Estado para as Forças Armadas. Em 1980, Nino após o golpe que levou à destituição do Presidente da República, Luís Cabral, assumiu os cargos de secretário-geral do PAIGC e a Presidência da República.

As consequências do golpe levaram ao fim do projecto de Amílcar Cabral, a união dos povos guineense e cabo-verdiano. Em 1984 foi aprovada uma nova Constituição e só em 1991 terminou a proibição dos partidos políticos.

Com o novo regime, as primeiras eleições tiveram lugar em 1994. Nino Vieira, concorrendo contra Kumba Yalá, foi eleito Presidente da República à 2ª volta, tomando posse em 29 de Setembro de 1994. Quatro anos depois, ainda conseguiu suster um golpe que visava a sua destituição. Mas não por muito tempo.

A propósito de um nunca esclarecido fornecimento de armas para a guerrilha de Casamansa, em Junho de 1998 travou-se uma violenta guerra civil entre partidários de Ansumane Mané e forças fiéis a Nino. Mané destituiu-o em 7 de Maio de 1999, substituíu-o por Malan Bacai Sanhá, e Nino Vieira foi obrigado a refugiar-se na Embaixada Portuguesa em Bissau, de onde só saiu em Junho para Portugal.

Fazendo jus à sua antiga imagem de combatente, Nino regressou a Bissau em 2005 para anunciar a candidatura às presidenciais de Junho de 2005, que venceu à 2.ª volta contra Malan Sanhá. Mas a sorte, que tantas vezes o protegeu, estava prestes a abandoná-lo.

Há guineenses que dizem que, depois do regresso de Portugal, Nino nunca mais conseguiu recuperar os poderes políticos e militares que antes detivera. Que o poder militar se mantinha nas mãos dos que o tinham exilado e que, apesar das várias tentativas para fazer e compor alianças, o poder político se manteve longe dele. Outros afirmam que Nino foi tão bom combatente como mau político.

Certo é que, nos últimos trinta anos, Nino sempre esteve no centro das muitas crises que têm afectado a vida da ainda jovem República. E na sequência de mais um grave conflito político-militar, Nino Vieira morreu, em 2 de Março de 2009, às mãos de alguns militares das Forças Armadas de que foi um dos principais criadores.

Ironias do destino: os corpos de 'Nino' Vieira e o do general Tagme Na Waié, também vítima de uma explosão violenta no seu gabinete, ambos companheiros na luta pela independência, repousaram juntos, bem perto um do outro, na morgue do Hospital Simão Mendes, em Bissau, antes de serem sepultados.

[Título do poste e bold, a cor, são da responsabilidade do editor L.G.]
____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. 7 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3992: Nuvens negras sobre Bissau (18): Um povo afável e generoso que ainda nos recebe com um sorriso... (Torcato Mendonça)

domingo, 8 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4000: Blogoterapia (94): Que faço eu no meio disto tudo? (José Teixeira)

1. Em mensagem do dia 5 de Março de 2009, recebemos este trabalho do nosso camarada José Teixeira(1), pacifista convicto e militante, que na Guiné se recusava a transportar a G3, por achar que a sua arma era o equipamento de saúde inerente à sua função de Enfermeiro:

O Magalhães Ribeiro, num comentário ao poste 3985(2) escrito pelo Joseph Belo, levanta uma questão sobre onde e quando houve descarga de napalm na Guiné.
Socorrendo-me do meu diário reproduzo o que escrevi em 16 de Janeiro de 1969 sobre um ataque a um lugar, que pela direcção, nos pareceu ser Gadamael.
Mais tarde soube que foi em Nhacobá e o ano passado tive oportunidade de confirmar com o Rocha em Guiledge que efectivamente foi em Nhacobá, à data sem população (?) e se tratou de Napalm. Creio que o Rocha foi um dos que comandou o grupo de reconhecimento ao local e poderá testemunhar.

Eu, na Chamarra fui testemunha auditiva. A história dos acontecimentos tal como a escrevo, resultou do que ouvi nos dias seguintes.
Com isto que estou a escrever, não pretendo de modo algum culpabilizar seja quem for, muito menos os camaradas da FA que apenas cumpriam ordens superiores. Responderei apenas o que ouvi o ano passado e já em 2005 da boca de antigos guerrilheiros sobre os seus ataques às povoações onde se encontravam, inclusivé, seus familiares - "Tissera! guerra é guerra, mas kaba manga di tempo".

Janeiro 1969/Chamarra/16
Gadamael foi teatro de uma das maiores lutas no Ultramar entre a Força Aérea e o IN. O resultado, pelo que dizem demonstra bem o poder da aviação e sobretudo mostra que os homens se matam sem compaixão e mesmo neste caso em que as nossas forças lutam para manter a ordem não há homem, creio eu, que não sinta o coração sangrando, quando vê o inimigo a sofrer, numa luta desigual.

Gadamael estava a ser atacada como nunca qualquer outra população da Guiné. Muitos homens, com as melhores armas, algumas utilizadas pela primeira vez. Atacavam de longe ao ponto de os colegas de Gadamael pensarem que o ataque se dirigia a um sítio de ninguém, daí pediram à FA para bater a zona.

Quando os Fiat sobrevoaram o IN foram metralhados por uma quádrupla anti-aérea. Deixaram 200 kg da sua carga mortífera e foram buscar mais. Os bombardeiros T6 apareceram também e durante duas horas foi um descarregar de bombas. Nós só víamos os aviões à distância e ouvíamos o estrondo dos rebentamentos, mas calculamos que tenha sido uma luta terrível, tal a quantidade de sakalata que estourou. Eu imagino o chão juncado de cadáveres, regado com o sangue dos mortos e feridos, imagino os gritos lancinantes dos feridos ao verem a vida a fugir-lhe. Parece-me que estou a ver os que ficaram ilesos carregar os mortos.

Dentro de mim há uma confusão tremenda. A paz consegue-se fazendo a guerra, impondo-a até certo ponto através das armas que matam. É certo que aqueles queriam fazer guerra, estavam a atacar uma população que quer a paz, que quer ir para o seu trabalho na Bolanha sem arma, sem medo que alguém lhe surja no caminho com intenções assassinas. Uma população que quer viver na sua Tabanca despreocupada, sem precisar de correr a toda a hora para um abrigo e dormir debaixo de terra para não ser surpreendida, uma população que quer viver sem precisar de matar, mas haverá homens com coração de pedra que não sinta tanta morte, homens que foram levados talvez à força ou com uma dose maior de vinho de palma, como consta que acontece muita vez...

Dizem-nos que temos de fazer a guerra para impôr a paz, que aqueles que morreram e os que ainda estão vivos, são um perigo para a sociedade guinense. Eu e os meus camaradas, tantos outros, já sofremos muito por sua causa. Arriscamos a nossa vida a todo o momento por causa dessas mãos assassinas, cujo prazer é matar. Um prazer cego ao ponto de verem os seus camaradas morrerem às dúzias e continuarem a luta. Será prazer, ou será a convicção da sua razão que os faz lutar?

Porque é que estes homens querem a guerra, quando podiam viver em paz, do seu trabalho, na sua Tabanca, no seu lar com os seus filhos?

Que os faz lutar?

Que faço eu no meio disto tudo?

Zé Teixeira


(*) Ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70.
__________

Notas de CV:

(1) Vd. poste de 3 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3975: Sr. jornalista da Visão, nós todos somos combatentes, não assassinos (12): José Teixeira, ex-1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381

(2) Vd. poste de 5 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3985: De Estocolmo com amizade: Joseph Belo (3): Por que não fui desertor

Vd. último poste da série de 3 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3972: Blogoterapia (93): O que é difícil é ficar calado (José Brás)

Guiné 63/74 - P3999: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (5): Justamente recordadas no Dia Internacional da Mulher (Miguel Pessoa)

Fotogaleria > Sítio do Ministério da Educação Nacional > Dia Internacional da Mulher

(Reproduzido com a devida vénia...)

1. Mensagem do Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanaca, 1972/74):

Luís

Mando-te (espero eu, que nunca fiz isto antes...) a folha do MDN [Ministério da Defesa Nacional]que reporta a cerimónia de hoje, comemorativa do Dia Internacional da Mulher.

As enfermeiras pára-quedistas (*) foram convidadas mas, talvez por terem sido avisadas em cima da hora (6ª feira), só seis estiveram presentes (a Giselda foi lá). Nas fotos pode ver-se, na de baixo à esquerda, Céu Pedro; na de baixo, à direita, Zulmira.

Abraço. Miguel

2. Excerto da 1ª página do MDN, de hoje:

Ministro da Defesa Nacional comemora Dia Internacional da Mulher com mulheres da Defesa Nacional e das Forças Armadas

(...) No âmbito do Dia Internacional da Mulher, o ministro da Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira, convidou um conjunto de mulheres para uma cerimónia dedicada às “Mulheres na Defesa Nacional e nas Forças Armadas”.

Esta iniciativa teve lugar no Forte São Julião da Barra, em Oeiras, pelas 12h15 de 8 de Março, e contou com uma intervenção da professora Helena Carreiras, figura de referência na investigação sobre esta matéria.

Entre as convidadas, civis e militares do universo da Defesa Nacional e das Forças Armadas, encontravam-se algumas das primeiras mulheres que aderiram às Forças Armadas. Trata-se das enfermeiras pára-quedistas que, voluntariamente, prestaram serviço em África, entre Maio de 1961 e Junho de 1974.

Hoje, são mais de cinco mil as militares que integram os três Ramos das Forças Armadas, o que representa 14% do seu universo. Onze atingiram já o posto de Tenente-Coronel/Capitão de Fragata.


3. Comentário de L.G.:

Obrigado, Miguel. Parabéns, Giselda. Não me esqueci do dia (que se celebra desde 1910). Pessoalmente, comemorei o dia, homenageando as mulheres que se dedicam às artes plásticas, um campo que também foi durante muito tempo um bastião dos homens...

Fico feliz por o Ministro da Defesa Nacional ter também convidado as nossas queridas enfermeiras pára-quedistas do tempo da guerra colonial, para a cerimónia evocativa do Dia Internacional da Mulher.

Afinal, elas foram as primeiras a dar o exemplo, a abrir uma brecha nas fileiras das Forças Armadas, começando pela Força Aérea... (Fileiras que - lembre-se - eram 'cerradas' pelos machos, nosso tempo...). Tanto quanto sei, elas começaram por ser enfermeiras civis, graduadas... E ao todo, não ultrapassavam a meia centena... O seu exemplo pioneiro deve ser aqui justamente recordado.

Hoje somos, ao que parece, um dos países da NATO com maior taxa de feminização (14%) das Forças Armadas.

De acordo com a investigadora Helena Carreiras (Igualdade de oportunidades nas Forças Armadas Portuguesas - O papel das políticas de integração de género. Comunicação apresentada no Institituto Nacional de Defesa, em 27 de Junho de 2007), era a seguinte a taxa de feminização dos militares, por ramo, excluindo o serviço militar obrigatório (2006): Força Aérea (16,0%), Exército (13,5%), Marinha (6,%)...

Mesmo assim, estamos longe dos 47% de mulheres médicas, dos 50% de mulheres advogadas, dos 47% de mulheres magistradas judiciais - dados de 2006 - ou até mesmo dos 28% de mulheres diplomatas (em 2005)... Fonte: CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 7 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3994: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (4): Uma civil, e transmontana de Sabrosa, na tropa (Giselda Pessoa)

Guiné 63/74 - P3998: Tabanca Grande (124): José Belo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70), actualmente Cap Inf Reformado a viver na Suécia

José (Joseph) Belo, ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70:


1. Estamos hoje a apresentar formalmente o nosso camarada José (Joseph) Belo (*), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 que esteve na Guiné entre 1968 e 1970, que calcorreou Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada. Hoje encontra-se na situação de Cap Inf Ref e vive na Suécia.

A sua colaboração no nosso Blogue é já muito extensa, seja por contacto directo, quer por intermédio do nosso camarada e seu companheiro de Companhia José Teixeira, encarregue de corrigir a grafia do teclado internacional para o teclado português.

Como sabem, a nossa grafia tem muitos acentos que não são usados internacionalmente e os nossos camaradas da diáspora têm alguns problemas com isso. Quase diria que o problema é nosso, pois temos que corrigir toda a acentuação. Mas é sempre com o maior prazer que efectuamos esse trabalho.

Caro José, não te dou as boas-vindas, porque já és da casa, mas deixo-te os melhores votos de muita saúde e boa estadia na Suécia, país que escolheste para viver.

Infelizmente as fotos que enviaste não têm a melhor qualidade, talvez um dia te disponhas a enviá-las de novo, desta vez digitalizadas individualmente.

Um fraterno abraço da Tertúlia para ti.
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Notas de CV:

(*) Vd. alguns postes do nosso compatriota e camarada José (ou Joseph) Belo:
17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo 

Guiné 63/74 - P3997: Agenda cultural (3): O pintor Manuel Botelho no semanário "Sol". V. Briote
























Manuel Botelho na oficina.


A Arte da Guerra

por Manuel Botelho



Manuel Botelho, no semanário Sol. Revista “Tabu”, 28 de Fevereiro de 2009
Em Setembro de 2006, dirigiu-se ao Museu Militar. Recebido “calorosamente” pelo director, o Coronel Ribeiro de Faria, expôs o que o lá levava: fotografar tudo o que pudesse sobre o tema da Guerra.
Teve acesso às armas (“às tantas, o chão estava coberto delas”), e foi-lhe disponibilizada uma sala para trabalhar.
O seu local de trabalho foi ali, no Museu, até Novembro de 2007.
Fotografou G-3 e Kalashs, FNs e Mausers. Vestiu-se de soldado, encenou situações de guerra, num cenário de terra e plantas secas. Para compor o cenário, percorreu a feira da Ladra, à procura de camuflados, facas de mato, cantis..
Depois de expor o seu trabalho em três locais, Manuel Botelho continuou a aprofundar a temática da Guerra na sua casa, em S. Pedro do Estoril.
 
"A terra, ao contrário da nossa, é vermelha viva, cor de tijolo, a erva de um vermelho profundo..."

"Estou farto da cor verde: fardas verdes, viaturas verdes, paisagem verde, aviões verdes, camuflados verdes, tudo verde. A água dos autoclismos é verde limosa. A urina e o ranho são esverdeados, até o vinho é verde. As casernas são verdes também. E as portas e janelas. E o lado de dentro das paredes..."

Despedida ou reencontro?

Manuel Botelho inaugurou a 1ª exposição, a que deu o nome “Aerogramas”, no passado dia 7, no Porto, na Galeria Fernando Santos.

“São desenhos para olhar, mas também para ler – incluem excertos de depoimentos e correspondência de onde sobressai a presença ou o discurso feminino, visto tratar-se de mensagens trocadas entre os militares e suas mães, namoradas, mulheres ou madrinhas de guerra.”

“Madrinha de Guerra” é o título da 2ª exposição de fotografia a inaugurar no dia 14, no Centro Cultural de Lagos.
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Notas de vb:

1. Texto e fotos extraídos da Revista, semanário "Sol", de 28 de Fevereiro de 2009. Coma vénia devida aos autores.

2. Artigo referido em
6 Março 2009 > Guiné 63/74 - P3989: Agenda cultural (2): O pintor Manuel Botelho expõe no Porto e homenageia o malogrado Sold Cond Soares, da CCAÇ 12 (Beja Santos)
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Texto de Vladimiro Nunes e fotografias de António Pedro Santos.

“Manuel Botelho ganhou renome a desenhar e a pintar, mas para fazer arte com a guerra colonial, precisou do realismo da fotografia.”

“Nasci em 1950 e a guerra começou quando eu tinha 11 anos. Aos 12 ainda não tinha acabado, aos 13 também não, nem aos 14, aos 15, aos 16…O tempo ia passando, a guerra nunca mais acabava e eu vivia no terror do que ia acontecer quando fosse mobilizado. Só não fui porque estava a acabar o curso de arquitectura e tive a sorte monumental de, entretanto, ter vindo o 25 de Abril. Mas, quase até aos 24 anos, vivi num terror pavoroso de i para a guerra. Foi o pesadelo da minha adolescência”.

Manuel Botelho quis levar mais longe o tema da Guerra, que começara a tratar numa série de desenhos e pinturas que expôs em 2006, na Galeria Lisboa 20.