Foram inúmeros os feitos de coragem protagonizados pelos nossos valentes militares, voluntariamente, de modo consciente ou instintivo, muito além do que o dever com a Pátria obriga, nos teatros de guerra em África, entre 1962 e 1975.
Muitos desses incríveis actos fazem arrepiar de espanto e amdiração, mesmo os mais inssensíveis a estas questões, já que, em muitos casos, a estes nossos Camaradas, tais "ousadias" lhes acarretou custos elevadíssimos às suas integridades físicas e psíquicas, quando não a privação da própria vida.
São muitos os Heróis constituídos da melhor cepa de Homens desta Lusa Pátria, que muito honraram e dignificaram, juntando mais um punhado de magníficas e impressionantes páginas na nossa já longa e eterna História de Portugal.
Nomeá-los a todos, aqui, seria de toda a justiça, mas como o rol é demasiado vasto, corria o risco de não os contemplar a todos.
Muitos desses Heróis foram, devida e merecidamente, referenciados, exaltados e premiados, com clareza e honestidade.
A estes que estão dignificados e perpetuados na minha memória e na dos portugueses que se dignam de o ser, nada mais tenho a acrescentar.
Outros Heróis houveram, no entanto, que se evidenciaram em feitos e actos exemplares de ousadia e valentia idênticos aos dos primeiros, que por várias razões e motivos, foram completamente omissos e, ou, ostracizados. A estes só acrescento que é triste e lamentável!
Mas além destes Heróis, houve ainda uma “classe” de “heróis” inventados em gabinetes, que devido a pequenos e, ou, insignificantes actos, devido a lamentáveis, estranhas e maquiavélicas estratégias políticas, e, ou, militares, viram essas acções serem empoladas ao mais alto grau, desonesta, inadmissível e vergonhosamente.
Esta abordagem não teria qualquer justificação de existência e sustento, se eu não fosse testemunha viva por, infelizmente, ter observado e vivido alguns desses casos de “fabricação de heróis”, alguns à força, sem qualquer culpa formada.
Camaradas que fique desde já assente e óbvio, que não pretendo com estas alegações beliscar ou desonrar as virtudes dos nossos camaradas falecidos em combate. Pretendo sim denunciar, desmontar e desmistificar a falsa e tenebrosa teoria da "Ideologia, Propaganda e Construção de Heróis Fabricados em Gabinetes", muito em voga então, em alguns sectores específicos do nosso Exército.
No meu tempo, em Aldeia Formosa, havia um oficial muito conhecido na nossa “praça”, que gostava de ser “patrão” de tão repugnante fabrico.
Não havia relatório de operação, patrulha, ou outra qualquer acção militar digna de registo no papel, que lhe chegasse às mãos, onde o mesmo não tentasse descobrir (inventar), um relevo desmedido nos actos descritos nos mesmos.
Este oficial, de patente elevada com basta formação académica e militar, deveria saber, em primeiro lugar, que um Herói quer ocasionalmente (por reacção espontânea em condições adversas), quer por instinto natural, é guiado por ideais nobres e altruístas, em nome de qualidades e valores como justiça, coragem, lealdade, valor, valentia, fraternidade, sacrifício e moral.
A maioria de nós, procurava apenas a sobrevivência, o importante era sair da guerra com vida, sem mazelas físicas (já nos bastavam para toda a vida as psíquicas) e com a comissão cumprida, por isso e para maximizar essas possibilidades, não podíamos ser dados a grandes feitos de heroísmo.
Para heroísmo já bastava andarmos lá, a correr sérios riscos de vida.
Para mim todos fomos Heróis de uma forma ou de outra.
Infelizmente houve camaradas nossos que pereceram no campo de batalha, aos quais foram prestadas escassas honras, por feitos distintos, valentia e heroísmo, tendo-se o seu desempenho reduzido ao simples facto de terem sido atingidos por acção de armadilhas e fogo IN.
Portugal na altura seguia uma política em relação ao Ultramar, que era contestada por todo o mundo civilizado, até pelos nossos tradicionais países aliados. Por isso, e para sossegar as hostes nacionais, foi criada esse estratagema da “Fábrica de Heróis”, que assentava nos seguintes princípios básicos:
"OS HERÓIS NACIONAIS SÃO USADOS COMO SÍMBOLOS PARA FORTALECER SEU POVO; TORNAR O PAÍS SOBERANO, EDIFICAR E SOLIDIFICAR A CULTURA E POR ÚLTIMO ELEVAR A AUTO ESTIMA DAS PESSOAS".
Para complementar “isto” foram criadas as nossas bem conhecidas cerimónias do 10 de Junho, datas em que se condecoravam os Heróis Nacionais.
Quase todos nós conhecemos casos de Camaradas nossos, que recusaram medalhas (por exemploCruzes de Guerra), por acharem honrosa e honestamente que o desempenho e os factos que lhes eram atribuídos não eram merecedores de tais honras.
Conheço um caso que pela sua originalidade e postura aqui vos apresento:
Num dos muitos confrontos com o IN, o militar em questão foi ferido e, em consequência, foi louvado pelo seu comandante.
Mais tarde, seguindo os habituais trâmites, esse louvor foi transmitido ao comandante do Batalhão do Sector, de onde transitou para o Chefe do Estado Maior do Exército da Região de Évora, que lhe conferiu uma “Cruz de Guerra de 2.ª Classe”.
Interessante é que o dito militar já nem se encontrava nas fileiras do exército. Por isso, e por não concordar com atribuição da mesma, não compareceu nas cerimónias do 10 de Junho, em Évora, no ano de 1972, alegando, para justificar a sua não comparência, a sua ausência do País (para quem não sabe, se ele não tivesse justificado, e muito bem essa falta, teria a PIDE a questioná-lo sobre a verdadeira razão da sua falta).
Esta é uma prova indiscutível de que nem todos nós concordávamos com a “Fábrica de Heróis”.
Felizmente e a favor dos verdadeiros Heróis, digo eu!
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em: