(1974), "Diário de Lisboa", n.º 18563, Ano 54, Segunda, 16 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4810 (2021-3-15) (*)
Recorte do Diário de Lisboa, edição de 16 de setembro de 1974, pp. 1 e 10 (com a devida vénia...) (*)
Guiné > Bissau > HM 241 > 14 de setembro de 1974 > Os últimos prisioneiros portugueses. Entre eles, o nosso camarada, membro da Tabanca Grande, António da Silva Batista (1950-2016), o último do lado direito. O Fortunato Dias é o terceiro, também a contar da direita.
Os sete camaradas nossos que foram trocados por 35 militantes ou simpatizantes do PAIGC, presos pelas NT, não eram, segundo as autoridades militares portugueses da época, "prisioneiros de guerra"...
Essa figura jurídica não existia... Não podia haver "prisioneiros de guerra" pela simples razão de que, para o regime de Salazar (e de Caetano), Portugal não estava em guerra contra nenhum país estrangeiro. Tinha uma "guerra de subversão", nas suas províncias ultramarinas, apoiada por algumas potências estrangeiras, mas limitava-se a responder, para manter a paz e a ordem, contra os que, internamente, alimentavam essa guerra...
Nessa medida, a Convenção de Genebra não se aplicava (ou não tinha que se aplicar, do ponto de vista legal) no TO da Guiné (e noutros teatros de operações, Angola e Moçambique)... Militar português capturado pelos "nossos inimigos" era classificado como "retido pelo IN"... Elemento subversivo ("terrorista") capturado pelas NT devia ser tratado como um vulgar "preso de delito comum" (e entregue depois à PIDE/DGS, para obtenção de informações relevantes pata a "segurança interna")... Era, grosso modo, essa a "doutrina vigente"...
Foto de Duarte Dias Fortunato (2016). Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (**)
2. Comentário do editor LG:
As declarações do Peralta ao "Diário de Lisboa", em 15 de setembro de 1974, momentos antes de embarcar no avião para Madrid que o levaria de regresso a Havana, quase cinco anos depois da sua captura no corredor de Guileje, na Guiné, em 18 de novembro de 1969 por forças do BCP 12, comandadas pelo cap pára João de Bessa, têm de ser entendidas no contexto da época: era um tipo educado, e, mais do que isso, amável e até sedutor; estava naturalmente agradecido aos seus captores (e aos serviços de saúde militares) que lhe salvaram a vida, e às autoridades que o libertaram, depois de cinco anos de "estadia forçada, não prevista" em Portugal, e a maior parte do tempo sob a "custódia" da polícia política do antigo regime... (que ele alega que o terá torturado, física e moralmente, e é de todo provável.) Acabou por ser condenado em 2 anos e 2 meses, pelo tribunal militar, por posse ilegal... de arma de fogo!
Tinha havido em 25 de Abril de 1974 uma mudança de regime em Portugal. Peralta foi "politicamente correto", como lhe convinha. E não se esqueceu de agradecer aos profssionais de saúde portugueses que fizeram tudo para o salvar e tratar, quer em Bissau quer depois em Lisboa (Hospital-prisão de Caxias, Hospital Militar Principal, Hospital da Cruz Vermelha).
"Tratamento VIP" em Bissau e em Lisboa, apesar de ter passado pela Trafaria e por Caxias... Por exemplo, o Hospital da Cruz Vermelha (onde foi internado em maio de 1973) não era para todos (e muito menos para os combatentes portugueses feridos na guerra de África)... Por lá passou Salazar (cujo internamento em 1968 custou ao Estado Português o equivalemte a 1,5 milhões de euros)... E por lá passava o escol médico-cirúrgico da época. Simples curiosidade: quem pagou a conta do Peralta? O advogado, sabemo-lo, que foi contratado pela embaixada de Cuba... (Os dois países mantêm relações diplomáticas há mais de 100 anos, ou seja, desde 1919, independentemente dos regimes políticos que se sucederam, num e no outro lado.)
Teve igualmente tratamento VIP por parte de alguns movimentos e partidos da chamada extrema esquerda revolucionária de então. Nas declarações que faz ao "Diário de Lisboa", acima reproduzidas, há referências às manifestações em prol da sua libertação, que se sucederam frente ao Hospital da Estrela, e que ele consideram excessivas... “O povo português libertará o capitão Peralta”, escrevia o MRPP num comunicado em que pedia “Todos à Estrela”, a 26 de maio de 1974.Terá havido também pressões norte-americanas, e igualmente do Vaticano e da Bélgica, para o Peralta ser trocado por um alegado agente da CIA, preso e condenado em Havana, Lawrence Kirby Lunt (e não Hunt), casado com uma belga... Ao que parece acabou por ser também usado como moeda de troca com o PAIGC que tinha, nas suas prisões, 7 militares portugueses ainda por entregar. (**).
Quanto ao seu "estatuto" nas fileiras do PAIGC, não sabemos o que é que as autoridades portuguesas, antes e depois do 25 de Abril, apuraram... Ele não foi, como pretende dar a entender um simples observador com "livre trânsito" nas "áreas libertadas"... Não, ele devia ter tido outra missão, quer como "consultor militar", quer como "instrutor militar"...
Muito provavelmente o seu advogado, com larga experiência na defesa de presos potlíticos nos tribunais plenários do Portugal de então, deve tê-lo aconselhado a nunca admitir que era um combatente integrado nas fileiras do PAIGC, estatuto, de resto, que o próprio Amílcar Cabral não gostava de atribuir aos cubanos, até porque isso significava "menorizar" os seus combatentes, os seus militantes, nacionalistas guineenses...
Mas a verdade é que o Peralta estava, ao que parece, armado quando foi ferido e, depois, capturado. Se terá percorrrido ou não os 1800 metros na mata, a sangrar (com 4 balázios, de 7,92 mm, da temível metralhadora MG 42 do então 1.º cabo pára Regageles), não o sabemos... Nem sabemos se os seus captores confirmaram esta versão no Tribunal Militar de Santa Clara onde o Peralta foi condenado a 2 anos e 2 meses de prisão...Notas do editor:
(*) Último poste da série > 30 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21713: Recortes de imprensa (113): Guiné-Bissau: Crianças tornadas mulheres à força (Joana Benzinho, "Bird Magazine", 19 de outubro de 2020)(**) Vd. poste de 29 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15911: (Ex)citações (306): A propósito da última troca de prisioneiros, em Aldeia Formosa, no dia 14 de setembro de 1974....Prisioneiros, não, "retidos pelo IN"...