segunda-feira, 15 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22009: Notas de leitura (1347): "A Batalha do Quitafine", por José Francisco Nico; edição de autor, 2020 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2021:

Queridos amigos,
 
O livro do General José Francisco Nico relata o conjunto de missões que conduziram ao aniquilamento da artilharia antiaérea do PAIGC na península de Quitafine. O autor aparece munido de credenciada documentação e testemunhos apropriados. A descrição de tudo quanto vai acontecer em 1968, ficará para o próximo texto. 

O General Nico não se circunscreve à problemática da Força Aérea, tece juízos negativos ao modo como se pôs termo à guerra colonial e aos consequentes atropelos à dignidade humana ocorridos na descolonização. Talvez mal informado quanto ao modo como se conduzia a guerra no solo, tece considerações quanto à presença do PAIGC em bases, e fala no título da própria obra na fantasia das áreas libertadas. 

Bem documentado sobre o que se passa na Força Aérea, talvez não tenha tido tempo para ler a Resenha das Campanhas de África, edição do Estado-Maior do Exército, no que tange à Guiné, quando a ler ficará seguramente surpreendido, pois além dos abastecimentos provindos da Guiné Conacri e do Senegal havia bases que podiam ser destruídas num dia e eram reconstruídas noutro, faz parte da essência das guerras de guerrilha, a generalidade da população aceitava esta dolorosíssima guerra do jogo, como ficou comprovado.
 
É a permanente tendência de confundir a nuvem com Juno, a árvore com a floresta.

Um abraço do
Mário



Memórias da destruição da artilharia antiaérea do PAIGC, na península do Quitafine (1)

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição de autor, a segunda, com data de novembro de 2020. Esta obra do Tenente-General Piloto-Aviador José Francisco Fernandes Nico encerra volumosas considerações sobre estratégia político-militar de guerrilha e contraguerrilha, tece considerações altamente críticas sobre os acontecimentos do 25 de Abril e o processo da descolonização e dá-nos um quadro das diferentes operações que decorreram entre outubro de 1967 e janeiro de 1970 que levaram à eliminação sistemática da artilharia antiaérea do PAIGC pela Esquadra 121 do Grupo Operacional 1201. 

O autor observa na introdução que ainda se verificaram episódios isolados do emprego deste tipo de artilharia, passados em Gandembel (28 de julho de 1968) no ataque a Ganturé (6 de janeiro de 1969) e em Sare Morso (1 de julho de 1970), referindo que depois deste último episódio não se verificaram novas ocorrências até ao aparecimento, em março de 1973, dos mísseis Strela-2.



Inicia o seu livro com o que ele chama confronto de assimetrias, no caso o isolamento político português que não aceitava negociações com os movimentos de libertação e as vantagens que o PAIGC detinha dada a natureza dos apoios que recebia. Em muitas das suas declarações o autor está próximo das tomadas de posição sustentadas pelo regime de Salazar e Caetano, diz abertamente que Portugal tinha uma visão para o futuro dos seus territórios que passava por uma comunidade multirracial alicerçada numa interação histórica. 

Não esquece de mencionar que havia portugueses aliados dos movimentos de libertação, o MFA era liderado por oficiais com ligações aos movimentos oposicionistas e, em particular, com ligações ao PCP. Nunca se compromete com o que teria sido um desfecho promissor para as independências das colónias, apresenta explicações miríficas, que talvez tivessem cabimento no caso de não ter havido, como houve, uma escalada sem retorno nos conflitos bélicos, de tal modo, como hoje é sabido por documentação publicada nos últimos anos, que o próprio Marcelo Caetano passou os últimos meses a procurar soluções de autodeterminação para Angola e Moçambique e mandou secretamente também, encetar conversações com o PAIGC para se encontrar um cessar-fogo. 

Toda esta situação de descalabro não merece nenhum comentário ao autor, mas formula um juízo sentenciador:

“Quando se conclui que a estratégia seguida numa guerra deixou de ter condições de sucesso, e a derrota se apresenta inevitável, é mandatório a adoção de uma outra com novos objetivos, mas que continue a defender, tanto quanto possível, o interesse nacional. A cedências total aos adversários, sem ouvir ou considerar as populações dos territórios, não foi outra estratégia, mas uma derrota perante as exigências dos oponentes. Uma nova estratégia teria que assumir a descolonização perante a ONU, para neutralizar a justificação da guerra, e uma continuação da contenção militar do inimigo direto que viesse a permitir um acordo realmente negociado”.

Mirífica proposta, basta recordar que a direção do PAIGC estava pressionada pelos movimentos congéneres de Angola e Moçambique para obter rapidamente o reconhecimento da independência, para não haver recuos, e se o novo governo português obstaculizasse se intensificasse a guerra na Guiné, o que já não era plausível, a partir de junho de 1974 encetaram-se conversações que marcaram o recuo das posições portuguesas, as nossas tropas declaradamente depuseram as armas, enquanto a população recebia os guerrilheiros com sinais de entusiasmo. 

Tudo isso está demonstrado, era impensável instituir qualquer outra estratégia, como a do referendo, Spínola bem ensaiou essa movimentação, pronto o PAIGC ameaçou com a continuação da guerra, seria o descalabro.

O autor faz referências aos primeiros anos da defesa antiaérea do PAIGC, elenca as baixas em voo havidas, o que se chama artilharia antiaérea é uma expressão que só ganha verdadeiramente conteúdo de 1966 para 1967, o apoio técnico-militar cubano revelou-se fulcral, em meados de 1966 o avião G-91 passou a fazer parte das operações, dando-lhes uma maior proteção. 

Obviamente que o autor nos faz compreender as razões da escolha da península de Quitafine, para a implantação da artilharia antiaérea e para o uso do slogan de área libertada. Um tanto à revelia do assunto, e porventura para demonstrar à saciedade que as áreas libertadas eram uma pura mistificação propagandística, refere que os ataques provinham de grupos que vinham do exterior e que para o exterior retiravam. 

Há aqui manifesta falta de cuidado na leitura dos relatórios militares. Creio que as edições do Estado-Maior do Exército sobre as campanhas de África, caso vertente da Guiné, são eloquentes quanto à permanência de bases flexíveis nas proximidades de muitíssimos destacamentos. Não falo só do que vivi, tinha a cerca de 20 quilómetros do meu principal destacamento Madina e Belel, no Cuor, estava rigorosamente proibido de me afoitar até ali com um pelotão, todos os anos havia uma operação à região, habitualmente mal sucedida, havia população que cultivava os terrenos e contatos estavam estabelecidos com a população civil, aparentemente sobre a nossa direta custódia, ainda hoje não se fez um estudo que nos desse uma ideia do que era verdadeiramente o duplo controlo. 

Recorde-se o Xime ou o Xitole ou Mansambo, no setor de Bambadinca: patrulhamentos, colunas de abastecimento, emboscadas e de vez em quando uma operação. O PAIGC estava de pedra e cal no regulado do Xime no Burontoni, Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Tabacutá, Mina, Galo Corubal. 

Depois do 25 de Abril, o Brigadeiro Hélio Felgas, que foi Comandante do Agrupamento de Bafatá, e responsável pela Operação Lança Afiada, que movimentou um bom número de companhias durante doze dias se esfalfaram em toda esta região do Xime, Mansambo e Xitole, encontraram uns velhinhos e uns carregadores, obviamente que ninguém esteve interessado no contato direto, regressaram nas calmas, teceu um comentário sobre a natureza da guerra de guerrilhas, alegando que era manifestamente impossível perante gente ideologicamente firme, e com um elevado sentido de organização da população civil, pondo em causa a estratégia deste tipo de operações de bate e foge. Foi o que aconteceu, do princípio ao fim da guerra.

Voltemos à artilharia antiaérea, o autor fala-nos das munições usadas pelos equipamentos do PAIGC (munições tracejantes), casos de deteção, contextualiza a eficácia do poder aéreo na Guiné, como se foi descobrindo a guerrilha antiaérea, a tática usada pela guerrilha para passar despercebida durante os voos de reconhecimento e chegamos aos primeiros meses das operações. É referenciada uma operação abortada, a operação Apocalipse, que o Coronel Krus Abecassis, então Comandante da Zona Aérea em 1966, delineou e que foi rejeitada pelo os seus oficiais, entendia-se que o risco era demasiado elevado. 

É nesse ano que a tática antiaérea se alterou radicalmente com a chegada das antiaéreas fixas, bem ilustrada na obra e até a sua localização, dá-se conta da capacidade desta contraguerrilha antiaérea e regista-se o seu posicionamento. E em março de 1968 começa a missão que conduzirá ao seu aniquilamento.

(continua)

Imagem de um Fiat G-91, extraída do livro Portugal’s Guerrilla Wars in Africa: Lisbon’s Three Wars in Angola, Mozambique and Portuguese Guinea, 1961-74, por Al J. Venter, Edições Helion & Company Limited, 2013, livro acessível em pdf  aqui.

Metralhadora pesada ZPU-4, extraída do trabalho A Guerra das Antiaéreas na Guiné (1965/1970), por José Matos, acessível em https://www.revistamilitar.pt/artigo/1355.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)


Citação:
(1974), "Diário de Lisboa", nº 18563, Ano 54, Segunda, 16 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4810 (2021-3-15)


Capa do livro

FERREIRA, José Pardete - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.

1. No romance (ou melhor, livro de memórias, ficcionado) "O Paparratos", J. Pardete Ferreira (*),  há  um capítulo, o XXI (pp. 141-146) dedicado a "O Cubano", o capitão Pedro Rodriguez Peralta, a quem o autor chama Rui Angel:

(...) Era pequeno de estatura, não ultrapassando o metro e sessenta e cinco, magro e seco, com a pele muito branca e polvilhada de microscópicas sardas, ruivo de barba completa, rala e ausente nalguns locais" (p. 141)-

Não sabemos se a descrição fisionómica está inteiramente correta, mas é feita por um dos cirurgiões que o operou no HM 241, o autor (*), sendo o cirurgião principal o dr. Carlos Ferreira Ribeiro, já falecido (no livro, o dr. Celso Rosa, ortopedista,  p. 143)

Recorde-se o que acontecera antes:   capitão do Exército Cubano, Pedro Rodriguez Peralta, de 32 anos (nascido por volta de 1937), instrutor militar ao serviço do PAIGC, é gravemente ferido a 18 de Novembro de 1969, no corredor de Guileje, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, no decurso da Op Jove, conduzida por forças paraquedistas do BCP 12 e destinada a capturar o próprio 'Nino' Vieira.


2. Demos aqui a palavra ao(s) autor(es) da página do Facebook, Paraquedistas não são arremachos, 18 de novembro de 2018:

(...) A "Operação Jove" tinha sido cuidadosamente planeada. Dias antes da partida para a operação, um avião da FAP levando a bordo o cmdt do BCP , tenente coronel Fausto Marques e o cmdt da Companhia [CCP 122,] João de Bessa, observam a zona e o melhor local para a emboscada à coluna militar do PAIGC.

De forma a cumprir as ordens do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, às primeiras horas de 16 de novembro de 1969, 40 militares da Companhia 122 , reforçados com 9 voluntários da 121, embarcam em 10 Alouette para o Corredor de Guileje, com a informação que a coluna inimiga traria 'Nino' Vieira, ao tempo, o mítico Comandante da Frente-Sul.

Os 50 paraquedistas levam rações de combate para três dias. Caminham a pé um dia e uma noite, evitando os trilhos para não serem detectados, e progridem debaixo de chuva por entre mata densa. Cerca das 10 horas da manhã de 18 de novembro, os praquedistas chegam ao ponto da emboscada.

Ainda não completamente posicionados, apercebem-se de vozes ao longe. Um pequeno grupo composto pelo capitão Bessa, sargentos Neves Pereira, Mota e Valentim Gomes, 1ºs cabos Ragageles, Carvalho e Rodrigues e soldado Doce, aproximam-se da picada.

De repente foram ouvidas vozes de dois individuos, um negro e um branco que seguiam em direção à fronteira. O capitão Bessa dá sinal de fogo ao apontador da MG-42, 1º cabo Ragageles. A primeira rajada abateu o guerrilheiro negro e feriu o branco. Iniciada a perseguição, com meia dúzia de páraquedistas, e tendo por base o rasto de sangue, é consumada a captura.

Encontram-no caído numa poça de sangue. Tem um braço quase arrancado, perdeu muito sangue, está entre a vida e a morte; o sargento Vítor Francisco rapidamente trata-lhe dos ferimentos. Veio a saber-se que se chamava Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano. (...)

Enviado para o HM 241 (Bissau) e depois para Lisboa, foi devidamente tratado pelas autoridades portuguesas. Foi julgado em Tribunal Militar e condenado em 2 anos e 2 meses de prisão. 

Depois do 25 de Abril de 1974, o capitão Peralta foi libertado. Aliás, houve manifestações (do MRPP e outras organizações da chamada extrema revolucionária) a favor da sua libertação incondicional. Os americanos queriam trocá-lo por um alegado espião preso em Cuba...

Peralta, que fez amigos em Portugal, pode ser visto aqui numa reportagem da RTP, no aeroporto de Lisboa, em 15 de setembro de 1974, sempre sorridente e amável na presença entre outros do seu advogado, Manuel João da Palma Carlos (1915-2001), momentos antes de embarcar para Havana onde foi recebido como herói... 

Antes do 25 de Abril, era considerado um "preso político", o governo de então recusava-se a tratá-lo ocmo "prisioneiro de guerra", negando haver uma guerra na Guiné. Depois do 25 de Abril, mudou o seu estatuto: passaria a ser "prisioneiro de guerra", não ficando abrangido pela amnistia aos presos políticos... E só foi libertado, em 15 de setembro de 1974,  após a entrega, pelo PAIGC, dos "prisioneiros de guerra" portugueses, entre os quais o nosso saudoso António Batista, o "morto-vivo".

Sabe-se que, em 2008, com o posto de coronel reformado, pertencia ao Comité Central do Partido Comunista Cubano. Era seguramente o mais célebre dos 437 combatentes que, segundo o regime de Havana, terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, entre 1966 e 1974 (Dos quais terão morrido 9 ou 17, conforme  as duas fontes cubanas oficiosas, já aqui citadas no nosso blogue).

3. Na recriação desta cena da captura do cap Peralta, o autor de "O Paparratos" diz que o "Rui Angel" [leia-se Pedro Peralta] estava com uma crise de paludismo (p. 142)  quando os homens da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº 1221 [CCP 121 e 122], comandada  pelo cap pára "Braga"[leia-se: Bessa].

Não foi uma rajada de G3, mas de M42, "quase à queima-roupa, ia desfazendo o cotovelo direitodo branco, provocando-lhe também uma ferida no dorso, junto à omoplata"...

Terá sido o cap Braga [Bessa] que lhe salvou o braço, em risco de ser amputado, gritando: "Se for para cortar, os médicos lá em Bissau que o façam. Liguem mas é para a Base e peçam uma Y", isto é uma helievacuação Ypsilon (p. 142). 

Assim aconteceu, a enfermeira parquedista que o assistiu até Bissau não foi a Margarida ( nome fictício) mas Zulmira André. Quando chegou ao hospital, a sua situação clínica era grave: (...) "sangrara muito, a tensão arterial não conseguia ultrapassar os cinco milímetros de mercúrio, timha uma ferida no tórax e o antebraço direito estava quase amputado", segundo o relato do alf mil médico adjunto de cirurgião Domingos Lebre [leia-se, Diamantino Lopes] (p. 143).

Entrado de imediato no Bloco operatório, o alferes mil médico João Pekoff "explorou a ferida torácica, constatando que, felizmente era superficial e apenas interessava as partes moles"... Uma vez que não havia necessidade de intervenção na cavidade, a atenção da equipa voltou-se para o membro esfacelado, "tendo o dr. Celso Rosa [Carlos Ribeiro] tomado o comando das operações, na sua condição de ortopedista" (p. 143)

O Carlos Ribeiro era um cirurgião experiente, em feridas com armas de fogo, tendo feito uma anterior comissão de serviço em Angola: "ortopedista conceituado, depressa equacionou o problema [do Peralta]. Entre a amputação, que se afigurava como natural, e a artrodese do cotovelo, originando para sempre  um ângulo de cerca de noventa graus, a decisão parecia não ser evidente. Sempre valia mais um braço aleijado mas efectivo funcionalmente, do que um coto que, muitas vezes, só serviria para atrapalhar. Os nervos, assim como a artéria e as veias principais sido tinham milagrosamente poupados.O capitão cubano ficaria com uma deficiência, era verdade,  mas manteria o uso do membro... com a condição de a ferida não infetar, possibilidade sempre imprevisível" (p. 144).

E tudo correu bem, com um tirada humorística final do ortopedista:

"Vamos lá ver se este gajo, ao menos, vai fcar com o cotovelo... quanto mais não seja  para poder fazer um manguito para o cirurgião que o operou". (p. 144).

A crer no testemunho do nosso J. Pardete Ferreira (1941-2021), "ao recobrar da anestesia, o Rui Angel [o Peralta.virou de imediato o olhar para o seu lado direito e, naquele misto de medo e de reconhecimento que certamente sentiu,  uma pequena lágrima fugiu lentamente pelo canto dum dos olhos, aliviando-lhe a ansiedade e o receio" (p. 144). Para quem, como ele, que tinha optado pela carreira militar, e que estava na força da vida, era reconfortante saber que lhe tinham salvo o braço...

4. Ainda mais dois ou três apontamentos deliciosos do nosso escritor (**), sobre a estadia do cap Peralta no HM 241:

(i) Por razões de segurança, o enfermo (e prisioneiro) mudou de cama e de enfermaria, mas quem não gostou nada da troca foi um pobre de um alferes miliciano,  com uma perna amputada por um mina A/P, que ficou no lugar do cubano... Lamentava-se ele, e com razão: "Se os gajos [ do PAIGC] cá vierem, quem lerpa sou eu"... (p. 145)

(ii) O hospital, por causa do prisioneiro famoso, passou a ser assediado pelo pessoal da "inteligência" militar, e simples curiosos que queriam espreitar a "avis rara"... Cabia ao dr. João Pekoff [Pardete Ferrera ]correr com os instrusos e mirones, fazendo cumprir ordens superiores...

(iii)  "Um dia, na conversa usual durante o penso, o João Pekoff perguntou ao Rui Angel como era o Che [Guevara. de resto morto na Bolívia em 1967, tendo sido ambos combatentes na Sierra Maestra]. A resposta não se fez esperar:  "Che, non era médico, era un hombre" (p. 145).

(iii) Entretanto, são recebidas ordens de Lisboa para transferir o Peralta para o HMP... Assim, pela manhã, num daqueles dois dias em que havia avião da TAP, "uma ambulância militar.  com um envergonhado Wolkswagen preto abrindo caminho, saiu do Hospital. O Carocha transportava o director do Hospital Militar [que era o dr. Moreira de Figueiro,  no livro, o tenente milciano Mário Falcão], com o alferes do Conselho Administrativo a  a desempenhar as funções de condutor!...

Na ambulância, além do condutor e de dois maqueiros, o Peralta levava como "ama seca"  um primeiro sargento enfermeiro [no livro, João Augusto]. Chegados ao aeroporto, "este pequeno comboio militar foi esconder-se no descampado que constituía o extremo poente do aeroporto de Bissalanca".

Esta cena é hilariante: 

"Após a aterragem do avião, chegados os passageiros VIP ao hall da aerograre, de imediato disseram aos amigos e familiares aí presentes que, na Ilha do Sal,  tinham recebido a indicação de que deveriam integrar a classe turística":... Justificação dada : "Em Bissau todos os lugares de primeira classe iriam ser ocupados por um  capitão cubano, ferido e feito prisioneiro na Guiné"...

E, subitamente, ouve-se, através dos altifalanres,  uma voz feminina, a chamar pelo passageiro VIP: "Atenção, atenção, Pede-se ao passageiro Rui Angel [Pedro Peralta] que se dirija aos Serviços de Saúde"... 

O diretor do HM 241, alarmado, apercebe-se do caricato da situação: toda a gente passava a saber que o avião viajava para Lisboa com um famoso e perigoso capitão cubano... 

À chegada à Lisboa, com a sua "ama seca", foi levado discreta e prontamente para o Hospital Militar da Estrela [ HMP] , sem que ninguém se tenha lembrado de "meter um batedor com girofaro e sirene, a abrir caminho, pelas avenidas e ruas de Lisnoa, da Portela até à Estrela" (p. 145.)

Na realidade, foi escoltado por um pelotão da Polícia Mlitar, comandada pelo alf mil cav Armando  Cerqueira, até à Trafaria (e mais tarde, para o hospital-prisão de Caxias).

Voltaria a Portugal,  creio que em 2009, tendo-se encontrado com os seus antigos "captores", em Lisboa,  em Belém, no Monumento aos Combatentes do Ultramar:  o sargento paraquedista Ragageles (ao tempo 1º cabo), e o tenente coronel SG / PQ João de Bessa (ao tempo capitão). 

E ainda se juntaram, na Guiné-Bissau, o João Bessa, o 'Nino' Vieira e o Peralta para reconstituir, "in loco", a emboscada em que o cubano foi ferido e capturado pela tropa portuguesa e que tinha sido preparada ao milímetro para apanhar à unha o 'Nino'...


(Continua) (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8481: Os nossos médicos (27): Com o Dr. Carlos Ferreira Ribeiro,fui um dos que operou o Cap Cubano Peralta; e com o Dr. João Carlos Azevedo Franco, fui um dos últimos a ver o corpo do malogrado Major Passos Ramos (J. Pardete Ferreira)

(...) Fui para Teixeira Pinto [para o CAOP] , de DO 27, numa manhã dos primeiros dias de Fevereiro de 1969!

Fui requisitado para Bissau no final de Junho do mesmo ano... (...) O meu cartão [emitido pelo QG Bissau, com data de 24 de Junho de 1969, ] está assinado pelo Director do HM241, major médico Felino de Almeida (falecido em Janeiro do corrente ano).

Com o dr. Carlos Ferreira Ribeiro, ortopedista, fui efetivamente eu que operou a ferida da parede torácica do cap Peralta. (...)

(**) Vd. notas de leitura anteriores:


domingo, 14 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22007: In Memoriam (384): Ex-Fur Mil Cav Vítor Manuel de Carvalho Serrão da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66 (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

IN MEMORIAM

Vítor Manuel de Carvalho Serrão, natural de Lisboa, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964-1966
O Vítor Serrão, ao centro, na cabeça o sumbiá idêntico ao de Amílcar Cabral, ante o indício duma mina anticarro, na estrada Buruntuma - Piche, ao seu lado direito o furriel Silva, ao seu lado esquerdo o Capitão Fernando Lacerda, nosso comandante.


1. Em mensagem de hoje, 14 de Março de 2021, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), manda-nos mais uma triste notícia, desta feita a do falecimento do seu camarada de armas Vítor Serrão.

Acabo de saber do falecimento ontem (dia 13) deste amigo e camarada da Guiné.
Além de camarada e de protagonista de todos os eventos de guerra da Companhia, recordo o Vítor Serrão como um amigo sólido e sereno.

Em sua memória, acabo de ouvir o “Il Silenzio” tocado em trombete, de que ele tanto gostava, nos momentos de folga na Guiné.





Descansa em paz, Vítor.

As minhas condolências à Família.
Manuel Luís Lomba


********************

Nota:
- Os editores e a tertúlia deste Blogue não podem deixar de se associar ao pesar do nosso confrade Manuel Luís Lomba pela perda do seu camarada de armas, ao mesmo tempo que envia à família do malogrado Vítor Manuel de Carvalho Serrão, as mais sentidas condolências.
É um facto que sempre que parte um camarada de armas, leva um pouco de todos nós antigos combatentes.
Que descanse em Paz.

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21803: In Memoriam (383): General Ricardo Durão (1928-2021), ex-2.º Comandante do BCAV 705 (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

Gué 61/74 - P22006: Usados & achados (9): pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (9): Morra o Eça (de Queiroz)!, viva o Caldo (Verde)!



O escritor Eça de Queirós em 1882.
In O Contemporâneo, nº 108, Lisboa [1882], p. [1]
 Cortesia de Wikipedia


1. Recorte de imprensa:

Público > Opinião > Vítor Belanciano > 14 de Março de 2021, > Ai! Valha-nos Deus! Não toquem no Eça!

(...) Uma investigadora, a doutorar-se em Estudos e Teoria Luso-Afro-Brasileiros, nos EUA, apresentou há semanas uma comunicação, via Zoom, onde o ponto de partida, no sentido de provocar a reflexão, era se o romance Os Maias, de Eça de Queirós, conteria ou não traços de racismo. Lançava questões aos seus pares, académicos como ela, acerca de um trabalho que não está finalizado. Coisa vulgar em qualquer universidade.

Eis senão que o escândalo irrompe nos jornais em Portugal. Lia-se que Eça tinha sido acusado de ser racista. Que queriam censurar Eça. Que agora já não se pode dizer nada, que é tudo racismo. Que qualquer dia, depois do Padre António Vieira e dos Descobrimentos, já não temos nada com que nos orgulhar. E outros dislates parecidos. Felizmente, durante a semana, a CNN considerou o caldo verde uma das melhores sopas do mundo, o que deve ter equilibrado o orgulho pátrio, dado a grandes oscilações. (...)

(...) O realizador João Botelho, que adaptou ao cinema Os Maias, afirmava em 2014 que o Portugal do romance era quase igual ao de hoje, e não andará muito longe da verdade. Uma sociedade de aparências. Estranho país, de vidas precárias e de desigualdades, mas que grita Ai! Valha-nos Deus! Não toquem no Eça, na herança colonial ou nos Descobrimentos, vivendo ainda imerso em sonhos de grandeza, incapaz de se alinhar com a realidade, reactivo perante quem quer cultivar a reflexão. O país já é, aliás, isso. Não existe uma totalidade perene, ao contrário do que nos fazem crer. Há diversidades em construção, onde coexistem, às vezes em consenso, outras conflituando, pessoas, grupos, narrativas. Há quem veja nisso, perda de identidade. Eu vejo enriquecimento. (...)

Guiné 61/74 - P22005: Blogues da nossa blogosfera (154): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (63): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


NÃO ENTENDO ESTE MUNDO

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ

Não entendo este mundo moribundo
este mundo escuro sem sol e sem luar
já não entendo esta onda de sismos e cifrões
esta dor de milhões de cabeças
rolando como esferas para o fundo dos abismos.
Não entendo este mundo dilacerado e sem vida
não aguento este frio de quatro paredes
este jogo perdido no cemitério da história
este profundo alarido
este diabólico mistério de morte concebido
esta vida sem sentido
a que chama mercado a argentária escória.
Não entendo este mundo de olhos vendados
este silêncio absorto e abstracto
no assalto impune a soberanas nações
este mundo de vidas sem direitos nem justiça
este mar de sangue nas garras dos algozes
este rasgar de corações
este martírio tatuado na pele dos inocentes
por tanques e canhões.
Não entendo este mundo
ameaçado por mísseis e aviões
não entendo tantas chagas do cancro da guerra
este perigo sistémico diariamente assente
na inelutável corrida para a desordem suprema.
Já não sou capaz de aguentar o peso
deste criminoso superlucro e mais-valia
brilhando como a luz do inferno na ponta dos punhais.
Não entendo este mundo
escorraçado para as bermas da fome
pela infame corrida para o inglório podium
dos vencedores da ganância enlouquecida.
Não entendo este caminho do caos e da fatalidade
esta ensanguentada bandeira erguida para o nada
este constante apunhalar da liberdade
este mundo apodrecido
na secura do grande rio da esperança.
Já não acredito no sonho do poeta
quando subiu a colina para admirar o céu
e o céu desabou no obscurantismo da mente e da razão
e a poesia morreu…
na globalização da morte e da destruição.

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21978: Blogues da nossa blogosfera (153): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (62): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P22004: Blogpoesia (724): "Pelas esquinas das vielas"; "Sacadas de flores"; "Mar das imperfeições" e "Os lampiões das vielas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Pelas esquinas das vielas

Há surpresas a cada hora, pelas esquinas das vielas.
Enlaces e desenlaces.
Despedidas mui sofridas.
O mar se interpõe.
As ausências que se impôem.
Sabe-se lá até quando.
Os mares se interpõem implacáveis.
Pelo destino e pela fortuna.
É a sina que a sorte lhes traçou.
Ser marujo.
Já o foram os seus avós.


Berlim, 7 de Março de 2021m
Jlmg


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Sacadas de flores

São jardins pendentes
As varandas das casas da cidade.
São sonho dum jardim
Com terra e húmus.
Ficaram desertos na sua aldeia.
Luta da sobrevivência
Arranca cruelmente
Quem quer ganhar o pão
E vencer a vida.
Mas o coração ali fica preso
E nunca esquece.
Uma lei cruel.
Que só a injustiça dita alheadamente
E não repõe.


Berlim, 8 de Março de 2021
11h59m
Jlmg


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Mar das imperfeições

Vivemos mergulhados no mar das imperfeições.
Desde logo, é com dor de parto que todos nascemos.
Depois, a tarefa ingente de nos adaptar-nos às coisas deste mundo.
A saber falar com ele. Interpretar os seus caprichos.
A variação do tempo.
Ora chove ora faz sol.
Entendermo-nos uns aos outros.
Complicadas e variadas são as formas do falar.
Essa coisa de sermos homem ou mulher.
Os laços que nos prendem, desde a nascença.
Aos pais e aos mais próximos.
E aquele sentimento indefinido, que germina dentro de nós
E nos leva a amar quem nos quer bem.
Tudo são as faces inúmeras deste poliedro
Que é o enigma desta vida.
Fomos uns privilegiados.
Seríamos muito ingratos se a não soubéssemos aproveitar.


Ouvindo Albinoni

Berlim, 12 de Março de 2021
8h36m
Jlmg


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Os lampiões das vielas

Se acendem à noitinha e iluminam as madrugadas.
Com lua e sem sol, clareiam as ruelas.
Como faunos pelos bosques,
Vagueiam os ladrões.
Aparecem pelas esquinas.
Não são do bem suas facadas.
Grande risco andar nas ruas.
Só arrisca quem o quiser.
Vai longe o tempo em que se andava à vontade.
Era o respeito quem reinava...


Berlim, 10 de Março de 2021
14h47m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21977: Blogpoesia (723): "Atalhos da vida"; "Miam os gatos pelas ruelas"; "Melodias do Mondego" e "Lampiões das madrugadas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

sábado, 13 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22003: Memória dos lugares (418): Sonaco e a loja do sr. Orlando; Fajonquito e o Teixeira (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, Contuboel, 1972/74)

Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sonaco >  12º 23' 47'' N 14º  28' 55 W:  Localização da antiga loja do sr. Orlando, que ficava na "avenida" principal (que de ia de oeste para leste). Ao fundo, o rio Geba.


Foto nº 2>  Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sonaco >  Outra vista da localização da antiga loja do sr-. Orlando, que ficava no lado direito da  "avenida" principal (que de ia de oeste para leste)



Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sonaco > Outra vista da localização da antiga loja do sr. Orlando, que ficava no lado direito da  "avenida" principal (que de ia de oeste para leste)


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sonaco > 12º 23' 47'' N 14º 28' 41'' W: Localização da antigo "aquartelamento", onde agora se ergue a mesquita local.
 

Infografias: Manuel Oliveira Pereira (2021) (com a devida vénia ao Google Earth]



Foto nº 5 > Guiné > Região de Bafatá  > CCAÇ 3547 (Contuboel, 1972/74) > Sonaco  >  1973


Foto nº 6 > Guiné > Região de Bafatá  > CCAÇ 3547 (Contuboel, 1972/74) > Sonaco  >  1973


Foto nº 7 > Guiné > Região de Bafatá  >  CCAÇ 3547 (Contuboel, 1972/74) > Sonaco  >  1973


Fotos (e legendas): © Manuel Oliveira Pereira (2021) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Manuel Oliveira Pereira,  na sequência de comentários ao poste P 21992 (*)

[O nosso amigo e camarada, de Ponte de Lima, o Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884 (Contuboel, 1972//74), é membro da nossa Tabanca Grande, da primeira hora]

Foto à esquerda: Contuboel, rua principal. Crédito: Francisco Allen & Zélia Neno (2006).  


Data: sábado, 13/03/2021 à(s) 00:22

Assunto: Sonaco e o sr. Orlando; Fajonquito e o Teixeira 
Manuel Oliveira Pereira,
no Rio Geba, c. 1972/74



Meu caro Luís, as minhas saudações.

O Sr. Orlando era um comerciante com estabelecimento de café e mercearia em Sonaco e ainda outros negócios, nomeadamente o gado bovino . 

A sua loja situava-se a meio da "avenida", no sentido do aquartelamento para casa do Chefe de posto administrativo. 

Curiosamente, e desde há algum tempo, mantenho (reactivei) amizade com as duas filhas,  de seus nomes Helena e Elsa.

Sim, conheço o Teixeira [, da CCAÇ 3549 / BCAÇ 3884, "Deixós Poisar" (Fajonquito, 1972/74)]. Não era da minha Companhia, mas faz parte de um " grupo" de amigos entre membros  das diversas Unidades que compunham o Batalhão  [, BCAÇ 3884, Bafatá, 1972/74]. 

Este grupo (re)encontrava-se - penso já te ter referido isso -, todo ou em parte conforme a disponibilidade de cada um, para além dos "convívios" anuais, e por norma, também, ir a todos (CCS, CCaç 3547, 3547 e 3548). 

Farei os possíveis para o "trazer" para a "Tabanca".

 Quanto aos " negócios" do Sr. Orlando, irei junto das filhas, saber pormenores para "enriquecer" o nosso espaço.

Abraço.
Manuel Oliveira Pereira

PS - Junto algumas fotografias de Sonaco. O nosso antigo aquartelamento é agora a Mesquita. O café do Sr. Orlando está assinalado (a meio da avenida) com o simbolo "localização", a vermelho (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21992: (Ex)citações (393): por que razão é que os fulas não gostavam de vender as suas vacas à tropa (Cherno Baldé, Bissau)

(...) Comentários:

(i) Manuel Oliveira Pereira:

Meu caro Cherno Baldé, como as tuas palavras me fazem recuar no tempo! 

Como sabes, não fazia parte dessa Companhia, mas como a amizade ficou, e independentemente da Companhia a que pertencíamos, vamos-nos (uns tantos) encontrando de tempos a tempos, em particular nos "convívios anuais". 

E é desses " convívios", que me recordo de ouvir o Teixeira (hoje empresário ligado ao comércio de motas), abordar essa questão, não propriamente, pela "comida", mas pelo carinho que sentia (nem sempre expresso) por essas crianças, entre elas tu, que circundavam o aquartelamento de Fajonquito. 

Recordo que um dos grandes intermediários na venda de vacas à "tropa", era o conhecido comerciante em Sonaco, o Sr. Orlando.

Fica o abraço, e vai continuando a contar-nos histórias do "teu" povo, que tanto me (nos) encanta.
Manuel Oliveira Pereira
CCaç 3547 - Os Répteis de Contuboel


(ii) Luís Graça:

Manuel Pereira, tens que nos falar desse sr. Orlando. 

Sonaco era, no meu tempo (1969/71),  o maior mercado abastecedor de gado vacum da nossa tropa. Ia-se de Bambadinca ate lá buscar vacas. 

Quem era esse Orlando ? Quem eram os seus fornecedores ?

E já agora conheces o Teixeira, trá-lo até nós...Era também uma alegria para o nosso irmãozinho Cherno. Ab. Luis

(**) Último poste da série > 2 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21841: Memória dos lugares (417): Ilha do Sal, Bissau, Prábis, Ponta do Inglês... Fotos do ex-fur mil Jorge Ferreira, CCAV 678 (Bissau, Fá Mandinga, Ponta do Inglês, Bambadinca, Xime,1964/66) (Rui Ferreira)
 

Guiné 61/74 - P22002: Da Suécia com saudade (88): Filhos de portugueses mas... desconhecidos em Portugal - Parte II: John Philip Sousa (1854-1932), o rei das marchas militares


John Philip Sousa, c. 1900

Fonte: Crédito: "[John Philip Sousa, retrato cabeça e ombros, virado ligeiramente para a direita]." C1900. Divisão de Impressos e Fotografias da Biblioteca do Congresso.  
American Library   | Cortesia de Wikipedia


1. Mensagem de José Belo, o nosso luso-sueco, cidadão-do-mundo, membro da Tabanca Grande, que reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West  (Florida, EUA). Foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia...

Data: sexta, 19/02/2021 à(s) 18:38

Assunto: E...mais um português famoso nos States ... quase desconhecido em Portugal.


John Philip Sousa (1854-1932)


Nasceu em 1854 em Washington, DC,  EUA, filho de pai português, de origem açoriana,  e mãe alemã. E faleceu  em 1932 em Reading, Pennsylvania, aos
77 anos. Foi sepultado com honras oficiais em Washington, no Cemitério do Congresso.

Era o terceiro filho de uma família de dez crianças. O pai, João António de Sousa (John Anthony Sousa) (1824 – 1892), nasceu em Sevillha, Espanha, de pais portugueses. A mãe, Maria Elisabeth Trinkhaus (1826-1908) era alemã da Baviera.

John Philip Sousa foi maestro e compositor de inúmeras e célebres marchas militares. Entre outras o actual Hino dos Fuzileiros Navais Norte Americanos (Marines),  intitulado "Semper Fidelis" [, Sempre fiel ou leal], que pode ser ouvido aqui, no You Tube.

Foi, no entanto,  a marcha "Stars and Stripes Forever " que o colocou no lugar de rei das marchas e bandas norte-americanas, lugar que ainda hoje ocupa. É também o autor da marcha "Washington Post", entre muitas outras.

"Stars and Stripes Forever" foi designada em 1987 como a marcha oficial dos Estados Unidos sendo tocada em cerimónias tanto civis como militares. (Não confundir com o Hino Nacional dos EUA.)

Tendo recebido na juventude uma muito boa educação musical,  foi violinista em orquestras clássicas e posteriormente maestro

Prestou serviço nos fuzileiros navais, e depois na Marinha, cuja banda elevou então, como maestro (1880-1892),  ao mais elevado escalão de virtuosismo e execução em todos os Estados Unidos.

Fez tanbém uma notável carreira de compositor tendo entre 1879 e 1915 escrito 11 operetas,70 canções célebres,11valsas,12 peças musicais,11 suites, etc., etc.

Compôs também 136 marchas militares, célebres não só pelo ritmo como também pelos efeitos instrumentais.

Formou então a sua própria orquestra, em 1892, a "Sousa Band",  tendo criteriosamente escolhido músicos de alta competência em música clássica e também militar. Entre 1900-1905 efectuou concertos em todos os Estados Unidos,Europa, seguindo-se um Tour Mundial.

Em 1890 desenvolveu um tipo de trombone chamado "helicon" que,  fabricado então a partir das suas instruções,  passou a ser conhecido como o "Sousaphone ". É usado nas bandas militares e civis Norte Americanas chamando à atenção pelo seu tamanho e,não menos, forte som.

O nosso John Philip Sousa é famoso nos Estados Unidos como.....John Philip SUZA! 

Mas de qualquer modo é mais um famoso anericano, descendente de portugueses,  Famoso e ainda hije acarinhado. Mas o mesmo não se pode dizer do seu reconhecimento em...Portugal!

J.Belo.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22001: Os nossos seres, saberes e lazeres (440): Voltei a Abrantes e nem tudo está como dantes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Tomem este conjunto de imagens e apreciações como um aperitivo, uma viagem de reconhecimento, há muito congeminada e desejada e por razões espúrias adiada. Feita em tempo de pandemia, com a generalidade dos edifícios fechados, levava-se bússola e houve que aproveitar entre o castelo-fortaleza, o centro histórico e o Tejo o tempo outonal com o seu anoitecer precoce. Tomaram-se notas, o regresso é muito mais do que uma promessa, há aqui património edificado e natural a chamar a nossa atenção. Ir-se-á corresponder ao apelo.

Um abraço do
Mário


Voltei a Abrantes e nem tudo está como dantes

Mário Beja Santos

Registo com mágoa que passara por Abrantes duas vezes, a chamada visita de médico, sair de um transporte, alimentar o estômago, perorar e responder a perguntas, voltar ao transporte e regressar a casa, guardara-se a recordação de uma cidade com um derramado centro histórico entre o castelo-fortaleza e as fímbrias do rio Tejo, que aqui corre ondulante e em largueza. Esta é, pois, a primeira visita com o título de preparatória, pego em literatura institucional, obra da Câmara Municipal de Abrantes de 2009, arruma-se o carro junto à Igreja de S. Vicente e adverte-se o leitor que Abrantes tem história remota e desenvolveu-se na nossa pátria graças à política de defesa territorial da linha do Tejo, muito provavelmente em meados do século XII, é seguro que Afonso Henriques doou o castelo à Ordem de Santiago da Espada. Há muito para ver: a arquitetura militar é relevante, lá nos altos da fortaleza subsistem elementos do Palácio dos Governadores, há a imponência dos baluartes, dentro deste espaço defensivo incrustou-se a Igreja de Santa Maria do Castelo, Panteão dos Almeidas e daqui passamos para a arquitetura religiosa. É princípio da tarde, estamos em tempos de pandemia, não há portas abertas para percorrer o interior. S. Vicente vem do século XIII, não faltam remodelações, as do período filipino deixaram marcas indeléveis, só tem uma torre sineira. Contempla-se com imenso prazer a fachada onde se destaca um interessante pórtico-retábulo. Lê-se no seu interior que está marcado pelo barroco, tem azulejaria de meados de Seiscentos. Deliciei-me a percorrer as estruturas entre os arcobotantes, a igreja é contrafortada e mesmo assim não fica com aquele ar de templo acastelado.
Antes de me lançar no centro histórico, não resisti a contemplar o Cineteatro S. Pedro, edifício de meados do século XX, modernista, é uma bela arquitetura, vê-se sem dificuldade que é merecedor de restauro e que lhe deem bom uso. Num passeio a Castelo Branco dei com a transformação do respetivo cineteatro numa sala pluriusos, desde fados e guitarradas, passando pela música de câmara e sessões de cineclube, a agenda é farta, oxalá que depois de o vírus se ir embora embelezem este belo edifício e o tornem um agradável espaço cultural, gostei também muito dos elementos escultóricos da parede lateral, também a pedir limpeza.
Dói um tanto ver estas fachadas escalavradas na velha Abrantes que irei percorrer até ao mercado, gosto do nome das ruas, e sinto-me enternecido por muitos se terem esquecido de uma abrantina dileta, Maria de Lurdes Pintasilgo, de quem tive o privilégio de ser amigo, acompanhei-a, entusiasmado, na sua jornada presidencial, o seu pensamento continua no topo da contemporaneidade, lê-la agora, nestes tempos de maior corrosão de caráter, de campanhas de ódio, de falsificação de notícias, de patrões dos média pretenderem manter-nos aterrorizados, é uma festa para o espírito rever as suas predições e o seu feminismo retemperado, o seu permanente convite ao aprofundamento da democracia na malha dos cidadãos ativos. Ainda bem, estimada Lurdes, que o teu berço não te esqueceu.
Lá vou a caminho do mercado, e a salivar numa paragem para comer uma tigelada e levar um pouco de palha de Abrantes. Regresso ao livro que despoletou esta visita: “Em Abrantes, as construções são em alvenaria de pedra, sobretudo a calcária, mas também, pontualmente, se observa o granito e o xisto. Relativamente à forma, as casas apresentam uma volumetria variável e estreita, moldando-se organicamente à morfologia do terreno. Na sua maioria, têm mais do que um piso, atentando o nível de urbanidade de Abrantes no Antigo Regime”. E sempre a mirar este casario, em muitos casos a pedir obras, passa-se pela fachada da igreja de S. João Baptista, mais outra que resolveu merecer consideração no período filipino. Merece bem a nossa atenção, é uma fachada de erudição admirável, de configuração sóbria e desornamentada, tem algo de palácio, provoca equívoco na tipologia e organização do espaço, podia ser tomada como um palácio, repito. Estava fechada, consta que o seu acervo é merecedor da nossa atenção, pois bem, ficará para um dia de visita quando Abrantes puder estar de portas abertas.
A Igreja da Misericórdia, segundo consta nesta obra, tem um património notável. À igreja adossou-se um edifício de dois andares, parece que num pequeno claustro há uma extraordinária cisterna e as fotografias que vi da sala de reunião dos mesários provoca deslumbramento. Postei-me em frente da fachada, pois claro, e tomo nota do que consta deste livro sobre o centro histórico de Abrantes: “Destaca-se o pórtico em trabalho de pedra calcária de modelação renascentista, desde logo no perfil em verga reta e nas pilastras que o delimitam. No remate da porta evidencia-se um tondo (composição de pintura ou escultura em forma redonda) onde temos um dos temas mais caros à irmandade, a Mãe Universal. Trata-se da Virgem da Misericórdia, ladeada por anjos que seguram o seu manto, símbolo de amparo”. O seu interior tem riqueza profusa e muito boa azulejaria, conserva mobiliário muito raro, enfim, templo de visita obrigatória. Saciado o estômago, retoma-se o passeio para uma quota mais elevada, a fortaleza-castelo, sabe-se que não há circunstância de visitar galerias ou a biblioteca, já se passou por um belo jardim, e há a promessa de que o jardim do castelo seja um regalo para os olhos.
A Igreja de Santa Maria do Castelo estava fechada, nada de mirar as preciosidades arqueológicas e o Panteão dos Almeidas. Lê-se num folheto que esta torre de menagem vem dos tempos provectos e há até mesmo uma lápide que recorda a visita D’El-Rei D. Pedro V. Cá em cima dá bem para perceber como no passado se moldaram duas Abrantes, a circunvizinha deste espaço tutelar e defensivo e aquela que vivia da azáfama do Tejo. Falou-se do período filipino, a Restauração veio reafirmar a relevância do castelo na estratégia militar no espaço da antiga província da Estremadura, não foi ao acaso que por aqui passou uma tumultuosa invasão napoleónica. No século XVIII, o Marquês de Abrantes iniciou a reconstrução do paço pertencente à sua família, como acontece frequentemente entre nós o que se começou não se concluiu e o tal majestoso palácio foi parcialmente destruído devido às obras de fortificação. O general Junot também permaneceu aqui uma boa temporada. Tudo somado e multiplicado, passeamos entre vestígios, só a torre de menagem está conforme, sabemos que é medieval e tem baluartes do século XVIII. Da tal magnificência do Palácio do Marquês restam onze arcos de volta perfeita, preenchendo o paramento de uma das muralhas.
A vista da torre de menagem é deslumbrante, vê-se à vista desarmada o Tejo a serpentear entre terras férteis, passeia-se entre baluartes, percebe-se agora com mais clareza a urbana Abrantes e a circunvizinhança, o jardim do castelo é aquilo que vemos. Para visita de reconhecimento, damo-nos por esclarecidos, há que preparar com mais critério para, pelo menos um dia inteiro aqui se deambular pelo centro histórico, entre maravilhas de arquitetura militar, religiosa e civil, e encontrar os vestígios do passado e do presente, quanto ao mais o Tejo parece uma espinha dorsal e lá de cima, da torre de menagem, sente-se perfeitamente o que é a marca de água das terras ribatejanas. Até à próxima!
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21975: Os nossos seres, saberes e lazeres (439): Fui visitar Alves Redol e Álvaro Guerra, Vila Franca de Xira recebeu-me em festa (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22000: Memórias cruzadas da região do Xime: a Op Garlopa e o ataque ao Enxalé, em 19 de julho de 1972, ao tempo da CART 3494 (Jorge Araújo)


Imagem de satélite da região do Xime/Enxalé [Sector L1] com infografia da área percorrida durante a «Operação Garlopa» e o modo como foi pensado/executado o ataque IN ao Enxalé, factos ocorridos ao longo do dia 19 de Julho de 1972, 4.ª feira, e que fazem parte das muitas memórias gravadas pelo colectivo da CART 3494 (1971/74).

 


Foto 1 - Enxalé (Jul'72). Uma das áreas atingidas durante o ataque IN à tabanca e ao Destacamento do Enxalé, onde se encontrava o 2.º Gr Comb da CART 3494, ocorrido em 19 de Julho de 1972, 4.ª feira, a partir das 20h20, e que teve uma duração de 20 minutos (aproximadamente). 

 


Foto 2 - Xime (19Jul72). Grupo de elementos da população sob controlo do PIAGC, no subsector do Xime, capturado em 19 de Julho de 1972, no decurso da «Operação Garlopa», num total de 10 indivíduos.


Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494

(Xime-Mansambo, 1972/1974)

MEMÓRIAS CRUZADAS DA REGIÃO DO XIME EM 19 DE JULHO DE 1972 (4.ª FEIRA) NO TEMPO DA CART 3494

- A «OPERAÇÃO GARLOPA» E O ATAQUE IN AO ENXALÉ -

► ADENDA AO P21960 (02.03.2021)

1.   - INTRODUÇÃO



Previno, desde já, que a presente adenda ao poste acima mencionado, não está directamente relacionada com a narrativa "do baú de memórias" do camarada José Ferraz de Carvalho, ex-fur mil op esp da CART 1746, titulada "não matem a bajudinha!", mas aproveita a legenda da foto que nela consta para a cruzar com outras "Memórias do Xime", em que estivemos envolvidos três anos depois, eu e o camarada cmdt António J. Pereira da Costa… entre outros, naturalmente!


2. - «OPERAÇÃO GARLOPA» EM 19 DE JULHO DE 1972.  


●► A «OPERAÇÃO GARLOPA I», também designada por "Acção", foi agendada para o dia 19 de Julho de 1972, 4.ª feira, para a qual foram mobilizadas as seguintes forças:


■ CCAÇ 12 – a 4 Gr Comb

■ CART 3494 – a 3 Gr Comb

■ CCP 121 – a 2 Gr Comb

■ Apoio aéreo de DO-27 e Helicanhão.


Segundo o livro da "História do BART 3873", p. 75 (capa ao lado), apenas consta o seguinte: "o percurso definido para esta operação/acção foi: "Bambadinca - Xime - Ponta do Inglês - Ponta Varela e Xime, consistindo numa batida, precedida de batimento da Artilharia do 20.º Pel Art (sediado no Xime) e heli-colocação (CCP 121). 


As NT destruíram oito tabancas, vários celeiros e recuperaram dez elementos da população (sob controlo do PAIGC). As NT não sofreram consequências.


Nota: Os locais anteriormente citados estão identificados na infogravura acima.


▬ OUTRAS «OPERAÇÕES» COM O MESMO NOME


●► «GARLOPA II» = Em 22 de Julho de 1972, sábado, envolvendo as seguintes forças:


■ CCAÇ 12 – a 4 Gr Comb

■ CART 3494 – a 3 Gr Comb

■ CART 3493 – a 1 Gr Comb

■ Apoio aéreo de DO-27 e Helicanhão.


A mesma fonte (pp 78-79) refere: "desencadeou-se a "operação/acção" com patrulhamento, emboscada e prévio batimento da Zona, na área de Xime - Madina Colhido - Ponta do Inglês e Poindom. Destruíram-se uma tabanca com dezassete moranças e capturaram-se peças de fardamento usado.


O IN flagelou com RPG-2 a CART 3494, causando-lhe um ferido ligeiro.


Além disso cumpre assinalar o denodo e destemor com que os Militares empenhados encaram os momentos de perigo, tal como sucedeu na flagelação havida no desenrolar da acção «GARLOPA II», aspecto este que se pode e deve reputar uma constante.


●► «GARLOPA III» = Em Setembro de 1972 (?), envolvendo as seguintes forças:


■ CCAÇ 12 – a 3 Gr Comb

■ CART 3494 – a 3 Gr Comb

■ Apoio aéreo de DO-27 e Helicanhão.


Sobre a 3.ª «GARLOPA», segundo a mesma fonte (p 81), é referido: "consistiu em patrulhamento e emboscada na zona Xime - Madina Colhido - Estrada da Ponta do Inglês e Poindom. As NT foram atacadas duas vezes no espaço de meia hora, sofrendo um ferido ligeiro.


3. - «ATAQUE AO ENXALÉ» EM 19 DE JULHO DE 1972.


Para o desenvolvimento deste ponto, recuperamos alguns factos historiográficos já publicados no Blogue, em particular a narrativa do meu/nosso camarada e amigo Luciano de Jesus (ex-fur mil art da CART 3494), escrita na primeira pessoa, por nele ter estado envolvido numa dupla missão: a primeira, por ser mais um elemento do grupo; a segunda, por ser o seu líder.

◙ Cito do P14022:

"Eram vinte horas e vinte minutos da data supra, estava eu a jantar na companha do furriel Benjamim Dias, quando rebentou o fogachal que logo fez estoirar com toda a iluminação do quartel. No céu via-se o rasto das balas tracejantes que tinham por missão orientar o fogo das armas pesadas em direcção do quartel. O furriel Dias saltou de imediato para o abrigo do nosso morteiro e fez um trabalho exaustivo de bater toda a zona circundante.

Eu fui ao gabinete buscar o mapa dos pontos marcados pela nossa bateria de obuses do Xime (20.º Pel Art), com o objectivo de orientar o nosso fogo pesado, logo que se localizassem os pontos de origem do fogo pesado IN. Nesse percurso passou uma canhoada a cerca de dez metros de mim que entrou pelo depósito de géneros, causando alguma destruição. Entretanto, o nosso posto mais acima no quartel, onde tínhamos alguns elementos utilizando também um morteiro pesado, fazia o seu trabalho de contenção, a um eventual avanço, respondendo em conformidade.

O ataque durou cerca de vinte minutos.

O grupo de assalto IN movia-se perto do arame farpado, fazendo fogo. O nosso pessoal despejava metralha. Uns enchiam carregadores e outros disparavam. A bazuca não funcionou. Esperámos nova vaga… mas ela não aconteceu… porque eles tiveram algumas baixas, graças à competência do nosso camarada Fur Art Josué Chinelo, do 20.º Pel Art [obuses 10,5] instalados no Xime, onde este observava perfeitamente, em posição privilegiada da margem esquerda do rio Geba, o desenrolar dos acontecimentos.

Com a sua experiência e saber, ainda que a olho nu, apontou ao ponto de origem do fogo pesado IN (canhão s/r) e… foi na muche. Acertou no posto de comando e fez algumas baixas entre os quais o comandante. Entretanto eles já tinham despejado o fogo todo.

Nessa altura chegou a milícia da tabanca com um ferido grave, um sargento de um dos pelotões. Ainda enviamos um grupo até ao rio para evacuar o ferido para o Xime e recolher mais munições, pois o stock tinha ficado muito em baixo. O ferido entretanto veio a falecer durante a caminhada.

No dia seguinte, como seria de esperar, fizemos o reconhecimento do terreno. Encontrámos um ferido IN junto ao arame farpado; tinha um ferimento grave nas costas e outro na perna e estava em mau estado, crivado de estilhaços.

É de assinalar que este ferido pertencia ao grupo de assalto; tinha vindo da zona do Morés. Estava ferido, mas que eles julgaram morto por isso levaram a sua arma. Vestia uma farda de nylon verde azeitona, calçava bota de lona francesa e as calças tinham elásticos nas bainhas para passar por baixo do pé. Estava, pois, devidamente equipado.

Viemos a saber dias depois, por informantes privilegiados, que o IN, constituído por uma força de 150 unidades (3 bi-grupos, sendo 1 CE), reforçados com 1 canhão s/r, dois morteiros pesados, mais de uma dezena de RPG e um grupo de assalto, tinham feito a sua aproximação durante o dia. Ficaram na orla da bolanha e quando anoiteceu montaram o dispositivo. Um grupo de assalto [o do ferido] oriundo de um mangal e outro arvoredo do lado esquerdo do quartel [para quem está de costas para o Xime, logo a seguir ao final da bolanha).

O mais curioso é que montaram o canhão s/r na bolanha, junto a uma árvore isolada, e que não era visível do quartel mas amplamente observada do Aquartelamento do Xime e que foi [bem] aproveitado pela experiência do Josué Chinelo.

Dois dias depois fui de férias e foi aí que o Jorge Araújo se deslocou ao Enxalé até à chegada do Alferes José Henriques Araújo (1946-2012)".

Para além do guerrilheiro ferido, foram recuperadas cinco dezenas de invólucros de granadas de canhão s/r, um deles ainda com a respectiva granada, que não foi retirada devido ao facto de estar amolgado, e muitas dezenas de invólucros de outras munições, nomeadamente 7,62.

Do ataque ficaram, também, mais duas imagens "memórias" desse combate nocturno, que seguidamente se reproduzem.

 


Foto 3 - Enxalé (Jul72). Um chapéu "cubano" recuperado após o ataque de 19Jul72.




Foto 4 - Enxalé (Jul72). Imagens dum RPG-7 destruído durante o ataque de 19Jun72.



 

▬ O QUE DIZ A "HISTÓRIA" DO BART 3873 SOBRE ESTA OCORRÊNCIA


●► No 4.º fascículo; Julho de 1972, ponto 31. «INIMIGO»; alínea d) Subsector do Xime; refere-se o seguinte:


● "Em 192030, o Destacamento do ENXALÉ foi intensamente atacado e durante 20 minutos. A nossa reacção surgiu pronta e ajustada. Sofremos 1 morto [Milícia] e 2 feridos [Milícias]. O inimigo: 4 mortos, 7 feridos e 1 prisioneiro [ferido]. Salienta-se o tiro acertado de Artilharia do XIME em apoio às forças atacadas.


● Quanto ao ferido [prisioneiro], foi evacuado, primeiramente, para a enfermaria do Xime, sendo aí prestados, pelo camarada Fur Mil Enf Carvalhido da Ponte, todos os actos de enfermagem que se impunham, dos quais fui testemunha, seguido do pedido de evacuação para o Hospital Militar de Bissau (HM 241).

Estava, de facto, muito mal tratado, e ainda hoje me interrogo como é possível um ser humano resistir tanto tempo, sempre a perder sangue. O seu corpo mais parecia um "mapa político" onde, em cada estilhaço, estavam projectados vários espaços. 

Enquanto aguardava pela sua evacuação, perguntei-lhe se queria comer algo. Com um sinal positivo transmitido por um pequeno movimento de cabeça, pedi ao cozinheiro Machado algumas batatas cozidas, que já estavam prontas para o almoço desse dia, vindo a comer algumas metades… mas com muita dificuldade. Enfim… lá foi; mas a minha/nossa melhor expectativa era muito baixa.

Segundo informação oral dada, recentemente, pelo camarada Luciano de Jesus, algum tempo após o ataque, um elemento do seu Gr Comb, ao deslocar-se ao HM 241 em consulta externa, acabou por encontrar este guerrilheiro ferido, estando ele em franca recuperação.

    

▬ A MINHA IDA PARA O ENXALÉ DOIS DIAS DEPOIS


●► Dois dias após o ataque fui "convidado", pelo camarada Cmdt Pereira da Costa, para ir dar uma ajuda ao 2.º Gr Comb do Enxalé, aliás como é referido acima. E lá atravessei o Rio Geba, que as imagens abaixo confirmam.




Foto 5 - Rio Geba (21Jul72). Travessia em canoa entre o Xime e o Enxalé com o objectivo de apoiar o 2.º Gr Comb da CART 3494,  na sequência do ataque IN.

 


Foto 6 - Enxalé (22Jul72). Eu na companhia do camarada Fur Benjamim Dias e de dois elementos da população da tabanca, onde estes fizeram questão de partilhar connosco algumas porções de carne, como reconhecimento do nosso apoio.




Foto 7 - Enxalé (22Jul72). O Furriel Benjamim Dias em amena cavaqueira com alguns elementos da população, onde se falava, ainda, do episódio da antevéspera. 


 

4. - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE ARTILHARIA 3494

       = XIME - ENXALÉ - MANSAMBO - BAMBADINCA - PONTE DO RIO UDUNDUMA (1971-1974)


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP2], de Vila Nova de Gaia, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Artilharia 3494 [CART 3494], a terceira e última Unidade de Quadrícula do BART 3873, do TCor Art António Tiago Martins (1919-1992), embarcou no Cais da Rocha, em Lisboa, em 22 de Dezembro de 1971, 4.ª feira, a bordo do N/M «NIASSA», sob o comando do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (o 1.º; até 22Abr72), Cap Art António José Pereira da Costa (o 2.º; de 22Jun72 a 10Dez72) e Cap Mil Inf Luciano Carvalho da Costa (o 3.º; de Dez72 a 03Abr74), tendo chegado a Bissau em 28 do mesmo mês.



4.1 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 3494


Após a realização da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional «IAO», que decorreu no CMI do Cumeré, de 30Dez71 a 26Jan72, a CART 3494 seguiu em 28Jan72, em LDG, para o Xime, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CART 2715 [25Mai70-25Mar72; do Cap Art Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014) - (1.º)], assumindo, em 15Mar72, a responsabilidade do respectivo subsector do Xime com um Gr Comb (o 2.º) destacado em Enxalé. 

Em finais de Mar73, foi substituída pela CCAÇ 12 [do Cap Mil Inf José António de Campos Simão] e foi colocada no subsector de Mansambo, onde rendeu a CART 3493 [28Dez71-02Abr74; do Cap Mil Inf Manuel da Silva Ferreira da Cruz], tendo destacado um Gr Comb para Bambadinca em reforço da guarnição local. 

Em 09Mar74, foi rendida no subsector de Mansambo pela 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4616/73 [05Jan74-12Set74; do Cap Mil Inf Augusto Vicente Penteado] e recolheu seguidamente a Bissau a fim de aguardar o embarque de regresso, tendo ainda colaborado na segurança de operações de descarga de navios. 


O regresso à metrópole realizou-se em 03 de Abril de 1974, a bordo do TAM (Transporte Aéreo Militar), (CECA; 7.º Vol; pp. 236-237).


Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

03Mae2021