Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > 2006 > O Grão-de-bico, ontem criança, hoje homem grande, pai de filhos, reencontra o ex-1º cabo Moura Marques e o ex-alf mil cav op esp Paulo Salgado, da CCAÇ
Fotos (e legendas); © Paulo & Conceição Salgado (2006), Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
[ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; administrador hospitalar reformado, transmontano, apaixonado pela África Lusófona, cooperante, autor do livro "Guiné: crónicas de guerra e de amor", 2016]
Quero falar-vos do Moura Marques [MM] – camarada de luta, companheiro de labutas, amigo de confidências. Nos idos meses de 1970-1972.
Foi no Olossato que se forjou uma solidariedade grande, mas já em Santa Margarida se notava ali a bondade e valentia do Moura Marques, para quem não havia heroísmos nem cobardias, para quem mais valia a verdade do que o servilismo. Se foi louvado, só o poderia ser pela coragem, pelo exemplo, pela calma que dele transparecia, que dele irradiava.
Ontem, dia 26 de fevereiro de 2006, 35 anos depois de a CCAV 2721 embarcar para Lisboa, fomos ao Olossato: ele, a Maria da Conceição e eu, no
Prado. Devagar, para bebermos em conjunto as emoções, e rememorar momentos vividos com os outros camaradas.
Saída em direcção a Bula e dali para
Bissorã: o largo, as fotos ao que resta de
Os Bigodes, as casas coloniais envelhecidas pelo tempo inclemente, a picada, que outrora era picada por causa das minas, e, não sei por que razão, agora estava linda, avermelhada, e, ao lado, as pequenas bolanhas do alto do Maqué, onde está o mais belo poilão que conheço da Guiné [, foto nº 3], o que resta do aquartelamento do pontão do Maqué, não mais do que algumas paredes onde ainda se descobre uma fresta espreitando para a mata lá atrás (ai quantas sentinelas feitas pelos infernais, pelos vampiros). As fotos da praxe [Foto nº 2]. O marejar de lágrimas do MM.
– Vês, ali, Salgado, tantas horas de trabalho na construção do heliporto, quantas horas perdidas na solidão da mata, quanto de nós ali está ! – dizia ele, emocionado… E a Maria da Conceição tirando as fotos das mais bonitas que já vimos…
Na ligeira subida para o Olossato, alguém grita correndo:
–
Bolea, patim, bolea!
Parámos. Uma mulher vinha correndo:
–
Um mindjer prenhadu sta ali na caminhu!
E nós, os três, preparados para o que desse e viesse que as dores e contracções (percebiam-se) eram repetidas e já nos imaginávamos a fazer de parteiros na beira da estrada…Felizmente a mulher aguentou. E lá foi levada com mil cuidados ao centro de saúde. E nós, como sorrimos de satisfação e de alívio.
O reencontro com os amigos. Um deles anda se recordava do cabo Moura. E o Moura Marques mais uma vez emocionado:
– Bolas, um homem sofre, com este exorcismo... (palavras do MM).
Uma oferta aos amigos. Uma visita à campa muçulmana do Suleiman Seidi. Uma oração em silêncio, um silêncio de saudade, uma saudade enorme – o Suleiman era um irmão. Eu que o diga. O Moura Marques chorou, de pé, honrando a memória de soldado milícia português – um homem chora quando tem que chorar, bolas.
– Olha, ali era o PC, e ali o local dos morteiros; acolá o bar…
– E ali, bem visível a caserna, agora escola de
marabu...
O sol já caía a pino. E os amigos, de volta: mantenhas, e o desejo manifesto do
Grão-de-bico (homem agora com quatro filhos…menino era naquele tempo) [Foto nº 1]:
– Cabo Moura, leva-me para Lisboa.
Que carinho e que ternura e que vontade de ter outra vida o desejo destes homens, dos que estiveram connosco dos que combateram do outro lado.
– Salgado, isto é demais!
Lá fomos em direcção ao rio Olossato, sempre bonito e frondosas as margens, lodoso, embora. Mais fotos e sempre as crianças, as belas crianças. Umas bolachas que a Conceição distribuiu, fizeram-nas sorrir. Sorrir ainda mais, se é possível.
Depois a picada para Farim com passagem por Cansambo (só possível agora visitar, pois naquele tempo estava arrasada) e K3; a travessia de canoa a remos para a outra banda: Farim. Tarde quente de calor do sol e de calor humano. Uma cerveja meio quente junto da Fatu Turé e Mustika Turé, encarregadas do bar da festa carnavalística (assim lhe chamou o comandante da canoa! – um neologismo (?!) para o nosso vocabulário.
–
Boa tarde! A bos portuguisis? Pai di nôs.
O que responder a tal fé antiga? Sem palavras.
De novo a cambança. No meio do rio [foto nº 5], gritou o comandante da canoa vizinha, a motor, sorrindo:
–
Li, tene manga di lagartus [crocodilos]…
A corrida para Mansabá, umas fotos do jovem ferreiro e da forja… Depois,
Mansoa. Um hospitalzinho novo, da cooperação francesa, e as ruínas do quartel com soldados sentados à sombra dos mangueiros…!
E a seguir, Uaque. O último olhar para uma viagem longa, mas emocionantemente bela, reconfortante. Estava (quase) feita a catarse… O Moura Marques:
– Meu Camaradão, meu amigo!...
PS - No dia anterior, estiveramos em Nhacra e no Cumeré {Foto nº 4)… exactamente no dia em que pela última vez o MM almoçara com o seu amigo Fernando (
periquito) que viria a morrer em emboscada dois dias depois…
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