Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 11 de outubro de 2023
Guiné 61/74 - P24747: Convívios (974): Rescaldo do XXVIII Convívio dos Antigos Combatentes da Guiné, da freguesia de Guifões - Matosinhos, levado a efeito no passado dia 5 de Outubro em Baião (Albano Costa)
1. Em mensagem do dia 10 de Outubro de 2023, o nosso camarada Albano Costa (ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 4150 (Bigene e Guidaje, 1973/74), enviou-nos o rescaldo do convívio dos combatentes da Guiné da freguesia de Guifões, levado a efeito no passado dia 5 de Outubro, como acontece todos os anos.
Ao início da manhã (8h45) foi colocada uma coroa de flores no monumento, sito no centro de Guifões, homenageando todos os combatentes do Ultramar de Guifões.
De seguida rumámos em dois autocarros, a Loivos da Ribeira, em Baião, (com passagem por Amarante), para na Quinta das Susandas, todos juntos desfrutarmos de um saudável convívio que tem ano após ano sido apanágio dos combatentes na Guiné, de Guifões.
Aproveito para agradecer ao presidente da União de Freguesias de Guifões, Custóias e Leça do Balio, Sr. Eng.º Pedro Gnçalves, por todo o apoio prestado no nosso convívio.
Já na quinta, fomos recebidos em ambiente de festa pelas concertinas com que a Carla (gerente da Quinta das Susandas) nos recebeu, de seguida fomos todos acomodando nos respetivos lugares.
Como vem sendo habitual, no início foi cantada a música "Adeus Guiné". O resto do dia foi passado num ambiente salutar entre todos os combatentes.
Já para o final do dia foi oferecido a todas as senhoras uma flor e aos combatentes, que cumpriram a sua comissão na Guiné, uma lembrança para perpetuar a efeméride.
E para despedida foi o corte do bolo comemorativo do evento e também, como tem sido normal, o nosso combatente Joaquim Duarte Pinho, que celebra o seu aniversário neste dia, foi com a esposa partir a primeira fatia do bolo.
Para finalizar, foi cantado o Hino Nacional e novamente o "Adeus Guiné" para a despedida da Quinta das Susandas.
Por volta das 19h30 foi o regresso a Guifões com chegada por volta das 21h30.
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Nota do editor
Último poste da série de 19 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24673: Convívios (973): Rescaldo do 36.º Convívio do pessoal da CART 3494 / BART 3873 levado a efeito no passado dia 16 de Setembro, em Abade de Vermoim - Vila Nova de Famalicão (Sousa de Castro)
Guiné 61/74 - P24746: Historiografia da presença portuguesa em África (389): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", Revista Ilustrada (4) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Março de 2023:
Queridos amigos,
O correspondente na Guiné da Revista Ilustrada "As Colónias Portuguesas" lá vai dizendo as suas verdades com punhos, fala repetidamente num quadro de decadência, a perda do Casamansa, observa ele, fez disparar o contrabando e reduzir à ninharia o comércio português; dá-nos observações certeiras das permanentes rebeliões, tanto nos Bijagós como no continente, só se vive com alguma segurança dentro das fortificações, a política fiscal, observa também ele, é ruinosa, as construções feitas em Bolama a partir de 1879 são totalmente desajustadas à realidade local, o dinheiro enviado pelo governo de Lisboa só serve para pagar o funcionalismo, não há estradas, não há quaisquer infraestruturas, este correspondente matraqueia permanentemente que era preciso mudar de política. Recorda-se ao leitor que esta preciosa publicação vai fenecer em 1891, a crise financeira iniciada no ano antes era devastadora, só será atenuada nos finais de 1892, talvez tenha sido a crise que levou ao desaparecimento desta publicação de quem se pode dizer que traz uma outra luz para esclarecer a nossa presença frágil neste ponto da costa ocidental africana.
Um abraço do
Mário
Grandes surpresas na publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada (4)
Mário Beja Santos
A publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada, publicou-se entre 1883 e 1891, era inequivocamente dirigida à classe política, não descurava a atração de investimentos, procurava dar informação aos funcionários da administração colonial e a potenciais estudiosos do Terceiro Império. Comecei, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, por percorrer o volume referente a 1883 e a 1884. Não posso esconder o entusiasmo que sinto ao folhear estas páginas, elas comportam informações que, por um lado, corroboram o que a historiografia vai lavrando, e, por outro lado, temos inesperadamente acesso a testemunhos que se afiguram genuínos, um dos redatores efetivos, António A. F. Ribeiro terá montado uma rede de contactos e o que vai aparecer sob a forma de correio parece-me de insofismável valor.
Vamos hoje falar do que se escreve sobre a Guiné em 1889, em exceção ainda é um texto de 1888 a que concedo importância, o leitor verá porquê; devo uma explicação a quem vai acompanhando esta incursão por uma revista digna da melhor atenção dos investigadores, não encontrei uma só imagem alusiva à Guiné, e como considero que a qualidade gráfica desta publicação é altíssima, decidi-me por uma seleção aleatória de imagens que têm a ver com Angola e Moçambique, compreensivelmente as duas colónias mais referenciadas.
O que se escreve na Revista Ilustrada são crónicas, há um correspondente, não se sabe se nesta altura o correspondente ainda é Augusto Barros, pois não há nenhuma assinatura. Temos agora um texto datado de setembro de 1888, em Bolama, diz o seguinte:
“É bem triste missão a de um correspondente ter sempre que dizer mal. É necessário insistir em pedir providências para que esta colónia ou se levante do abatimento em que está ou se lhe dê outra classificação própria a libertá-la dos grandes encargos que comprometem o seu orçamento e estiolam o seu desenvolvimento.
A falta de governo e de um plano de administração colonial tem prejudicado todas as províncias, porque os governadores, cada qual por seu lado a arquitetar trabalhos, não fazem coisa nenhuma, ou dormem ou alimentam a intriga e arranjam galões, desfazendo estes o que era da iniciativa daqueles, e tornando-se, portanto, prejudicialíssimos ao andamento regular do progresso das colónias.
Esta colónia, de baldão em baldão, tem hoje por seu chefe superior o senhor contra-almirante Teixeira da Silva. É um oficial de Marinha honradíssimo, mas está muito distante de poder ser bom governador, porque não tem saúde para opor ao clima malsão da terra e segue para Cabo Verde em gozo de licença da junta, deixando em seu lugar o seu secretário, que não pode resolver questões de magnitude.
A Guiné de dia para dia vai em decadência progressiva; o seu negócio diminui e decrescerá consideravelmente se a metrópole não cuidar de atenuar com vigo e força este mal-estar permanente de uma colónia, que a continuar assim ficará irremediavelmente perdida.
Sabemos todos que o concelho de Cacheu fica paredes meias com o Casamansa. Pois quando ainda tínhamos o presídio de Ziguinchor o contrabando que nos entrava pelos esteiros para o rio de S. Domingos era enorme. Agora, que o rio está em poder dos franceses, poderemos calcular a invasão do contrabando na nossa província, porque não há fiscalização no rio de S. Domingos, os esteiros que o ligam ao Casamansa estão livres e desertos de vigilância, e por consequência, quem fica prejudicado é o comércio português.
E o governo que na convenção de limites franco-luso, devia prever este estado de coisas, não lhe prestou atenção, e deixa a província mais abandonada do que no tempo que ela era simplesmente um distrito. Porque o facto de pagar mensalmente à colónia o subsídio de 4 contos e 500 mil reis, absorvidos pelo funcionalismo não é coadjuvá-la mas comprometê-la, e a província devia antes regular o seu pessoal pelos próprios recursos. A metrópole poderia satisfazer mensalmente até 4 contos ou mais, mas para obras de importante necessidade, como ponte cais, aberturas de estradas, construção de faróis e balizagem dos rios, despesa com exploradores no arquipélago dos Bijagós, estudos minuciosos das riquezas agrícolas, florestais e mineralógicas da colónia. Tem o governo feito alguma coisa neste sentido? Nada. A província conserva-se aberta ao contrabando dos negociantes estrangeiros que abandonaram as nossas povoações e recolheram a Carabane, de onde lançam sobre o nosso território uma rede de caixeiros viajantes a fazer as permutações gentílicas, de forma que apanham todas as promoções do nosso sertão. Se o governo se resolver a tomar medidas enérgicas tendendo-se ao fim de regenerar a província, pois ela ainda pode ser salva. Com portarias e ofícios de perguntas e respostas não se administram colónias. O Ministério da Marinha precisa de um movimento novo, sobretudo no que diz respeito a questões de fazenda, que não podem continuar à mercê dos que nem merecem o título de utopistas ou sonhadores, mas de tolos e maus.
As edificações que aqui se fizeram para quartéis, igreja e hospital, são cópias, mais ou menos perfeitas, de quem desconhecia completamente a vida na Guiné e lançou no papel o que nunca se realizou na prática.”
Quem assim escreve, volta a lamentar-se em janeiro de 1889: “É muito pouco o que hoje podemos dizer a respeito da situação desta província, mas, em todo o caso, não deixaremos de chamar a esclarecida atenção de Sua Excelência o Ministro para as palavras que acabámos de ler num jornal francês: ‘Não obstante os imensos recursos de toda a natureza que possui esta província portuguesa, o sistema de imposto até ali introduzido é, neste momento, a sua completa ruína. É co imenso pesar que vemos que os portugueses não procuram levantar esta província, tirando-a da desgraçada situação em que ela está, pois que acabaram recentemente de estabelecer mais um direito de 12 francos por cada kg de tabaco estrangeiro, o que em lugar de lhes aproveitar, é, ao contrário, um meio de animar o contrabando e de lhe acabar com este ramo de negócio’”.
Os meses passam e o nosso correspondente mantém as suas tiradas de fel e amargura:
“Desta província, infelizmente, não podemos ter quase nunca notícias favoráveis. A sua decadência é visível, e cada vez mais urge acudi-la com providências prontas, que melhorem ao mesmo tempo a sua situação financeira e a sua situação económica.
Não nos parece que devamos esperar que todo o comércio se transfira para as colónias vizinhas, que as relações com os povos indígenas do interior se tornem cada vez menos frequentes, que fiquemos reduzidos a defender-nos apenas em alguns pontos fortificados das correrias e dos ataques do gentio, para então cuidarmos de salvar o que já não tiver remédio.
Por agora estamos reduzidos a receber de vez em quando notícias de uma dessas guerras, em que gastamos dinheiro, despendemos forças e poucas vezes aumentamos o nosso prestígio. E é ainda às vezes para proteger os estrangeiros que temos de nos empenhar nessas lutas. Ainda o último paquete nos trouxe notícia do ataque feito pelos indígenas de Canhabaque ao navio francês Père Guignard. Tivemos de castigar o gentio, e lá foi a canhoneira Guadiana bombardear várias povoações e tabancas da ilha. Também foram bombardeadas duas povoações de balantas na margem do rio Geba e percorrido em diferentes direções o rio de Cacheu. Enfim, fizeram-se grandes proezas que decerto não contestamos, mas a isto se reduz infelizmente a nossa ação atual na Guiné. Parece-me pouco, principalmente se olharmos para o que nos custa esta província.”
Prepare-se o leitor, esta jeremiada vai ter continuidade, o correspondente na Guiné da Revista Ilustrada não dá tréguas à verdade dos factos.
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Nota do editor
Último poste da série de 4 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24724: Historiografia da presença portuguesa em África (388): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", revista ilustrada (3) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P24745:Manuscrito(s) (Luís Graça) (237): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte IV: 10 anos de impunidade
Capa do livro de José Manuel de Castro - José do Telhado- Vida e aventura, a realidade. a tradição popular. Ed. autor, 1980, 193 pp., il. (Tipografia Guerra, Viseu).
Índice do livro supracitado, de José Manuel de Castro - José do Telhado- Vida e aventura, a realidade. a tradição popular (...)
1. José Manuel de Castro Pinto (n. 1941, Vidago, Chaves) tem sido um dos autortes contemporâneos que, na esteira de Camilo Castelo Branco [“Memórias do Cárcere”, II Vol, 8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966, (1ª ed., Porto, 1862) (Coleção "Obras de Camilo Castelo Branco, Edição Popular, 54")] e de Eduardo Noronha [ José do Telhado: romance baseado sobre factos históricos. 4ª ed. Porto: Editorial Domingos Barreiros, 1983, 399 pp. (1ª ed., Porto, 1923) ] tem contribuido para reforçar o mito do Zé do Telhado, "repartidor público", que roubava aos ricos para dar aos pobres...
José Manuel Castro Pinto é autor também de "O Robin dos Bosques Português? Vida e Aventura ?" (Plátano Editora, 2002, 256 pp.) e ainda "José do Telhado - Volume 2: culpado e inocente" (Plátano Editora, 2003, 288 pp.), duas obras obras que ainda não lemos.
Da primeira obra ("O Robin dos Bosques Português? Vida e Aventura ?") recorremos à sinopse, constante do portal Wook (com a devida vénia):
(...) "Esta obra sobre o mais célebre salteador português surge após anos de pesquisa, consultando documentos no Arquivo Distrital do Porto, no Tribunal da Relação do Porto e na Biblioteca Nacional. O Autor deslocou-se recentemente, por várias vezes, ao local dos acontecimentos, na região dos vales do Tâmega e Sousa: Amarante, Marco, Penafiel, Lousada, Felgueiras e Paredes.
O José do Telhado fez muitos assaltos, mas também ajudava muita gente pobre e era por vezes protegido mesmo por casas ricas. Tudo isto, que se situa num campo social e revelador da pobreza existente, incomodava muito os governantes e os grandes senhores.
Para todos os leitores, é interessante verificar como o José do Telhado organizou a sua quadrilha e como executou cada assalto. Finalmente, foi julgado, mas o processo do julgamento desapareceu quase logo a seguir, o que criou grandes suspeitas quanto ao modo como esse julgamento se fez.
Em Malange, Angola, onde se encontrava degredado, foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas negros.
Quando faleceu, os negros construíram uma espécie de mausoléu na sua sepultura e, muitos anos depois, ainda lhe faziam romagens de veneração tal foi a sua fama de homem severo mas bondoso e sempre pronto a ajudar os mais necessitados. O livro inclui muitas fotografias, algumas inéditas, desde fotografias antigas da época, e outras actuais, além de certidões de nascimento e casamento." (..)
(*) Vd. postes anteriores:
19 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24674: Manuscrito(s) (Luís Graça) (232): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte IIIGuiné 61/74 - P24744: Parabéns a você (2215): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) e Patrício Ribeiro, ex-Fuzileiro Naval (Angola, 1969/72), residente na Guiné-Bissau
Nota do editor
Último poste da série de 10 de Outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24741: Parabéns a você (2214): Manuel Resende, ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884 (Jolmete, 1969/71)
terça-feira, 10 de outubro de 2023
Guiné 61/74 - P24743: Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos (2): Nova Lamego, 5 de abril de 1970: seis "jactos do povo", sem consequências, contra a nova pista de aterragem (Valdemar Queiroz e Abílio Duarte, CART 11, 1969/70)
Esta e outras acções do IN, nos anos de 1969 e 1970, estranhamente não vêm mencionadas pela CECA (2015), embora se fale do aparecimemto da nova arma, sem se precisar a data e o local da sua estreia (que terá sido Bedanda, em 24 de outubro de 1969) (***).
Foi em Nova Lamego a 5 de abril de 1970. Na História da Unidade está escrito:
"05Abr - Cerca das 20h30 o IN desencadeia uma flagelação a Nova Lamego com foguetões 122. Os disparos foram executados com grandes intervalos, tendo sido encontrados seis pontos de impacto entre Coiada e a estrada de Bafatá, junto ao topo Oeste da nova pista de aterragem.
Não resultou qualquer baixa ou prejuízo para as nossas tropas nem para a população.
Qualquer que tivesse sido o objectivo a atingir, povoação e instalações militares ou a
pista de aterragem, a precisão dos disparos revelou-se bastante precária".
Julgo que seria para acertar na nova pista de aterragem, mas nenhum rebentou. No outro dia, foi o meu Pelotão que descobriu o local da instalação da "rampa" de lançamento dos 122, que devia ter sido accionada por baterias auto (?), a cerca de 12 km de Nova Lamego. (...)
8 de outubro de 2023 às 14:13
Olá, Valdemar, era esta situação que tu relatas, que anteriormente quis relatar.
Então , é assim: estava eu e mais alguns camaradas a jantar no libanês, em Nova Lamego, depois de um bom bife, e estava na sobremesa, verdade, um gelado, quando começaram a assobiar os foguetes sobre Gabú...
De seguida, sem fazer conta com o dono do restaurante, a malta começou a correr para o nosso aquartelamento (Quartel de Baixo, como era conhecido).
Porra, estava de havaianas, comecei a correr como um desalmado como os outros e cheguei ás nossas valas, descalço, e os pés todos f_d_dos.
Por isso estranhei anteriormente, falarem nestas armas do PAIGC, só em 73 e 74, quando em 70 já estávamos a levar com elas.
Este ataque a Nova Lamego foi antes da inauguração da renovação da pista para terem os Fiats, que foi inaugurada pelo Silva Cunha, ministro da ditadura. (****)
A minha companhia. CART 11, nesse dia fez a segurança móvel a Nova Lamego, sempre em movimento, e em viaturas, e no palanque do evento, nunca tinha visto tantas amarelas, eram oficiais da NATO e mais, tudo a monte, naquele pequeno território.
No reconhecimento que o Valdemar fala, o meu pelotão também esteve presente, assim como no local onde os foguetes caíram, deram cabo de um cajueiro, no fim da pista. A pista não tinha sido atingida, e as celebrações, foram efetuadas.
8 de outubro de 2023 às 15:31
(iii) Valdemar Queiroz:
Certo Duarte, eu estava de serviço no Quartel.
No Quartel, estava de passagem um 1º. sargento velhote que ficou dentro do edifíciom encostado à parede e disse-me 'despe essa camisola branca'.
Não me lembro de mais nada, quem ficou nas nossas valas, e se o Canatário das armas pesadas chegou a fazer fogo com o morteiro 81. (O abrigo/espaldão do morteiro 81 era no meio da parada.)
(*) Vd. poste de 10 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24742: Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos (1): Canjadude, região do Gabu, 27 de abril de 1973: 6 foguetes, mais ou menos certeiros, lançados a 12 km de distância, mas sem consequèncias de maior (João Carvalho, ex-fur mil enf, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", 1973/74)
Mais concretamente: a inauguração do aeródromo de Nova Lamego foi no quinto dia da visita do ministro do Ultramar à Guiné (aonde chegou a 10 de março de 1970), conforme reportagem da RTP que passou no noticionário nacional de 19 de março de 1970. Ver aqui: Vídeo, 28' 32'', RTP Arquivos
Resumo analítico (da responsabilidade da RTP - Arquivos, com a devida vénia...):
Vistas aéreas a partir de helicóptero; Nova Lamego: revista às tropas; inauguração do Aeródromo do Gabú; Monsenhor Amândio Neto, prefeito apostólico, faz a bênção; descerramento da placa inaugurativa; Silva Cunha cumprimenta populares e recebe oferendas da parte dos régulos; discursos do General António de Spínola e de Silva Cunha.
Festival aéreo realizado pelo Grupo 1201 da base aérea nº 12 da Força Área da Guiné; cartazes dando vivas a Portugal; travessia das ruas a pé e em jipe (multidão); plantação de tomate e instalações pecuárias.
Viagem de helicóptero militar à região do Boé; inauguração e visita à estação central militar da base aérea n.º 12 de Bissau em Bafatá; visita às regiões de Guileje (guarnição), a Gadamel, a Cassine (sic) [ Cacine] (guarnição e bairro em construção), às ilhas Melo e Como (cerimónia de receção); à Ponta de São Vicente (construção de estrada) e a Jolmete (aquartelamento)[ em 16 de março, segunda-feira] .
Travessia de barco entre Cacheu e Bissau; vista em movimento de povoação.
Vd. também poste de 26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15159: O nosso querido mês de férias (3): 10 de março de 1970: eu a partir e o ministro do ultramar, Silva Cunha, a chegar, no mesmo Boeing 707, da TAP ( Manuel Resende, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)
Guiné 61/74 - P24742: Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos (1): Canjadude, região do Gabu, 27 de abril de 1973: 6 foguetes, mais ou menos certeiros, lançados a 12 km de distância, mas sem consequèncias de maior (João Carvalho, ex-fur mil enf, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", 1973/74)
Fotos (e legendas): © João Carvalho (2005).Todos os direitos reservados. [Edição e kegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Excertos de um aerograma enviado, a um irmão, pelo João Carvalho (ex-fur mil enf, CCAÇ 5, Canjadude, CCAÇ 5m 1973/74, e hoje farmacêutico; é um dos veteranos do nosso blogue, tendo ingressado na Tabanca Grande em 23/1/2006).
Iniciamos hoje uma série com testemunhos, inéditos ou não, sobre ataques ou flagelações, com foguetões 122 mm (que começaram a ser utilizados pelo PAIGC desde o últim0 trimestre de 1969),
Canjadude, s/d (c. abril/maio de 1973)
(...) No dia 27 de abril de 1973 às 22h e 50m, estava eu no clube de oficiais e sargentos, a conversar com mais dois furriéis e com o soldado que trabalha lá, quando ouvimos... Bum-bum!!! (dois sons graves, logo seguidos).
− Não batas com os pés no balcão que é chato. (Quando se bate no balcão, parece uma saída de morteiro.)
Então o outro, com um ar muito espantado, diz:
− Mas eu não toquei no balcão.
Contornámos a viatura e metemo-nos na vala, andando ao longo desta para sairmos debaixo dos mangueiros. Olhei para dentro do quartel e vi um clarão enorme acompanhado de um grande estrondo (parecia que estava numa sala com 10 amplificadores ligados ao mesmo tempo).
Um indivíduo que estava na metralhadora Breda, perto de nós, dava uma rajada, parava e depois berrava:
− Filhos disto e daquilo, não querem lá ver ?! Vêm gozar com a velhice ?! ...
Um dos furriéis que também estava no clube contou que foi a correr pela parada do quartel e que se meteu dentro de um dos abrigos, tendo entrado pela janela um estilhaço que lhe passou por cima.
Felizmente não houve nada de grave. Só 3 pessoas é que apanharam com estilhaços, mas já com tão pouca força, que só tiveram umas feridas superficiais. Houve muitos joelhos esfolados nas valas mas... O foguetão que caiu no meio do quartel, deitou abaixo parte da cozinha, o que não faz mal pois aquilo já estava a cair!
(iv) o alcance máximo era de 11.700 m para 40º de elevação;
(iv) conforme imagens â esquerda, o foguete dispunha de um perno (assinalado a vermelho ) que, percorrendo o entalhe em espiral existente no tubo, imprimia uma rotação de baixa velocidade afim de estabilizar a vôo; as alhetas só se abriam depois do foguete sair do tubo (cortesia de Nuno Rubim, 2007):
Guiné 61/74 - P24741: Parabéns a você (2214): Manuel Resende, ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884 (Jolmete, 1969/71)
Nota do editor
Último poste da série de 9 de Outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24736: Parabéns a você (2213): Manuel Barros de Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65)
segunda-feira, 9 de outubro de 2023
Guiné 61/74 - P24740: Notas de leitura (1623): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Janeiro de 2022:
Queridos amigos,
Ensaio de referência, este "Os Desastres da Guerra", graças a uma metodologia altamente afinada, permitem ao leitor menos iniciado não só acompanhar o início da guerra colonial pelas revoltas de Angola, temos aqui um excelente enquadramento da alvorada dos nacionalismos africanos, no texto anterior falou-se igualmente da rebelião da Baixa do Cassange, aqui se registam os assaltos às prisões de Luanda e a insurreição de 15 de março, e o caos sangrento que acompanhou toda esta tragédia. Falta-nos ainda descrever, aproveitando este ensaio tão rigoroso quais as organizações dos colonos e dos nacionalistas, a atenção dirige-se depois para o Palácio do Vidro em Nova Iorque, onde se cresce de tom a crítica ao colonialismo português, teremos entre nós uma campanha anti-americana, o presidente Kennedy é favorável à independência das nossas colónias e o Estado Novo vai emergir para o confronto depois de a Abrilada, assim se abre o cenário para uma guerra total em Angola, Guiné e Moçambique. É uma leitura imperdível.
Um abraço do
Mário
O início da guerra em Angola, os três primeiros meses (2):
Uma surpreendente obra de referência sobre a génese da convulsão anticolonial
Mário Beja Santos
Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril) por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021, marca o regresso de Valentim Alexandre à história colonial, de que possuí extenso e brilhante currículo, ainda há escassos anos nos ofereceu outra obra de referência, Contra o Vento – Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960), também publicado em Temas e Debates/Círculo de Leitores, que pode ser encarada como a primeira peça de algo que se afigura vir a ganhar corpo como a História da Guerra Colonial (1961-1975), empreendimento de grande dimensão, que até hoje nenhum investigador nem nenhuma equipa se acometeu, tal a grandeza da tarefa e o distanciamento que impõe.
Estamos agora em fevereiro de 1961, data dos assaltos às prisões de Luanda. O assalto deu-se de 3 para 4 de abril pela madrugada, os autóctones vinham armados de catanas, morreram cinco guardas brancos e houve feridos. As prisões visadas eram as seguintes: a Casa de Reclusão Militar, a Cadeia de São Paulo e a 4.ª Esquadra da Polícia de Segurança Pública. Segundo as informações oficiais internas, para além dos cinco guardas brancos mortos também um cipaio e um Cabo do Exército também tinham morrido. O objetivo da rebelião era limitado, o de libertar os numerosos presos então encarcerados nas cadeias de Luanda. Vivia-se um ambiente de extrema tensão social, os patriotas angolanos não escondiam o seu descontentamento com tão elevado número de prisões, o próprio diretor da PIDE em Angola enviara um ofício secreto ao Ministério do Ultramar a 10 de janeiro referindo o crescente número de presos acusados de crimes contra a segurança do Estado e dizia abertamente haver “estado latente de revolta generalizada”. Tal como na revolta da baixa de Cassange também por aqui andou feitiçaria e magia.
Realizaram-se os funerais dos agentes da ordem e ia iniciar-se um período de retaliações. Em documentação de caráter secreto da administração portuguesa fazia-se notar que não aparecera qualquer arma em mão dos indígenas, era de supor que não estavam armados. À saída do cemitério começou a perseguição de africanos e a sua morte, polícia e tropa irão conjuntamente com civis munidos de barras de ferro aos musseques de Luanda, haverá dezenas de mortos, uma centena de prisões e computava-se entre 700 a 800 os amotinadores detidos. O autor dá-nos a versão oficial expandida e concluí: “Não há, na documentação da época, nenhum indício credível de que os assaltos às prisões de Luanda, em fevereiro de 1961, tenham resultado de diretrizes emanadas do MPLA e da UPA – o que não significa que militantes de qualquer destas organizações não tenham neles participado, ajudando a dar corpo a um movimento espontâneo e multifacetado de revolta da população africana de Luanda”.
Passa-se agora para a insurreição de 15 de março. As autoridades militares procuravam fazer a reavaliação dos perigos que os ameaçavam, era suposto novos assaltos em Luanda, ao Paiol, a casas comerciais ou civis e num conjunto alargado de centros urbanos, greves, etc. Não se dava qualquer relevo ao Norte de Angola. Aliás, ainda se considerava que a situação estava tranquila em Moçambique e quanto à Guiné aludia-se a atividades dos elementos separatistas e escrevia-se mesmo: “A situação na Guiné é alarmante e esta Província pode ser o próximo objectivo dos nossos inimigos”, e a fonte não era despicienda, vinha do gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar.
A insurreição armada desencadeia-se da noite de 14 para 15 de março, logo se registou a morte de cerca de 70 europeus, muitos feridos brancos como negros, eram múltiplos os locais atacados, muitas plantações ficaram completamente destruídas e as ações terroristas de maior violência localizaram-se na região de Nambuangongo. Era insurreição e pânico. No dia 19 era possível confinar a sublevação a leste pela linha Maquela do Zombo-Carmona, Quitexe-Quieulungo e um limite a oeste definido pela linha São Salvador-Bembe-Nambuangongo e Quibaxe, mas havia ainda outros focos de tormenta.
O autor encontrou no Arquivo Salazar um documento que dá conta das características gerais do movimento: rapidez fulminante dos ataques, iniciados ao amanhecer, à hora do início dos trabalhos nas fazendas; a simultaneidade da ação em locais distanciados de centenas de quilómetros; violência e ferocidade dos processos usados; barbaridades cometidas contra brancos, mestiços e pretos; massas indígenas completamente fanatizadas; pânico das populações brancas; comportamento dos trabalhadores bailundos na resistência aos terroristas.
A operação foi conduzida pela UPA, os seus órgãos dirigentes acabaram por assumir a paternidade de 15 de março, que explode na imprensa mundial dois dias depois. Holden Roberto negou inicialmente a participação da UPA, mas tudo veio mais tarde a esclarecer-se quanto às responsabilidades deste partido, mesmo que ele venha a dizer que se tratava de um movimento espontâneo. Por detrás do cérebro de Holden Roberto estava um ideólogo, Franz Fanon que era favorável ao terror puro, considerava que era assim que o colonialismo se sentiria intimidado e disposto a negociar a independência dos povos.
Valentim Alexandre dá conta das raízes da revolta e de como o Estado Novo vai criar os seus mantras e a palavras de ordem, atacando o comunismo, a conspiração internacional, a civilização ocidental estaria em perigo se todas aquelas atrocidades não fossem contrariadas, procurava-se iludir a gravidade da situação, o trabalho forçado e a exploração indígena. O autor lembra que as extensões sociais nascidas do incremento da cultura do café no Norte de Angola não eram desconhecidas das autoridades coloniais portuguesas, havia relatórios confidenciais das missões de estudo efetuadas em 1956 e 1957, ali se explicava claramente as razões do profundo descontentamento, para já não falar em revoltas anteriores nos Dembos.
No relatório de um inspetor de trabalho também se dizia claramente que “O preto está à margem, e esquiva-se. Não saúda a autoridade que passa, fecha a porta da palhota à aproximação de carros”. Também não se pode abstrair da situação política do Congo Belga na sua marcha acelerada para a independência. Havia mais de 100 mil angolanos (bacongos, na sua esmagadora maioria) no Congo Belga. O governador do distrito do Congo, Hélio Felgas, insistirá que foram esses indivíduos vindos do Congo Belga que tinham revoltado os nossos indígenas. E instala-se um caos sangrento, como o autor escreve: “Os massacres praticados no Norte de Angola provocaram um número de vítimas até hoje não determinado com precisão. Do lado português, numa primeira fase, falou-se em 16 mortos (isto a 17 de março), depois em 164 (a 28 do mesmo mês) e em 267, para além de 72 desaparecidos, a 22 de abril, não sendo seguro se estão abrangidos apenas os europeus ou se se incluem também os africanos assassinados, bailundos na grande maioria”.
Aventam-se vários números, mas nada seguro. Aos milhares, os refugiados chegam a Luanda, e dá-se uma resposta militar, cujos números e atividades o autor vai descrever com bastante detalhe, incluindo informações sobre o equipamento português existente e o que iria ser comprado. Nota igualmente que num primeiro momento as chefias militares em Angola tiveram dificuldades em aperceber-se do que realmente se passava no terreno. Formaram-se milícias no Norte de Angola, os civis armados patrulhavam o terreno, há bastantes relatos sobre tudo quanto se vai passar, os colonos soldaram catanas em tubos de ferros galvanizados, houve mesmo metralhadoras ligeiras, armas de caça, tudo servia. E houve as prisões em massa, para além das ações repressivas da milícia, as autoridades tradicionais não escaparam, os colonos manifestamente hostis às coberturas de televisão, instalou-se uma grande tensão entre a administração e os colonos, dá-se conta de como funcionaram as milícias em Luanda, no Centro e no Sul de Angola, a PIDE está ativíssima, procede à prisão de sacerdotes negros e mestiços.
E os membros das missões protestantes viveram uma situação mais grave que os “assimilados” católicos. “Não há indícios seguros de que a campanha antiprotestante desencadeada na imprensa africana, com reflexos na da metrópole, fosse instigada pelo governo do território e pelo poder central. Mas o simples facto de a Censura a permitir é um sinal certo de que esse tema não desagradava as autoridades portuguesas. Essa campanha inseria-se, de forma mais ou menos consciente, no processo de criação de um bode expiatório para os acontecimentos de Angola – processo que, no campo ideológico, preenchia o vazio provocado pela falência das explicações oficiais dadas para a revolta, tendendo-se a atribui-la a uma simples ação conduzida do exterior, de inspiração comunista; em Angola, tornara-se por demais evidente que uma parte importante da população africana do Norte do território aderia a rebelião; e não se mostrava possível encontrar uma relação entre qualquer organização comunista e os acontecimentos. Negando-se a enfrentar a realidade – que punha em causa o poder colonial e os seus mecanismos, restava às autoridades e aos próprios colonos encontrar um bode expiatório a quem responsabilizar pela desordem que sacudia e abalava a sociedade angolana”.
Foi extremamente violenta a campanha antiprotestante, tudo se vai agravando no Norte, cresce o espectro do êxodo das populações brancas e chega agora o momento do autor se pronunciar sobre as movimentações políticas em Angola, desde os colonos aos nacionalistas, e depois vamos ver as repercussões que estas sublevações irão ter na política interna portuguesa.
(continua)
Nota do editor
Último poste da série de 6 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24731: Notas de leitura (1622): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P24739: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVI: Tocou tambor para Bubacar, em Porto Gole, Op Esmeralda Negra, 13-16 fev 1973
Carta geral da antiga Província da Guiné Portuguesa (1961) (Escala 1/500 mil) > Posições relativas de Mansoa, Porto Gole, Malafo, Changalana, Mantem e Sára (base do PAIGC a sudoeste do Morés)
O nosso camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra, facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.
O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) |
(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;
(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;
(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;
(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;
(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);
(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;
(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)
(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;
(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);
(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;
(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,
(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.
(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.
(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;
Antes de sairmos, fizemos uma pequena reunião em Brá como era costume. Nesta reunião foram-nos comunicados os novos códigos para contacto rádio. Para as evacuações, “marabuta tocou tambor” significava que tinha morrido um oficial nosso. Se fosse um dos nossos sargentos seria “marabuta tocou guitarra” e “marabuta tocou viola” se se tratasse de uma praça.
Já no fim da reunião, com o pessoal a levantar-se, um dos supervisores perguntou ao alferes Bubacar Jaló, da 2ª Companhia, se estava tudo compreendido. Que sim, que não tinha dúvidas. Então, como é, perguntou-lhe o supervisor.
− Marabuta tocou tambor − respondeu Bubacar.
− E isso o que quer dizer, Bubacar?
− Que morreu um oficial!
Uma gargalhada terminou a reunião e preparámo-nos para arrancar.
A saída[1] era para Porto Gole, a sudeste de Mansoa, e eu ia no grupo do alferes Tomás Camará. O comandante da 2ª Companhia, o tenente Adriano Sisseco foi lançado com o grupo do alferes Bubacar Djaló.
Deslocámo-nos em viaturas até Porto Gole, onde havia população, milícias e um destacamento militar[2]. Depois do almoço, os helis apanharam-nos na pista e largaram-nos entre Malafo e a mata que vai até Mantém.
O nosso grupo, cerca de vinte e poucos homens, dirigiu-se para leste até à linha de água, que separava as matas de Malafo e de Mantem. A intenção era reunirmos ao grupo do Sisseco e do Bubacar, para depois montarmos uma emboscada no vale de Mantem. Logo que fomos lançados junto à mata de Malafo, afastámo-nos depressa do local e caminhámos cerca de uma hora, com a ideia de comermos qualquer coisa, porque não íamos comer na emboscada.
Começámos a ouvir barulhos e fumo. A mata estava a arder, tinham lançado fogo a toda a volta e não havia meio de voltar para trás. O fogo, puxado por algum vento, aproximava-se de nós e já não estávamos longe do local onde íamos montar a emboscada.
Estávamos a sair da zona do incêndio quando fomos surpreendidos com tiros e rebentamentos de morteiros e roquetes, que não nos eram dirigidos, mas estavam a cair bem à nossa frente, muito perto de nós, tão perto que cheirávamos a pólvora.
Era o grupo de Bubacar, onde ia o Sisseco, que estava a ser atacado. Tentámos o contacto rádio com o grupo, não responderam, mas ouvimo-lo pedir uma evacuação para um ferido[3].
O sol estava a pôr-se, tínhamos sido detectados, e abandonámos a zona, em marcha forçada, para procurarmos um local para passarmos a noite. Estávamos dentro da mata, do lado oposto à linha de água, que estava seca. Aqui, o pessoal do PAIGC não ia contar com a nossa presença, pensámos nós. Era terra de ninguém, o local onde se tinha travado o combate.
Depois do confronto, nessa tarde, com o grupo do Bubacar, a guerrilha colocou os canhões a pouco mais de 100 metros do local onde o meu grupo passou a noite. Bateu a zona durante toda a noite. Mas o grupo, agora sob o comando do Sisseco, mudou três vezes de local durante a noite.
O nosso grupo estava próximo deles e combinámos que, ao acordar do dia nos íamos deslocar para onde o PAIGC tinha colocado os canhões. Quando nos estávamos a movimentar para esse objectivo, vimos um pequeno grupo da guerrilha e entrámos em confronto directo. Foi mais de meia hora seguida, a trocar tiros e roquetes. Tivemos um ferido, o soldado Assimo Djaló, que foi atingido numa perna com alguma gravidade[4].
A 3.ª Companhia, comandada pelo tenente Djalibá Gomes, que estava também a operar na zona, paralelamente a nós, tinha sofrido no dia anterior também dois feridos muito graves[5]. Um dos soldados mortos era de Bafatá, chamava-se Tcherno Baldé. O corpo foi de barco para Bafatá e eu, de avião, de Bissau para a minha cidade, para participar no funeral.
(Continua)
[2] Nota do editor: do BCaç 4612.
[3] Nota do editor: Foxtrot Delta (ferido deitado). Evacuado para Bissau, morreu no HM 241 em 16 fevereiro de1973.
[4] Nota do editor: Assimo Djaló, DFA, residente em Lisboa.
[5] Nota do editor: evacuados para o HM241 onde morreram nesse mesmo dia: Cherno Baldé, natural de Bafatá e o soldado da 3ª CCmds, Domingos Quiassé Antunes, natural de Bissau.