Guiné-Bissau > Bissau > Simpósio Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008) > Capa e contracapa do álbum Guiné-Bissau, terra de história e de cultura. Bissau, TV Klele Produções, 2008.
Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Grafito com o desenho nalú do irã protector da tabanca, o Nhinte-Camatchol, e que foi o logótipo do Simpósio, orgnaizado pela AD -Acção para o Desenvolvimento, o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesqusias, e UCB - Universidade Colinas do Boé
O Nhinhe Camatchol é uma escultura dos nalus do Cantanhez usado na festa do fanado. Representa uma cebeça de pássaro com rosto humano, sendo a mensagem aos participantes deste ritual de iniciação à vida adulta a seguinte: que todos eles passam a considerar-se como verdadeiros irmãos, mais verdadeiros que os próprios irmãos biológcios. O que deve ser entendido como a afirmação do interessse colectivo, comunitário, acima do interesse dos indivíduos e das famílias. Orginalmente esta máscara não poderia ser vista pelos não iniciados, sob pena de morte (Campredon, Pierre – Cantanhez, forêts sacrées de Guinée-Bissau. Bissau,Tiguena. 1997, pp. 32-33). (LG)
Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Que o Nhinte-Camatchol te proteja,
Guiné, Tabanca Grande
por Luís Graça (1)
Quem disse que a Guiné-Bissau não tem futuro ?
Não fui eu, que pouco valho.
Não foi o dari,
que não tem seguro
de acidentes de trabalho.
Nem de saúde.
Quem disse que o futuro não passa por aqui,
amiúde ?
Não, não foi o macaco fantango,
que trabalha sem rede,
e não tem protecção no desemprego.
Nem o desgraçado do macaco-cão
que vai à mesa do pobre
como se fora leitão da Bairrada.
Nem o mandinga, bom negro,
tocador de Kora,
que se foi embora,
em busca de outro chão,
livre do som da Kalash.
Quem disse que Deus, Alá e os bons irãs
não montaram morança nesta terra ?
Não foi o muntu.
Não foi o tucurtacar pangolim.
Não foi a rapaziada
do Bairro do Quelélé.
Não foi o fula nem o nalu.
Não foram as aves do Cantanhez.
Não foram os homens grandes do Gabu.
Não foi o tuga, nem foste tu nem fui eu.
Ah!, como está ainda bem longe, Cabral,
o ideal
por que lutaste e morreste,
uma vez,
tu e tantos outros combatentes da liberdade da pátria.
Nada que tu não saibas,
lá no Olimpo dos deuses e dos heróis,
ou não soubesses já,
cá na terra dos homens,
que a História é fértil em exemplos de efeitos perversos,
de Revoluções que devoram os seus filhos...
Tudo isto, para te dizer
que eu ouvi os jovens do teu país cantar o teu hino,
no antigo Acampamento Osvaldo Vieira,
nas matas do Cantanhez,
com o mesmo fervor do que quaisquer outros jovens
noutras partes do mundo,
em Portugal, em Cuba, na China,
na América, no Brasil ou em Angola ...
Pelo menos os teus sabiam a letra,
a tua letra,
e até a música que foi composta pelo Sr. Xiao He,
um obscuro chinês,
do tempo do maoísmo.
Quem disse, afinal, que a Guiné não tem futuro ?
Se não o foi macaco fidalgo,
foram os teus inimigos,
os de fora e os de dentro,
os teus filhos bastardos
e os filhos bastardos de outras nações.
Os que dizem mal de ti,
que te querem comprar
a preço de saldo,
e que te arrastam pela lama do tarrafo.
E que dizem que és um narco-Estado.
E que vives da caridade internacional.
E que já não tens fé,
nem caridade,
nem esperança,
nem voz,
nem lágrimas para chorar.
Que já não tens alma
nem salvação
nem pudor.
E que Cabral morreu e está enterrado,
na antiga fortaleza colonial
da Amura.
Os teus jovens,
os teus músicos,
o Furkuntunda,
o Anastácio di Djens,
grande senhor,
os teus poetas,
os teus artistas,
os teus artesãos,
as tuas televisões comunitárias,
as tuas rádios locais,
o teu novo Lamparam,
o teu Bombolom digital,
e até os centros de saúde no mato,
são a prova da tua grande vitalidade,
engenho,
imaginação,
talento,
alegria,
nobreza,
criatividade,
espontaneidade,
afabilidade,
hospitalidade,
vontade de vencer o círculo vicioso
da pobreza.
Do teu povo, Guiné,
de Norte a sul,
dos Bijagós às Colinas do Boé,
de Iemberém ao Quelélé.
Eu acredito em ti,
país-irmão.
Eu quero acreditar em ti,
Guiné,
eu quero remar contra a maré do cinismo
inimigo tão mortal
como o mosquito do paludismo.
Eu acredito nas tuas mulheres,
empreendedoras e corajosas,
que montam fabriquetas de descasque de arroz,
ou que, em casa, fazem o seu óleo de palma
e o seu chabéu.
E o seu sabão.
E ainda têm tempo para ir à pesca e ao mercado
E para cuidar dos teus meninos.
Eu acredito,
no talento dos teus jovens, criativos,
Como o Grupo de Teatro Os Fidalgos.
Eu acredito ainda na força telúrica
e na generosidade dos homens (e mulheres)
que lutaram, por ti,
no Como,
Em Cassaca,
em Cadique,
em Madina do Boé,
no Morés,
em Gandembel,
em Guileje,
em Guidaje,
no Fiofioli,
na Ponta do Inglês,
no Choquemone,
em Sinchã Jobel.
Com as armas na mão
e com as ideias e os valores na cabeça.
Para que tu fosses livre
e independente,
e fosses justa
e fraterna.
Uma Tabanca Grande,
grande como a bolanha de Bambadinca,
outrora verde e prenhe de arroz,
e aonde iam apascentar os búfalos.
Uma Tabanca Grande
onde cabe o Muntu e o Nalu,
os homens grandes
e as mulheres grandes
e as meninas
que um dia não precisarão da faca da fanateca.
Onde cabem os teus frondosos poilões
e as vaidosas cabaceiras.
Para que os teus filhos, Guiné,
tenham a merecida paz,
todos os dias do ano,
a liberdade,
a justiça,
o milho, o arroz e a mandioca,
o mafé e o chabéu
com que se mata a fome e se sonha e se dança.
Enfim, a dignidade
a que os teus filhos têm direito
no seio da Mãe África
e do resto do mundo globalizado.
Ah!, a paz, a tão frágil paz
que leva tanto tempo a consolidar,
e o tão suspirado progresso que não chega,
ou que é tão lento, desesperadamente lento,
ou só chega para uma meia dúzia de privilegiados,
a nomenclatura do poder e do dinheiro...
Mas para isso, terás que fazer a ponte
com o passado.
Mas para isso não poderás ignorar
nem escamotear os marcos
(de sinal mais e de sinal menos)
do passado,
bem como as raízes das lianas
e dos poilões da tua guineidade.
Como te imploram os teus filhos,
não queiras chorar mais, Guiné!
N ka misti tchora mas!
Faz das tuas lágrimas
a força do macaréu
da tua revolta
e do teu ânmimo
que te ajudarão a abrir a Picada do Futuro,
a construir o Novo Corredor do Povo,
a Nova Estrada da Liberdade.
Que eu só desejo que seja
tão grande, larga e fecunda
como os teus rios míticos,
do Cacheu ao Cumbijã,
do Geba ao Cacine.
Ou tão límpidos e belos e selvagens
Como o Corubal.
E que o Nhinte-Camatchol,
o grande irã, te proteja,
Guiné, Tabanca Grande.
Simpósio Internacional de Guileje
Iemberém, 1-2 de Março de 2008
Bissau, 2-7 de Março de 2008
Lisboa, 30 de Março e 2008
Luís Graça
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. poste anterior: 29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel (I)