Memórias boas da minha guerra (26)
Ao domingo não há guerra e
Estragos no bananal
Estávamos nos primeiros dias de Maio de 1967. Havíamos chegado no dia 1, à noite, e ainda não conhecíamos nada do que nos envolvia no aquartelamento instalado na Estação Agrária de Fá, a poucos quilómetros de Bambadinca, perto da estrada para Bafatá.
Logo nos primeiros dias o Capitão incumbira o Alferes Clarinho para se deslocar com o pelotão até à povoação de Fá Mandinga, a fim de contactar o Cipaio Mamadu Baldé, apresentar cumprimentos, dar a conhecer a nossa tropa recém-chegada e manifestar a disponibilidade para o que fosse necessário e possível, incluindo aspectos de saúde
O Alferes, a quem não era estranha a importância de relações amistosas com a população em tempos de guerra subversiva, zeloso, foi directamente à procura do “Homem Grande” de Fá.
Logo que feito o contacto e enquanto puxava do papel e lápis para anotações, deu a liberdade ao pessoal para andar pela tabanca, fazendo os seus primeiros contactos amistosos com os nativos.
O Alferes estava satisfeito com a receptividade do Cipaio e a simpatia de seus familiares e de outros homens e crianças que se abeiraram. O tempo passou rapidamente sem que o Alferes se apercebesse dos pormenores do pessoal do pelotão que continuava cirandando pela tabanca.
Quando já fazia as despedidas, avistou o Furriel Valentim a fazer-lhe sinais para que ele fosse ao seu encontro. Então, satisfeito, despediu-se do Cipaio que mandou “manga di mantenha” para “nosso Capitão” e foi prometendo voltar a visitar a tabanca.
- Que se passa? – perguntou já junto do Furriel, que lhe respondeu, apontando para uma palhota:
- Está ali uma gaja à sua espera. Já está livre. Pode ir sossegado, porque já “lá” foi a malta toda.
- Hum?! Não gosto de jogar em campos enlameados… Chame o pessoal. Vamos embora.
Ao Domingo não há guerra
Nesse primeiro Domingo na Guiné, durante a tarde, quase nada se ouvia. A tristeza estava patente naquele grupo de furriéis. Acabada a escrita das cartas ou aerogramas e a contemplação das fotografias mais queridas, ali estava o Machado a abrir as malas com roupa civil. Viera preparado para estagiar numa estância balnear tipo Biarritz ou Saint-Tropez, dada a variedade e a qualidade do seu guarda-roupa. De repente, vemo-lo a vestir-se à civil e diz:
- A roupa já cheira a mofo, tenho de a arejar.
- Isso, vamos aproveitar para tirar fotografias, para mandar para a família. – Incentivou o Mariz.
Viveram-se, então, momentos de alegria e de imaginação. Foram tiradas fotos em vários locais e em várias posições. Parecia um grupo de manequins a posar para alguma revista moderna.
Possivelmente por ter ouvido as gargalhadas, surge, vindo na nossa direcção, o Capitão, que diz:
- Que brincadeira é esta? Vocês não sabem que estamos em guerra? É com isso que têm de se preocupar.
E continuou o sermão:
- Já viram o exemplo que estão a dar aos soldados?
- Ó meu Capitão, que é que estamos a fazer de mal? Intervim eu, que continuei:
- Hoje é Domingo, não há guerra! Olhe, estamos a tirar estas fotos para mostrar à família e namoradas para verem que estamos bem e a gozar a vida. Elas ficaram lá a sofrer muito por nós.
- Ok, Ok, mas temos que lutar para vencer também essas saudades. – Insistiu.
E olhando à volta, acrescentou:
- Não vejo quase ninguém, onde andam os soldados?
Logo respondeu o Miranda:
- Penso que estão para a tabanca. Desde que esteve lá o nosso pelotão, não param de ir às bananas.
Estragos no Bananal
Ao fim da tarde, estávamos na galhofa a contar as novidades que iam surgindo no contacto diário, quando o básico Guisande se dirige ao Furriel Faria (Berguinhas), dizendo-lhe que o Capitão queria falar com ele.
- Dá licença, meu Capitão – pede o Berguinhas, ao mesmo tempo que entra no Gabinete.
- Ouça lá, ó Faria, vejo aqui este pequeno papel trazido pelo cabo Maqueiro, para serem pedidas para Bafatá 300 embalagens de Penicilina e 400 de pomada Penisulfadê !!!
- Penso que estão para a tabanca. Desde que esteve lá o nosso pelotão, não param de ir às bananas.
Estragos no Bananal
Ao fim da tarde, estávamos na galhofa a contar as novidades que iam surgindo no contacto diário, quando o básico Guisande se dirige ao Furriel Faria (Berguinhas), dizendo-lhe que o Capitão queria falar com ele.
- Dá licença, meu Capitão – pede o Berguinhas, ao mesmo tempo que entra no Gabinete.
- Ouça lá, ó Faria, vejo aqui este pequeno papel trazido pelo cabo Maqueiro, para serem pedidas para Bafatá 300 embalagens de Penicilina e 400 de pomada Penisulfadê !!!
E continuou:
- Estamos aqui há pouco mais de uma semana e você pede uma quantidade destes remédios, que dava para meia dúzia de anos?
- Pois é, meu Capitão - diz o Enfermeiro, que continuou:
- Tem toda a razão, mas não esqueça que metade da nossa Companhia anda com a pi_ _ca esquentada. Deve haver mulheres na tabanca que estão com esquentamento na...
- O quê??? – interrompeu em grito alarmante o Capitão.
- Não me diga que ainda não reparou que a maior parte de malta anda de pernas abertas, que até parecem cow-boys? – perguntou o Faria.
- Estamos tramados! – exclamou o Capitão, que aproveitou para dizer:
- Ó Faria, você não sabe utilizar outras palavras como blenorragia, pénis, vagina e …
- Ânus? – interrompeu o Faria, que acrescentou:
- Ó meu Capitão, não vale a pena usar essas modernices. Sabe que a Companhia é toda do norte e, se eu falar assim, chamam-me paneleiro em pouco tempo. E isso, nem pensar. Tenho uma promessa ao São Gonçalo de Amarante e quero ir lá cumprir com a minha patroa nem que seja no meio do milho. Os nossos soldados percebem bem o que é um esquentamento e pi_a e ca_ _lho e que c_ _a é o pi_o e que o cu é o cagueiro, a peida, o pacote, o traseiro etc, etc.. Essas outras palavras, não.
- Ó Alferes Clarinho, chegue aqui – berrou o Capitão de forma a ser ouvido para além da divisória.
- Diga, meu Capitão – disse o Alferes, ao chegar.
- Não percebo nada disto. Você foi à tabanca, fez o relatório e não detectou que havia para lá problemas de saúde – disse o Capitão, ao mesmo tempo que apanhava umas folhas agrafadas. E continuou:
- Diz aqui: ”Sobre aspectos de saúde nada há a salientar. Apenas pequenos problemas de respiração ou de sinusite em algumas mulheres”. Ora, isto não justificava que mandasse os enfermeiros à tabanca. Então o Cipaio não lhe disse mais nada? É que o nosso pessoal está todo contaminado com blenorragia.
- Estamos aqui há pouco mais de uma semana e você pede uma quantidade destes remédios, que dava para meia dúzia de anos?
- Pois é, meu Capitão - diz o Enfermeiro, que continuou:
- Tem toda a razão, mas não esqueça que metade da nossa Companhia anda com a pi_ _ca esquentada. Deve haver mulheres na tabanca que estão com esquentamento na...
- O quê??? – interrompeu em grito alarmante o Capitão.
- Não me diga que ainda não reparou que a maior parte de malta anda de pernas abertas, que até parecem cow-boys? – perguntou o Faria.
- Estamos tramados! – exclamou o Capitão, que aproveitou para dizer:
- Ó Faria, você não sabe utilizar outras palavras como blenorragia, pénis, vagina e …
- Ânus? – interrompeu o Faria, que acrescentou:
- Ó meu Capitão, não vale a pena usar essas modernices. Sabe que a Companhia é toda do norte e, se eu falar assim, chamam-me paneleiro em pouco tempo. E isso, nem pensar. Tenho uma promessa ao São Gonçalo de Amarante e quero ir lá cumprir com a minha patroa nem que seja no meio do milho. Os nossos soldados percebem bem o que é um esquentamento e pi_a e ca_ _lho e que c_ _a é o pi_o e que o cu é o cagueiro, a peida, o pacote, o traseiro etc, etc.. Essas outras palavras, não.
- Ó Alferes Clarinho, chegue aqui – berrou o Capitão de forma a ser ouvido para além da divisória.
- Diga, meu Capitão – disse o Alferes, ao chegar.
- Não percebo nada disto. Você foi à tabanca, fez o relatório e não detectou que havia para lá problemas de saúde – disse o Capitão, ao mesmo tempo que apanhava umas folhas agrafadas. E continuou:
- Diz aqui: ”Sobre aspectos de saúde nada há a salientar. Apenas pequenos problemas de respiração ou de sinusite em algumas mulheres”. Ora, isto não justificava que mandasse os enfermeiros à tabanca. Então o Cipaio não lhe disse mais nada? É que o nosso pessoal está todo contaminado com blenorragia.
O Alferes, calmamente, pareceu fazer um esforço de memória antes de responder:
- O Senhor Mamadú Baldé só me disse que havia “mulheres com problema di catota” ao mesmo tempo que encolhia os ombros e torcia francamente o nariz. Deduzi que tinham problemas nas vias respiratórias, talvez com sinusite e catotas no nariz.
Silva da Cart 1689
____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9119: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (11): Sexo - a quanto obrigas
Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9087: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): O Zé Maria ou as cambanças da nossa geração
- O Senhor Mamadú Baldé só me disse que havia “mulheres com problema di catota” ao mesmo tempo que encolhia os ombros e torcia francamente o nariz. Deduzi que tinham problemas nas vias respiratórias, talvez com sinusite e catotas no nariz.
Silva da Cart 1689
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9119: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (11): Sexo - a quanto obrigas
Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9087: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): O Zé Maria ou as cambanças da nossa geração