terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1520: Bambadinca, CCS do BART 2917: Alferes Abílo Ferreira Machado, o Bilocas da Cooperativa (Humberto Reis)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finais de 1971 ou princípios de 1972 > CCS do BART 2917 (1970/72) > Noite de copos e de cantorias.

Ao lado do Paulo Santiago, comandante do Pel Caç Nat 53, de bigode, de camuflado, na ponta da mesa, está o Alf Mil Abílio Machado, à civil, de óculos, a fumar (assinalado com um círculo, a amarelo). Pertencia à CCS do BART 2917. Era minhoto, natural de Riba D'Ave. Antes da tropa, trabalhava numa cooperativa local. Daí a gente chamá-lo Bilocas da Cuprativa. Tinha um excelente relacionamento com a malta da CCAÇ 12. Tocava viola, era um dos nossos baladeiros.

À esquerda do Machado, está um outro alferes, magrinho, que o Paulo Santiago garante que também pertencia à CCS, mas de cujo nome já não se recorda. O tipo da viola também não me é estranho... Privámos com esta malta do BART 2917 ainda cerca de 9 meses, desde meados de 1970 até Março de 1971... O BART 2917 veio substituir o BCAÇ 2852 (1968/70) (LG).

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados


1. Mensagem do Humberto Reis (ex-furriel miliciano, de operações especiais, pertencente à CCAÇ 12, 1969/71) enviada ao Abílio Machado (ex-alferes miliciano, CCS do BART 2917, 1970/72)

Será possível que és o mesmo que eu, o Tony Levezinho e as nossas companheiras que há 35 anos nos aturam, visitámos em Riba d'Ave, no já longínquo ano de 1973 ? Estivemos em casa dos teus pais e em casa da Lua. Mais tarde procurei-te em Arca d'Água no Porto e perdi-te o rasto.

És o mesmo que animou algumas noites no nosso quarto (também conhecido por quarto das putas, não por elas que não existiam, mas por ser um quarto de rebaldaria só habitado por gente bem: eu, o Tony Levezinho, o Joaquim Fernandes, o Henriques (hoje, Luís Graça, o editor do nosso blogue) e o José Luís Sousa - o madeirense) em Bambadinca, juntamente com o Vacas de Carvalho, do pelotão Daimler, e o Gabriel Gonçalves (o cripto da minha CCAÇ 12)?

Se és, diz qualquer coisa... Se for engano, aqui fica desde já o meu pedido de desculpas por esta linguagem um pouco brejeira (tipo caserna).

Humberto Reis




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > 1969 > Três amigos do quarto das putas: Tony Levezinho, Humberto Reis e Henriques (aliás, Luís Graça), à mesa, no bar de sargentos... O Abílio Machado será capaz de os reconhecer hoje ?

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados

Comentário de L.G.:

Mas não há quaisquer dúvidas!... O nosso Abílio Ferreira Machado mora hoje na Maia (Rua Ana da Fonte, Gueifães...), segundo a lista que nos mandou o Benjamim Durães e que há-de ser publicada, em tempo oportuno, no nosso blogue (1). Telemóvel  (...).

Que saudades eu tenho do Bilocas da Cuprativa!... Era um gajo porreiríssimo e um dos grandes amigos que a malta da CCAÇ 12 fez em Bambadinca, no tempo do BART 2917... Humberto: espero que a tua mensagem chegue até ele e que ele se junte à nossa tertúlia... 

Lembro-me de tu e o Tony me terem falado da célebre visita que lhe fizeram, em 1973, em Riba d'Ave, era el4 casado com a Lua.... Em contrapartida, já não me lembro de qual era a especialidade dele: em todo o caso, sendo da CCS, não era operacional, como nós.
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Nota de L.G.:

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

VII parte do dossiê O massacre do chão manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (1).

Extractos da primeira entrevista que António dos Santos Ramalho Eanes concedeu - ao jornalista José Pedro Castanheira, do Expresso - depois de se doutorar, em Novembro passado, pela Universidade de Navarra. Hoje, com 72 anos, o ex-presidente da República, general e agora doutor, fala da Guiné e dos trágicos acontecimentos do dia 20 de Abril de 1970... Tomamos a liberdade de divulgar alguns extractos dessa longa conversa (Ramalho Eanes: "Os políticos desprezam os militares"), para conhecimento dos Amigos & Camaradas da Guiné.

Fonte: Expresso, 27 de Janeiro de 2007 (com a devida vénia...)


(...) Em 1970 vai para a Guiné. É uma quarta experiência.

É realmente uma situação totalmente diferente, porque a colonização na Guiné não foi feita pelos portugueses - foi pelos cabo-verdianos. Era muito estranho que, sendo a colonização feita pelos cabo-verdianos, fossem estes os líderes políticos da guerrilha.

Esteve em combate?

Nunca estive propriamente numa unidade combatente. Estive em situações de combate várias vezes, acompanhando operações. Fui a convite de Spínola e fiquei na 5ª Repartição, no Departamento de Radiodifusão e Imprensa, que tinha a seu cargo, para simplificar, a propaganda e contra-propaganda. O que implicava, por vezes, a reportagem na própria acção militar, mas a minha missão não era combater. Depois, fui para Teixeira Pinto substituir o major Passos Ramos - um dos três majores assassinados pelo PAIGC. Spínola tinha tentado uma aproximação com o PAIGC militar. Os três majores envolvidos acabaram por ser mortos, naquela que seria a reunião decisiva.

Esse episódio podia ter mudado o rumo da guerra?

Acho que não. O que podia ter mudado era o entendimento de Spínola com o PAIGC, que chegou a esboçar-se através de Senghor - mas que Marcelo Caetano não sancionou.

Foi um assassínio a sangue frio?

Sim, sim. Na tradição da Guiné e daquela área dos manjacos. A unidade que assassinou os majores e os condutores das viaturas que os transportavam era comandada por André Pedro Gomes.

Alguma vez se cruzou com ele?

Não. Quando visitei a Guiné pela primeira vez, falaram-me dele, mas eu disse que não o queria ver. Se calhar sem razão, mas ainda hoje sinto uma certa repulsa pela sua atitude.

Foi um golpe à traição.

Uma traição. A guerra, hoje, não tem regras. A prova é a chamada justiça dos vencedores.

Mas sempre houve!

Nem sempre. Houve uma deriva que se manifesta, de maneira indiscutível, depois da II Guerra Mundial. Até aí, havia um certo respeito pelas regras e pela honra dos vencidos. Há aquele célebre quadro de Velázquez, "A Rendição de Breda", extremamente interessante: o vencedor, quando recebe a chave da cidade, faz uma vénia ao vencido.

Mas essa era uma guerra de cavalheiros.

Quando a guerra começa a ser total, deixa de ser de cavalheiros. Na II Guerra Mundial, o nazismo cometeu crimes hediondos, que não podem ter justificação nem atenuante. Mas os aliados também cometeram crimes: os bombardeamentos de Dresden e os bombardeamentos atómicos, por exemplo, não visaram objectivos militares. A guerra total visa a destruição do "inimigo", no qual se englobam o seu aparelho militar e a sua população.

Os portugueses também cometeram os seus vandalismos.

Não digo que não. A guerra é, por força da sua natureza, uma situação de excessos, em que o homem revela aquilo que tem de melhor e de pior. Isso muitas vezes nem depende propriamente de um comando incorrecto, mas de um medo incontrolável. O homem quando tem medo e quer sobreviver é capaz de tudo. Incluindo actos que são perfeitamente inaceitáveis. E nós, tal como o adversário - e não só na Guiné -, também tivemos actos reprováveis e condenáveis. (...)

Guiné 63/74 - P1518: Questões politicamente (in)correctas (24): Um desertor é sempre um desertor em qualquer parte do mundo (Lema Santos)

1. A propósito da questão dos três fuzileirso navais que teriam desertado ou sido feitos prisioneiros pelo PAIGC (1), mandei perguntar aos nossos camaradas e dignos representantes da Marinha, Jorge Santos, Lema Santos e Pedro Lauret, o seguinte:

Amigos & camaradas: Quem é que sabe mais desta história ? Em que ano terá sido ? Houve mesmo deserção ? Não seria só propaganda do PAIGC ? Talvez os nossos marujos Jorge Santos, Lema Santos e Pedro Lauret saibam algo mais sobre este episódio... O Fernando Barata esteva na Guiné entre 1970 e 1972. Foi ele que me mandou cópia do panfleto do PAIGC já aqui reproduzido (2).

2. Resposta, ou melhor, comentário do Manuel Lema Santos (3)

Caro Luis Graça,

Tenho um clássico conceito de desertor. Se desaponto alguém, porreiro! É que nem sequer isso lamento.

A palavra faz parte da língua portuguesa e figura em qualquer dicionário que se preze de explicar condignamente a lusíada expressão.

Atrevo-me a ir mesmo mais longe porque lusíada é um adjectivo excessivamente redutor na aplicação a um conceito que, ao longo da História, configura uma forma universalista de pensamento e em qualquer sociedade, da mais feroz ditadura à mais excelsa democracia.

Aplica-se à pessoa que, à revelia da legalidade, abandona as funções a que se obrigava por lei, se exime ao cumprimento do serviço militar obrigatório ou muda de partido deixando obviamente alguém, alguma instituição ou organização penduradas.

Sempre as houve e, muito provavelmente, vai continuar a haver. O Jornal de Notícias, de 16 de Maio de 2006, aborda o assunto de forma ligeira e a acção tem sempre como objectivo a obtenção de melhoria de condições de vida, à conta do sacrifício de outrém.

Nem sequer desejo dispender muito mais do meu tempo na discussão filosófica de um conceito que para mim é óbvio e cimentadamente aceite e até tenho muita dificuldade em distinguir entre o dito conceito e a obscura variante do objector de consciência.

Em qualquer dos casos o resultado final será sempre a nomeação de alguém que venha colmatar a falta de coragem, de abnegação e de espírito de equipa do artista. Com um sinal pessoal manifestado no meu último post (4), que publicaste e que passo a transcrever:

...
enquanto estiver convencido da necessidade de disponibilizar alguma da minha capacidade na ajuda a esclarecimentos de facto, ainda que aos poucos de cada vez, terei de me cingir a seguir os caminhos óbvios que a minha sensibilidade e conhecimento apontam: pesquisar, documentar e ilustrar se possível sobre determinado acontecimento e, só então, relatar e divulgar.
...


Na minha opinião, não houve este cuidado e talvez a sensibilidade do tema o merecesse. Aconselho vivamente a consulta e leitura de algumas edições recentes que abordam e esclarecem parcialmente os aspectos focados:

Operação Mar Verde, de António Luis Marinho, Temas e Debates, ISBN 972-759-817-X

Fuzileiros: Crónica dos Feitos na Guiné, Comissão Cultural de Marinha, ISBN 972-797-134-2

Quanto a algum esclarecimento complementar aconselho a via hierárquica competente.

Um abraço,
Manuel Lema Santos
ex-1º TEN RN 1965-1972
Guiné, NRP Orion, 1966/68

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1513: Os três fuzileiros navais: desertores ou prisioneiros ? Aonde e quando ? (Jorge Santos)

(2) Vd. post de 4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1496: PAIGC (2): Propaganda: Notícia da deserção de três fuzileiros navais (Fernando Barata)

(3) Vd. último post da série > 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1479: Questões politicamente (in)correctas (23): O que podemos (ou não) fazer pelo povo guineense (Beja Santos)

(4) Vd. post de 10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1511: Uma lição de... marinha (Lema Santos)

Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)

Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > 1972 > O Alf Mil Médico Mário Bravo (1) - o quarto a contar da esquerda, de óculos - no meio de um grupo de oficiais. O António Graça de Abreu (2) - alferes miliciano (CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) - é o primeiro da esquerda.

Foto: © Mário Bravo (2007). Direitos reservados

Mensagem do Mário Bravo:

Luís Graça:

Mais uma vez a entrar em directo, no teu tão estimado blogue. Sabes que um destes dias, ao visitar o blogue (o que faço diariamente), vi a fotografia do Abreu (2), na China, e logo pensei que era o mesmo que conheci em Teixeira Pinto, quando por lá passei.

Procurei e encontrei uma foto em que ele está. Aí vai a dita fotografia, onde o Abreu é o primeiro da esquerda. Eu também figuro no grupo, bem como outros oficiais dessa época. Pode acontecer que algum desses veja a foto e se anuncie neste nosso espaço de tão saudável convivência.

Tenho estado calado, mas só por razões de excesso de trabalho, mas retomarei o contacto, para retemperar forças.

Cumprimenta

Mário Bravo

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de

23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1457: Tertúlia: Apresenta-se o Alf Mil Médico Mário Bravo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72)


28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1467: Bem vindo a Guileje, Doutor (Mário Bravo)

(...) "Habitualmente estava em Bedanda e ia de modo regular fazer serviço a Guileje, Gadamael Porto e Cacine. Passei esporadicamente por Catió e fui uma só vez a Cufar (...).

"Depois de sair do sul da Guiné, fui para Teixeira Pinto onde permaneci até ao fim da comissão. Também estive algum tempo em Bissau, no Hospital Militar, onde me ensinaram a arrancar dentes. Com esta especialização, lá foi este teu amigo dar cabo dos dentes ao pessoal ( salvo seja). Na zona de Teixeira Pinto, fui algumas vezes a Bachile, Cacheu, Carenque e Batucar. Digo-te estes nomes, pois assim poderás publicar no teu blogue e há-de haver tipos que se lembrem de me escrever"! (...)

(2) Vd. posts de:

5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P1516: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (3): Combatentes, trolhas e formigas bagabaga

Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Construção a todo o redor do aquartelamento, de uma paliçada em blocos, bermas de terra e encimada por bidões cheios de terra.

Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Um secular poilão...

Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Um das famosas construções das formigas bagabaga .


Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70)> Nova escola para os nativos, criada durante aquele período alto das construções.

Texto e fotos: © Raul Albino (2006). Direitos reservados.

Terceira parte das memórias de campanha de Raul Albino, ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (, Mansabá, Olossato, 1968/70), que embarcou no Uíge, em finais de Julho, juntamente com o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1). Por lapso, este texto só agora chegou ao conhecimento do editor do blogue. As nossas desculpas ao seu autor e aos demais tertulianos. (LG)


Obras no Quartel de Có


Texto adequado à recente promoção, feita pelos nossos tertulianos, do Bagabaga, ao estatuto de monumento nacional na Guiné.

Uma das nossas muitas actividades, quando se estava de serviço ao aquartelamento, consistia em efectuar a construção de novas instalações ou reparação das já existentes. Pode-se dizer que a meio da nossa estadia em Có, o aquartelamento já estava irreconhecível pela quantidade de melhoramentos que era visível. Em termos de segurança, a nova imagem do quartel não tinha nada a ver com as pobres instalações que tínhamos à chegada. É evidente que todo o esforço que aí desenvolvemos saiu do corpo dos bravos rapazes que compunham a nossa companhia.

Consegui seleccionar algumas fotos desse período obreiro, mas a grande maioria das obras não foram fotografadas ou eu não consegui encontrar essas fotografias no caso de existirem.

Temos de reconhecer que o Capitão Vargas Cardoso [, comandante da CCAÇ 2402,], na sua capacidade e afã de construir e reconstruir, se assemelhava em muito às formigas obreiras que abundavam por toda a Guiné. Dado que na Guiné, pelo menos nas zonas por onde a companhia passou, praticamente não existia pedra, as construções eram basicamente feitas de blocos feitos de barro e palha.

O mais alto expoente deste tipo de construção estava precisamente na enorme capacidade construtiva das curiosas formigas que por lá abundavam, conhecidas pelo nome de Bagabaga.

As poucas verdadeiras protecções que os militares tinham no mato para se protegerem do tiroteio, eram as enormes árvores de troncos largos de madeira rija como podem verificar na figura em cima . Nessa fotografia, o tronco da árvore - um poilão - não é completamente visível, mas dá para ver a proporção do tronco em relação ao tamanho do militar, neste caso o Cabo Oliveira que brinca com um macaquinho que retirou da gaiola que está por cima da sua cabeça.

A outra protecção era precisamente os morros de bagabaga construídos habilmente pelas formigas do mesmo nome, que chegavam a atingir mais de três metros de altura. A figura, em cima, é, também neste caso, bastante elucidativa. Creio que este exemplar já ultrapassa os três metros, mas os nativos contavam da existência de morros de altura superior ao da fotografia.

Não se conseguia destruir facilmente aquelas estruturas, nem mesmo com uma granada de lança-roquetes. Por várias vezes se tentou destrui-las com petardos de trotil, mas as mossas eram sempre periféricas, a estrutura principal mantinha-se de pé. Só introduzindo os petardos no seu interior se obtinham resultados aceitáveis, no entanto como não existiam normalmente brocas perfuradoras no local, podem imaginar o problema que não era tentar semelhante façanha.

As formigas possuíam uma cabeça enorme comparada com o resto do corpo. Com a boca amassavam o barro vermelho, que abundava por todo o lado, qual autêntica betoneira de argamassa, começando a levantar os montes que constituíam a habitação para as suas colónias, percorridos por infindáveis túneis até ao seu interior. Como viram no meu texto, chamei-lhes curiosas formigas e não simpáticas formigas por uma razão muito simples.

Cheguei a perder a paciência com elas, porque em dado momento apercebemo-nos de que elas estavam a minar as nossas instalações feitas à base de barro. Começavam por construir os seus célebres túneis e a partir daí a degradação das paredes era rapidíssima. Pensei então, armado em esperto, que tinha descoberto a solução para o seu aniquilamento. Injectava gasolina para o interior dos túneis e lançava-lhe um fósforo.

Qual não foi o meu espanto quando, tentando analisar a resultado da operação, verifiquei que, mais rapidamente que a propagação do fogo no interior dos túneis, elas conseguiam selar as ramificações só sendo afectados pelo fogo pequenos ramais da superfície. É claro que desisti, reconhecendo a superioridade das formigas na sua capacidade de sobrevivência.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores >

6 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1343: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (2): O primeiro ataque ao quartel de Có, os primeiros revezes do IN

15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

(2) Sobre o bagabaga, vd. os posts:

7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1347: Concurso O Melhor Bagabaga (1): Bambadinca (Humberto Reis / Luís Graça)

7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1348: Concurso O Melhor Bagabaga (2): Bissau (David Guimarães)

14 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1367: Concurso O Melhor Bagabaga (3): Fajonquito (1964) (Tino Neves)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1368: Concurso O Melhor Bagabaga (4): Có (1969) (João Varanda)

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)

Capa do livro de Carmo Vicente - Gadamael: memórias da guerra colonial. 2ª ed. Lisboa: Caso. 1985. 110 pp. Prefácio de Manuel Galhardo.

Foto: © Jorge Santos (2007). Direitos reservados


Camarada Luís Graça:

Sobre o Post 1512 PARAQUEDISTAS, FUZILEIROS E... PARAFUSOS, e relativo aos tristes acontecimentos de Janeiro de 1968 em Bissau (1), creio que era de publicar o artigo que te envio em anexo, e que é o testemunho de um dos intervenientes nesse caso.

Trata-se precisamente do 1º Sargento Pára-quedista Carmo Vicente, que participou em três comissões de serviço nas frentes de combate da Guiné e Moçambique.

O testemunho do Sargento Carmo Vicente consta na obra Gadamael de sua autoria, das Edições Caso (2ª edição), de Julho de 1985 (páginas 25 a 30) (2).

Para além da referida obra, Carmo Vicente é também autor de Grades de Novembro, Gritos de Guerra, A Sentença, Era uma vez... 3 guerras em África, entre outras.

Nos acontecimentos de Janeiro de 1968 em Bissau houve dois mortos (vd. fotografias dos soldados pára-quedistas Ismael e Fernando no artigo em anexo), e não um, como se diz no Post 1512 .

Saúdo toda a Tertúlia.
Jorge Santos

Comentário de L.G.:

Este é um dos episódios negros, mas já esquecidos, da nossa presença na Guiné. Quando cheguei a Bissau, em finais de Maio de 1969, foi logo das primeiras histórias que ouvi. A rivalidade (mortal) entre fuzileiros e pára-quedistas tinha que ver, afinal, com este triste episódio de confrontos entre claques rivais de duas equipas de... andebol, que acabou em batalha campal e de que resultaram dois mortos, entre os pára-.quedistas!

Fiquei hoje a saber a versão de um dos protoganistas dos acontecimentos, o Carmo Vicente, cujo livro, de resto, desconhecia de todo. Não é por acaso que isto se passou no final do consulado do Governador Schultz, de triste memória. A guerra tinha chegado a um beco sem saída. Os acontecimentos aqui relatados por Carmo Vicente não seriam fruto do acaso. A violência nunca é gratuita... Obrigado ao Jorge Santos (e, através dele, ao Carmo Vicente) por nos vir lembrar mais este pedaço do inferno que foi o nosso...
Saudemos a memória dos nossos camaradas pára-quedistas Ismael e Fernando Lopes cujos nomes, infelizmente, nem sequer consta da lista dos que tombaram na Guiné.

Conferir lista disponível, em formato pdf, organizada pelo nosso camarada José Martins, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial > José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné.

LG

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Extractos de VICENTE, Carmo - Gadamael: memórias da guerra colonial. 2ª ed. Lisboa: Caso. 1985. pp. 25-30. Selecção e digitalização de Jorge Santos. Subtítulos do editor do blogue.
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Conhecidos arruaceiros como o famigerado Oitenta (3)


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A UDIB (boinas negras) contra o ASA Clube (boinas verdes)
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Uma manga verde, lançada ao acaso: o rastilho de uma tragédia
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Uma batalha campal: fuzileiros armados de G-3 a granadas de mão
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Fernando Marques e Ismael: dois boinas verdes, mortos por nada, para nada...


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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

(2) Na badana do livro pode ler-se:

"Carmo Vicente é 1º sargento pára-quedista, tem 38 anos, e participou em 3 comissões de serviço nas frentes de combate da Guiné e Moçambique. 'Gadamael' é uma narrativa apaixonada, mas profundamente crítica, dessa experiência, constituindo mais uma achega importante para a construção histórica do itinerário colonial de parte significativa da juventude portuguesa, entre 1961 e 1975.

"Sobre Carmo Vicente escreve em prefácio Manuel Geraldo: Ao contrário de vários autores que até agora se debruçaram sobre o mesmo tema, Carmo Vicente possui a vantagem de ter sido mobilizado pela 1ª vez como soldado, acabando por chegar a 1973 na situação de 1º sargento, no comando de um pelotão, precisamente em Gadamael. Logo, viveu o conflito em toda a sua plenitude, como 'actor' em escalões progressivos e com graus de sensibilidade diversa. Embarcado para a Guiné em 1966, com a mentalidade de 'cruzado', Carmo Vicente acabaria por descobrir a verdadeira face dos interesses em jogo e do papel que lhe tinham reservado no palco das operações."

Guiné 63/74 - P1514: Hoss, o paraquedista: meu amigo e vizinho (Paulo Santiago)

Guiné > Bissau > Brá> 1970 > Em primeiro plano, o Hoss, 1º cabo enfermeiro da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº. 122, e amigo do Tino Neves (1).

Foto: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.

Mensagem do nosso camarada Paulo Santiago que, nos últimos tempos, tem dedicado toda a sua atenção à difícil situação de saúde mãe. (Desejamos-le todos que a senhora sua mãe recupere o mais rápido possível.

Luís:

Apesar, das minhas preocupações actuais, que tu conheces, venho todos os dias visitar o blogue, inclusive quando andei por Leon e Galiza (se os Albergues tinham Net, lá ía dar uma espreitadela).

Esta tua página tem sido, para mim, revitalizante, melhor que qualquer outra droga, para combater o stress e as vicissitudes que nos vão aparecendo.

Lembras-te da história que há tempos te contei sobre o meu julgamento em Junho passado ?Falava nas minhas testemunhas abonatórias, o Coronel Clemente e o ex 1º Cabo do 53 A. Cosme. Claro, também tinha as testemunhas de defesa, presentes na altura dos incidentes. E quem estava entre essas testemunhas? O Hoss, lembrado hoje pelo Tino Neves (1).

Como o mundo é pequeno, aqui no nosso blogue. Emocionei-me!

O Hoss, Sílvio Fagundes Abrantes, é meu conterrâneo, aqui de Aguada de Cima, já lhe mostrei alguns posts quando,por vezes vem aqui a minha casa. Aliás, mandei há pouco recado pela minha filha, para ele vir cá para lhe mostrar a mensagem do Tino.

Não conhecia aquela do SPM, mas era de facto um tipo muito conhecido.Também almocei com ele algumas vezes em Bissau, no quartel dos Páras, onde tinha fama de grande temeridade. Era 1º Cabo Enfermeiro, mas, além da bolsa de primeiros socorros, levava uma MG42.

Teve grandes problemas de stress pós-traumático, bebia imenso, não dormia e ficou com a saúde abalada. Tem uma mulher que sempre o amparou e tem dois filhos excelentes.

Deixou de beber, uma gota que seja, há uns cinco anos,e hoje anda fino, apesar dos diabetes. Por vezes, ainda tem pensamentos perturbantes, que passam com alguma rapidez.

No meu julgamento, não conseguiu responder às perguntas da juíza, confessando-me no fim que não as tinha ouvido, naquele momento pensava na maneira de apertar o pescoço ao advogado(meu inimigo de estimação) que me tinha montado a armadilha. Somos muito amigos. E, para o mundo continuar a ser pequeno, o substituto do Sílvio (Hoss) foi o Vitor Tavares (2).

Um grande abraço
Paulo Santiago
(ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53,
SPM 3948,
Saltinho , 1970/72):

PS - A minha mãe continua hospitalizada mas com algumas melhoras.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

(2) Vd. posts do Vitor Tavares, que também é amigo e vizinho do Paulo Santiago:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)

Guiné 63/74 - P1513: Os três fuzileiros navais: desertores ou prisioneiros ? Aonde e quando ? (Jorge Santos)

Texto do Jorge Santos, ex- 1º Grumete Fuzileiro (DFA), Companhia de Fuzileiros nº 4 (Moçambique > Metangula, Cobué, 1968/70), estimado membro da nossa tertúlia desde o princípio de Julho de 2005, e editor do sítio A Guerra Colonial, uma das mais completas e antigas páginas existentes na Net, em português, sobre a guerra do ultramar.


Amigo Luís:

Envio-te um extracto de texto de Amílcar Cabral que encontrei na Net (1):

“Não devemos esquecer que há erros, faltas, atrasos: por exemplo, muitas emboscadas mal preparadas, tendência em chegar atrasado no lugar previsto, ausência de vigilância, importante nos rios, ainda que estejamos bem armados para atirar nos barcos, falta de coragem para atirar nos aviões, embora saibamos que, quanto mais atiremos neles, mais os aviadores têm medo. Não obstante saibamos que em Quitafine, e em outras regiões, como Boé, nossos companheiros foram capazes de combater os aviões portugueses com uma coragem extraordinária, muitos não seguiram este exemplo. Em muitos lugares atrasamos nossos ataques, imobilizamos nossa infantaria durante muito tempo. Muitos carregadores de patchanga[pistola metralhadora PPSH] foram estragados, porque, uma vez carregados, não foram esvaziados nos combates. Não fizemos os necessários reconhecimentos antes de passar aos ataques. O resultado é que, muitas vezes, durante os ataques, fomos surpreendidos pelas minas. Não soubemos traçar os planos necessários, tendo em vista os ataques: um dirigente pode definir um plano geral de ataque, mas, quando se trata de planos mais pormenorizados, os próprios comandantes, no momento do ataque, se sentiram incapazes. Portanto, não pudemos extrair o máximo rendimento desses ataques.

"Devemos reconhecer, por exemplo, que até hoje só fizemos prisioneiros portugueses durante dois ataques: a Cantancunda e a Bissassema. É muito pouco, tendo em vista todos os ataques que fizemos aos seus quartéis. Quando os portugueses fogem de mais de vinte quartéis, avaliamos as oportunidades que perdemos de matar ou aprisionar um grande número de inimigos. A falta de vigilância, de constância e de perseverança é infelizmente um dos defeitos característicos de nossas forças armadas.” (2).

Tenhamos agora em atenção o seguinte:

- Houve três prisioneiros portugueses, militares, feitos pelo PAIGC em Bissassema, aconteceu, salvo erro, em 2 de Fevereiro de 1968;
- Em 15 de Fevereiro de 1968 são entregues à Cruz Vermelha Senegalesa, pelo PAIGC, três militares portugueses feitos prisioneiros, com declarações de Amílcar Cabral sobre a disposição do PAIGC de parar o combate com a condição do reconhecimento do direito à independência da Guiné.

Este é o único caso de que li ou ouvi falar sobre TRÊS MILITARES (e aqui não interessa a que ramo pertenciam ou a especialidade que tinham).

Serão os mesmos da propaganda que é apresentada pelo PAIGC (3)? Se são, há aqui várias divergências:

(i) Na propaganda do PAIGC consta a data de 18 de Fevereiro (de que ano ?), e a entrega à cruz Vermelha Senegalesa dos militares portugueses acontece a 15 de Fevereiro de 1968;

(ii) Segundo o Amílcar Cabral, só houve prisioneiros em Cantacunda e Bissassema; em Cantacunda, segundo o relato do A. Marques Lopes, houve onze prisioneiros e um morto, na noite de 10 para 11 de Abril de 1968 (4);

(iii) Os militares com a especialidade de fuzileiro partiam para as suas comissões praticamente com um ano de serviço militar já feito, ou mais. Acontece que o António Pinto e o José Sentieiro, e segundo o que consta na propaganda do PAIGC, e pelos seus números de matrícula, são da incorporação de Abril de 1967. O Costa Alfaiate, segundo o seu número de matrícula, é da incorporação de Janeiro de 1968.

(iv) Ora, se segundo Amílcar Cabral, só houve prisioneiros em Cantacunda (onze, de uma só vez) e em Bissassema (aqui 3 militares ao mesmo tempo, possivelmente os fuzileiros identificados pela propaganda do PAIGC), pergunta-se: Quantas vezes o PAIGC aprisionou três militares portugueses duma só vez? Se foi só uma vez em Bissassema, pergunta-se se devem ser considerados prisioneiros ou desertores ? Quem desertava e se entregava ao inimigo era considerado prisioneiro ?

(v) Por fim, o PAIGC diz que os fuzileiros eram da base de Ganturé, na região do Cacheu (carta de Bigene). Bissassema, por sua vez, ficava a suodoeste de Tite.

A imagem reproduzida no blogue é de muita má qualidade, sendo difícil perceber a alegada satisfação dos desertores. Diz a legenda: "A satisfação dos fuzileiros navais Pinto, Alfaiate e Sentieiro, fotografados em lugar seguro, após terem abandonado a base fluvial de Ganturé". Além disso, se eles abandonaram a base de Ganturé, devem ter-se entregue ao PAIGC no norte, próximo da fronteira do Senegal e não no sul...

Enfim, face ao exposto atrás, ainda há muitos pontos a esclarecer... sobre este alegado episódio de deserção.


Jorge Santos

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Notas de L.G.:
(1) Vd. RATIO PRO LIBERTAS - discussão de idéias e propostas sobre liberdade, cidadania e sociedade > Nem vem com esta droga de Enem: Ou como não explicar a África, por Anselmo Heidrich

(2) Amílcar Cabral apud CHALIAND, Gérard. A Luta pela África: estratégias das potências. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 52.

(3) Vd. post de 4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1496: PAIGC (2): Propaganda: Notícia da deserção de três fuzileiros navais (Fernando Barata)

(4) Vd. post de 18 Maio 2005 > Guiné 69/71 - XXI: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968 (A. Marques Lopes)

"(...) Ataque a Catacunda. 10/11 de Abril de 1968

"(...) O soldado Aguiar (João Alves Aguiar) foi o único que tentou resistir com a G3 à boca do abrigo e morreu, por isso. Onze foram capturados, entre eles o furriel que comandava o destacamento, o Vaz. Foram libertados, depois, aquando da tentativa de invasão na Guiné-Conakri (Operação Mar Verde). Menos o Armindo Correia Paulino e o Luís dos Santos Marques, que morreram lá de cólera. Apesar das péssimas condições e dos fracos efectivos, é evidente (e sei que foi assim, porque me contaram) que houve desleixo e facilitismo em excesso. Se não tivesse havido, não tenho dúvidas que as coisas não teriam sido tão fáceis para os atacantes" (...)

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

Guiné > Bissau > Brá > Companhia Caçadores Paraquedistas 122 > Emblema








Guiné > Bissau > Brá> 1970 > Os meus grandes amigos da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº. 122: O Hoss e o Rodrigues. Em cima: O primeiro a começar da esquerda é o famoso Hoss, assim conhecido por todos incluindo os familiares, e julgo também o staf dos CTT, porque bastava escrever na carta ou no aerograma no endereço HOSS Paraquedista, sem SPM nem nada, que a correspondência lhe ia chegar às mão. Era 1º Cabo Enfermeiro (julgo eu). O segundo era o Soldado Manuel Conceição Rodrigues, que era meu amigo desde há muitos anos, quando ele esteve a trabalhar na construção dos Estaleiros da Lisnave. Daí quando ía a Bissau, em vez de ficar no Depósito Geral de Adidos, ía comer, beber e pernoitar no quartel de Brá com estes meus grandes amigos. O terceiro da fotografia sou. Na fotografia do meio, vê-se o Hoss a aparar um murro no estômago, como mandavam as regras. Na terceira foto em grupo, estou (à esquerda) e o Rodrigues (à direita).

Também tinha amigos nos Fuzileiros, pois sou natural da Cova da Piedade, onde está instalada a Base Naval do Alfeite, e por esse facto conhecia alguns. E enquanto estive em terras da Guiné, eu era... Parafuso... Sabes o que é ? Vou-te contar uma estória, mais uma estória de Bissau (1).

Fotos: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.

Paraquedistas, Fuzileiros e... Parafusos
por Tino Neves (2)


Camarada Luís Graça:

Já há algum tempo que não participo no envio de histórias ou simplesmente a comentar algum assunto/tema, mas não tenho deixado de ler todos os e-mails para mim enviados, assim como visitar o blogue sempre que posso.

Desta vez, vou contar uma, aliás duas numa só, ou seja uma está inserida no contexto da outra. Vou tentar ser objectivo, pois o tema é um pouco complicado. É sobre duas Forças Especiais, de muito respeito: à parte dos Comandos, os Paraquedistas e os Fuzileiros foram as Forças mais sacrificadas no teatro de guerra da Guiné. Tem-se falado pouco nelas, pois na nossa Tertúlia não consta nenhum elemento dessas mesmas Forças (julgo eu) (3).

A estória é-me contada em 3ª ou 4ª mão, foi-me contada por uns amigos paraquedistas, portanto é a sua versão (deles, paraquedistas).

Então é assim:

Não tenho a data do acontecimento, mas julgo ter sido em 1968.Houve um jogo de futebol de onze no campo do Benfica. Não me recordo, ao certo, do nome completo do clube de futebol. Sei que era de Bissau, só me lembro que era do Benfica.

Os contentores eram obviamente os Fuzileiros contra os Paraquedistas, o jogo estava a correr muito bem, mas a um dado momento gerou-se uma troca de mimos, na assistência, entre as claques que chegaram mesmo a vias de facto (ou seja pancadaria).

Os Fuzileiros, estando relativamente perto do aquartelamento deles, correram a armarem-se, ou pedir reforços, não sei, mas os Paraquedistas aperceberam-se disso e foram em seu encalço. A praça que estava de guarda na porta de armas do quartel, apercebendo-se do que se estava a passar, chamou o Cabo da Guarda e perguntou-lhe o que deveria fazer neste caso. Foi-lhe dada ordem de disparar, o que fez, originando a morte de um Paraquedista.

A partir daí, qualquer Fuzileiro não se podia relacionar com Paraquedistas, e vice-versa, pelo que acontecia muitas vezes pancadaria entre ambos e, quando acontecia, cada um ia chamar o seu Camarada protector. O Protector dos Fuzileiros era um Cabo (julgo eu) chamado Lages, e da parte dos Paraquedistas também havia um Cabo, Enfermeiro,conhecido por Oitenta.

Em café, esplanada ou qualquer espaço onde houvesse confrontos entre Fuzileiros e Paraquedistas com os seus respectivos Protectores, não restava nada que ficasse de pé.
Quando os dois Cabos se encontravam no mesmo passeio, um deles tinha que mudar , porque ambos não se podiam cruzar.

Uma dada altura os Fuzileiros resolveram vingarem-se do Cabo 80, e sabendo que o 80, quase todos os dias antes de se recolher no quartel de Bissalanca, ia visitar a sua bajuda, que ficava relativamente perto, mas tinha que passar por alguns sítios isolados, resolveram fazer-lhe uma espera.

No dia combinado, o Cabo 80 quando já estava de regresso ao quartel, ouviu um cão a ladrar e, como o seguro morreu velho e o acautelado ainda é vivo, ele agarrou num pilão, não viesse o cão morder-lhe, mas para grande espanto dele, não foi o cão que apareceu, mas sim sete ou oito Fuzileiros armados de facas de ponte e mola.

Ele percebendo-se que também estava armado (e bem armado) com um grande pilão na mão, foi só despachar os Fuzileiros e, quando chegou ao quartel, telefonou para o Hospital para que os fossem buscar.

Após todos estes acontecimentos, os meses foram passando, e foram chegando novos militares para ambas as Forças, e esses novos militares começaram a confraternizar com amigos, vizinhos ou familiares vindos da Metrópole. Esses foram alcunhados de PARAFUSOS, o que eram uma grande desonra porque não eram PARA(quedistas) nem FUZ(ileir)OS... Eram uns híbridos, PARAFUZOS...

Espero que esta triste estória não passe disso mesmo, uma estória, e que tanto os FUZOS como os PARAS não levem a mal eu vir aqui contá-la, e que a vossa amizade hoje e sempre esteja bem FORTE e bem APARAFUSADA.

Pois como disse atrás, os Fuzileiros e os Paraquedistas foram (e são) umas grandes e respeitáveis Instituições, e com Grandes Homens e Valorosos Guerreiros. Dos Fuzileiros, só conheci - aliás vi várias vezes em Bissau, sempre à civil - um rapaz novo assim como nós, lourinho e sempre bem acompanhado. Tentei saber quem era, e alguém me contou que era um Fuzileiro e que só tinha uma farda, (um camuflado e um chapéu de palha). Era o Setúbal.
E da parte dos Paraquedistas, conheci vários entre eles, o Hoss assim era conhecido por todos: a correspondência que recebia dos amigos e própria família só dizia Hoss - Paraquedista, mais nada, nem sequer o SPM ou Guiné, e ela chegava-lhe semopre às mãos.

Junto fotos - eu com o meu amigo de longa data, desde a Metrópoloe, o Rodrigues, mais o Hoss, no aquartelamento de Bissalanca (Companhia Caçadores Paraquedistas nº. 122) em 1970. O Hoss assim como o Oitenta, ambos Cabos Enfermeiros, foram bastante condecorados. O Oitenta não cheguei a conhecer mas conheci (vi várias vezes em Bissau) também um grande Homem e combatente que na altura também diziam que ele tinha a cabeça a prémio. Estou a falar do Capitão na altura, hoje Coronel na reforma, Terra Marques.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. último post desta série: 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

(2) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).

(3) Tino, não é verdade: O Jorge Santos, que é um tertuliano da primeira hora, pertenceu a uma companhia de fuzileiros, embora tenhfa estado em Moçambique. O Vitor Tavares e o Manuel Rebocho foram paraquedistas...

Guiné 63/74 - P1511: Uma lição de... marinha (Manuel Lema Santos)

Dois esclarecimentos do Manuel Lema Santos que, para nós, infantes, ignorantes dos outros ramos das Forças Armadas, são uma lição... Também aqui o saber não ocupa lugar. Obrigado, camarada!

1. Caro Luis Graça,

Será possível efectuares uma correcção simples?

No texto, quando escrevi "Chegou a estar prevista a montagem de MP na ponte mas não chegou a ser efectuada" escreveste Morteiro Pesado em vez de Metralhadora Pesada, o verdadeiro significado da nossa abreviatura.

Ainda foram efectuadas algumas experiências com morteiro 60 mm e até houve quem pedisse 82 mm mas a resistência da estrutura não era suficiente e a ideia foi abandonada.
Um abraço e um bom fim de semana.
Manuel Lema Santos


2. Meu Caro Luis Graça,

Começo por te responder à tua pequena chamada, não percebendo muito bem se o teu código de página ou o Outlook Express está com dificuldades digestivas...

Dentro de todos aqueles palavrões, usuais à época, avultavam os sonantes Ordop (Ordens de Operações), Perintrep , Sitrep (Relatórios de Situação) , Relins, Relabs (Relatórios Abreviados), etc. e mais um inumerável rol de palavras sonantes utilizados a nível de Estados-Maiores e que suponho terem como função simplificarem as comunicações. Alguns, eu próprio não os sei retroverter para qualquer coisa mais compreensível mas confesso-me despreocupado com a ignorância.

Nesses mesmos relatórios, mensagens e todo o tipo de comunicações abreviadas era usual o ML (metralhadora ligeira), o MP (metralhadora pesada), o LGF (lança-granadas foguete), a ALG (suponho que arma lança-granadas) e todo um inumerável conjunto de abreviaturas para o qual nem sei se existem algumas regras estabelecidas.

Mesmo em anexos de comunicações de operações era muito vulgar a atribuição de abreviaturas que simplificava a extensão das comunicações efectuadas. Suponho que seria idêntico em todos os ramos das FA (cá está outra abreviatura em que até já fui corrigido para FFA para não se confundir com Força Aérea) pois se assim não fosse teríamos a Torre de Babel. Não tens essa sensibilidade adquirida?

No caso da ALG, não corresponderia este nome aos dilagramas utilizados pelo exército?

Na prática e numa LFG, correspondia a uma G3 fixa num suporte próprio (reparo) ao lado da MG 42 da ponte, reparo esse dispondo de uma mola bastante forte para suportar o recuo provocado pela munição de salva. O dispositivo, com um sistema de guiamento tipo morteiro, encaixava no cano da G3 e na ponta estava fixa uma granada defensiva a que era previamente retirada a cavilha de segurança depois de presa no encaixe do dispositivo, próprio para o efeito. Ao efectuar-se o disparo - com um atilho próprio para protecção do dedo - a munição de salva projectava a granada à distância, já com a cavilha solta e com os efeitos posteriores óbvios.
Esta era sim, uma arma de tiro curvo para as margens mas com algumas precauções obrigatórias na utilização.

Quanto aos aspectos específicos que focas, respeitantes a navios, vou tentar ajudar numa perspectiva simplificada:

1 - Todos os navios de guerra ostentam no costado (casco) e nas amuras de bombordo e estibordo (os guarda-lamas da frente esquerdo e direito) uma letra (correspondente ao tipo de navio) e normalmente também no painel de popa (parte de trás ou ré) seguida de um número correspondente atribuído essa unidade fabricada.

Assim poderemos dar alguns exemplos: F de Fragata, P de Patrulha, M de Draga-minas, U de Submarino (U boat), CV de Porta-Aviões (aircraft carrier), A de Auxiliar (abastecimento, hidrográfico, etc.) LDG de lancha de desembarque grande, LDM de lancha de desembarque média e LDP de lancha de desembarque pequena.

Claro que na origem está a língua inglesa e, mais especificamente, a nomenclatura NATO.

Ainda outros menos frequentes, por exemplo os Couraçados - BB (Battle ships), os Cruzadores - CV (designando navios mais poderosos que as Fragatas) e os DD - Destroyers que nesta altura não fazem parte dos tipos de navios que integram a nossa Marinha de Guerra.

Há ainda mais tipos de navios mas referi os mais frequentes. Apenas a observação de que no caso das nossas LFG's eram todas P (as LFP's ainda com mais sentido por terem quase metade do comprimento) por pertencerem efectivamente à classe dos Patrulhas mas designadas Lanchas pela tonelagem não atingir as 250 t.

Já agora, completando o ramalhete das oito que passaram pela Guiné foram a Argos - P372, Dragão - P374, Escorpião - P375, Cassiopeia - P373, Hidra - P376, Lira - P361, Orion - P362, Sagitário - P1131.

Quanto a fotos pessoais, referes-te a Marinha ou vida civil? Tenho alguma coisa que terei todo o gosto em enviar-te.

Tenho algumas coisas em carteira para o blo9gue mas terei que as trabalhar alguma coisa primeiro.

Um abraço e um bom fim de semana para ti e família!

Manuel Lema Santos

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1510: Os heróis do Chão Manjaco e o Alferes Giesteira (Paulo Raposo)


Guiné > Bissau > 1970 > Uma fotografia dos três majores que foram assassinados, no chão manjaco, em 20 de Abril de 1970: da esquerda para a direita, Pereira da Silva (1º), Passos Ramos (2º) e Magalhães Osório (4º). Há um quarto oficial, um alferes (o 3º, na fotografia, assinalado com um círculo a vermelho), que o Paulo Raposo identifica como sendo um dos seus antigos camaradas de Mafra, do Curso de Oficiais Milicianos, de apelido Giesteira (o Paulo não tem a certeza). [, Fernando Giesteira].

Em contrapartida, não há nenhum apelido destes na lista dos nossos camaradas que tombaram na Guiné. O Alf Mil que morreu, juntamente com os três majores naquela data fatídica, foi o Joaquim João Palmeira Mosca, natural do Redondo (1)

Foto: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores. 1995. p. 373. (Com a devida vénia...).



Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares onde se integrava o Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra (2). E muito provavelmente o futuro Alferes Giesteira (será que o apelido está correcto ?), que aparece na foto anterior, juntamente com os majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório.

Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.


Mensagem do Paulo Raposo, um dos baixinhos de Dulombi (CCAÇ 2405, 1968/70):

Caro Luís,

O Alferes que está na foto (3) era do meu pelotão de instrução em Mafra. Julgo que o nome dele era Giesteira, mas não estou certo. O baixinho do Beja Santos também é capaz de se lembar bem dele.

Quem deu ordem de os liquidar (4), sabia o que estava a fazer. Pois bloqueando a solução da Guiné, levava à revolta do pessoal que levou ao 25 de Abril.

Diga-se de passagem, eu não gostava do regime, nem um bocadinho. Isto que temos é que não é nada, e havia forçosamente alguma coisa de melhor entre os dois. Saímos da merda para entrar na caca.

Um abraço

Raposo

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Notas de L.G.:


(1) Vd. lista disponível, em formato pdf, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial > José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné

(2) Vd. post de 12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (1): Mafra

(3) Vd. post de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

(4) Vd. dossiê organizado pelo nosso camarada Afonso M.F. Sousa:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

Guiné 63/74 - P1509: Marinha: As LFG nunca dispuseram de armas de tiro curvo (Manuel Lema Santos)

Guiné > 1966 > A LFG Cassiopeia entrando a barra do Rio Cacheu .

Foto: Lema Santos (2007) / Museu da Marinha

O Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972) serviu como Imediato no NRP Orio (Guiné, 1966/68) .

Fotos: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.



Mensagem do nosso querido amigo e camarada Manuel Lema Santos (1), o primeiro ex-oficial da Marinha a contactar-nos e a pedir-nos licença para entrar na nossa caserna (que era, até então, só de infantes). Nós recebêmo-lo de braços abertos e sempre concordámos com ele quando diz que história da guerra da Guiné (e do Ultramar, em geral) só pode fazer-se juntando a malta dos três ramos das Forças Armadas. Pessoalmente tenho aprendido muito, com ele, sobre a Marinha, a nossa Marinha, e o seu papel durante a guerra colonial (ou do Ultramar, como queiram). Aprecio nele o rigor do engenheiro, a determinação do investigador, a sua grande paixão pela Marinha e a sua sensibilidade humana e cultural, como pessoa, em relação aos outros. Consulte-se, por exemplo, a sua página pessoal na Net > Reserva Naval. É um privilégio tê-lo entre nós. (LG)


Caro Luis Graça,

Submeter-me-ei sempre aos teus ensinamentos como Sociólogo, área em que sou um leigo confesso e, complementarmente, seria impensável alhear-me do apreço e reconhecimento devidos à enormidade do tamanho dos teus ombros.

O simples facto de te lembrares permanentemente da Marinha é um sinal de algo e, de forma mais abrangente, um bom sinal de muita coisa possível, a esboçar mesmo um início de qualquer coisa inovadora que rasgue novos horizontes para a construção de uma mais articulada História da Guiné.

Pela parte do apelo que me toca, fico sensibilizado mas, considerando apenas a Marinha, a dimensão do trabalho de pesquisa e recolha que envolve a tua gigantesca tarefa, tem de passar muito para lá de colaborações fortuitas, ainda que grasse entre todos os tertulianos marinheiros, e estes são tão poucos, a maior boa vontade em conhecer, participar e relatar de formas interessantes, diferentemente personalizadas e com alguma exactidão factos em que directa ou indirectamente participaram.

Como repetidamente tenho afirmado e, fá-lo-ei sempre com a mesma convicção, não acredito ser possível interpretar e compreender política, económica e socialmente aquela dúzia alargada de massacrantes anos - e será alguma vez possível? - enquanto não se iniciar a articulação sistemática da participação dos três ramos das Forças Armadas nos principais acontecimentos ajudando a lembrar e reconstruir a memória de cada um deles de forma individualizada e como parte de um todo.

E digo de um todo que vai levar muitos anos a construir, muito para lá da nossa efémera opinião e até existência.

Se assim não for, será superficial e passaremos a dispor de um interessante conjunto de relatos de jogos diferentes, com equipas diferentes e em que até o resultado final também será diferente.

Enquanto estiver convencido da necessidade de disponibilizar alguma da minha capacidade na ajuda a esclarecimentos de facto, ainda que aos poucos de cada vez, terei de me cingir a seguir os caminhos óbvios que a minha sensibilidade e conhecimento apontam: pesquisar, documentar e ilustrar se possível sobre determinado acontecimento e, só então, relatar e divulgar.

Nunca de forma definitiva porque o própio conceito de História o não permite mas, cometendo erros da mesma forma, terei efectuado um percurso mais correcto no sentido de os evitar ou minimizar a sua importância.

Dificuldades em situar, com precisão, os acontecimentos no tempo


Não consigo uma ajuda imediata na questão que me colocaste por vários motivos (2):

– Antes de me abalançar a efectuar considerações sobre os acontecimentos relatados tive o cuidado de ler todos os posts anteriores do camarada Mendes Gomes que, com alguma fluidez de escrita, procede a relatos diversos e interessantes de acontecimentos havidos com a CCAÇ 728 que, só no final do tempo de comissão, tem alguma coincidência com o meu tempo de permanêmcia na Guiné.

– Senti claras dificuldades em situar os relatos no período de tempo referido - 1964 a 1966 - sobretudo no que diz respeito à referenciação no tempo. Notei alguma ausência de datas, dias e meses que permitam a localização de alguns dados importantes. Sabemos todos da dificuldade de retenção deste tipo de dados na memória mas algum elemento perdido com algum esforço adicional ajudaria ao esclarecimento de um percurso.

– Nestas situações há que voltar voltar criticamente ao desernrolar dos relatos e que me seja desculpada a minha ausência de coragem para, nesta altura do campeonato, estar a passar o corrector sobre passagens de artigos de alguns camaradas que com maior ou menor dificuldade aqui vêm expor relatos, opiniões e muitas vezes, afectividade e sentimentos.

– Confesso que me foi impossível nas tentativas efectuadas qualquer relacionamento directo entre os factos relatados e o meu tempo de permanência na Guiné de Maio de 1966 a Abril de 1968 como imediato da LGF Orion. Mesmo relativamente a um trabalho de investigação e pesquisa que mantenho em curso sobre todas as LFG e de 1963 a 1975, o tempo de vida ao activo daquelas unidades navais, nada consegui apurar.

– Na época referida e reporto-me a 1966, encontravam-se na Guiné as LFG (Lanchas de Fiscalização Grandes) Hidra, Lira, Orion, Cassiopeia e Sagitário e das LFP (Lanchas de Fiscalização Pequenas], a Bellatrix, a Canopus e a Deneb. Ainda a considerar as LDG (Lanchas de Desembraque Grandes) Alfange Montante e, de maior porte, a FF Nuno Tristão (que anteriormente tinha participado na célebre Operação Tridente) e o NH Pedro Nunes (navio em Missão Hidrográfica) (3).

– As bacias hidrográficas dos Rios Cacine e Cumbijã tinham permanentemente uma LFG em cruzeiro e por períodos de 10 a 15 dias, tempo de autonomia aceitável para o conjunto de condições a satisfazer. Durante esse cruzeiro era quase certa uma ou duas deslocações ao rio Cumbijã, a Norte do rio Cacine, para apoio aos comboios de LDM e batelões das casas comerciais que efectuavam o abastecimento e transporte de pessoas e bens para Catió, Bedanda, Cabedú e Cacine. No percurso inverso efectuavam, do mesmo modo, o escoamento de produtos agrícolas, essencialmente o arroz e mancarra.

As especificidades e limitações dos nossos meios navais

- A protrecção e escolta no percurso do Rio Cumbijã fazia-se em condições de notável dificuldade e de elevado risco. As flagelações hostis por parte do IN à época eram quase sistemáticas e com diverso tipo de armamento. Faziam-no da Mata do Cantanhez no percurso entre a marca Almirante, início da formação do combóio, na foz do rio Cumbijã e a foz do rio Macobum depois de deixar para trás a foz do Cobade. As LFG's em conjunto com a LFP e as LDM ripostavam com o armamento disponível e já largamente referenciado em posts anteriores. Esta situação, manteve-se até ao 2º semestre de 1968, altura a partir da qual alguns aspectos estratégicos sofreram profunda alterações.

– As LFG nunca dispuseram de armas de tiro curvo; apenas pontualmente foram efectuadas experiências com Morteiro e com ALG. Esse facto sempre constituiu um problema porque sendo as Boffors de 40 mm, peças de fogo anti-aéreo, apenas efectuavam tiro tenso, em linha recta que auto-deflagravam por gravidade quando iniciavam a trajectória descendente, mas nunca em tiro próximo. Chegou a estar prevista a montagem de MP [Metralhadoras Pesadas] na ponte mas não chegou a ser efectuada.

– Não tenho conhecimento de qualquer acção como a referida mas, com elementos mais precisos, é possível uma pesquisa mais pormenorizada em que colaborarei depois de me serem facultadas algumas informações suplementares, sobretudo datas.

– Admito ainda ser possível, com alguma facilidade e a alguém menos conhecedor de navios de guerra, confundir perfis de unidades navais a alguma distância.

– Nesta altura já procedi à leitura do articulado enviado pelo Pedro Lauret (2) que reputo de inteiramente correcto.

Um abraço,
Manuel Lema Santos
Ex 1º TEN RN 1965/72
Guiné, NRP Orion 66/68

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

Vd. também o seu último post: 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

(2) Vd. posts de

9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1508: LFG no Cumbijã, marujos contra infantes ? Acidentes de guerra (Pedro Lauret)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha


(3) Vd. posts:

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

Guiné 63/74 - P1508: LFG no Cumbijã, marujos contra infantes ? Acidentes de guerra (Pedro Lauret)



Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > O Pedro Lauret, oficial imediato da LFG Orion (1971/73), a navegar no Cacine. Em segundo plano, o comandante Rita.

Depois de ter completado o Curso de Marinha na Escola Naval (1967/71), o Pedro Lauret foi promovido a Guarda-Marinha em Julho de 1971, tendo embarcado para a Guiné, em Setembro de 1971. Aí exerceu o cargo de Oficial Imediato do NRP Orion. Na sua comissão na Guiné (1971/73) exerceu intensa actividade operacional em todos os rios e braços de mar navegáveis pelo navio (Cacheu, Geba, Buba, Tombali, Cumbijã, Cacine, Bijagós).

Foto: © Pedro Lauret (2006).Direitos reservados.

1. A propósito da última crónica do nosso Palmeirim de Catió (1), mandei aos nossos dois marinheiros, Manuel Lema Santos e Pedro Lauret, o seguinte SOS, com pedido de esclarecimento:

Queridos marinheiros: Peço para darem uma vista de olhos a esta crónica… O nosso Palmeirim troca o Cumbijã pelo Geba e as LGF pelas corvetas… Fiz a devida correcção… Mas queria a vossa douta opinião… E depois a Marinha a matar os nossos infantes, também não é coisa que se faça… Aconteceu, podia acontecer… (?). Saudações, com água doce e salgada. Luís

2. A resposta do Pedro Lauret (2) foi gentilíssima e célere. Aqui fica:

Caro Luís,

Não tenho conhecimento do episódio que é narrado, nem sequer tal assunto foi ventilado no tempo da minha comissão. De qualquer forma vou tentar investigar o que aconteceu para depois vos comunicar. Talvez o Lema Santos, que fez a sua comissão antes de mim, tenha ouvido falar no incidente.

Tenho alguma dificuldade em perceber a situação operacional que poderia estar por detrás de tão grave incidente. As LFG estavam armadas com duas peças Bofors de 40 mm, peças anti-aéreas, de ritmo de fogo de 120 munições por minuto. Como peças anti-aérea estavam preparadas para efectuar tiro tenso, ou seja, para aproveitar utilmente a parte rectilinea inicial da trajectória. O tiro contra-costa fazia-se sobretudo tudo em situações defensivas, com o IN à vista - tiro contra as margens ou para o orla da mata em clareiras.

Não possuíamos mecanismos de tiro contra alvos fora da visão directa dos apontadores. Ou seja, não havia condições para, de forma útil, efectuar tiro contra alvos fora do alcance visual, ou seja, tiro curvo. Nem as peças estavam vocacionadas para tal fim. Só seria possível se dispusesemos de uma direcção de tiro que permitisse posicionar as peças relacionando o movimento do navio, as coordenadas do alvo e os elementos de tiro.

Tanto quanto sei, quando foi necessário efectuar tiro contra costa foram utilizadas as peças de fragatas, no início da guerra, por exemplo na Operação Tridente [, na Ilha do Como, Janeiro a Março de 1964] ou posteriormente e raramente a peça de 120 mm do Navio Hidrográfico Pedro Nunes.

Acidentes numa guerra como foi a da Guiné existiram e não é de admirar, a proximidade dos combatentes era grande e as comunicações nas nossas FA nunca foram o seu forte!!! Numa operação em que estão envolvidos muitos meios, a coordenação deve ser perfeita, caso contrário os acidentes são inevitáveis. Todos estamos lembrados do Vietname e mesmo agora no Iraque.

Basta por vezes um conjunto de circunstâncias se conjugarem para o acidente ocorrer, por exemplo, o meu navio [, a LFG Orion,] foi uma vez flagelado pela artilharia de Binta.

Recebemos uma mensagem, ao fim do dia, para apoiar Binta que estava a ser flagelada com grande intensidade. Subimos o rio e um pouco a montante da clareira do Tancroal, vimos claramente as saídas do IN. Abrimos fogo intenso tendo calado aquele grupo atacante.

Em Binta o pessoal ouviu rajadas e uma chuva de tracejantes pouco habitual que presumiu ser do IN e abriu fogo. Fomos contemplados com uma salva de obus (salvo erro, de 14), que rebentaram na margem muito próximo de nós, com uma imponência de pôr em sentido o mais valente marinheiro. Suspendemos o tiro continuamos a subir o rio em direcção a Binta sem mais qualquer incidente.

Um abraço
Pedro Lauret
Capitão de Mar e Guerra, na reforma,
antigo imediato do NRP Orion,
Guiné (1971/73)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha

(2) Vd. também o último post do Pedro Lauret: 12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1506: Convívio do BCAÇ 1888: CCS e CCAÇ 1549 (1966/68) (Joaquim Peixeira / Natalino S. Batista, o barreirense)

1. Através do José Martins, procurou-me há tempos, na Escola Nacional de Saúde Pública onde trabalho, o Joaquim Peixeira, que foi Furriel Miliciano da CCAÇ 1549, pertencente ao BCAÇ 1888 (Tite, Fulacunda, Quinhamel, 1966/68). Tem, além disso, uma filha ligada à administração hospitalar, colega do nosso Paulo Salgado.

O Peixeira viu morrer nos seus braços o alferes do seu pelotão. Não se terá calado sobre o que se passou. A hierarquia militar não gostou. O Peixeira acabou por ser transferido por motivos disciplinares, para a CCAV 1617, pertencente ao BCAV 1897 (Mansabá).

Natural de Campo Maior, mora actualmnete em Loures: R José Marques Raso, 16, 2670-445 Loures. Infelizmente não tem e-mail.

2. Mais uma vez, ele vai organizar, este ano, o convívio da malta da CCAÇ 1549 . Deixou-me a seguinte mensagem, com pedido de divulgação no nosso blogue:

"Missiva aos amigos: passaram quatro décadas, mas não passou a amizade criada durante o tempo que estivemos juntos. Por isso vamos realizar mais um encontro e contamos com a vossa presença.

"Dia 25 de Abril de 2007. Mafra. Concentração junto ao Convento. Inscrições até 15 de Abril.

"Almoço (entradas, sopa, peixe, carne, sobremesa e digestivos) > Preço por pessoa: adultos= 22,5€; Crianças (de 5 a 12 anos)= 11,25€; menores de 5 anos= grátis.

"Contactos: J. Peixeira > Telef 21 983 24 78 / TM 96 293 05 30".

3. No dia 29 de Abril de 2007, será a vez de se reunirem os antigos elementos da CCS do BCAÇ 1888. Local: Restaurante David, sito na Estrada Leiria-Figueira da Foz (Ortigosa, Leiria).

A CCS do BCAÇ 1888 passou por Bambadinca (1966/68). Quem fazia parte desta unidade era o nosso camarada Natalino da Silva Batista, operador de transmissões. Era conhecido como o barreirense. Vive desde 1970 na Alemanha, onde "tenho a mulher mais querida da minha vida; duas filhas e um rapaz; e ainda dois netos, um moço e uma moça". O Natalino tinha-nos há tempo escrito: "tenho pena de só agora saber que ainda há malta do meu tempo e não poder estar com alguns porque a minha saúde não dá para ir aí"... Nessa altura (4 de Agosto de 2006), também me disse que não se lembrava de nenhuma explosão do paiol de Bambadinca, até porque ele andava sempre em destacamentos (Saltinho, Enxalé, etc.).

O J. Peixeira pediu-me para lhe transmitir, de qualquer modo, a notícia do convívio da sua unidade, a CCS do BCAÇ 1888.

A organização também é do J. Peixeira.

Guiné 63/74 - P1505: Lembranças da Vila de Catió (1): Albano Costa / Mendes Gomes / Vitor Condeço


Guiné > Região de Tombali > Catió > 1967 > O Fur Mil Mecânico de Armamento Victor Condeço, que pertenceu à CCS do BART 1913 (Catió 1967/69).

Foto: © Vítor Condeço (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do Victor Condeço que esteve em Catió (1) e que teve a gentileza de responder a um meu mail, em que lhe pedia, a ele e a outros camaradas que estiveram em Catió, para legendar uma colecção de fotos sobre aquela vila da região de Tombali , tiradas pelo Albano Costa (AC) e pelo seu filho, em Novembro de 2000.

Recorde-se que no tempo da guerra colonial Catió era um importante centro administrativo e militar. Era sede de concelho ou circunscrição tal como Bolama, Fulacunda, Bafatá, Nova Lamego, Bissorã, Farim, Mansoa, Teixeira Pinto e São Domingos.

Vocês que estiveram em Catió, embora em épocas diferentes, talvez queiram dar uma vista de olhos e pôr umas legendas ou fazer algum comentário a estas fotos que me mandou o Albano Costa. Ele esteve lá, em Novembro de 2000, com o filho (Hugo) e com um grupo de ex-combatentes.


Meu caro Luís: Acima de tudo quero agradecer-te as emoções que me proporcionas-te ao ver esta colecção de fotografias de Catió. O meu obrigado também ao Albano Costa e ao seu filho que no-las proporcionaram.

Não foi pacífico para mim rever Catió 38 anos depois de lá ter saído, foi um misto de alegria e tristeza.

- Alegria, por rever os locais onde passei os bons e maus momentos, as alegrias e as tristezas, de uma comissão de 22 meses. Alegria também por ver que a vila não parou, ao que se vê quando a guerra acabou terá crescido, demoliu muros e ocupou o quartel dando-lhe outras utilizações.

- Tristeza, por ver que em 2000 nem tudo ia bem, nota-se algum descuro na limpeza e conservação das ruas e do património que foi aproveitado. Dá indícios que depois do crescimento que a vila terá conhecido no pós guerra, houve um retrocesso.m Outrora foi uma vila limpa, de ruas de terra batida mas sem capim. Sinais dos tempos e da crise que grassa um pouco por todo lado.

Luís, o tempo que medeia entre o meu regresso e a data das fotografias é de 31 anos, procurarei descrever cada uma o mais fielmente possível, para isso vou socorrer-me da minha memória visual, das fotografias que tenho de certos locais e à planta do quartel do tempo em que ali estive. Algumas não conseguirei e se fossem fotografias actuais, decerto mais difícil se tornaria, vamos ver o que consigo.

Luís, revivi Catió, calcorreei de novo as suas ruas, contemplei de novo as suas casas, cruzei-me com os seus habitantes, revi amigos e pessoas que me trataram bem, revi cada canto do quartel, contemplei as bajudas lavadeiras no seu portão e senti-me mais novo quase 40 anos. Tudo graças a estas fotos!

Desculpa se fui exaustivo na minha descrição, estás a vontade para aligeirar o que entenderes, compara com as respostas do João Tunes e do Mendes Gomes.

Se existirem grandes discrepâncias diz, pois podemos ter de corrigir alguma coisa. Brevemente vou enviar-te as tais fotos de que te falei e que mostram alguns destes locais de Catió.

Um abraço
Victor Condeço


2. Mensagem do Mendes Gomes (MG), o palmeirim de Catió (2):

Caríssimo Luís: Antes de mais, quero renovar-te o meu agradecimento, pelo esforço e labor à tarefa que nos tem deliciado, a mim e a todos os amigos da tertúlia. Para além do serviço de valor imperecível que tem. Bem hajas.

Continuo em Berlim. A emboscada rendeu-me, já uma formosa neta, precisamente na madrugada do dia 26 de Dezembro [de 2006]. Um rebento saboroso, como são sempre os netos, nesta fase do caír da folha.

Da 5ª série de fotos, não consigo identificar nenhum daqueles trechos, tão frequentes em Catió. As construções, tipo arrecadação, das fotos poderiam ter sido luxuosa casernas, que não foram, do meu tempo. (...).

Como quer que seja, ali, nelas todas, cheirou-me a Catió...e ficou-me a nostalgia daqueles tempos, donde, apesar da guerra, se alcançava o infinito. Muita saúde e um enorme abraço, do tamanho deste mundo, para Ti e todos os amigos da tertúlia... Mendes Gomes.

3. O Albano Costa (AC), por sua vez, escreveu-me: "Quanto às legendas, vou tentar à distância de seis anos, e como só lá estive umas horas, ser o mais correcto possível, embora algumas é melhor deixar à imaginação de quem conheceu Catió"... O Albano esteve no norte, junto à fronteira do Senegal (CCAÇ 4150, Guidaje, 1973/74). Em Novembro de 2000, visitou também o sul, integrado num grupo de ex-combatentes.


Fotos: © Albano Costa / Hugo Costa (2007). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 1 >
"A Igreja Católica, vista da rua que passava por dentro da zona antiga do quartel e ligava na estrada de Priame, que tinha duas faixas de rodagem separadas por uma fila de palmeiras" (VC).

"Igreja de Catió, em frente aos correios" (AC).

"Desta série, só identifico a igrejinha. Onde passei um Páscoa inesquecível. Tenho fotos, algures, lá por casa... com a pequenada de putos, na procissão dos ramos" (MG).


Foto 2 > "A foto é tirada da zona da Rotunda e mostra a curta mas larga avenida com passeios laterais cimentados e canteiros com árvores, divisória central ajardinada, era onde se situavam os edifícios públicos e administrativos, escola, enfermaria, residências do secretário e do administrador, esta última encimava a dita avenida" (VC).




Foto 3 > "Não consigo identificar este local, parece tratar-se de um monumento algures, mas que não recordo a sua existência em 1967/69" (VC).



Foto 4 > "Igreja vista do lado da Rotunda, à direita uma das antigas habitações coloniais, no mesmo sítio onde se vê a torre de telecomunicações, em 1967/69 eram os CTT, que também tinham uma torre para o mesmo fim" (VC)

"Centro de Catió, do lado esquerdo a igreja; e do direito os correios" (AC)

"Destas, à frente da igreja, seria a casa onde funcionava o posto administrativo...talvez...Esta memória não me ajuda. Ou então, falta lá a indispensável presença da malta fardada militar...


Foto 7 > "Rua com início próximo da Igreja e Rotunda" (VC).




Foto 8 > "Vista a partir da Rotunda, antiga rua das Palmeiras que ligava à estrada de Priame passando por dentro da parte antiga do quartel" (VC).

"Do lado direito , o local de partida do toca-toca" (AC).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1336: Catió: Autor de pintura mural, procura-se (Victor Condeço)

3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

(2) Vd. o seu último post > 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha